14
AULA 1 1.1 ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: RETROSPECTIVA HISTÓRICA 1 Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. (BARBOSA, 1991, p. 4). Para compreender o ensino/aprendizagem de Arte na educação escolar, assim como os avanços e recuos historicamente construídos e em construção, se faz necessário analisar o seu percurso oficial, no contexto educacional brasileiro. Ao refletir sobre o assunto, torna-se oportuno elucidar as concepções pedagógicas que se fizeram/fazem presentes no cotidiano escolar, a fim de situar às práticas educativas em Arte. Assim, para essa discussão, é pertinente considerar as tendências teóricas da educação escolar: a pedagogia liberal e a pedagogia progressista, as quais exerceram/ exercem influências consideráveis no processo de construção do conhecimento da Arte. No entanto, conforme afirma Luckesi (1994), é evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas; a classificação e sua descrição poderão funcionar como instrumento de análise para avaliar a prática de sala de aula. 1 Texto extraído da dissertação Marchas e Contramarchas do Ensino de Arte: Tramas e Relações das Propostas Pedagógicas no Ensino de Arte, 1998, de Ana Del Tabor V. Magalhães.

Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

.

Citation preview

Page 1: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

AULA 1

1.1 ARTE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: RETROSPECTIVA HISTÓRICA1

Arte não é apenas básica, mas fundamental na educação de um país que se desenvolve. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. (BARBOSA, 1991, p. 4).

Para compreender o ensino/aprendizagem de Arte na educação escolar, assim como os avanços e recuos historicamente construídos e em construção, se faz necessário analisar o seu percurso oficial, no contexto educacional brasileiro.

Ao refletir sobre o assunto, torna-se oportuno elucidar as concepções pedagógicas que se fizeram/fazem presentes no cotidiano escolar, a fim de situar às práticas educativas em Arte. Assim, para essa discussão, é pertinente considerar as tendências teóricas da educação escolar: a pedagogia liberal e a pedagogia progressista, as quais exerceram/ exercem influências consideráveis no processo de construção do conhecimento da Arte.

No entanto, conforme afirma Luckesi (1994), é evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas; a classificação e sua descrição poderão funcionar como instrumento de análise para avaliar a prática de sala de aula.

1 Texto extraído da dissertação Marchas e Contramarchas do Ensino de Arte: Tramas e Relações das Propostas Pedagógicas no Ensino de Arte, 1998, de Ana Del Tabor V. Magalhães.

Page 2: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

A Tendência Liberal

Os educadores dessa tendência acreditam que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Por isso, há ênfase no aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, por meio do desenvolvimento da cultura individual.

A Tendência Tradicional se caracteriza por enfatizar a transmissão de conhecimentos difundidos pelo professor, principal agente do processo. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor/aluno não promovem nenhuma articulação entre o aluno e as realidades sociais. Dessa forma, os indivíduos, por meio dos conhecimentos advindos da escola, podem organizar uma sociedade democrática.

No que se refere à área de Artes, a primeira institucionalização sistemática do ensino de arte, no Brasil, foi a Missão Francesa. Com a sua vinda em 1816, fundou-se a Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro. E o desenho tornou-se matéria obrigatória nos anos iniciais de estudo da Academia. Mas, somente em 1826, começou a funcionar.

O ensino trazido pelos franceses revelou-se mais uma imposição de valores, tendo em vista que o estilo barroco-rococó, o primeiro produto cultural brasileiro, foi substituído pelo neoclassicismo europeu. Como conseqüência, houve distanciamento popular em relação à Arte.

Barbosa ao referir-se sobre o assunto, afirma que:

[...] Esta transição foi abrupta, e num país que até então importava os modelos da Europa com enorme atraso, a “modernidade”, representada pelo neoclássico, provocou suspeição e arredamento popular em relação à Arte [...] afastando-se a arte do contato popular, reservando-a para the happy few e os talentosos, concorria-se, assim, para alimentar um dos preconceitos contra a arte até hoje acentuada em nossa sociedade, a idéia de arte como uma atividade supérflua, um babado, um acessório da cultura. (BARBOSA, 1978, p. 19-20)

Na ocasião, havia interesse de Le Breton, chefe da Missão Francesa, em difundir um ensino voltado às belas-artes e às indústrias, aqui, no Brasil. Ou seja, um equilíbrio entre educação popular e educação burguesa.

Page 3: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Entretanto, o acesso das camadas populares à produção artística, na Escola Imperial de Belas Artes, não era preocupação da classe dominante por causa da polêmica já instaurada, na Europa, entre arte como criação e arte como técnica.

Até a Proclamação da República, em 1889, o ensino de arte nas escolas oficiais concentrou-se naquelas atividades destinadas à produção de bens. Por isso, alguns liberais defenderam a idéia de que uma educação popular para o trabalho deveria ser o principal objetivo da arte, na escola, e iniciaram uma campanha para tornar o desenho (técnico e geométrico) obrigatório, no ensino primário e secundário.

Essa preocupação deveu-se tanto às práticas liberais quanto às práticas positivistas em vigor, na época.

O desenho com a conotação de preparação para a linguagem científica era a interpretação veiculada pelos positivistas; o desenho como linguagem técnica, a concepção dos liberais. Entretanto, a partir de 1901, passaram a exigir uma gramática comum, o desenho geométrico, que era proposto nas escolas primárias e secundárias como um meio, não um fim em si mesmo. Para os positivistas era um meio de racionalização da emoção e, para os liberais, um meio de libertar a inventividade dos entraves da ignorância das normas básicas de construção. No entender dos liberais “barbosianos”, a liberdade exigia o conhecimento objetivo das coisas. (Ibid, p. 80-81).

Assim, nesse período, o ensino de arte estava apoiado na cópia e na repetição de um modelo, com o intuito de reproduzir fielmente a figura exterior. Os métodos empregados tinham por finalidade exercitar a vista, a mão, a inteligência, a imaginação, o gosto e o senso moral.

Esse modo de atuar com a arte na escola remonta a João Amos Comenius que nos apresenta em seu livro Didática Magna (1627) os princípios de um “método para ensinar as artes”. Esse autor propõe para o ensino da Arte de sua época a observação e reprodução de modelos, que deveriam ser “completos e perfeitos”, depois, sugere apresentação de novos exemplos que seriam adaptados aos modelos e, finalmente, apresentação de obras de “artistas de valor”, para que os alunos os julgassem de acordo com os modelos e regras aplicados. Comenius afirma categoricamente que “estes exercícios devem ser continuados, até que tenham criado o hábito da arte” (FUSARI; FERRAZ, 1992, p. 25).

Os intelectuais e políticos brasileiros a procura de um modelo que efetivasse a articulação entre a criação e a técnica, isto é, entre arte e sua aplicação à indústria, se apoiaram nos modelos de Walter Smith2, cuja finalidade era a popularização do ensino de arte, concebido como ensino do desenho.

2 Organizador do ensino de arte em Massachusetts (EUA). Defendia a idéia de que todos tinham capacidade para desenhar através de exercícios geométricos progressivos.

Page 4: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

A ruptura com os modelos impostos e os princípios da tendência liberal renovada3, que têm suas origens no final do século XIX, vão interferir, substancialmente, na transformação das práticas educativas em arte4, tendo como aspecto determinante a Semana de Arte Moderna.

Pautada em estudos de psicologia, a tendência liberal renovada propôs uma ruptura com os métodos da escola tradicional, objetivando assumir a organização de uma sociedade mais democrática. Essa nova visão de entender a educação:

[...] Deslocou o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para a pedagogia de inspiração experimental, baseada, principalmente, nas contribuições da Biologia e da Psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (SAVIANI, 1991, p. 20-21).

Contudo, apesar de sua proposta renovadora, não houve avanços significativos – para um ensino dos mais antigos no país – em função dos valores pragmáticos e técnicos, oriundos da conceituação do desenho geométrico e técnico predominante, na época. Esta prática se fundamenta na crença de que a arte não se ensina, se expressa.

A idéia de livre expressão, originada no expressionismo, enfatiza a importância da organização do espaço e da diversidade dos materiais que devem ser colocados à disposição do aluno, para que este se expresse livremente. Nesse período,

[...] os professores de tendência pedagógica mais escolanovista apresentam uma ruptura com as “cópias” de modelos e de ambientes circundantes, valorizando, em contrapartida, os estudos psicológicos das pessoas. Assim, a concepção estética predominante passa a ser proveniente de: a) estruturação de experiências individuais de percepção, de integração, de um entendimento sensível do meio ambiente (estética de orientação pragmática com base na Psicologia Cognitiva; b) expressão, revelação de emoções, de insights, de desejos, de motivações experimentadas interiormente pelos indivíduos (estética de orientação expressiva, apoiada na Psicanálise). (FUSARI; FERRAZ, 1992, p. 28).

3 No Brasil, seus reflexos começam a chegar por volta de 1930. (FERRAZ; FUSARI, 1992, p. 27). 4 Neste período, a educação primária e a escola normal se tornam centro das atenções reformistas. (BARBOSA, 1983).

Page 5: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

O lema do “aprender fazendo” difundiu-se nas escolas brasileiras e a

aplicação indiscriminada da livre expressão e da criatividade resultou num

espontaneismo exagerado, sem haver uma preocupação com a sistematização dos

conteúdos. Isto favoreceu uma dicotomia entre a teoria e a prática, que colocou o

ensino de Arte num espaço onde as práticas se davam de maneira pouco

fundamentada, predominando o laissez-faire.

Forquin ao debater sobre as finalidades do ensino de Arte na formação do indivíduo, afirma que:

[...] a educação artística, porém, não se contenta apenas com as virtudes instauradoras do acaso, do laissez-faire e da intervenção, mas pressupõe, pelo contrário, a utilização de métodos pedagógicos específicos, progressivos e controlados, os únicos capazes de produzirem a alfabetização estética (plástica, musical etc.), sem a qual toda a expressão permanece impotente e toda criação é ilusória. (FORQUIN, 1982, p. 25).

As contribuições de Forquin são fundamentais para compreender o papel da Arte na formação global do indivíduo, considerando que a função da Arte na educação não é apenas criar aptidões artísticas, mas, também, enfatizar atividades expressivas, sensibilizadoras e criativas.

Autores como John Dewey (1980), Viktor Lowenfeld (1976) e Herbert Read (1977) contribuem para as mudanças pedagógicas no ensino de Arte, no Brasil. Porém, a maioria dos métodos introduzidos são interpretados de forma equivocada. Barbosa (1989, p. 25) afirma que os métodos sobre a inspiração de Dewey são considerados a vanguarda educacional. “É o caso do ensino das artes plásticas associado à expressão corporal tão em voga hoje em dia, mas que foi introduzido no Brasil, em 1929, por Artus Perrelet sob a influência de Dewey”.

Ressalta que a idéia da arte como expressão de aula de outras disciplinas e o desenho de observação como reflexão visual são outras vertentes do pensamento deweyano herdadas da Escola Nova e ainda enfatizadas nas salas de aula. (idem, 1989)

As idéias de Lowenfeld (1976), nos anos 40, tiveram e ainda têm grande repercussão no Brasil. O autor insistia numa educação que rompesse com o uso de modelos, impostos com muita freqüência pelos professores. Enfatizava a necessidade de compreensão e respeito ao produto estético infantil, o qual não deve ser comparado com os padrões de expressão do adulto, nem deve ser visto como representação inadequada da natureza, mas como “simbolização”.

Page 6: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Read (1977) também, nos anos 40, vai influir no pensamento de professores de Arte, por meio da obra A Educação pela Arte, publicada em 1943, na qual ressalta que “a arte deve ser a base da educação”. Estas idéias de Read contribuíram para a formação de um dos movimentos mais significativos do ensino artístico – A Educação Através da Arte.

A tendência liberal tecnicista desenvolveu-se desde a segunda metade do século XX, mas, no Brasil, é introduzida entre 1960 e 1970. Objetivava a preparação de indivíduos competentes e produtivos, conforme a solicitação do mercado de trabalho. Nas aulas de arte, os aspectos técnicos e o uso de “sucatas” são evidenciados. Há também forte influência dos livros didáticos como suporte para elaboração das atividades artísticas.

Com a implantação da Lei nº. 5.692/71, a Educação Artística passou a ser componente obrigatório nos currículos escolares de 1º e 2º graus. Desde então, a presença das artes tornou-se objeto de discussão e distorções teóricas e metodológicas, face ao despreparo dos profissionais que assumiram o ensino da Educação Artística, oriundos de outras áreas de conhecimento e formação de curta duração. Tal despreparo deveu-se à metodologia polivalente que se instalou na formação do professor, fragmentando o conhecimento artístico sem aprofundamento das linguagens específicas – Artes Plásticas, Música, Artes Cênicas e Desenho.

Vale ressaltar que os motivos que originaram as distorções teóricas e metodológicas estão expressos no Parecer nº. 540/77. Este aborda o tratamento a ser dado aos componentes curriculares previstos no artigo 7º, da Lei nº. 5.692/71:

[...] Na prática, é preciso que tenham os educadores a humildade de reconhecê-lo, os objetivos da Educação Artística, da Educação Moral e Cívica, da Educação Religiosa e dos Programas de Saúde têm sido assiduamente distorcidos. Não por má fé, certamente e felizmente, mas por inexperiência, por falta de questionamento e, também, talvez pela inexistência de recursos humanos devidamente preparados e em número suficiente para atender à demanda. (BRASIL, 1996).

Inexistência de recursos humanos, inexperiência e conseqüente falta de questionamento são as causas apontadas pelo Parecer. Esses fatores somados a outros historicamente construídos contribuem, sobremaneira, para a fragilidade do Ensino de Arte, no contexto educacional.

Page 7: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Após a institucionalização da Educação Artística nos currículos escolares, “os primeiros sete anos da educação artística foi um caos, uma inutilidade, uma excrescência no currículo, com professores despreparados, deslocados e menosprezados pelo sistema escolar.” (BARBOSA, 1988, p. 23-24)

Na Universidade, as contradições agudizam-se diante da necessidade de uma política pedagógica comprometida com a qualidade do ensino de arte. Mesmo com a criação da Licenciatura Plena em Educação Artística e suas respectivas habilitações Artes Plásticas, Música, Artes Cênicas e Desenho, em 1973, ainda persistem, na universidade, fatores que contribuem para uma visão destorcida das artes e seu ensino. Entre eles: a atuação de outros profissionais de “áreas afins”; as descaracterizações metodológicas e a falta de esclarecimentos conceituais de ensino e aprendizagem das artes. Em conseqüência, a educação básica sofre as deficiências de um “modelo” de ensino de arte que necessita de profundas reformas.

Enquanto aconteciam tais distorções, de um lado, muitos profissionais da área se engajaram criando novas frentes de atuação – escolinhas de arte, escolas particulares, ateliês e outros. De outro lado, no espaço oficial, havia (e ainda há) dificuldades de criar projetos comprometidos com a arte no contexto educacional.

O movimento das Escolinhas de Arte, no Brasil, teve origem em 1948, no Rio de Janeiro, com Augusto Rodrigues depois de manter contatos com Herbert Read, educador e incentivador da arte na educação. As experiências revolucionárias de Read influenciaram muitos educadores brasileiros sobre o papel que a arte pode exercer no crescimento do indivíduo, enquanto ser humano total.

Novas escolas foram abertas em outros Estados, organizadas sob a forma de atelier-livres e orientadas, principalmente, por artistas plásticos. Tinham como objetivo o desenvolvimento da criatividade e o incentivo à expressão individual.

Mesmo com as inovações trazidas de outros países, as propostas pedagógicas da tendência liberal no ensino de arte não foram reconhecidas como essenciais no currículo escolar. Essas propostas têm se mantido de forma acrítica, caracterizadas por uma visão destorcida da arte e seu ensino, o que implica num repensar sobre as práticas educativas em arte.

Page 8: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

A Tendência Progressista

Na tentativa de superar os limites impostos e incorporar contribuições para uma análise critica dos modelos vigentes, surge, no final da década de 70, o movimento de artistas e educadores com a perspectiva de reconceituar o ensino de arte.

Novas teorias pedagógicas surgem para explicar a superação do pensamento liberal na busca de um projeto pedagógico progressista. Freire (1979), com o seu método revolucionário de alfabetização de adultos, influenciou consideravelmente as práticas pedagógicas na educação escolar.

Os educadores desta tendência acreditam que a conscientização política ocorre na prática social ampla e concreta do cidadão e que a educação escolar, ao assumir o conhecimento acumulado e em produção pela humanidade, irá favorecer ao educando o instrumental necessário para que ele exerça uma cidadania consciente, crítica e participante. Nesse sentido, a pedagogia crítica, fundamentada na prática social viva e transformadora, implica na articulação entre a educação, cultura e currículo.

A partir dos anos 80, o Movimento Nacional de Arte-Educação ampliou a discussão sobre a valorização da arte e seu ensino, em todos os níveis da educação, debatendo os avanços conceituais e metodológicos evidenciados no Ensino de Arte (não mais Educação Artística), sinalizando um novo marco curricular, em que o fazer arte necessita do conhecer e exprimir.

A preocupação básica do Movimento era consolidar a consciência política dos arte-educadores, discutir as razões subjacentes na hierarquia escolar da área de Arte no currículo escolar e criar mecanismos de implantação das Associações Estaduais.

Assim, tornou-se uma prática cada vez mais freqüente a discussão, sobre tais questões, nos Congressos Nacionais realizados pela Federação de Arte-Educadores do Brasil e outros eventos científicos, no país, objetivando reordenar o ensino de arte, no contexto educacional.

Com a promulgação da Constituição Federal (1988), iniciam-se as discussões sobre a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9.394/96. Vários projetos apresentados pelos congressistas excluíam as Artes do currículo escolar, – aliás é mais fácil acabar o que não “funciona” para quem tem o

Page 9: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

poder – entretanto, a mesma lógica de raciocínio não se aplicou na hierarquia das disciplinas ditas mais “sérias” no currículo escolar. Questionar as razões da fragilidade conceitual e metodológica do ensino das Artes é exigir do Estado uma ação mais comprometida com a Educação (deveria ser o papel desses congressistas que submetem a nação à falsa ideologia dos interesses imediatos).

Quando se pretende uma educação não apenas intelectual, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a percepção e a imaginação, para captar a realidade circundante e desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação desta realidade (BARBOSA, 1991).

Após avanços e recuos, marchas e contramarchas, o Ensino de Arte, finalmente, continuou obrigatório em todos os níveis da Educação Básica, conforme cita a Lei nº. 9.394/96, artigo 26, parágrafo 2º: “O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Entretanto, continuar a luta política e conceitual para um ensino de Arte visto como matéria e/ou componente curricular, também é um grande desafio.

Preocupados com as interpretações advindas da fragilidade da área, tais como: caráter de atividade, arte não tem conteúdo, arte não se ensina. Os arte-educadores de todo o Brasil propiciaram discussões sobre tais questões, contribuindo para modificar a nomenclatura a ser emprega da nova Lei.

Os anseios da época são revelados nos comentários de Barbosa (1991, p. 7), quando fala: “Arte-Educação é epistemologia da arte e, portanto, é investigação dos modos como se aprende arte na escola de 1º e 2º grau, na universidade e na intimidade dos ateliers”. Afirma ainda que talvez seja necessário, para vencer o preconceito, sacrificar a própria expressão arte-educação que serviu para identificar uma posição de vanguarda do ensino da arte contra o oficialismo da educação artística dos anos setenta e oitenta. Sugere que seja eliminada a designação arte-educação e que se passe a falar diretamente de ensino da arte e aprendizagem da arte sem eufemismos. Enfatiza que há necessidade de rever conceitualmente o ensino de arte na escola fundamental, nas universidades, nas escolas profissionalizantes, nos museus, nos centros culturais.

Castanho na década de 80, já evidenciava a necessidade de se repensar as práticas educativas em arte:

Page 10: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

[...] A função da Educação Artística tem sido, nas séries que o nosso estudo inclui, a de enfeitar o currículo para criar a ilusão de que se está ministrando educação humanista ao mesmo tempo em que o papel do professor se limita a enfeitar a escola nos dias de festa. Parece não haver linha teórica clara nas práticas artísticas. Nem a arte como intuição sensível, nem a arte como informante do real. Dentro e em meio a um emaranhado de práticas herdadas do passado, procura-se hoje alterar o comportamento do professor de educação artística em favor de algumas idéias supostamente novas e que se ligam aos aspectos compreendidos no primeiro grupo de teorias em educação (desenvolvimento da auto-expressão, processo e não produto, potencialidades e não formação artísticas). (CASTANHO, 1982, p. 170-171).

Trinta e quatro anos, após a obrigatoriedade do Ensino de Arte no contexto educacional, verifica-se que à Arte e seu ensino continua sendo símbolo de distinção. O acesso aos códigos artísticos e estéticos ainda é privilégio das classes mais favorecidas, revelando que a educação, no Brasil, sempre esteve a serviço da classe detentora do poder, impondo valores e negando outros de seu interesse.

A escola tem-se configurado, em sua ideologia e em seus usos organizativos e pedagógicos, como um instrumento de homogeneização e de assimilação à cultura dominante. Tem sofrido processos de taylorização progressiva que dificultam a acolhida e a expressão das singularidades que não se acomodam à padronização que caracteriza o conhecimento que transmite e a conduta que exige dos alunos. Não irá admitir facilmente outras práticas e outras idéias, contrárias aos fins e usos planejados através de toda a história da escolarização. (MOREIRA; SILVA, 1995, p. 84).

Apple analisa, também, a escola como agente de criação e recriação de uma cultura dominante afirmando que,

[...] as escolas ajudam a manter o privilégio por meios culturais, ao tomar a forma e o conteúdo da cultura e do conhecimento dos grupos poderosos e defini-los como um conhecimento legítimo a ser preservado e transmitido. Dessa forma, elas atuam como agentes daquilo que Raymond Williams chamou de a “tradição seletiva”. As escolas, portanto, são também agentes no processo de criação e recriação de uma cultura dominante eficaz. Elas ensinam normas, valores, disposições e uma cultura, que contribuem para a hegemonia ideológica dos grupos dominantes. (APPLE, 1989, p. 58).

No âmbito destas preocupações, a luta pela qualidade do ensino de Arte em todos os níveis da educação eclodiu nos estados brasileiros, originando as Associações e Núcleos de Arte-Educadores. Surge então, durante o II Simpósio Internacional de História da Arte-Educação (1987), em Salvador-BA, como necessidade premente, a Comissão Pró-Federação de Arte-Educadores do Brasil, em 1986, para congregar as Associações e Núcleos.

Em setembro de 1987, por ocasião do II Encontro Latino-Americano de Arte-Educação no I Festival Latino-Americano de Arte e Cultura, em Brasília-DF, é fundada a Federação de Arte-Educadores do Brasil – FAEB.

Page 11: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Após a fundação da FAEB, ao longo desses anos, em cada Congresso, as discussões são intensas, as trocas de saberes com ‘sabores’ são essenciais; as conquistas são sempre etapas vencidas para uma efetiva política de atuação/articulação de um ensino comprometido com uma educação estética e artística, no contexto escolar.

Em 1992, no V Congresso da Federação de Arte-Educadores do Brasil, realizado em Belém-PA, foi criado o Fórum Permanente sobre o Ensino das Artes nas Universidades, que proporcionou ampliar as discussões sobre os currículos nacionais para reformulação do ensino superior de Arte. A realização deste Fórum se deu em decorrência de discussões anteriores, sendo ponto de pauta fundamental nos Congressos nacionais realizados. As reflexões sobre a reformulação dos ensinos superiores de Arte culminaram com o que hoje vem sendo discutido nacionalmente – Diretrizes Gerais para a Área de Artes – documento elaborado pela Comissão de Especialistas do Ensino de Artes/MEC/Secretaria de Educação Superior.

Também, no I Congresso sobre o Ensino das Artes nas Universidades realizado em São Paulo, em 1992, reuniram-se, no campus da USP, professores/pesquisadores de todo país para refletir as inovações pedagógicas, discutir os caminhos percorridos na Graduação e na Pós-Graduação, fixando metas para os anos 90.

A articulação do fazer artístico, da história da arte e apreciação artística, é hoje um posicionamento teórico-metodológico conhecido por “Metodologia Triangular”5, difundida e orientada por Barbosa e que está interferindo, qualitativamente, nas práticas educativas em arte, pois discute os elementos básicos para uma educação estética e artística, numa perspectiva dialética.

O fazer artístico possibilita desenvolver um processo de criação. Deve enfatizar o exercício das faculdades da percepção, imaginação e fantasia. A apreciação desenvolve as habilidades de ver, julgar e interpretar as qualidades das obras, compreendendo os elementos e as relações estabelecidas no todo do trabalho. E a contextualização histórica da arte permite “mostrar que a arte não está isolada de nosso cotidiano, de nossa história pessoal”. (BARBOSA, 1991, p. 19)

5 A designação “metodologia” foi revista pela autora. “Hoje recuso a idéia de metodologia por ser particularizadora, prescritiva e pedagogizante, mas subscrevo a designação triangular”. (BARBOSA, 1994, p.17)

Page 12: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Pensar o ensino da Arte numa perspectiva interdisciplinar é, hoje, um desafio para a construção de um curso que tenha como eixo norteador a dinâmica do conhecimento - o que implica na busca da superação da fragmentação curricular. Repensar as ações educativas numa dimensão multicultural é a tendência atual apontada nas discussões dos professores/pesquisadores envolvidos com o ensino de Arte. O prático, o teórico, o senso comum, a intuição, a sensibilidade, o cotidiano são elementos fundamentais na relação pedagógica do fazer, conhecer e exprimir arte, contribuindo para transformar a realidade.

Para os essencialistas, a real função da arte na escola é fazer descobrir a natureza da arte, é promover a experiência estética. E os contextualistas enfatizam as conseqüências instrumentais da arte na educação, baseando a dinâmica interativa entre objetivos, métodos e conteúdos.

Essas abordagens permitem refletir que talvez o espontaneismo tenha sido uma etapa necessária para que o ensino da arte se libertasse dos modelos acadêmicos. Porém, a consciência da necessidade de elucidar os aspectos teórico-metodológicos da Arte, na educação escolar, permitiu compreender que a arte é conhecimento; há conteúdos, questões e códigos, que se referem somente a ela.

Portanto, as discussões dos objetivos, métodos e conteúdos na perspectiva atual do ensino de Arte têm revelado reflexões conceituais, apontando indicadores para transformar as ações educativas em arte. Assim, torna-se imprescindível refletir acerca do conceito de interdisciplinaridade para entender a educação brasileira contemporânea e não só o ensino da Arte.

Fazenda compreende que:

[...] em âmbito de pluri ou de multidisciplinaridade, ter-se-ia uma atitude de justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos numa mesma disciplina. Em termos de interdisciplinaridade, ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou, melhor dizendo, um regime de co-propriedade, de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados, dependendo basicamente de uma atitude cuja tônica primeira será o estabelecimento de uma intersubjetividade. A interdisciplinaridade depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária, unitária do ser humano. (FAZENDA, 1993, p. 31).

Nesta perspectiva interdisciplinar, o ensino de Arte sob o enfoque teórico-metodológico construído em bases estéticas e artísticas, implica em compartilhar significados, propiciando ações educativas contextualizadas, favorecendo a compreensão dos saberes produzidos. Porém, o ensino de Arte, no contexto

Page 13: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

educacional, vem enfrentando dificuldades conceituais e metodológicas em todas as áreas e níveis, necessitando de profundas reflexões.

A pulverização de tópicos, técnicas e produtos artísticos – oriundos da polivalência – são procedimentos evidenciados no contexto das ações educativas, os quais impossibilitam o conhecimento sistematizado da arte, sua contextualização histórica e a especificidade de cada linguagem artística. A preocupação com a qualidade deve, na verdade, estar presente em todas as esferas da instituição escolar.

Para Smith não basta apenas dizer que a arte deve ser estudada como assunto no currículo, o compromisso com a excelência no ensino da arte e excelência em educação é fundamental.

Com isso queremos dizer que a arte merece estudo como um assunto particular, como um assunto que tem finalidades, conceitos e habilidades específicas. A Arte, como uma das realizações humanas, cujo poder tem sido salientado desde a Antigüidade e cuja força é particularmente atestada por sociedades totalitárias em sua determinação de controlá-la, exige seu próprio tempo e espaço dentro do currículo. (SMITH, 1986, p. 96-97).

O autor justifica a necessidade de um ensino de arte com aprendizado seqüencial, a fim de preparar o aluno para engajar-se no mundo artístico com certo grau de autonomia, julgamento independente e experiência, em níveis compatíveis com seu aprendizado.

Portanto, é decisivo para uma educação de qualidade a busca da excelência nas ações educativas, visando um projeto pedagógico significativo e plural. A contextualização histórica, a apreciação e o fazer artístico associados (ver, julgar e interpretar) são ações imprescindíveis para a compreensão dos saberes artísticos e estéticos.

Page 14: Arte Na Educação Escolar Perspectiva Histórica

Arte BR/ Instituto Arte na Escola. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2003.

BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978.

_____. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1998.

FERRAZ, M. Heloísa C. de T.; FUSARI, M. F. de Rezende. Metodologia do ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1993. _____. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1993.

XXIV Bienal de São Paulo. Núcleo Educação. Material de apoio educativo para o trabalho do professor com arte. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1998.

Visite os sites da Fundação Arte na Escola, do Ministério da Educação, da 24ª Bienal de São Paulo para conhecer um pouco mais sobre o assunto:

www.artenaescola.org.br www.mec.gov.br http://www.uol.com.br/bienal/24bienal/edu/index.htm

Para finalizarmos o estudo desta Unidade, vá a Ferramenta Atividades e faça a Atividade 1 e Atividade 2.

A sua participação nestas atividades será importante para a socialização

dos conhecimentos construídos. Para fundamentar sua análise acesse ao livro http://www.cchla.ufpb.br/pesquisarte/Livro/sumario.html

Para saber mais