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Artesanato - Patrimônio Cultural - Nelson Somma Junior

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Artesanato - Patrimônio Cultural - Nelson Somma Junior

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  • Artesanato: Patrimnio Cultural1

    Nelson Somma Junior, Prof. Ms.2

    O propsito deste texto discutir a questo do design e do artesanato.

    Esta questo se transformou ao longo do tempo em uma discusso

    necessria, na medida em que o artesanato e o design so muitas

    vezes ainda vistos e analisados como coisas separadas. Duas formas

    de leituras foram predominantes. A leitura modernista que pensava

    nas grandes rupturas histricas que entendiam o design como a

    expresso da industrializao, portanto, o seu passado, lemos aqui o

    artesanato, no tinha grande importncia, a no ser para fazer

    algumas referncias como coisas superadas, ou estanques sem

    transformaes e j fora da histria. Por outro lado, o artesanato

    tambm foi pensado enquanto importante instrumento de resistncia

    frente a crescente industrializao. Nesta viso dualista no era

    possvel nenhum tipo de dilogo.

    A Questo do Artesanato

    O artesanato, entendido como coisas feitas mo por algumas

    comunidades, geralmente pobres, que longe das cidades, portanto,

    longe dos parques industriais, criavam objetos que poderiam ser feios

    1 Captulo publicado no Livro Faces do Design. MOURA, M. (Org.). Faces do Design. So Paulo: Edies Rosari, 2003. 2 Socilogo, Mestre em Filosofia/Esttica, Professor de Design e Artes, Pesquisador do Acervo de Monteiro Lobato, Curador de Arte Contempornea.

  • ou bonitos. Estes eram vistos, sobretudo, como deleite para os

    turistas, sem grande importncia.

    A palavra artesanato dicionarizada indica de forma genrica que

    artesanato a arte e a tcnica do trabalho manual no

    industrializado, realizado por arteso, e que escapa produo em

    srie; tem finalidade a um tempo utilitria e artstica. Se analisarmos

    esta definio, observaremos alguns pontos importantes que

    caracterizam o artesanato, a saber: feito mo, no industrial, no

    serial, utilitrio, artstico. Acreditamos que esta definio muito

    simplista quando se pensa em artesanato, isto porque qualquer objeto

    que seguir esses procedimentos artesanato, e para os nossos

    propsitos insuficiente para se estabelecer um dilogo entre

    artesanato e design. Porque em uma sociedade globalizada, como a

    nossa, existe uma reao quase que inconsciente ao homogneo,

    dessa forma, as pessoas buscam fazer coisas diferenciadas, fora dos

    padres, para tentar construir a seu modo coisas. Fazem

    artesanatos. Este tipo de artesanato, porque feito mo, no nos

    interessa, uma vez que para manter um dilogo fecundo, para que

    possamos trocar referncias precisamos ir alm disso.

    Para se ir alm deste simplismo, algumas questes devem ser

    observadas. A primeira questo fundamental que se coloca a da

    pesquisa. Fazemos pesquisas porque temos dvidas, as certezas

    imediatas nos afastam da pesquisa. As respostas, padres, modelos,

  • categorias, tambm nos afastam da pesquisa. Pesquisar s tem

    sentido quando no sabemos, quando as respostas que temos so

    insuficientes, portanto a pesquisa nos possibilita uma abertura para o

    desconhecido, para o novo. por isso que em pesquisa existe uma

    mxima que : uma boa pesquisa aquela que levanta outras

    questes.

    Com esta mxima que devemos pensar o artesanato. Se o

    artesanato o que feito mo, e est fora do universo industrial, a

    questo que aparece como fundamental a questo do tempo. Na

    viso linear e vulgar, pensamos que o tempo igual para todos, mas

    quando se observa que existe produo fora dos padres industriais, a

    questo do tempo deve ser pensada. O tempo do arteso um, o do

    operrio outro, a primeira coisa que o artesanato nos ensina a

    questo do tempo, ou seja, o tempo relativo. Ora, se o arteso tem

    um tempo diferente de produo porque ao produzir seus objetos ele

    tem uma singularidade, isto , os objetos querem expressar coisas

    diferenciadas, e so estas coisas diferenciadas que so os seus

    elementos simblicos. Portanto pensar o tempo nos suscita questes

    que j criam uma separao entre aqueles que fazem objetos com as

    mos e aqueles que fazem objetos com as mos para expressar uma

    viso de mundo, ou seja, produzem no somente objetos, mas um

    universo simblico que est contido nestes objetos.

  • A nossa preocupao, enquanto referncia, no se restringe ao simples

    objeto, mas sim queles objetos que produzem toda uma simbologia.

    Neste sentido, o artesanato ganha uma outra particularidade, uma

    outra redefinio. Comeamos a perceber que o artesanato no uma

    coisa esttica, fcil de ser musealizada, mas uma coisa dinmica, fruto

    de uma cultura, que quando produz objetos no somente no

    aparente que encontraremos explicaes, mas sim so nas relaes

    simblicas que estes objetos expressam cultura, e desta forma que

    nos revelada toda uma trama cultural.

    A questo que queremos manter dilogo com o artesanato que vai

    alm de produzir objetos, mas que objetos expressam uma relao

    simblica de uma cultura viva, que constantemente est em

    transformao.

    Neste sentido, estamos compreendendo artesanato no somente como

    objetos feitos mo, mas objetos que com a produo de elementos

    simblicos so, sobretudo, patrimnio cultural.

    Patrimnio Cultural, Artesanato e Design

    na chave do artesanato como patrimnio cultural que o design

    poder manter dilogo fecundo e proveitoso.

  • Quando se discute patrimnio cultural nos dias de hoje, devemos

    pensar em uma bifurcao: de um lado o patrimnio material, e de

    outro lado o patrimnio imaterial.

    Em uma rpida definio de patrimnio cultural, podemos dizer que

    patrimnio uma acumulao de diversidade de objetos que se

    congregam por seu passado comum, trabalhos e saberes dos seres

    humanos. Eles se expressam tanto em bens mveis, como em bens

    imveis.

    Por outro lado, temos o chamado patrimnio imaterial, ou intangvel,

    que no se materializa em produtos durveis, mas em saberes. Como

    nos diz Antonio Arantes: Esta produo deve focalizar atores sociais e

    suas prticas, assim como as configuraes espao-temporais

    produzidas pela vida cotidiana e ritual, valorizando os aspectos

    dinmicos da realidade e a histria. (Arantes, 2001, p.133)

    O artesanato sendo discutido como patrimnio cultural, tanto material

    como imaterial, ganha uma outra dimenso ampliando desta forma o

    quadro referencial para o design. O estudo do artesanato deixa de ser

    entendido somente na sua aparncia, ganhando em profundidade. Isso

    s ocorre quando a pesquisa instrumento fundamental de

    conhecimento, discernindo e estabelecendo pesos diferenciados nos

    objetos estudados.

  • A incorporao e a valorizao do patrimnio imaterial foi de

    fundamental importncia para o estudo e o aprofundamento de

    prticas culturais diferenciadas. A ttulo de uma explicao mais

    concreta do que se entende por patrimnio cultural imaterial devemos

    dar alguns exemplos.

    No texto Para alm da Pedra e cal: por uma concepo ampla de

    patrimnio, Clia Londres nos fornece dois exemplos:

    Talvez o melhor exemplo para ilustrar a especificidade do que se est

    entendendo por patrimnio imaterial, seja a arte dos repentistas.

    Embora a presena fsica dos cantadores e de seus instrumentos seja

    imprescindvel para que o repente se realize, a capacidade dos atores

    de utilizarem, de improviso, as tcnicas de composio dos versos,

    assim como a agilidade, enquanto interlocutores, em responder fala

    anterior, que produz, a cada performance, um repente diferente.

    Nesse caso, estamos no domnio absoluto do aqui e agora, e,

    tambm nesse caso, no h possibilidade, a no ser por meio de

    algum tipo de registro audiovisual, de perpetuar esse momento.

    (2001, p. 192)

    O outro exemplo situa-se na pintura corporal indgena:

    Impossvel no reconhecer-lhe valor esttico, e estranho que no

    costume figurar em nossos compndios de artes visuais. Como o

  • repente, tem caracterstica que a distinguem da tradio pictrica

    moderna, de autoria individualizada, que busca a originalidade como

    valor: os padres so codificados e transmitidos pela tradio oral, e

    funcionam como sinais distintivos entre membros do grupo. Trata-se

    de uma prtica ritual cujo valor simblico s tem sentido em

    determinado contexto. Se no levarmos em conta essas

    particularidades, corremos o risco de entender essa prtica no seu

    aspecto puramente formal, projetando sobre ela valores estranhos aos

    contextos culturais que refere. ( Londres, 2001, p.192)

    Feitas estas observaes, acreditamos que a pesquisa e o estudo do

    artesanato ganhe outras conotaes, e outra abrangncia,

    possibilitando desta forma um dilogo fecundo com o design.

    Em primeiro lugar, o artesanato e o design no devem ser lidos de

    forma estanque ou separados. Em segundo lugar, tanto o artesanato

    como o design, so produtos simblicos. Em terceiro lugar, se so

    produtos simblicos dialogam e no se excluem.

    Podemos dizer que tanto o artesanato pode ser referncia para o

    design como o design pode ser referncia para o artesanato. Dito de

    outra forma, acreditamos que tanto o design como o artesanato esto

    em constante transformao, na concretude como no pensamento, ou

    seja, o arteso com o seu saber emprico pode muito bem dialogar

    com o saber projetual do designer e vice-versa.

  • Nesta perspectiva de referncia fundamental que as singularidades,

    as diversidades sejam respeitadas, para efetivamente se construir um

    dilogo afastando o monlogo tpico do pensamento dominador, seja

    ele emprico ou racional.

    Bibliografia

    BORGES, Adlia. Designer no Personal Trainer e outros escritos.

    So Paulo: Rosari, 2002.

    CHOAY, Franoise. A Alegoria do Patrimnio. So Paulo: Estao

    Liberdade/Editora UNESP, 2001.

    PATRIMNIO IMATERIAL. Revista Tempo Brasileiro, out-dez. no 147.

    Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, 2001.