Arthur Nestrovski - Pérolas Para Muitos

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  • 8/18/2019 Arthur Nestrovski - Pérolas Para Muitos

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    5/4/2016 ARTHUR NESTROVSKI

    http://www.arthurnestrovski.com.br/texto.php?id=901

    Pérolas Para Muitos. Zero Hora, 12/10/0921/10/2009

    ENTREVISTA A RENATO MENDONÇA ZERO HORA (Porto Alegre), 12/10/09.

    Tu, Wisnik e Ná já dividiram o palco várias vezes - seja em duos ou mesmo em trio. A esse grupo,talvez se possa adicionar ainda Luiz Tatit, como parceria constante. Qual o motivo dessaaproximação? O amor pela canção brasileira? O amor pela letra e pela melodia caprichadas? A identificação pessoal?Uma mistura de todas essas coisas, que afinal são uma só. A identificação pessoal se mistura com apaixão pelas canções, que inclui o prazer de fazer música juntos. Para mim, chegando mais tardenessa história que, para eles, já vinha de muito tempo, a convivência e as parcerias representamuma espécie de cidadania musical paulistana, com um sentido de acolhimento que eu prezo muito.

    Reassumiste teu talento de violonista a partir de 2004 - antes estavas mais dedicado à carreira

    acadêmica. E tua volta foi tocando com Wisnik e Ná, não foi? Como foi passar um bom tempo forado palco? E como foi voltar ao palco? Voltar à prática de músico te ajuda como pesquisador?

     Voltei a tocar com Zé Miguel e Jussara Silveira (a partir de um encontro em Porto Alegre, noUnimúsica); mas logo fiz shows com a Ná também. Fazia alguns anos que tocávamos juntos emcasa, e só por isso tive a coragem de pisar no palco com eles. De lá para cá, minha vida mudou –para melhor, não tenho dúvida. Em 2006, larguei a carreira acadêmica, depois de 17 anos dandoaula na pós-graduação da PUC/SP. Continuo editando livros na Publifolha e escrevendo sobremúsica clássica na Folha de S.Paulo; mas a maior parte do tempo fica dedicada à música. E fazermúsica ajuda em tudo. A música ensina a gente a viver.

    Como vocês vão organizar os concertos dos dias 12 e 13? Serão blocos de cada um da trinca? Haverácom certeza, músicas em que haverá parcerias no palco. Qual o critério para formar o repertório? Ascanções estão encadeadas de alguma forma?Zé Miguel e eu sugerimos canções que gostaríamos de ouvir com orquestra; mas a ordem doprograma foi obra do Vagner Cunha, que fez todos os arranjos orquestrais. Alguns já existiam, deconcertos anteriores da OCTSP com o Zé Miguel e com a Ná; mas a maioria é novidade. O programa,dividido em duas partes, inclui canções novas, como “Tristeza do Zé” (Wisnik/Tatit) e “Retrato deuma Senhora” (minha). Tem cinco músicas em que tocamos todos juntos e um cardápio variado deduos e solos, com e sem orquestra. Para cantar “Acalanto” (parceria minha com Zé Miguel), teremosainda a luxuosa participação do Dudu Sperb. A lista completa está no site da orquestra(www.orquestratsp.com.br).

    Como encaras se apresentar com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro? O formato certamenteempresta outros sentidos às canções, não? É verdade que é a primeira vez que tu, Wisnik e Ná seapresentam juntos com uma orquestra?

     Verdade. Já fizemos muitos shows juntos (seja em duo, seja os três com banda), já viajamos paratocar em Portugal e na Alemanha, entre outros lugares, mas essa viagem com orquestra ainda nãotínhamos feito. Por isso mesmo, o convite do maestro Cunha foi aceito pelos três na hora. Nosúltimos dias, o Vagner vem mandando as partituras orquestrais por email, em pdf. Falando comocompositor, foi uma sensação e tanto ver cada música ganhar dimensões de orquestra. Não vejo ahora de pegar o violão para tocar com eles. E ainda terei o luxo de escutar Zé Miguel Wisnik e Ná

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    Ozzetti, ali de dentro do campo, na cara do gol.

    Dia desses, conversando com o Kledir, ele lembrou que tu eras o violonista do grupo queacompanhou K&K quando cantaram “Maria Fumaça” no festival da Tupi de 1979. Tinhas acabadode voltar de Londres, parece. O que te lembras desse episódio? Parece que foi tudo bem improvisado,não?

     Voltado, não: não sou tão velho quanto K&K! Estava, sim, prestes a viajar para estudar música naInglaterra (fiz a graduação em York, de 1980 a 83). Lembro muito bem do Festival da Tupi. Entre

    outras coisas, porque quando entramos no Anhembi, escutei um sujeito bizarro fazendo uma músicaimpressionante no palco. Fui falar com ele e somos amigos até hoje: era o Arrigo Barnabé. Queagora chama minha filha Lívia --sensação da Virada Cultural!-- para cantar em shows e gravar nodisco novo dele, veja como é a vida...

    Os últimos anos têm trazido modificações importantes para a música, seja em termos de tecnologia(facilidade de gravação e remasterizações cada vez mais sofisticadas), mercado (possibilidade de

     baixar músicas pela internet) ou formato (fim do CD, hegemonia dos singles e decadência dosálbuns). De que maneira essas modificações repercutem na criação? Particularmente quanto àmúsica brasileira, que mudanças esses novos tempos devem trazer?Na criação, a meu ver, bem menos do que nas formas de circulação da música. Anos atrás, a criação

    do CD também não alterou propriamente o modo de compor; dito isso, também é fato que as técnicasde gravação em estúdio afetam, em certos casos diretamente, o resultado do que se vai ouvir. ZéMiguel e eu temos feito um ciclo de aulas-show dedicado ao tema do “Fim da Canção”, que tocanesse assunto. Por um lado, a canção nos moldes “clássicos” de Tom Jobim, Chico, Caetano etc. --com letras sofisticadas, em relação muito rica com o desenvolvimento melódico e harmônico-- talveznão tenha mais o papel central que já teve entre nós no passado, em termos de penetração einfluência. Por outro, surgem novas formas de imaginar as coisas, como o rap ou o que chamamosde “canção expandida”, praticada por grupos como Los Hermanos ou Radiohead, para ficar sónesses. O assunto vai longe, mas em resumo: a música brasileira está viva, coisas novas não paramde surgir e a canção NÃO vai acabar.

    Este ano, estarás nas livrarias na forma de três livros: o de resenhas Outras Notas Musicais, oinfantil Agora Eu Era e o de críticas literárias Palavra e Sombra (ainda não lançado, não?).Primeiro, uma pergunta sobre Outras Notas Musicais: tu rejeitas aquele papel de crítico quesimplifica comunicando ao leitor apenas se gostou ou não. Preferes “sugerir uma experiênciatocante, informar os fatos e fazer pensar sobre eles”. Podes falar um pouco disso?

     Vamos lá: um “crítico” que “simplifica”, dizendo “apenas se gostou ou não”, no meu entender nãoestá fazendo crítica. Está escrevendo um texto de opinião, que é outra coisa. Crítica tem a ver comesclarecimento: o crítico deve ser capaz de explicar o que um artista tentou fazer, nos termos dopróprio artista, e o quanto foi bem sucedido nisso. Isso difere bastante daquele papel caricato docrítico como o sujeito que dá nota, uma espécie de juiz ou professor dos artistas. Desse ponto de

     vista, muito do que passa por crítica, dada a posição que um texto ocupa no jornal, por exemplo, nãoé crítica: é crônica (que tem outra função). À crítica também cabe sugerir o impacto do que foi visto eouvido, para a maioria dos leitores, que não estava lá. Nesse ponto, ela se aproxima do textoliterário, mesmo sem ter tanta pretensão.

    Em Outras Notas Musicais, aparecem textos sobre artistas tão diversos como Antonio Meneses,Bjork, João Gilberto e Osesp. Como um articulista lida com uma variedade tão ampla de gêneros? Ecom faz com que seu gosto pessoal não interfira na crítica? Ou o gosto interfere?O articulista não pode, afinal, ser diferente do artista. E um e outro se confundem com o ouvinte, nofundo mais fundo dos três. Tanto por temperamento quanto por prática profissional, sempre tive

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    interesses variados, na música como na literatura e em tudo o mais. Isso não me dá liberdade paraescrever sobre qualquer artista; até por vergonha na cara nunca me aventurei a escrever sobre umassunto que não me sentisse autorizado a escrever, no sentido de ter estudado e ter vivido de fatoaquilo. O gosto do crítico acaba aparecendo, claro, mas (pelos motivos que vimos na perguntaanterior) menos num texto particular, talvez, do que na sequência deles. Esse livro, que reúne 333resenhas escritas ao longo de dez anos, acaba assim sendo um retrato pessoal, embora não haja umúnico texto em que eu me permita falar na primeira pessoa.

    Em Palavra e Sombra, fazes a análises de obras de autores de língua inglesa e portuguesa, além deescrever sobre fotografia e teatro. Poderias comentar a importância de o crítico ser "polivalente", ouseja, ter sua área de ação multiplicada nas várias formas de manifestação de arte? Isso ajuda a obteruma análise mais completa? Seria essa uma exigência para um bom crítico?Sempre acabo ouvindo uma pergunta sobre isso, e sobre o fato de estar na música e na literatura aomesmo tempo, fazendo shows e escrevendo etc. Mas a pergunta pode ser devolvida: quem disse queas coisas são separadas? Existe, claro, um propósito didático em estudar só literatura, ou só música.Mas na vida real, tudo acontece em variados graus de mistura. Basta pensar numa canção: por acasodá pra separar a letra da música? Idealmente, seria necessário ler a letra com os aparatos criticos daliteratura, escutar a música com os aparatos da musicologia e ir ainda mais longe, paracompreender os modos como uma se relaciona com a outra --que é o que faz de uma canção uma

    canção. No caso dos ensaios em Palavra e Sombra (que sai em novembro), a seção final podeparecer mais solta, porque abarca teatro, fotografia e cinema; mas amarrando aqueles textos está otema da “catástrofe e representação”, que perpassa tanto a análise de uma peça do Teatro da

     Vertigem quanto de um livro do fotógrafo Sebastião Salgado e de um documentário sobre oHolocausto (Shoah, de Claude Lanzmann).

    Em Agora Eu Era, que tem ilustrações do Laerte, tu utilizas a primeira pessoa, assumes o "eu", o queevitas nos outros livros. Por que te permites essa liberdade justamente na literatura infantil?

     A resposta está implícita no que falamos sobre a crítica. Evito a primeira pessoa justamente parafrisar a diferença entre crítica e opinião. Os argumentos têm de valer por si, acima da expressão do

    gosto. Já na literatura infantil, justamente... não estou escrevendo crítica, não estou construindoargumentos, não estou avaliando uma obra. Tenho formação acadêmica em música e literatura, masnunca estudei uma linha sobre literatura infantil antes de escrever o primeiro livro (Histórias de Avôe Avó, de 1998). De lá para cá tomei gosto; e esses nove livros para crianças estão entre as coisasmais livres e mais pessoais que já fiz. Escrevo nas férias, quando dá vontade, sem obrigações. Porisso mesmo sinto liberdade de inventar um personagem novo: “eu”. Não quer dizer que seja eu, masàs vezes parece.