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Identidade própria Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires comemora

dez anos com exposição que reúne mais de 100 obras da arte

contemporânea argentina dos últimos 20 anos

Texto RENATA VALÉRIO, de Buenos Aires

Acima, “Silueta #8” (2010), da fotógrafa Rosana Schoijett,

e “Autorretrato Nicola según Berni” (2008), de Nicola

Constantino (à direita). Na página ao lado, os tubos de luz

fluorescente de Roman Vitali, da primeira exposição do Malba

L ogo na entrada do segundo andar do Malba (Museu de

Arte Latino-Americana de Buenos Aires), uma simples placa branca anuncia em letras pretas “Espacio Dispo-

nible. Apto todo destino” (Espaço disponível para qualquer fim). A obra de Liliana Maresca causa um leve

desconcerto no visitante, que esperava encontrar ali uma nova exposição. Mas, ao mesmo tempo, deixa

entrever o que o museu preparou para comemorar seu aniversário de dez anos. Afinal, a produção de nossos

“hermanos” nas últimas duas décadas é assim: inusitada, graciosa e feita de materiais elementares.

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Acima, instalação “espacio Disponible” (1992), de Liliana

Maresca. No centro, “Sin título” (2009), acrílico sobre tela

de Gachi Hasper. Abaixo, a obra “Laguna” (2006-2007), de

Mónica Giron, feita com cera, parafina e resina

Cinco passos à frente, passando do hall de entrada para o salão principal,

o impacto da diversidade de cores e propostas absorve completamente o visi-

tante. Ali sim começa uma exposição, a Arte Argentino Actual en la Colección de

Malba. Obras 1989-2010, em cartaz até 29 de agosto e que celebra uma década

de fundação do museu. São apresentadas mais de 100 obras de 60 artistas ex-

poentes da arte contemporânea da Argentina. O próprio curador-chefe do Malba,

Marcelo Pacheco, que preparou a mostra, destaca que não há estilo nem escola

determinante na produção artística nacional desse período, somente uma ten-

dência no uso de técnicas caseiras e manuais.

Para o crítico de arte Daniel Molina, existe um ponto em comum en-

tre as peças: a beleza estética. “A maioria das obras presentes aqui é linda, o

que é raro na arte contemporânea. Isso porque, na década de 1990, os artis-

tas argentinos faziam suas obras por pura paixão. Ninguém vivia de arte, não

existia a pressão do mercado e do dinheiro. A intenção deles era melhorar a

realidade, deixando-a mais bonita, um contexto bem diferente da década de

1970, quando a arte era quase panfletária e tinha uma postura crítica e de

denúncia social e política”, explica.

Além da plasticidade, também é comum encontrar um toque de gracio-

sidade nas peças que compõem a exposição. Um exemplo é a obra instalada

quase sobre o piso, no setor de fotografia, e que mostra paredes descascadas,

um sabonete e uma toalha ao lado de uma torneira. Intitulada “Baño” (banhei-

ro, em português), a foto produzida por Raúl Flores está na mesma altura do

elemento principal da obra – a torneira – e fez parte de uma mostra que reu-

nia uma visão particular de diferentes ambientes de uma casa. Para ele, com

o Malba, a arte argentina se profissionalizou. “Antes do Malba, a cena artística

estava desarmada na Argentina. Minha geração teve de fazer autogestão: orga-

nizávamos exposições, chamávamos a imprensa, compúnhamos o catálogo etc.

Tínhamos de cumprir todas as funções”, conta Flores.

Mónica Giron vai além. Ela acredita que, além de profissionalizar o meio

artístico no país, o museu veio legitimar a arte argentina contemporânea. “O

Malba é uma das únicas instituições que compra, monta uma coleção e faz ex-

posições reconhecendo os artistas locais”, afirma a artista plástica que apresen-

ta três obras na mostra, entre elas “Laguna” (lagoa, em português), feita de cera

e suspensa por um cabo de aço.

Grande parte das obras da mostra foi adquirida ou tomada em comodato

pelo museu ou, ainda, doada ao acervo do Malba depois de sua abertura, em

setembro de 2001. As incorporações ocorreram principalmente a partir de 2004,

graças ao programa anual de compras acordado entre a Fundação Eduardo F.

Constantini e a Associação Amigos do Malba. s

todas as formas de arte têm espaço no Malba. Em sentido horário, tela “Abstracción

Abundante Perro” (1999), de Fernanda Laguna; fotografia “Pont Neuf” (1997), de

Dino Bruzzone; instalação “Desagüe” (2001), de Cristina Schiavi, doada pela artista

em 2005; e obra em vidro “Pastito” (2001), de Nushi Muntaabski

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Serviço:

Arte Argentino Actual en la Colección de Malba. Obras 1989-2010 • Malba – Museu de Arte Latino-Americana de

Buenos Aires: Avenida Figueroa Alcorta, 3.415, Buenos Aires/Argentina • Até 29 de agosto • De quinta a segunda-feira

e feriados das 12h às 20h, quartas até 21h. Não abre às terças.

No alto da página, escultura em cerâmica “MA-ZA” (2004),

de Alejandra Seeber. Acima, “Impostor” (2006), pintura

sobre placa de aglomerado, de Matías Duville. Abaixo,

fotografia “Costa Patagónica” (2010), de Alberto Goldenstein

Aqui, peças da série “Flores Del Mal de Amor”

(1996) de Feliciano Centurión; bordado sobre tela Com isso, a Coleção Constantini, composta por um conjunto inicial de

228 peças de arte latino-americana, com ênfase no século 20 até a déca-

da de 1980, mais do que duplicou. As compras do programa, antes concen-

tradas na arte argentina dos anos 1990 em diante, devem incluir também

obras de artistas contemporâneos de outros países da região. Além de am-

pliar sua coleção, o museu também está investindo no projeto de expansão

de suas instalações, com a construção de andares subterrâneos, que devem

ser inaugurados em 2012.

Evoluções artísticas

A arte na Argentina passou por transformações determinantes nas últi-

mas duas décadas. As intervenções no underground da capital portenha, no fim

dos anos 1980, lideradas por nomes como Liliana Maresca, Sergio Avello e Alber-

to Goldenstein, marcaram uma nova etapa da história da arte contemporânea

do país. “Nos anos 1980, a Argentina se tornou um polo interessante de arte

por ser um dos poucos lugares do mundo que ia contra a corrente minimalista

dominante e se voltava para a beleza estética”, explica Daniel Molina.

Inspirado por esse movimento, surgiu o Centro Cultural Rojas, espaço da

UBA (Universidade de Buenos Aires), que funcionou entre 1989 e 1992 sob a

curadoria de Gumier Maier, produzindo exposições que ficaram conhecidas no

país como “arte dos 90”. O Rojas criou também a primeira fotogaleria dedicada

à arte contemporânea na Argentina, em 1995. “Há 15 anos, a fotografia não ti-

nha espaço entre os suportes artísticos. Era impossível vender imagens, mesmo

dos maiores mestres”, contextualiza Molina.

Em 1991, nasceu a Beca Kuitca, organização criada por Guillermo Kuitca

– importante referência artística nacional –, que oferece espaço e workshops

gratuitos para desenvolver o talento de artistas selecionados, como Diego

Bianchi, Rosana Schoijett, Fernanda Laguna e Pablo Siquier. Em 1994, a ofici-

na conhecida como Taller de Barracas, financiada pela Fundação Antorchas,

veio para completar o panorama de formação de pelo menos três novas ge-

rações de artistas de Buenos Aires e do interior do país, evidenciando nomes

como Mónica Giron, Román Vitali e Nicola Constantino.

Desde os anos 1990, surgiram no país novas salas, galerias e fundações de-

dicadas à arte, abrindo espaço para as manifestações artísticas e estabelecendo

estilos, conceitos e tendências. Na última década, o mercado de arte contempo-

rânea na Argentina se consolidou, e muitos desses lugares, antes considerados

alternativos, entraram para o circuito oficial. O que não se reverteu no cenário

artístico do país foi a desvinculação entre arte e política, que marca a produção

nacional, agora muito mais voltada a reflexões sobre a própria arte.