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¹ Estudante do curso de Graduação em Museologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB. Bolsista PIBIC/FAPESB. Integrante do grupo de pesquisa Recôncavo Arqueológico. Email: [email protected]. ² Estudante do curso de Graduação em Museologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia UFRB. Bolsista PIBIC/FAPESB.Integrante do grupo de pesquisa Recôncavo Arqueológico. Email: [email protected]. ARTE NAS ALTURAS: MODOS DE FAZER E ORNAR AS TORRES SINEIRAS DAS IGREJAS DO RECÔNCAVO Thaís Vaz Sampaio de Almeida¹ Cidália de Jesus Ferreira dos Santos Neta² Resumo O Recôncavo baiano além de ser conhecido mundialmente pela sua riqueza cultural e histórica é berço das mais típicas manifestações populares da Bahia, reunindo um rico acervo de belíssimas obras arquitetônicas a exemplo das igrejas e suas torres sineiras finamente decoradas. O presente trabalho visa traçar parâmetros acerca dos modos de construção – formatos, materiais construtivos, técnicas, etc – e ornamento – com a utilização da técnica do embrechamento e azulejaria – das torres sineiras das igrejas do Recôncavo, ao passo que se objetiva realizar uma comparação do ponto de vista artístico e técnico entre as principais torres sineiras existentes na região. Palavra-chave: Embrechados, torres, ornamento. Introdução O embrechado como decoração aplicada à arquitetura utiliza-se de mosaicos de seixos, conchas, fragmentos de louça e outros materiais. Teve início na Europa em meados do século XVI, mas apenas surgiu no Brasil no século XIX. Essa decoração de influência européia manifestou-se na capital baiana de Salvador, em monumentos históricos residenciais e religiosos, como o Antigo Hospital Português e jardins, no cume da colina do Bonfim, península de Itapagipe, onde há pisos embrechados de conchas e seixos, o Forte do Mar, que em seu interior abriga bancos embrechados de conchas, enquanto o Hospital Santa Isabel localizado no bairro de Nazaré utilizou-se da decoração em embrechados de seixos e conchas para construir pisos. Ainda na capital da Bahia, podemos citar a ocorrência de embrechados no Solar Bandeira – localizado na ladeira da Soledade com vista panorâmica para a Baía de Todos os Santos – onde temos muros, bancos em forma de conversadeiras e apoio de plantas, ornados com requintados mosaicos de fragmentos de louças de origem Mourisca. Na região do Recôncavo baiano, na cidade de Santo Amaro, a 72

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¹  Estudante  do  curso  de  Graduação  em  Museologia  da  Universidade  Federal  do  Recôncavo  da  Bahia  -­‐  UFRB.  Bolsista  PIBIC/FAPESB.  Integrante  do  grupo  de  pesquisa  Recôncavo  Arqueológico.  E-­‐mail:  [email protected].  ²  Estudante  do  curso  de  Graduação  em  Museologia  da  Universidade  Federal  do  Recôncavo  da  Bahia  -­‐  UFRB.  Bolsista  PIBIC/FAPESB.Integrante  do  grupo  de  pesquisa  Recôncavo  Arqueológico.  E-­‐mail:  [email protected].  

 

ARTE NAS ALTURAS: MODOS DE FAZER E ORNAR AS TORRES SINEIRAS DAS

IGREJAS DO RECÔNCAVO

Thaís Vaz Sampaio de Almeida¹

Cidália de Jesus Ferreira dos Santos Neta²

Resumo

O Recôncavo baiano além de ser conhecido mundialmente pela sua riqueza cultural e

histórica é berço das mais típicas manifestações populares da Bahia, reunindo um rico acervo

de belíssimas obras arquitetônicas a exemplo das igrejas e suas torres sineiras finamente

decoradas. O presente trabalho visa traçar parâmetros acerca dos modos de construção –

formatos, materiais construtivos, técnicas, etc – e ornamento – com a utilização da técnica do

embrechamento e azulejaria – das torres sineiras das igrejas do Recôncavo, ao passo que se

objetiva realizar uma comparação do ponto de vista artístico e técnico entre as principais

torres sineiras existentes na região.

Palavra-chave: Embrechados, torres, ornamento.

Introdução

O embrechado como decoração aplicada à arquitetura utiliza-se de mosaicos de seixos,

conchas, fragmentos de louça e outros materiais. Teve início na Europa em meados do século

XVI, mas apenas surgiu no Brasil no século XIX.

Essa decoração de influência européia manifestou-se na capital baiana de Salvador, em

monumentos históricos residenciais e religiosos, como o Antigo Hospital Português e jardins,

no cume da colina do Bonfim, península de Itapagipe, onde há pisos embrechados de conchas

e seixos, o Forte do Mar, que em seu interior abriga bancos embrechados de conchas,

enquanto o Hospital Santa Isabel localizado no bairro de Nazaré utilizou-se da decoração em

embrechados de seixos e conchas para construir pisos. Ainda na capital da Bahia, podemos

citar a ocorrência de embrechados no Solar Bandeira – localizado na ladeira da Soledade com

vista panorâmica para a Baía de Todos os Santos – onde temos muros, bancos em forma de

conversadeiras e apoio de plantas, ornados com requintados mosaicos de fragmentos de

louças de origem Mourisca. Na região do Recôncavo baiano, na cidade de Santo Amaro, a 72

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quilômetros da capital os embrechados figuram no Sobrado da rua Conselheiro Paranhos de

número 7, ao revestir uma fonte do quintal.

Adentrando os universos religiosos de decoração das torres, no estado da Bahia os

embrechados deixaram suas marcas tanto em Salvador, quanto no recôncavo baiano, e

motivaram o estudo sistemático por parte do projeto de pesquisa “Embrechados nas cúpulas

das torres sineiras das Igrejas do Recôncavo” aprovado no Programa Institucional de Bolsas

de Iniciação Científica (PIBIC) juntamente com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

da Bahia (FAPESB), edital 2011/2012.

A sua ocorrência na capital baiana pode ser observada em edifícios como o da Igreja de

Senhor Bom Jesus dos Aflitos, onde figuram fragmentos policromados de louças e na Igreja

Matriz de Nossa Senhora da Penha e Palácio de Verão do Arcebispo, que possuem em sua

torre, de formato similar a uma pêra e frontão rococó restos de azulejos de diferentes padrões

polícromos, como a Capela de Nossa Senhora de Nazaré, em Nazaré que tal qual a anterior,

possui embrechados no seu frontão e torres, de formato bulboso, de fragmentos de azulejos.

Em Maragogipe, a Igreja Matriz de São Bartholomeu possui também em sua torre piramidal,

embrechados de azulejos, ao passo que a Matriz de Nossa Senhora do Rosário, no município

de Cairu, utilizou-se dos embrechados para decoração, tanto das cornijas do frontão, quanto

da torre de formato piramidal do lado esquerdo.1

O termo embrechado, segundo Clarival do Prado Valladares, pode ser utilizado como

“apelido” da tradicional arte dos mosaicos, configurando assim, uma técnica típica da escola

nova, tanto pela sua simplicidade em composições quanto pela sua precocidade histórica

(1969).

“Trata-se, por isto, de casualidades históricas integradas aos monumentos arquiteturais e, noutro aspecto, de exceções folclóricas manifestadas através de lavores tradicionais europeus transferidos com emigrantes ou quando ocorrentes por conta da inventiva popular.” (VALLADARES, 1969, p. 46)

1 O embrechado

O embrechado é uma prática artística que consiste em recobrir determinadas estruturas

arquitetônicas com fragmentos de conchas, búzios, azulejos, louças, pedras, entre outros;

formando desta forma, uma espécie de mosaico. “[...] técnica de revestimento integrada à arquitetura, de origem italiana do século XVI, que surgiu no Brasil no século XIX, sob influência portuguesa,

1  Todos estes edifícios estão cadastrados no Inventário de Proteção ao Acervo Cultural da Bahia, Vol. I – Monumentos do município de Salvador, Vol II – Monumentos e sítios do Recôncavo I, Vol III – Monumentos e sítios do Recôncavo II. (IPAC, 1984)  

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encobrindo frontões e torres de igrejas, grutas, capelas, muros e bancos de jardins.” (MACHADO, 2011, p.3023)

Iniciando-se na primeira metade do século XVI, especificamente na Itália, esta atividade se

difunde na Europa desenvolvendo um alto valor simbólico, podendo ser encontrada,

principalmente, em áreas nobres, sendo executadas em grutas artificiais dos palácios e

posteriormente conquistando os espaços religiosos.

A iniciativa de reproduzir em seus jardins as grutas características dos ninfeus, valorizando a

natureza foi disseminada durante o século XVI em toda a Europa. “É importante ressaltar que

o jardim era visto como um local de meditação, de recolhimento, de leitura, de lazer, enfim,

um espaço privilegiado do exercício e de desfrute das artes.” (MACHADO, 2011, p. 3026).

Na segunda metade do século XVI, com o ápice do maneirismo, os embrechados destacam-se

na França e Portugal, pelo fato destas nações produzirem um trabalho mais elaborado e rico

em composições, e entre a classe da nobreza esta prática progride, estando presente não só em

jardins, como também em muros, salas e paredes.

“Os embrechados portugueses e franceses obtiveram mais destaque apenas pelo

fato destes apresentarem uma formação mais complexa, detalhada e criativa; sendo

constituídos de materiais de gêneros distintos, gerando assim à produção, aspectos

mais lustrosos. É em especial a cintilação muito particular dos cacos e os rutilantes

brilhos nacarados da madrepérola que diferenciam os embrechados portugueses

dos congêneres europeus e lhes dão uma conotação mais orientalizante, evocando

as aplicações de madrepérola do Guzarate e do Japão e os revestimentos

arquitectónicos afins da Tailândia e do Vietiname.” (MECO, 1997, p.51, 52)

O termo provém do francês “Brèche” que significa fissura, fenda, ruína ou sulco e ao

contrário da sua etimologia ligada à sua forma de produção, onde vários materiais distintos

são incrustados sobre um sulco, a arte do embrechamento possui sua origem iconográfica, nas

grutas e ninfeus da antiguidade clássica. (ALBERGARIA, 1997, p. 459).

A palavra “embrechado” foi incluída ao dicionário português pelo padre Raphael Bluteau:

“Pedrinhas, conchas, bocados de cristal e de outras matérias com que fazem rochas e grutas

nos jardins.” (ALBERGARIA, 1997, p. 471-472).

2 O embrechado no Brasil

O embrechamento no país teve início no século XIX, com a chegada dos portugueses e

manifestou-se em nosso território na decoração das torres e frontões de igrejas, bancos de

jardins e muros. Essa forma de ornar “[...] ganhou espaço por induzir o ser humano a uma

sensação de leveza, de introspecção e meditação através da sua delicadeza no movimento das

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formas e colorido dos materiais, sob o reflexo da luz natural ou artificial.” (MACHADO,

2011. p. 3036)

Os elementos que geram estes aspectos de suavidade e sutileza à ambiência são os motivos

em formas geométricas, que são elaborados sem seguir regras ou padrões "[...] são desenhos

soltos, porém extremamente harmônicos e muitas vezes formam medalhões e mandalas

reforçando a quebra da rigidez do monumento.” (MACHADO, 2011. p. 3029)

A utilização de pedras e conchas, por vezes retiradas do próprio local era frequentemente

empregada nos embrechamentos juntamente com fragmentos de vidros coloridos, com o

escopo de representar as mais variadas pedras preciosas, o que culminaria no destaque social

do usuário.

O emprego de materiais como fragmentos de louças e de azulejos ocorreu em larga escala em

todo o território brasileiro, bem como na Europa e deu a essa arte ligada à arquitetura um

gosto orientalizante, típico do período. A utilização de faianças finas e porcelanas não raro

provenientes da China ou da Companhia das Índias em composições de embrechados se deu

principalmente pela grande disponibilidade desses materiais no país, onde era comum a

utilização de gigantescos conjuntos de aparelhos de jantar entre as famílias mais abastadas em

sinal de diferenciação de níveis sociais, e uma busca incessante pela decoração de sua

residência com requinte. A reciclagem dessas peças – antes utilizadas na rotina diária da

família – para utilização em composições na maior parte das vezes no exterior da residência

também possuía objetivo social.

A utilização de composições de embrechados em residências, segundo Etchevarne (2003)

seguia a moda e gradativamente era adotada por outras classes sociais. “Assim, pode ser visto

como a classe média, que emergia na segunda metade século XIX, também expressa sua

adesão aos gostos dos mais abastados empregando essa decoração, em que de aplicam restos

de faianças finas e peças inteiras, nos portais e muretas de ingresso a pequenos jardins que

antecedem à residência” (ETCHEVARNE, 2003, p. 114), tal como algumas casas na Ladeira

dos Aflitos, em Salvador, na Bahia.

“A busca pelo diferencial diante dos outros e o empenho em se destacar financeiramente

levaram esta sociedade a pesquisar diferentes tipos de jardins, neles acrescentando elementos

artísticos, dentre eles, o embrechado.” (MACHADO, 2011, p. 3035) como ocorre na Casa de

número 34, na rua Felipe Camarão na cidade de Salvador, Bahia.

Tal qual uma moda da época, essa forma de ornar espalhou-se pelo país de forma variada,

aparecendo no Rio de Janeiro, residência imperial da Quinta da Boa Vista, no Jardim das

Princesas decorando um largo de autoria atribuída à imperatriz Tereza Cristina e suas duas

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filhas, empregando materiais como conchas e fragmentos de faiança inglesa, ao passo que

poderia ter sido a primeira composição de embrechados do Brasil (ETCHEVARNE, 2003, p.

117)

No Brasil, assim como na Europa, os embrechados não ficaram restritos aos espaços privados,

como jardins residenciais e muros, logo conquistariam os espaços religiosos e figurariam nos

jardins, frontões e torres dos templos religiosos. No nordeste brasileiro destacam-se dois

estados na arte de embrechar: Alagoas e Bahia. Na região metropolitana de Alagoas,

destacam-se os embrechados nas torres da Catedral Metropolitana de Maceió, Catedral de

Nossa Senhora dos Prazeres, Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, Igreja do Livramento

dos Homens Pardos e Igreja Bom Jesus dos Martírios.

A moda do embrechamento em vigor em meados do século XIX atingia também os pináculos

e torres, em diferentes formatos, na capital baiana e seus arredores, no Recôncavo baiano. De

acordo com Etchevarne (2003), os embrechamentos aplicados às Igrejas anteriormente citadas

foram executados em momentos de reparos ou em intenção de modernizar as mesmas.

Supostamente em substituição dos azulejos, os embrechados nas torres utilizavam tanto

fragmentos de faiança fina, como a Igreja de Bom Jesus dos Aflitos – que repousa em sua

torre e pináculos, restos irregulares de pratos, xícaras, sopeiras, etc. dispostos com o intuito de

dar à torre um revestimento na cor branca – quanto peças inteiras, por vezes policromadas ou

em borrão azul, como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Monte, em Cachoeira, a

Igreja de Nossa Senhora de Belém da Cachoeira, a Matriz de Santiago do Iguape, distrito de

Cachoeira e a Matriz de Deus menino no município de São Félix (ETCHEVARNE, 2003, p.

115).

3 O projeto “Embrechados nas cúpulas das torres sineiras das Igrejas do Recôncavo da

Bahia”

O projeto Embrechados aborda Igrejas do Recôncavo baiano como A Igreja de Nossa Senhora

de Belém da Cachoeira, A Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Monte, A Matriz

Santiago do Iguape e Matriz Deus Menino, localizadas em Cachoeira e São Félix,

respectivamente, por estas apresentarem torres sineiras constituídas por embrechados.

A metodologia da pesquisa foi desenvolvida a partir de análises iconográficas e da

documentação escrita, as quais são essenciais na identificação da composição, do estilo

artístico dos embrechados, como também do histórico das igrejas. Trabalhos de campo,

associados à pesquisa oral e escrita, também foram desenvolvidos, sendo assim, estes aportes

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e práticas abordam os atributos principais e a cronologia do objeto de estudo. Desta forma,

pode-se ter a compreensão das características gerais e específicas dos embrechados.

A pesquisa de campo foi realizada com capturas, em vários ângulos, de fotografias das faces

das igrejas e apontamentos de dados no diário de campo para que posteriormente pudessem

ser feitas as interpretações detalhadas, procurando analisar atributos e informações específicas

presentes nas torres, como também entender seu contexto geográfico e histórico, por meio,

também da interação com a comunidade. Portanto, o registro fotográfico foi feito tendo como

propósito o plano geral e específico, demonstrando a ambiência e as laterais das torres, as

quais foram definidas com a orientação geográfica, a partir dos pontos cardeais.

Na etapa pós trabalho de campo foi realizado o agrupamento das fotografias que se

complementavam para que a partir deste, fosse possível elaborar o desenho dos fragmentos de

louças e azulejos presentes nas torres. A primeira igreja que passou por esse processo foi a do

Seminário de Belém, a qual foi organizada e analisada através do aporte computacional, o

programa CorelDRAW®. A interpretação dos registros fotográficos deu-se pelo método

adotado pela equipe, o qual seria uma leitura da esquerda para a direita / de baixo para cima,

pois essa seria a maneira uniformizada para realizar a análise adequada, comparando as torres

sineiras pesquisadas, sendo que esta foi uma estratégia já utilizada em pesquisas relacionadas

à arte rupestre.

O escopo do trabalho constitui em desenvolver uma análise detalhada dos embrechados nas

torres das igrejas, de formatos bulboso e piramidal, relacionada a estudos da documentação da

construção destes espaços, da identificação de padrões e reconstituição do ordenamento das

faianças oriundas de descarte, possibilitando assim, a estimativa cronológica da prática do

embrechamento no Recôncavo. Para isso utilizamos como referencial as obras de Lucio Costa

no tocante a tipologia das torres e para identificação das louças e azulejos o catálogo de

faiança fina em Porto Alegre (TOCHETTO et al. 2001) e a obra de Udo Knoff.

Além de estimar a datação da construção das torres, objetiva-se relatar para a comunidade

local e acadêmica o valor artístico e histórico que estes monumentos possuem, frisando sobre

a importância da adoção de medidas de preservação e conservação do espaço principalmente

para gerar um alerta aos órgãos responsáveis e propiciar a conscientização tendo como base a

educação patrimonial.

A Igreja de Nossa Senhora de Belém da Cachoeira

Há cerca de sete quilômetros da cidade de Cachoeira, na Bahia, no distrito de Belém, o Padre

Alexandre de Gusmão, no final do século XVII, projeta e constrói a Igreja de Nossa Senhora

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de Belém da Cachoeira. A fim de servir como o centro do Seminário de Belém, onde

estudaram o Frei Galvão e o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, inventor do aeróstato,

“[...] tanto em sua arquitetura quanto no cotidiano escolar.” (SOUZA, 2008, p. 153) a Igreja

do Seminário – como também é conhecida – foi inaugurada no ano de 1695 (LEITE, 1845, p.

142), mas sua fundação foi iniciada no ano de 1686, que figura em inscrição logo acima do

pinhão na fachada. (SOUZA, 2008, p. 186).

Por sua importância artística este templo foi tombado pelo IPHAN em 1938, no livro de Belas

Artes (Processo 122-T-38). Apresenta frontão rococó datado do final do século XIX. Sua

sacristia possui pinturas no teto em estilo oriental, atribuídas ao Padre Charles Belleville que

desembarca na Bahia, após missão na China. O templo, construído de alvenaria mista de

pedra e tijolos, possui uma única torre, de formato piramidal, com terminação em tijolo e sua

estrutura interior de esteios de madeira (IPAC, 1984). Tal torre é formada por quatro faces

constituídas por embrechados, numa miscigenação de azulejos e louças, de matizes azuis e

brancos, sendo que uma das faces é completamente formada por azulejos apenas. Estes

azulejos utilizados são na sua maioria do tipo figura avulsa, representando motivos florais, de

animais (pássaros, coelhos, patos) e figuras humanas, com cercaduras (cantos) em formas

geométricas e arabescos. Os pináculos presentes da torre também são constituídos de

embrechados com fragmentos de louças em whiteware e motivos florais.

A face frontal da torre apresenta fragmentos de pratos, malgas, travessas, entre outros; em sua

maioria em motivos florais policrômicos, pintados à mão livre, nos estilos peasant e sprig;

também são visíveis pratos inteiros, dispostos na horizontal da parte inferior, em padrão Shell

Edged, pintado na cor azul à mão. Há pratos no centro da torre organizados em linha vertical,

produzidos sob a técnica transfer printing/borrão, com cenas chinesas na cor azul ao passo

que nos vértices da torre tem-se a presença de azulejos enfileirados. Não tão constante, é

possível observar fragmentos em motivo de faixas e frisos.

A lateral esquerda da torre é formada por azulejos e pratos inteiros classificados como

transfer printing/ borrão, whiteware “louça de esmalte extremamente branco,... começou a ser

produzida no início do século dezenove, em torno de 1820, mantendo sua popularidade até os

dias atuais devido o seu baixo custo (Garcia, op. cit.)” (TOCCHETTO, et. al. 2001. p. 24),

com motivos shell edged e alguns florais, dispostos na vertical e horizontal.

Na lateral direita, por sua vez, fragmentos de louça em whiteware são mais frequentes. Estes

são encontrados em combinação com pratos inteiros shell edged em motivo floral com a

miscigenação do sprig e peasant style. Ainda nesta face é recorrente a utilização de azulejos

organizados em formato circular, como também enfileirados limitando os vértices.

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O padrão Shell Edged (blue edged ou green edged e no Brasil, Beira Azul) iniciou sua

produção em 1775 tornando-se popular com a creamware e sendo o primeiro padrão

desenvolvido na pearlware, louça pérola. Esse tipo de “[...] decoração é formada por

sucessivas linhas curtas perpendiculares à borda, acompanhadas ou não por incisões e

decoração moldada em relevo.” (TOCCHETTO, et. al. 2001. p. 38)

O método Peasant Style desenvolvido em 1810 e 1860 é caracterizado pela técnica de largas

pinceladas que compõem toda a peça. Sendo mais presente na pearlware em cores azul

cobalto, monocrômico e tons terrosos policrômicos (verde acastanhado, pardo, laranja e

amarelo) é encontrado também nas cores brilhantes (vermelho, preto, rosa e verde) que

produzidas em 1830 e 1860 atingiram alta popularidade entre 1840 e 1860.

O Sprig Style distingue-se pelo seu método de pinceladas finas e pequenas sem contornar toda

peça. Este estilo é mais frequentemente encontrado na whiteware apresentando talhos de

flores em cor preta, folhas verdes e grãos vermelhos ou azuis. A sua produção se deu entre

1830 e 1860 atingindo o ápice em 1840 e 1860.

Para que se obtenha um maior sucesso nas análises das louças e azulejos é necessário efetuar

a separação dos mesmos, obedecendo a critérios de presença e ausência de práticas

decorativas como técnica utilizada e suas diversidades. Esse método de análise permite

observar posteriormente outras características como coloração, padrão decorativo e modelo

(pré-existentes), elementos decorativos (florais, geométricos, lineares), cenas e variações

decorativas, estilo, procedência e período de fabricação, que possivelmente podem estar

presentes nas peças.

Igreja Matriz de Santiago do Iguape

Localizada no distrito de Iguape, próximo a Cachoeira e com seu frontispício voltado para a

baía do Iguape, na Baía de Todos os Santos, essa Igreja possui relevante interesse

arquitetônico (IPAC, 1984) e foi tombada pelo IPHAN em 1960 (Processo 198-T-39).

Assemelhando-se arquitetonicamente à Igreja da Ordem 3ª do Carmo da cidade de Salvador,

na Bahia, a Igreja Matriz de Santiago do Iguape, possui incertezas quanto à sua construção.

Segundo o Inventário de Proteção ao Acervo Cultural da Bahia – IPAC o templo foi

construído no início do século XIX. (IPAC, 1984) enquanto Carlos Ott declara que a

edificação possui fachada pertencente ao barroco tardio e possui sua planta feita pelo

engenheiro José de Anchieta Mesquita, no último quartel do século XVIII, antes de 1788, e

não no início do século XIX. (OTT, 1996, p. 60). Construída em alvenaria mista de pedra e

tijolos (IPAC, 1984), a Igreja Matriz da vila do Iguape, primeiro templo da região, foi erguida

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sob terrenos pertencentes ao Engenho São Domingos da Ponta e dedicada à Santiago por ter

sido o dono desse Engenho cavaleiro da Ordem de Santiago (OTT, 1996, p. 56, 59). O templo

possui duas torres, de formato bulboso (IPAC, 1984) – que apresenta-se como típico do

século XVIII e apenas como corolário barroco e não sob influências orientais, como se

supunha. (COSTA, 1941, p. 35) – decoradas com embrechados de fragmentos de louças de

formatos côncavos em sua maioria.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Monte

Localizada sobre uma elevação, na cidade de Cachoeira, na Bahia, a Igreja de Nossa Senhora

da Conceição do Monte foi construída no final do século XVIII por irmandade. O templo foi

edificado em alvenaria de pedra e tijolos e possui apenas uma torre (à esquerda) concluída,

em formato piramidal com cornijas em arquivolta e decorada com embrechados (IPAC,

1984). Esta torre apresenta quatro faces constituídas por fragmentos de louças e pratos

inteiros, em sua maioria e possui melhores condições de preservação, pois apresenta menos

agentes biológicos (plantas), entretanto na face do fundo há elementos faltantes.

“A última intervenção de restauro ocorrida na Igreja foi através do Programa Monumenta no

período de julho de 2007 a agosto de 2008” (LAGO, 2010, p. 15).

As fachadas da torre formulam a mesma composição, sendo constituídas de fragmentos de

louças em esmalte whiteware, pearlware, padrão shell edged, faixas e frisos, transfer

printing/borrão, motivos chineses e florais, dentre outros. É comum a existência de

fragmentos de pratos – pincipalmente fundos –, malgas, xícaras, jarras e bacias que dispostos

em conjunto formam arcos em relevo. Há também a presença de pratos inteiros de modo

sobreposto em fileiras verticais que limitam o centro e vértices.

A técnica Transfer printing utiliza-se de um desenho gravado numa placa metálica – coberta

com papel de seda – e posteriormente prensado e transferido à louça. O Bat printing, cold-

pronting e o Hot printing surgiram após a difusão desse método. No Transfer printing “[...] os

desenhos podiam ser repetidos quantas vezes fossem necessárias, obtendo-se um alto grau de

padronização, característico da produção em série (García, op.cit.)” (TOCCHETTO, et. al.

2001. p. 30).

Igreja Matriz de Deus Menino

Em São Félix, com o frontão voltado para o rio Paraguaçu e para a cidade de Cachoeira, na

Bahia, ergueu-se um templo religioso em dedicação ao Deus Menino. Sua construção se deu

no século XVIII e embora haja um sino com inscrição do ano de 1814, os arremates da

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portada e janelas indicam o último quartel do século em questão. Criada a freguesia de São

Félix – após desmembramento da freguesia do Monte – no ano de 1857, a Igreja de Deus

Menino torna-se a matriz. (OTT, 1996, p. 66)

Sua edificação se deu por meio de alvenaria mista de pedras e tijolos e sobre um terrapleno

feito de arrimos de pedra, seu interior foi completamente descaracterizado e sua fachada atual,

possui frontão no estilo rococó. Esse templo encontra-se registrado no Inventário de Proteção

ao Acervo Cultural da Bahia, Vol III – Monumentos e Sítios do Recôncavo, parte II (IPAC,

1984). Apenas uma torre figura na Igreja, em forma de bulbo, decorada com embrechados em

louça – apresentando formatos côncavos (malgas, canecas, xícaras) – e toucheiros nos cantos.

Os fragmentos utilizados na torre são em sua maioria whiteware e apresentam faixas e frisos.

Alguns azulejos figuram em menor quantidade, ao passo que há listras esverdeadas ao redor

de toda a torre.

Considerações Finais

A arte de embrechar, trazida pelos portugueses ao Brasil configurou-se como um método de

cunho arquitetônico muito popular no século XIX e utilizado até os dias atuais principalmente

em pisos e bancos de jardins. A partir dos estudos do projeto Embrechados está sendo

possível realizar a identificação da origem, composição e estilo artístico dos materiais que

constituem o embrechado. Além de tornar possível a reformulação da cadeia operatória da

produção e constituição do embrechado no âmbito religioso – que vai desde a matéria-prima

utilizada até o produto final – está permitindo observar as causas que levaram a formação das

torres sineiras com a utilização desses materiais, empregando a reciclagem e/ou estética, por

conta dos diferentes padrões artísticos, motivos, estilos, etc..

“Aqueles embrechados improvisados de restos de faiança datam, geralmente do século

passado e se constituem de aproveitamento de quebras e fragmentos de azulejos e de baixelas

da louça caseira.” (VALLADARES, 1969, p. 45.)

No caso da decoração de torres, fragmentos embrechados frequentemente eram colocados de

forma que valorizassem o contorno da mesma, para tal eram utilizadas peças côncavas em

torres de formato curvo (bulbosos ou em meia laranja) ao passo que para o ornamento de

torres piramidais, eram preferidos os pratos e pires, ou seja, peças mais retas em sua silhueta.

Referências Bibliográficas ALBERGARIA, Isabel Soares de. Os embrechados na arte portuguesa dos jardins. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 1997. (“Arquipélago – História”, 2ª série, v. 2, p. 459-488).

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VALLADARES, Clarival do Prado. Embrechados e Embutidos. Revista Brasileira de Cultura. Ano 1, nº 2, outubro/dezembro, 1969, p. 47-53.