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OS SETE BRADOS DO SALVADOR OS SETE BRADOS DO SALVADOR SOBRE A CRUZ SOBRE A CRUZ ARTHUR W PINK

Arthur W. Pink - Os Sete Brados Do Salvador Sobre a Cruz

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  • OS SETE BRADOS DO SALVADOROS SETE BRADOS DO SALVADOR

    SOBRE A CRUZSOBRE A CRUZ

    ARTHUR W PINK

  • Traduzido do original em ingls The Seven Sayings of the Saviour on the Cross (1919) Traduo: Vanderson Moura da Silva Biografia de Arthur W. Pink: Vanderson Moura da SilvaPrimeira edio em portugus: 2006

    As citaes escritursticas utilizadas neste livro so da Edio Revista e Corrigida de Almeida, da Imprensa Bblica do Brasil, exceto quando uma outra verso indicada.

    Crdito: Monergismo.com"Ao Senhor Pertence a Salvao" (Jonas 2:9)www.monergismo.com

    Reeditado por SusanaCapSemeadores da Palavra e-books evanglicoswww.semeadoresdapalavra.queroumforum.com

    SUMRIO

    NOTA DE AGRADECIMENTO .................................................................. 3 INTRODUO ............................................................................................ 3 1. A PALAVRA DE PERDO ...................................................................... 7 2. A PALAVRA DE SALVAO .............................................................. 21 3. A PALAVRA DE AFEIO .................................................................. 41 4 A PALAVRA DE ANGSTIA ................................................................ 54 5. A PALAVRA DE SOFRIMENTO ......................................................... 73 6. A PALAVRA DE VITRIA ................................................................... 87 7. A PALAVRA DE CONTENTAMENTO ............................................. 104 UMA BREVE BIOGRAFIA .................................................................... 116

  • NOTA DE AGRADECIMENTO

    A presente obra, disponvel agora no portal Monergismo.com, o terceiro fruto do Projeto de Traduo, lanado no ano passado. Diferentemente dos outros, traduzidos voluntariamente, esse livro foi traduzido com a generosa doao de um pastor brasileiro que mora em Portugal. Esperamos que a sua iniciativa em ajudar na divulgao da Palavra de Deus incentive a muitos outros. Caso queira fazer uma doao ou colaborar como um tradutor voluntrio, por favor, entre em contato pelo seguinte e-mail: [email protected]

    Aproveitamos esta oportunidade para reiterar o convite a todos os irmos que se sentem especialmente capacitados a trabalhar com literatura crist sadia a fim de que se unam a este projeto para a disponibilizao gratuita em nossa lngua, to carente da s teologia e da mais edificante doutrina, de outras obras de extremo valor.

    Soli Deo gloria!

    Felipe Sabino de Arajo Neto Cuiab-MT, 21 de maio de 2006

    INTRODUO

    A MORTE DO SENHOR JESUS CRISTO um assunto de interesse inexaurvel para todos os que estudam em orao a escritura da verdade. Tal assim no somente porque tudo do crente tanto no tempo como na eternidade dela dependa, mas tambm devido sua singularidade transcendente. Quatro palavras parecem resumir as caractersticas salientes desse mistrio dos mistrios: a morte de Cristo foi natural, nonatural, preternatural e sobrenatural. Uns poucos comentrios parecem ser necessrios guisa de definio e amplificao.

    Primeiro: a morte de Cristo foi natural. Com isso queremos dizer que ela foi uma morte real. porque estamos to familiarizados com o fato

  • dela que a declarao acima parece simples, corriqueira; todavia, o que abordamos aqui um dos principais elementos de admirao para a mente espiritual. Aquele que foi tomado, e pelas mos de injustos 1 crucificado e assassinado no era outro seno o Companheiro 2 de Jeov. O sangue que foi derramado sobre o madeiro maldito era divino A igreja de Deus, que ele resgatou com seu prprio sangue (Atos 20:28). Como diz o apstolo: Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (2Corntios 5:19).

    Mas como o Companheiro de Jeov poderia sofrer? Como o eterno poderia morrer? Ah, aquele que no princpio era o Verbo, que estava com Deus, e que era Deus, se fez carne. 3 Aquele que era em forma de Deus tomou sobre si a forma de um servo e foi feito semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente at morte e morte de cruz (Fp 2.8). Dessa forma, tendo se encarnado, o Senhor da glria foi capaz de sofrer a morte, e assim foi que ele provou a prpria morte. Em suas palavras, Pai, nas tuas mos entrego o meu esprito, 4 vemos quo natural foi sua morte, e a realidade dela se torna ainda mais aparente quando ele foi posto na sepultura, onde permaneceu por trs dias.

    Segundo: a morte de Cristo foi no-natural. Por isso queremos dizer que ela foi anormal. Acima dissemos que, ao se encarnar, o Filho de Deus tornou-se capaz de sofrer a morte, todavia, no deve ser inferido da que a morte tinha, portanto, um direito a reclamar sobre ele; longe disso, o contrrio mesmo era a verdade. A morte o salrio do pecado 5, e ele no tinha nenhum. Antes de seu nascimento foi dito a Maria: [que] o ente santo que h de nascer ser chamado Filho de Deus (Lucas 1:35, ARA). No somente o Senhor Jesus entrou neste mundo sem contrair a contaminao da natureza humana cada, mas ele no cometeu pecado (1Pedro 2:22), no [tinha] pecado (1Joo 3:5) e no conheceu pecado (2Corntios 5:21). Em sua pessoa e em sua conduta ele foi o Santo de Deus imaculado e incontaminado (1Pedro 1:19). Como tal, a morte no tinha nenhum direito a reclamar sobre ele. At mesmo Pilatos teve que 1 Nota do tradutor: Atos 2.23 na verso do autor, ou seja, a KJV (King James Version)2 Nota do tradutor: Zacarias 13.7.3 Nota do tradutor: Joo 1.14.4 Nota do tradutor: Lucas 23.46.5 Nota do tradutor: Romanos 6.23.

  • reconhecer que no pde encontrar nenhuma culpa 6 nele. Por conseguinte, dizemos que o Santo de Deus morrer foi no-natural.

    Terceiro: a morte de Cristo foi preternatural. Por meio disso queremos dizer que ela foi marcada e determinada para ele de antemo. Ele era o Cordeiro morto antes da fundao do mundo (Apocalipse 13.8). Antes que Ado fosse criado, a Queda foi antecipada. Antes de o pecado entrar no mundo, a salvao dele havia sido planejada por Deus. Nos eternos conselhos da Deidade, foi ordenado de antemo que haveria um Salvador para os pecadores, um Salvador que sofreria, o justo pelos injustos7, um Salvador que morreria para que pudssemos viver. E porque no havia nenhum outro suficientemente bom para pagar o preo do pecado, o Unignito do Pai se ofereceu como o resgate.

    O carter preternatural da morte de Cristo leva o bom termo de o sustentculo da Cruz. Foi em vista da aproximao dessa morte que Deus justamente ignorou os pecados anteriormente cometidos 8 (Rm 3.25). No tivesse sido Cristo, no conceito de Deus, o Cordeiro morto desde antes da fundao do mundo, toda pessoa pecadora nos tempos do Antigo Testamento teria sido lanada no abismo no momento em que ela pecasse!

    Quarto: a morte de Cristo foi sobrenatural. Por isso queremos dizer que ela foi diferente de qualquer outra morte. Em todas as coisas ele tem a preeminncia. Seu nascimento foi diferente de todos os outros nascimentos. Sua vida foi diferente de todas as outras vidas. E sua morte foi diferente de todas as outras mortes. Isso foi claramente anunciado em sua prpria declarao sobre o assunto: Por isso, o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tom-la. Ningum ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar e poder para tornar a tom-la. Esse mandamento recebi de meu Pai (Joo 10:17, 18). Um estudo cuidadoso das narrativas evanglicas que descrevem sua morte fornece uma prova stupla e a verificao de sua asseverao.

    (1) Que nosso Senhor deu a sua vida, que ele no estava impotente nas mos de seus inimigos, revela-se claramente em Joo 18, onde temos o registro de sua priso. Um bando de oficiais da parte dos principais

    6 Nota do tradutor: Joo 18.38, Bblia de Jerusalm.7 Nota do tradutor: 1Pedro 3.18.8 Nota do tradutor: traduo direta da Revised Version inglesa.

  • sacerdotes e dos fariseus, guiados por Judas, o procuraram no Getsmani. Adiantando-se para encontr-los, o Senhor Jesus pergunta: A quem buscais?. A resposta foi: Jesus de Nazar; e ento nosso Senhor expressou o inefvel ttulo de deidade, aquele pelo qual Jeov se revelou nos tempos antigos a Moiss na sara ardente: Eu Sou. 9 O efeito foi impressionante. Esses oficiais ficaram apavorados. Eles estavam na presena da deidade encarnada, e foram sobrepujados por uma breve conscincia da majestade divina. Quo claro ento que, se assim o tivesse agradado, nosso bendito Salvador poderia ter se afastado calmamente, deixando aqueles que vieram lhe prender prostrados no cho! Ao invs disso, ele se entregou nas mos deles e foi levado (no compelido) como um cordeiro ao matadouro.

    (2) Voltemo-nos agora para Mateus 27:46 o versculo mais solene em toda a Bblia E, perto da hora nona, exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lam sabactni, isto , Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?. As palavras que pedimos ao leitor que observe cuidadosamente esto colocadas aqui em itlico. Por que que o Esprito Santo nos conta que o Salvador pronunciou esse terrvel clamor em alta voz? Com muita certeza que h uma razo para tal. Isso se torna ainda mais aparente quando notamos que ele as repetiu quatro versculos abaixo no mesmo captulo E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o esprito (Mateus 27.50) . O que ento essas palavras indicam? No corroboram elas o que foi dito nos pargrafos acima? No nos dizem elas que o Salvador no estava exausto pelo que ele tinha passado? No nos do elas a entender que suas foras no o tinham deixado? Que ele ainda era senhor de si mesmo, que ao invs de ser conquistado pela morte, ele estava apenas se entregando para ela? Elas no nos mostram que Deus tinha posto ajuda sobre um poderoso (Salmos 89.19, Traduo do Novo Mundo)?

    (3) Podemos chamar a ateno para a sua prxima expresso sobre a Cruz Tenho sede. Essa palavra, luz do seu contexto, fornece uma evidncia maravilhosa do autocontrole completo do nosso Senhor. O versculo inteiro diz o seguinte: Depois, sabendo Jesus que j todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura se cumprisse, disse: Tenho sede (Joo 19.28). Desde os tempos antigos tinha sido predito que eles deveriam dar vinagre misturado com fel para o Salvador beber. E para que

    9 Nota do tradutor: Joo 18.5, traduzido diretamente da KJV

  • essa profecia pudesse ser cumprida, ele exclamou: Tenho sede. Como isso evidencia o fato de que ele estava em plena posse de suas faculdades mentais, que sua mente estava desanuviada, que seus terrveis sofrimentos no a tinham transtornado nem perturbado!

    Enquanto permanecia pendurado na cruz, no final da hora sexta, sua mente reviveu o escopo inteiro da palavra proftica, e verificou cada uma daquelas predies que faziam aluso sua paixo. Excetuando as profecias que seriam cumpridas aps sua morte, s restava uma ainda no cumprida, a saber: Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre (Salmo 69:21), e isso no foi negligenciado pelo bendito sofredor. Sabendo Jesus que j todas as coisas estavam terminadas, para que a Escritura (no Escrituras, sendo a referncia ao Salmo 69.21) se cumprisse, disse: Tenho sede. Novamente, dizemos, que prova fornecida aqui de que ele entregou sua vida de si mesmo!

    (4) A prxima verificao que o Esprito Santo fornece das palavras do nosso Senhor em Joo 10.18 encontrada em Joo 19.30: E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Est consumado. E, inclinando a cabea, entregou o esprito. O que se pretende que aprendamos dessas palavras? O que que se quer dizer aqui atravs desse ato do Salvador? Seguramente, a resposta no est longe. A implicao clara. Antes disso a cabea do nosso Senhor tinha estado erigida. No era um sofredor impotente que pendia ali desmaiado. Tivesse esse sido o caso, sua cabea teria se recostado sobre o peito, e seria impossvel para ele arque-la. E observe atentamente o verbo usado aqui: no foi sua cabea que caiu, mas ele, conscientemente, calmamente, reverentemente, inclinou sua cabea. Quo sublime foi sua atitude mesmo sobre o madeiro! Que compostura esplndida ele evidenciou. No foi sua majestosa atitude sobre a cruz que, entre outras coisas, fez com que o centurio clamasse: Verdadeiramente, este era o Filho de Deus (Mateus 27.54)?

    1. A PALAVRA DE PERDO

  • " E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem" Lucas 23:34

    O HOMEM HAVIA FEITO O SEU PIOR. Aquele por quem o mundo foi feito veio ao mundo, mas o mundo no o conheceu. O Senhor da glria tinha tabernaculado entre os homens, mas no foi desejado. Os olhos que o pecado tinha cegado no viram nele nenhuma beleza alguma pela qual ele pudesse ser desejado 10. Em seu nascimento no havia nenhum quarto na hospedaria, o que prenunciava o tratamento que receberia das mos dos homens. Pouco tempo aps seu nascimento, Herodes procurou mat-lo, e isso sugeria a hostilidade que sua pessoa evocava e predizia a cruz como o clmax da inimizade do homem. Repetidas vezes seus inimigos tentaram sua destruio. E agora os vis desejos deles fora-lhes concedidos. O Filho de Deus tinha se rendido nas mos deles. Um arremedo de julgamento havia acontecido e, embora seus juzes no tenham encontrado nenhuma falta nele, todavia, eles se rederam ao clamor insistente daqueles que o odiavam medida que eles repetidamente clamavam: Crucifica-o.

    Uma ao brbara tinha sido feita. Nenhuma morte ordinria satisfaria seus inimigos implacveis. Foi decidida uma morte de sofrimento e vergonha intensas. Uma cruz tinha sido assegurada: o Salvador seria pregado nela. E ali ele foi pendurado em silncio. Mas nesse instante seus lbios plidos so vistos se mexendo ele est clamando por piedade? No. O que ento? Ele est pronunciado maldio sobre aqueles que esto lhe crucificando? No. Ele est orando, orando pelos seus inimigos E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem (Lucas 23.34).

    Essa primeira das sete palavras na cruz do nosso Senhor o apresenta em atitude de orao. Quo significante! Quo instrutivo! Seu ministrio pblico tinha sido aberto com orao (Lucas 3.21), e aqui vemos ele sendo fechado com orao. Certamente ele nos deixou um exemplo! No mais aquelas mos ministrariam ao doente, pois estavam pregadas no madeiro cruel; no mais aqueles ps poderiam lev-lo nas tarefas de misericrdia, pois estavam presas no madeiro cruel; no mais ele poderia se ocupar na instruo dos apstolos, pois eles tinham-no esquecido e fugido. Como

    10 Nota do tradutor: Isaas 53.2.

  • ento ele se ocupou? No ministrio da orao! Que lio para ns.

    Talvez essas linhas possam ser lidas por algum que, por razo da idade e doena, no mais capaz de trabalhar ativamente na vinha do Senhor. Possivelmente nos dias de outrora voc era um professor, um pregador, um professor de escola dominical, um distribuidor de panfletos: mas agora voc est de cama. Sim, mas voc ainda est aqui na terra! Quem sabe Deus no est deixando voc aqui mais uns poucos dias para te engajar no ministrio da orao e talvez realizar mais atravs disso que por todo seu ministrio passado ativo. Se voc for tentado a depreciar tal ministrio, lembre-se do seu Salvador. Ele orou, orou por outros, orou por pecadores, at mesmo em suas ltimas horas.

    Ao orar por seus inimigos, Cristo no somente colocou diante de ns um exemplo perfeito de como devemos tratar aqueles que nos prejudicam e nos odeiam, mas ele tambm nos ensinou a nunca considerar algo como alm do alcance da orao. Se Cristo orou por seus assassinos, ento certamente temos encorajamento para orar agora pelo maior de todos os pecadores! Leitor cristo, nunca perca a esperana. Parece para voc um desperdcio de tempo continuar orando por aquele homem, por aquela mulher, por aquele seu filho obstinado? O caso deles parece se tornar mais sem esperana a cada dia? Parece como se eles estivem alm do alcance da misericrdia divina? Talvez algum por quem voc tem orado por tanto tempo foi enlaado por uma das seitas satnicas de hoje, ou ele pode ser agora um infiel declarado e desbragado; em resumo, um inimigo aberto de Cristo. Lembre-se ento da cruz. Cristo orou por seus inimigos. Aprenda ento a no olhar para nada como estando alm do alcance da orao.

    Um outro pensamento concernente a essa orao de Cristo. Devemos mostrar aqui a eficcia da rao. Essa intercesso de Cristo na cruz por seus inimigos recebeu uma resposta marcada e definida.

    A resposta vista na converso das trs mil amas no dia de Pentecoste. Eu baseio essa concluso em Atos 3.17, onde o apostolo Pedro diz: E agora, irmos, eu sei que o fizestes por ignorncia, como tambm os vossos prncipes.

    Deve ser notado que Pedro usa a palavra ignorncia, que corresponde ao no sabem o que fazem do nosso Senhor. Eis a a explicao divina dos 3.000 conversos com um simples sermo. No foi a eloqncia de Pedro a causa, mas a orao do Senhor. E, leitor cristo, o

  • mesmo verdadeiro para ns.

    Cristo orou por voc e por mim antes de crermos nele. Volte-se para Joo 17.20 para conferir. Eu no rogo somente por estes (os apstolos), mas tambm por aqueles que, pela sua palavra, ho de crer em mim (Joo 17.20). Uma vez mais beneficiemo-nos do exemplo perfeito. Faamos intercesso tambm pelos inimigos de Deus e, se orarmos com f, tambm ser eficaz para a salvao dos pecadores perdidos.

    Para ir diretamente ao nosso texto agora:

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    1. Aqui vemos o cumprimento da palavra proftica.

    Quanto Deus fez conhecido de antemo do que deveria suceder naquele dia dos dias! Que retrato completo o Esprito Santo fornece da Paixo do nosso Senhor com todas as circunstncias que a acompanharam! Entre outras coisas, foi predito que o Salvador deveria interceder pelos transgressores (Isaas 53:12, Traduo do Novo Mundo). Isso no tem referncia com o ministrio presente de Cristo direita de Deus.11 verdade que ele pode tambm salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles (Hebreus 7.25), mas isso fala do que ele est fazendo agora por aqueles que crem nele, enquanto Isaas 53.12 faz referncia ao seu ato gracioso no momento da sua crucificao. Observe que sua intercesso pelos transgressores est conectada com e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos e fez intercesso pelos transgressores.

    Que Cristo deveria fazer intercesso pelos seus inimigos era um dos itens da maravilhosa profecia encontrada em Isaas 53. Esse captulo nos diz pelo menos dez coisas sobre a humilhao e o sofrimento do Redentor. L, declarado que ele deveria ser desprezado e rejeitado pelos homens; que deveria ser um homem de dores e que sabia o que era sofrer; que ele deveria ser ferido, modo e castigado; que deveria ser levado, sem 11 Nota do tradutor: Nas verses brasileiras ARC, ARA e NVI, fica mais ntido o fato de que o versculo faz referncia a um ato passado, e no contnuo. Nelas lemos: ... pelos transgressores intercedeu.

  • resistncia, ao matadouro; que deveria permanecer mudo perante os seus tosquiadores; que deveria no somente sofrer nas mos de homens, mas tambm ser modo pelo Senhor; que deveria derramar sua alma na morte; que deveria ser enterrado na sepultura de um homem rico; e ento foi adicionado que deveria ser contado com os transgressores; e finalmente, que deveria fazer intercesso por esses. Aqui ento estava a profecia - e fez intercesso pelos transgressores; houve o cumprimento dela - Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem. Ele pensou nos seus assassinos. Ele implorou por aqueles que lhe crucificaram; ele fez intercesso pelo perdo deles.

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    2. Aqui vemos Cristo identificado com o seu povo.

    Pai, perdoa-lhes. Em nenhuma ocasio anterior Cristo fez tal pedido ao Pai. Nunca antes ele tinha invocado o perdo dos outros ao Pai. At aqui ele mesmo perdoou. Ao homem paraltico, ele disse: Filho, tem bom nimo; perdoados te so os teus pecados (Mt 9.2). mulher que lavou seus ps com suas lgrimas, na casa de Simo, ele disse: Os teus pecados te so perdoados (Lc 7.48). Por que, ento, ele agora pediu ao Pai para perdoar, ao invs dele mesmo pronunciar diretamente o perdo?

    Perdo de pecado uma prerrogativa divina. Os escribas judeus estavam certos quando arrazoaram: Quem pode perdoar pecados, seno Deus? (Mc 2.7). Mas dir voc: Cristo era Deus. Com toda certeza; mas homem tambm - o Deus-homem. Ele era o Filho de Deus que tinha se tornado o Filho do Homem com o expresso propsito de oferecer a si mesmo como sacrifcio pelo pecado. E quando o Senhor Jesus clamou Pai, perdoa-lhes, ele estava sobre a cruz, e ali ele no poderia exercer suas prerrogativas divinas. Repare cuidadosamente suas palavras, e ento contemple a exatido maravilhosa da Escritura. Ele tinha dito: O Filho do Homem tem na terra autoridade para perdoar pecados (Mt 9.6). Mas ele no estava mais sobre a terra! Ele tinha sido levantado da terra (Jo 12.32)! Alm do mais, na cruz ele estava agindo como nosso substituto; o justo estava para morrer pelos injustos. Por conseguinte, ao ser suspenso como nosso representante, ele no estava mais no lugar de autoridade onde poderia exercer suas prerrogativas divinas, e, portanto, toma a posio de

  • um suplicante perante o Pai. Assim, dizemos que quando o bendito Senhor Jesus clamou, Pai, perdoa-lhes, o vemos absolutamente identificado com o seu povo. No estava mais na posio de autoridade sobre a terra, onde ele tinha o poder ou direito de perdoar pecados; ao invs disso, ele intercede pelos pecadores - como ns devemos fazer.

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    3. Aqui vemos a avaliao divina do pecado e sua culpa conseqente.

    Sob a economia levtica, Deus exigiu que a expiao devesse ser feita pelos pecados praticados por ignorncia.

    Quando alguma pessoa cometer uma transgresso e pecar por ignorncia nas coisas sagradas do SENHOR, ento, trar ao SENHOR, por expiao, um carneiro sem mancha do rebanho, conforme a tua estimao em siclos de prata, segundo o siclo do santurio, para expiao da culpa. Assim, restituir o que ele tirou das coisas sagradas, e ainda de mais acrescentar o seu quinto, e o dar ao sacerdote; assim, o sacerdote, com o carneiro da expiao, far expiao por ela, e ser-lhe- perdoado o pecado. (Lv 5.15, 16).

    E lemos novamente:

    Quando errardes e no cumprirdes todos estes mandamentos que o SENHOR falou a Moiss, sim, tudo quanto o SENHOR vos tem mandado por Moiss, desde o dia em que o SENHOR ordenou e da em diante, nas vossas geraes, ser que, quando se fizer alguma coisa por ignorncia e for encoberta aos olhos da congregao, toda a congregao oferecer um novilho, para holocausto de aroma agradvel ao SENHOR, com a sua oferta de manjares e libao, segundo o rito, e um bode, para oferta pelo pecado. O sacerdote far expiao por toda a congregao dos filhos de Israel, e lhes ser perdoado, porquanto foi erro, e trouxeram a sua oferta, oferta queimada ao SENHOR, e a sua oferta pelo pecado perante o SENHOR, por causa do seu erro. (Nm 15. 22-25, ARA). 12

    em vista de passagens tais como essas que encontramos Davi 12 Nota do tradutor: A ARC trs por erro, tanto no versculo 24, como no 25. A ARA traduz o versculo 24 como por ignorncia e o 25 como por erro. A KJV, verso utilizada por Pink, traduz os dois versculos como por ignorncia, deixando o entendimento da passagem mais claro e sendo mais coerente, visto que em ambos os versculos o termo hebraico o mesmo, a saber, hggv.

  • orando: Expurga-me tu dos [erros] que me so ocultos (Sl 19.12).

    O pecado sempre pecado aos olhos divinos, quer estejamos consciente dele ou no. Pecados cometidos por ignorncia precisam de expiao tanto quanto os conscientes. Deus santo, e ele no rebaixar seu padro de justia ao nvel da nossa ignorncia. Ignorncia no inocncia. Na verdade, ignorncia mais culpada agora do que na poca de Moiss. Ns no temos desculpas pela nossa ignorncia. Deus tem revelado clara e plenamente sua vontade. A Bblia est em nossas mos, e no podemos alegar ignorncia de seu contedo, exceto para condenar-nos por nossa preguia. Ele tem falado, e por sua palavra seremos julgados.

    E, todavia, permanece o fato de que somos ignorantes de muitas coisas, e o erro e a culpa so nossos. E isso no minimiza a enormidade do nosso delito. Pecados cometidos por ignorncia precisam do perdo divino, assim como a orao do Senhor nos mostra claramente aqui. Aprenda, ento, quo alto o padro de Deus, quo grande a nossa necessidade, e louve-o por uma expiao de suficincia infinita, que limpa de todo pecado.13

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    4. Aqui vemos a cegueira do corao humano.Porque no sabem o que fazem. Isso no significa que os inimigos

    de Cristo eram ignorantes do fato de sua crucificao. Eles sabiam perfeitamente que tinham clamado: Crucifica-o. Eles sabiam perfeitamente que o seu vil pedido lhes tinha sido concedido por Pilatos. Eles sabiam perfeitamente que ele tinha sido pregado na cruz, pois eram testemunhas oculares do crime. O que, ento, o Senhor quis dizer quando disse: Porque no sabem o que fazem? Ele quis dizer que eles eram ignorantes da grandeza do seu crime. Eles no sabiam que era o Senhor da glria que eles estavam crucificando. A nfase no sobre porque no sabem, mas sobre porque no sabem o que fazem.

    E, todavia, eles deveriam ter sabido. A cegueira deles era inescusvel. As profecias do Antigo Testamento que tinham recebido seu cumprimento nele eram suficientemente claras para identific-lo como o Santo de Deus. Seu ensino era singular, pois seus prprios crticos foram 13 Nota do tradutor: 1Joo 1.7.

  • forados a admitir: Nunca homem algum falou assim como este homem (Jo 7.46). E o que dizer da sua vida perfeita?

    Ele viveu diante dos homens uma vida que nunca tinha sido vivida sobre a terra antes. Ele no agradava a si mesmo. Ele se ocupava de fazer o bem. Ele estava sempre disposio dos outros. No havia egosmo nele. Sua vida foi de auto-sacrifcio do princpio ao fim. Sua vida foi sempre vivida para a glria de Deus. Sobre sua vida estava estampada a aprovao do cu, pois a voz do Pai testificou audivelmente: Este o meu Filho amado, em quem me comprazo. 14 No, no havia escusa alguma para a ignorncia deles. Isso apenas demonstrava a cegueira dos seus coraes. A rejeio do Filho de Deus por parte deles trouxe pleno testemunho, de uma vez por todas, de que a mente carnal inimizade contra Deus (Rm 8.7).

    Quo triste pensar que essa terrvel tragdia ainda est sendo repetida! Pecador, voc faz pouca idia do que est fazendo ao negligenciar a grande salvao de Deus. Voc faz pouca idia de quo terrvel o pecado de menosprezar o Cristo de Deus e repelir os convites de sua misericrdia. Voc faz pouca idia da profunda culpa que est unida ao seu ato de recusar receber o nico que pode te salvar dos seus pecados. Voc faz pouca idia de quo medonho o crime de dizer: No queremos que este reine sobre ns.15 Voc faz pouca idia do que faz. Voc considera essa questo vital com indiferena total. A questo se apresenta hoje da mesma forma como dantes: Que farei, ento, de Jesus, chamado Cristo?.16 Pois voc tem que fazer algo com ele: ou o despreza e rejeita, ou o recebe como o Salvador de sua alma e o Senhor da sua vida. Mas, digo novamente, isso lhe parece um assunto de diminuta urgncia, de pequena importncia. Por anos voc tem resistido aos esforos do seu Esprito. Por anos voc tem posto de lado essa importantssima considerao. Por anos voc tem endurecido seu corao contra ele, tampado seus ouvidos aos seus apelos, e fechado seus olhos sua excelsa beleza. Ah! voc no sabe O QUE faz. Voc est cego em sua loucura. Cego para o seu terrvel pecado. Todavia, voc no est sem escusa. Voc pode ser salvo agora se quiser.

    Cr no Senhor Jesus Cristo e [tu] sers salvo.17 , venha ao 14 Nota do tradutor: Mateus 3.17.15 Nota do tradutor: Lucas 19.14.16 Nota do tradutor: Mateus 27.22.17 Nota do tradutor: Atos 16.31.

  • Salvador agora e diga com algum de outrora, Mestre, que eu tenha vista.18

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    5. Aqui vemos uma exemplificao amorosa do seu prprio ensino.

    No Sermo do Monte nosso Senhor ensinou aos seus discpulos: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem (Mt 5.44). Acima de todos os outros, Cristo praticou o que ele pregou. A graa e a verdade vieram atravs de Jesus Cristo.19 Ele no somente ensinou a verdade, mas ele mesmo era a verdade encarnada. Ele disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6). Assim, aqui sobre a cruz ele exemplificou perfeitamente seu ensino do monte. Em todas as coisas ele nos deixou um exemplo.

    Observe que Cristo no perdoou pessoalmente seus inimigos. Assim, em Mt 5.44 ele no exortou seus discpulos a perdoarem seus inimigos, mas os exortou a orar por eles. Mas ns no devemos perdoar aqueles que nos maltratam? Isso nos leva a um ponto com respeito ao qual necessria muita instruo hoje em dia.

    A escritura ensina que sob todas as circunstncias devemos perdoar sempre? Eu respondo enfaticamente: no, ela no ensina. A palavra de Deus diz: Se teu irmo pecar contra ti, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe; e, se pecar contra ti sete vezes no dia e sete vezes no dia vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me, perdoa-lhe (Lc 17.3,4). Aqui somos claramente ensinados que uma condio deve ser satisfeita pelo ofensor antes que possamos pronunciar o perdo. Aquele que nos ofendeu deve primeiramente se arrepender, isto , julgar a si mesmo por seu erro e dar evidncia de sua tristeza por causa dele. Mas, suponha que o ofensor no se arrependa? Ento eu no preciso perdo-lo.

    18 Nota do tradutor: Marcos 10.51.19 Nota do tradutor: Joo 1.17.

  • Mas que no haja m compreenso do que queremos dizer aqui. Mesmo que algum que nos ofendeu no se arrependa, todavia, eu no devo abrigar sentimentos ruins contra ele.

    No deve haver nenhum dio ou malcia cultivada no corao. Todavia, por outro lado, eu no devo tratar o ofensor como se ele no tivesse cometido nenhum erro. Isso seria fechar os olhos ofensa, e, portanto, eu estaria falhando em manter as exigncias da justia, e isso o que o crente deve fazer sempre. Deus alguma vez perdoa onde no h arrependimento? No, pois a escritura declara: Se confessarmos os nossos pecados, ele fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustia (1 Jo 1.9). Mais uma coisa. Se algum me prejudicar e no se arrepender, embora eu no possa lhe perdoar e trat-lo como se ele no tivesse me ofendido, todavia, eu no apenas no devo abrigar nenhuma malcia em meu corao contra ele, mas devo tambm orar por ele. Aqui est o valor do exemplo perfeito de Cristo. Se no podemos perdoar, podemos orar a Deus para perdo-lo.

    E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    6. Aqui vemos a grande e primria necessidade do homem.

    A primeira lio importante que todos precisam aprender que somos pecadores, e como tais, inaptos para a presena de um Deus Santo. em vo que escolhemos nobres ideais, adotamos boas resolues, e aceitamos excelentes regras pelas quais viver, at que a questo do pecado tenha sido resolvida. No de proveito algum tentar desenvolver um belo carter e ter por objetivo obter a aprovao de Deus, enquanto h pecado entre ele e as nossas almas. Qual a utilidade dos sapatos, se os nossos ps esto paralisados? De que utilidade so os culos, se somos cegos? A questo do perdo dos meus pecados bsica, fundamental e vital. No importa se sou altamente respeitado por um crculo amplo de amigos, se ainda estou em meus pecados. No importa se eu sou honesto em meu negcio, se ainda sou um transgressor no perdoado aos olhos de Deus. O

  • que importar na hora da morte ser: Os meus pecados foram expurgados pelo sangue de Cristo?

    A segunda lio importantssima que precisamos aprender como o perdo dos pecados pode ser obtido. Qual fundamento sobre o qual um Deus santo perdoar pecados? E aqui importante observar que h uma diferena vital entre o perdo divino e muito do perdo humano. Como regra geral, o perdo humano uma questo de complacncia, frequentemente de frouxido. Queremos dizer que o perdo mostrado custa da justia e da retido. Na corte humana da lei, o juiz tem que escolher entre duas alternativas: quando se prova que algum no banco dos rus culpado, o juiz deve aplicar a penalidade da lei, ou deve negligenciar os requerimentos da lei - uma justia, a outra misericrdia. A nica forma possvel na qual o juiz pode tanto aplicar os requerimentos da lei e ainda mostrar misericrdia ao ofensor, uma terceira parte oferecer sofrer em sua prpria pessoa a penalidade que o condenado merece. Assim aconteceu no conselho divino. Deus no exerceria misericrdia custa da justia. Ele, como o juiz de toda a terra, no colocaria de lado as demandas da sua santa lei. Todavia, Deus mostraria misericrdia. Como? Atravs de um que satisfaria plenamente sua lei violada. Por intermdio de seu prprio Filho, tomando o lugar de todos aqueles que crem nele e carregando seus pecados em seu prprio corpo no madeiro. Deus poderia ser justo e ainda misericordioso, misericordioso e ainda justo. Foi assim para que a graa reinasse pela justia.20

    Um fundamento justo tinha sido fornecido sobre o qual Deus poderia ser justo e ainda o justificador de todo aquele que cr.21 Por conseguinte, somos informados:

    E disse-lhes: Assim est escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse e, ao terceiro dia, ressuscitasse dos mortos; e, em seu nome, se pregasse o arrependimento e a remisso (perdo) dos pecados, em todas as naes, comeando por Jerusalm (Lc

    20 Nota do tradutor: Romanos 5.21.21 Nota do tradutor: Romanos 3.26.

  • 24.46,47).

    E novamente:

    Seja-vos, pois, notrio, vares irmos, que por este se vos anuncia a remisso dos pecados. E de tudo o que, pela lei de Moiss, no pudestes ser justificados, por ele justificado todo aquele que cr (At 13.38, 39).

    Foi em virtude do sangue que ele estava derramando que o Salvador clamou: Pai, perdoa-lhes. Foi m virtude do sacrifcio expiatrio que ele estava oferecendo que pde ser dito que sem derramamento de sangue no h remisso.22

    Ao orar pelo perdo dos seus inimigos, Cristo foi diretamente na raiz da necessidade deles. E a necessidade deles a necessidade de todo filho de Ado. Leitor, voc tem os seus pecados perdoados, isto , remidos ou levados embora? Voc , pela graa, um daqueles de quem dito: Em quem temos a redeno pelo seu sangue, a saber, a remisso dos pecados (Cl 1.14)?

    Ento disse Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque no sabem o que fazem.

    7. Aqui vemos o triunfo do amor redentor.

    Note atentamente a palavra com a qual nosso texto comea. Ento.23 O versculo que imediatamente o precede lido assim: E, quando chegaram ao lugar chamado a Caveira, ali o crucificaram e aos malfeitores, um, direita, e outro, esquerda. Ento, disse Jesus, Pai, perdoa-lhes. Ento quando o homem tinha feito o seu pior. Ento - quando a vileza do corao humano foi demonstrada em maldade diablica e climatrica. Ento - quando com mos mpias a criatura ousou crucificar o Senhor da glria. Ele poderia ter expressado maldies terrveis sobre eles. Ele poderia ter lanado os raios da justa ira e os matado. Ele poderia ter feito a terra abrir a sua boca, de forma que eles 22 Nota do tradutor: Hebreus 9.22.23 Nota do tradutor: Na verso do autor, ou seja, a KJV. A ARC trs e, enquanto a ARA trs contudo.

  • cassem vivos no abismo. Mas no. Embora sujeito vergonha indizvel, embora sofrendo dor excruciante, embora desprezado, rejeitado, odiado; todavia, ele clamou: Pai, perdoa-lhes. Esse era o triunfo do amor redentor. O amor paciente, benigno... tudo sofre... tudo suporta (1Co 13, ARA). Assim foi demonstrado na cruz.

    Quando Sanso chegou na hora da sua morte, ele usou a grande fora do seu corpo para abarcar a destruio de seus antagonistas; mas aquele que era perfeito exibiu a fora de seu amor orando pelo perdo dos seus inimigos. Graa inigualvel! Inigualvel, dizemos, pois nem mesmo Estevo conseguiu seguir plenamente o exemplo bendito dado pelo Salvador. Se o leitor se voltar para Atos 7, descobrir que o primeiro pensamento de Estevo foi sobre si mesmo, e depois foi que orou pelos seus inimigos - E apedrejaram a Estvo, que em invocao dizia: Senhor Jesus, recebe o meu esprito. E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor, no lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu (At 7.59,60). Mas com Cristo a ordem foi inversa: ele orou primeiro pelos seus adversrios, e no final por si mesmo. Em todas as coisas ele tem a preeminncia.24

    E agora, concluindo com uma palavra de aplicao e exortao. Se esse captulo estiver sendo lido por uma pessoa no-salva, pedir-lhe-emos seriamente ponderar bem a prxima sentena - Quo terrvel deve ser se opor a Cristo e sua verdade conscientemente! Aqueles que crucificaram o Salvador no sabiam o que estavam fazendo. Mas, meu leitor, h um sentido muito real e solene no qual isso verdade com respeito a voc tambm. Voc sabe que deve receber a Cristo como seu Salvador, que deve coro-lo como Senhor de sua vida, que deve tornar a sua primeira e ltima preocupao agrad-lo e glorific-lo. Fique ento avisado; seu perigo grande. Se voc deliberadamente d as costas a ele, d as costas ao nico que pode salv-lo dos seus pecados, e est escrito: Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, j no resta mais sacrifcio pelos pecados, mas uma certa expectao horrvel de juzo e ardor de fogo, que h de devorar os adversrios (Hb 10.26,27).

    Resta-nos apenas adicionar uma palavra sobre a bendita inteireza do perdo divino.

    Muitos dentre o povo de Deus ficam intranqilos e perturbados sobre

    24 Nota do tradutor: Colossenses 1.18.

  • esse ponto. Eles entendem como que todos os pecados que cometeram antes de receberem a Cristo como seu Salvador foram perdoados, mas amide no esto livres de dvidas com respeito aos pecados que cometem aps terem nascido de novo. Muitos supem que possvel para eles pecar de uma forma que lhes coloque alm do perdo que Deus lhes concedeu. Supem que o sangue de Cristo trata somente com o passado deles, e que at onde diz respeito ao presente e ao futuro, eles tem que se cuidar por si mesmos. Mas de que valor seria um perdo que pode ser tirado de mim a qualquer momento? Certamente no pode haver nenhuma paz estabelecida quando minha aceitao para com Deus e a minha ida ao cu feita dependente do meu agarrar-se a Cristo, ou da minha obedincia e fidelidade.

    Bendito seja Deus, o perdo que ele concede cobre todos os pecados - passados, presentes e futuros. Amigo crente, Cristo no carregou os seus pecados em seu prprio corpo no madeiro? E os seus pecados no eram todos futuros, quando ele morreu? Certamente, pois naquele tempo voc no tinha nascido, e no tinha cometido nenhum pecado sequer. Muito bem ento: Cristo verdadeiramente levou os seus pecados futuros tanto quanto os seus pecados passados. O que a palavra de Deus ensina que a alma incrdula tirada do lugar sem perdo para onde esse est ligado.

    Os cristos so um povo perdoado. Diz o Esprito Santo: Bem-aventurado o homem a quem o Senhor no imputa o pecado (Rm 4.8). O crente est em Cristo, e ali o pecado nunca nos ser imputado novamente. Esse o nosso lugar ou posio diante de Deus.

    Em Cristo onde ele nos contempla. E porque estou em Cristo, estou completa e eternamente perdoado; to perdoado que o pecado nunca ser mais ser posto sobre mim como acusao no que toca minha salvao, mesmo que eu permanecesse na terra por mais cem anos. Eu estou fora do alcance para sempre. Oua o testemunho da escritura: E, quando vs estveis mortos nos pecados e na incircunciso da vossa carne, (Deus) vos vivificou juntamente com ele (Cristo), perdoando-vos todas as ofensas (Cl 2.13). Observe as duas coisas que so aqui unidas (e o que Deus ajuntou, no o separe o homem!) - minha unio com um Cristo ressurreto conectada com o meu perdo! Se ento minha vida est oculta com Cristo em Deus (Cl 3.3), ento eu estou fora para sempre do lugar onde a imputao do pecado aplicada. Por conseguinte, est escrito: Portanto,

  • agora, nenhuma condenao h para os que esto em Cristo Jesus (Rm 8.1) - como poderia existir, se todas as ofensas foram perdoadas? Ningum pode lanar nenhuma acusao contra os eleitos de Deus (Rm 8.33). Leitor cristo, junte-se ao escritor em louvor a Deus, pois ns somos eternamente perdoados de tudo. *

    2. A PALAVRA DE SALVAO

    E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estars comigo no Paraso.

    Lucas 23. 42,43

    A SEGUNDA DECLARAO DE CRISTO na cruz foi feita em resposta ao pedido do ladro beira da morte. Antes de considerarmos as palavras do Salvador ponderaremos primeiro sobre o que as ocasionou.

    No foi acidente algum o fato de o Senhor da glria ter sido crucificado entre dois ladres. Nada ocorre por acidente em um mundo que governado por Deus. Muito menos poderia ter havido qualquer acidente naquele dia dos dias, ou em conexo com aquele evento dos eventos um dia e um evento que esto situados no prprio centro da histria do mundo. No, Deus estava presidindo sobre aquela cena. Desde a eternidade toda ele havia decretado quando e onde e como e com quem seu Filho deveria morrer. Nada foi deixado ao acaso ou ao capricho do homem. Tudo que Deus tinha decretado veio a suceder exatamente como ele havia ordenado, e nada aconteceu que no tivesse ele eternamente intentado. Tudo quanto o homem fez foi simplesmente o que a mo e o conselho divinos tinham anteriormente determinado (At 4.28).

    Quando Pilatos deu ordens para que o Senhor Jesus fosse crucificado entre os dois malfeitores, estava pondo em execuo o decreto eterno de Deus e cumprindo sua palavra proftica, coisas que lhe eram totalmente desconhecidas. Setecentos anos antes que esse dignitrio romano desse sua ordem, Deus tinha declarado mediante Isaas que seu Filho deveria ser * Deveria ser adicionado, guisa de explicao, que o aspecto judicial que temos tratado aqui. O perdo restaurador - que o trazer de volta, novamente comunho, um crente que pecou - tratado em 1Joo 1.9 - outra questo totalmente distinta.

  • contado com os transgressores (Is 53.12). Quo totalmente improvvel parecia isso, que o Santo de Deus devesse ser contado com os mpios; que aquele mesmo cujo dedo havia inscrito nas tbuas de pedra da Lei do Sinai devesse ter um lugar designado entre os sem lei; que o Filho de Deus devesse ser executado com os criminosos tal parecia completamente inconcebvel. Todavia, na realidade, foi o que veio a ocorrer. Nem uma s palavra divina pode-se deixar escapar. Para sempre, Senhor, a tua palavra permanece no cu (Sl 119.89). Assim como Deus havia ordenado, e assim como havia anunciado, assim aconteceu.

    Porque ele ordenou que seu Filho devesse ser crucificado entre dois criminosos?

    Certamente que Deus tinha uma razo para tal; uma boa, uma mltipla razo, quer possamos discerni-la ou no. Ele nunca procede arbitrariamente. Ele tem um bom propsito para tudo o que faz, pois todas as suas obras esto ordenadas pela sabedoria infinita. Nesse exemplo particular, vrias respostas se insinuam nossa inquirio. No foi nosso bendito Senhor crucificado com os dois ladres para demonstrar plenamente as insondveis profundezas da vergonha em que havia descido? Em seu nascimento ele estava rodeado pelas bestas do campo e, agora, em sua morte, contado com a escria da humanidade.

    Outra vez, no foi o Salvador contado com os transgressores para nos mostrar a posio que ele ocupou como nosso substituto? Ele havia ocupado o lugar que era nosso, e o que era seno o lugar de vergonha, o lugar dos transgressores, o lugar dos criminosos condenados morte!

    Outra vez, no foi ele deliberadamente humilhado daquele modo por Pilatos para mostrar a avaliao pelo homem daquele inigualvel desprezado tanto quanto rejeitado!

    Outra vez, no foi ele crucificado com os dois ladres, de modo que naquelas trs cruzes e nos que nelas estavam dependurados, pudssemos ter a representao vvida e concreta do drama da salvao e da resposta do homem a isso a redeno do Salvador; o pecador que se arrepende e cr; e o que insulta e rejeita? 25 25 Nota do tradutor: Observe o leitor tambm que, naquelas trs cruzes, podemos ver toda a humanidade ali representada, nas pessoas do pecador obstinado, do pecador penitente e de Cristo, nico homem sem

  • Uma outra importante lio que podemos aprender da crucificao de Cristo entre os dois ladres, e o fato de que um o recebeu e o outro o rejeitou, a da soberania divina.

    Os dois malfeitores foram crucificados juntos. Estavam mesma proximidade de Cristo. Ambos viram e ouviram tudo o que se tornou conhecido durante aquelas seis fatdicas horas. Ambos eram notoriamente perversos; ambos estavam sofrendo agudamente; ambos estavam morrendo, e ambos necessitavam urgentemente de perdo. Todavia, um morreu em seus pecados, morreu como tinha vivido endurecido e impenitente; ao passo que o outro se arrependeu de sua maldade, creu em Cristo, recorreu a ele para obter misericrdia e entrou no Paraso. Como explicar isso, seno pela soberania de Deus!

    Vemos precisamente que a mesma coisa continua hoje. Sob exatamente as mesmas circunstncias e condies, um enternecido e outro permanece inalterado. Sob o mesmo sermo, um homem ouvir com indiferena, enquanto outro ter seus olhos abertos para ver sua necessidade e sua vontade movida para perto da oferta da misericrdia divina. Para um, o evangelho revelado, para outro, oculto. Por qu? Tudo o que podemos dizer : Sim, Pai, porque assim te aprouve. E, contudo, a soberania divina nunca quer dizer destruir a responsabilidade humana. Ambas so claramente ensinadas na Bblia, e nosso dever crer e pregar as duas, quer possamos harmoniz-las ou compreend-las quer no. Ao pregarmos ambas pode parecer a nossos ouvintes que nos contradizemos, mas que importa?

    Disse o falecido C. H. Spurgeon, quando pregava em 1Timteo 2.3,4: Ali no texto se acha, e creio que do desejo de meu Pai, que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.

    Mas eu sei, tambm, que ele no o quer, de modo que salvar a qualquer um daqueles, apenas se crerem em seu Filho; pois ele no-lo disse repetidas vezes. Ele no salvar homem algum, a menos que esse abandone seus pecados, e se volte para ele com pleno propsito de corao: isso eu tambm sei. E sei, ainda, que ele tem um povo a quem salvar, a quem, por seu eterno amor, elegeu e a quem, por seu eterno poder, ele libertar. Eu no sei como aquilo se ajusta com isso, que mais uma das coisas que no sei. E disse esse prncipe dos pregadores: Eu permanecerei exatamente no que sempre hei de pregar e sempre tenho pregado, e tomo a palavra de pecado.

  • Deus como est, possa eu reconcili-la com uma outra parte da palavra divina ou no.

    Dizemos novamente, a soberania de Deus nunca significa destruir a responsabilidade do homem.

    Devemos fazer uso diligente de todos os meios que ele designou para a salvao das almas. Somos ordenados a pregar o evangelho a toda criatura 26. A graa livre: o convite amplo o bastante para quem crer o aceitar. Cristo no despede ningum que venha a ele.27 Todavia, aps havermos feito tudo, aps havermos plantado e aguado, Deus quem d o crescimento,28 e o faz de modo a melhor satisfazer sua soberana vontade.

    Na salvao do ladro agonizante temos uma viso clara da graa vitoriosa, como no encontrada em nenhum outro lugar na Bblia. Deus o Deus de toda graa, e a salvao inteiramente por meio dessa. Pela graa sois salvos (Ef 2.8), e pela graa do comeo ao fim. A graa planejou a salvao, a graa proveu a salvao, e a graa assim opera sobre e em seus eleitos para sobrepujar a dureza de seus coraes, a obstinao de suas vontades, e a inimizade de suas mentes, e assim os torna propensos a receber a salvao. A graa inicia, a graa continua, e a graa consuma a nossa salvao.

    A salvao pela graa soberana, irresistvel, livre graa ilustrada no Novo Testamento tanto por exemplo quanto por preceito. Talvez os dois casos mais contundentes de todos sejam os de Saulo de Tarso e do Ladro Agonizante. E esse ltimo at mais digno de nota que o primeiro. No caso de Saulo, que posteriormente tornou-se Paulo, apstolo dos gentios, havia um carter moral exemplar, para comeo de conversa. Escrevendo anos depois sobre sua condio antes da converso, o apstolo declarou que, no tocante justia da lei, ele era irrepreensvel (Fp 3.6). Ele era um fariseu dos fariseus: meticuloso em seus hbitos, correto em seu procedimento. Moralmente, seu carter era imaculado. Aps a converso, sua vida foi de justia no padro evanglico. Constrangido pelo amor de Cristo, consumiu-se na pregao do Evangelho aos pecadores e no labor da edificao dos santos. Sem dvida, nossos leitores concordaro conosco quando dizemos que provavelmente Paulo

    26 Nota do tradutor: Marcos 16.15.27 Nota do tradutor: Joo 6.37.28 Nota do tradutor: 1Corntios 3.6.

  • estivesse mais perto de atingir os ideais da vida crist, e que ele seguiu aps seu Mestre mais perto do que qualquer outro santo desde ento.

    Mas com o ladro salvo foi, de longe, de outra forma. Ele no tinha vida moral alguma antes de sua converso e nenhuma de servio ativo depois. Antes dela ele no respeitava nem a lei de Deus nem a dos homens. Aps sua converso, ele morreu sem ter oportunidade de se ocupar no servio de Cristo. Enfatizarei isso, porque essas so as duas coisas que so consideradas por tantos como fatores que contribuem para nossa salvao. Supe-se que devemos primeiro nos adequar, desenvolvendo um carter nobre diante de Deus, que nos receber como seus filhos, e que depois dele haver nos recebido, para sermos experimentados, somos meramente postos prova, e que, a menos que produzamos uma certa qualidade e quantidade de boas obras, cairemos da graa e ficaremos perdidos. Mas o ladro agonizante no teve boa obra alguma, seja antes ou depois da converso. Em conseqncia, somos levados concluso que, se ele foi salvo em absoluto, certamente o foi pela soberana graa.

    A salvao do ladro agonizante tambm arranja um outro apoio para que o legalismo da mente carnal se interponha para roubar de Deus a glria devida sua graa. Em vez de atribuir a salvao dos pecadores perdidos inigualvel graa divina, muitos cristos professos procuram explic-las pelas influncias humanas, instrumentalidades e circunstncias. Seja o pregador, sejam circunstncias providenciais ou propcias, sejam as oraes dos crentes, tudo isso visto como a causa principal. Que no sejamos mal entendidos aqui. verdade que Deus com freqncia se agrada de usar meios para a converso dos pecadores; que amide condescende em abenoar nossas oraes e esforos para levar pecadores a Cristo; que, muitas vezes, ele faz com que suas providncias despertem e sacudam os mpios para a percepo de seus estados. Mas Deus no est preso a essas coisas. Ele no est limitado s instrumentalidades humanas. Sua graa toda poderosa e, quando lhe agrada, ela capaz de salvar apesar da falta daquelas, e a despeito das circunstncias desfavorveis. Assim foi no caso do ladro salvo.

    Considere:

    Sua converso ocorreu numa poca quando, exteriormente, parecia que Cristo havia perdido todo o poder para salvar, seja a si mesmo ou a outros. Esse ladro havia marchado ao lado do Salvador atravs das ruas de

  • Jerusalm e o tinha visto sucumbir sob o peso da cruz! altamente provvel que, como sua ocupao fosse a de ladro e assaltante, esse fosse o primeiro dia que em que ele punha seus olhos no Senhor Jesus e, agora que o via, era sob toda a circunstncia de fraqueza e desgraa. Seus inimigos estavam triunfando sobre ele. A maior parte de seus amigos o havia abandonado. A opinio pblica estava unanimemente contra ele. Sua prpria crucificao foi considerada como totalmente inconsistente com sua messianidade. Sua condio humilde foi uma pedra de tropeo aos judeus desde mesmo o incio, e as circunstncias de sua morte devem ter intensificado isso, especialmente a algum que nunca o havia visto seno em tal condio. Mesmo aqueles que tinham crido nele foram levados dvida por causa de sua crucificao. No havia ningum na multido que estivesse ali com o dedo apontando para ele e gritando: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!.29 E, todavia, no obstante tais obstculos e dificuldades no caminho de sua f, o ladro apreendeu a condio de Salvador e o Senhorio de Cristo. Como podemos explicar tal f e tal compreenso espiritual em algum em circunstncias tais como a que se encontrava? Como podemos explicar o fato de que esse ladro agonizante tomou um homem em sofrimento, sangrando e crucificado por seu Deus! No pode ser explicado seno por interveno divina e operao sobrenatural. Sua f em Cristo foi um milagre da graa!

    para ser notado ainda que a converso do ladro ocorreu antes dos fenmenos sobrenaturais daquele dia. Ele exclamou: Senhor, lembra-te de mim antes das horas de trevas, antes do brado triunfante, Est consumado, antes do vu do templo se rasgar, antes do tremor de terra e do despedaar das rochas, antes da confisso do centurio: Na verdade, este era Filho de Deus. Deus intencionalmente colocou sua converso antes de tais coisas de modo que sua soberana graa pudesse ser engrandecida e seu soberano poder reconhecido. Ele calculadamente escolheu salvar esse ladro sob as circunstncias mais desfavorveis para que nenhuma carne se glorie em sua presena. Ele deliberadamente disps essa combinao de condies e ambiente no propcios para nos ensinar que a salvao do Senhor;30 para nos ensinar a no engrandecer a instrumentalidade humana acima da ao divina; para nos ensinar que toda converso genuna o produto direto da operao sobrenatural do Esprito 29 Nota do tradutor: Joo 1.29.30 Nota do tradutor: Salmo 37.39.

  • Santo.

    Consideraremos agora o ladro em si mesmo, suas vrias declaraes, seu pedido ao Salvador, e a resposta de nosso Senhor.

    E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.

    E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estars comigo no Paraso

    (Lucas 23.42,43).

    1. Vemos aqui um pecador representativo.

    Nunca chegaremos ao centro desse incidente at considerarmos a converso desse homem como um caso representativo, e o prprio ladro como um carter representativo. H aqueles que procuram mostrar que o carter original do ladro penitente era mais nobre e digno do que o do outro que no se arrependeu. Mas isso no somente no corresponde verdade dos fatos nesse caso, como serve para apagar a glria peculiar dessa converso e remover dele a maravilha da graa divina. de grande importncia reparar que, antes do tempo em que um se arrependeu e creu no havia diferena essencial alguma entre os dois. Na natureza, na histria, nas circunstncias eram um. O Esprito Santo foi cuidadoso em nos contar que ambos insultaram o padecente Salvador:

    E da mesma maneira tambm os prncipes dos sacerdotes, com os escribas, e ancios, e fariseus, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, e a si mesmo no pode salvar-se. Se o Rei de Israel, desa agora da cruz, e cr-lo-emos. Confiou em Deus; livre-o agora, se o ama; porque disse: Sou Filho de Deus. E o mesmo lhe lanaram tambm em rosto os salteadores que com ele estavam crucificados (Mateus 27.41-44).

    Realmente terrveis eram a condio e a ao desse assaltante. beira de adentrar a eternidade ele se une aos inimigos de Cristo no terrvel pecado de escarnecer dele. Era de uma torpeza sem paralelo. Pense nisso um homem na hora em que se aproximava sua morte ridicularizando o Salvador padecente! que demonstrao de depravao humana e de inimizade natural da mente carnal contra Deus. E, leitor, por natureza h a mesma depravao herdada dentro de voc, e a menos que um milagre da divina graa seja operado dentro de voc, existe a mesma inimizade contra Deus e seu Cristo presente em seu corao. Voc pode no pensar assim,

  • pode no sentir assim, pode no crer assim. Mas isso no altera o fato. A palavra dele que no pode mentir declara: Enganoso o corao, acima de todas as coisas, e desesperadamente perverso 31 (Jr 17.9). Essa uma declarao de aplicao universal. Ela descreve o que todo corao humano por nascimento natural. E outra vez a mesma escritura da verdade declara: porque a mentalidade da carne significa inimizade com Deus, visto que no est em sujeio lei de Deus; de fato, nem pode estar (Romanos 8.7, Traduo do Novo Mundo). Isso, tambm, diagnostica o estado de todo descendente de Ado. Porque no h diferena. Porque todos pecaram e destitudos esto da glria de Deus (Rm 3.22,23). Inefavelmente solene isso: todavia, necessita que nele se insista. No seno quando percebemos nossa desesperadora condio que descobrimos a necessidade de um Salvador divino. No seno quando somos levados a perceber nossa total corrupo e fraqueza que nos apressamos ao grande mdico. No seno quando encontramos nesse ladro agonizante um retrato de ns mesmos que o acompanharemos dizendo: Senhor, lembra-te de mim.

    Temos que ser humilhados antes de sermos exaltados. Temos de ser despidos dos trapos imundos de nossa justia prpria antes que estejamos prontos para os trajes de salvao.

    Temos de vir a Deus como mendigos, de mos vazias, antes que possamos receber o dom da vida eterna. Temos de tomar o lugar de pecadores perdidos perante ele se quisermos ser salvos. Sim, temos que reconhecer a ns mesmos como ladres antes que possamos ter um lugar na famlia de Deus. Mas, dir voc, eu no sou nenhum ladro! Reconheo que no sou tudo que devo ser. No sou perfeito. Na verdade, vou ao ponto de admitir a mim mesmo como pecador. Mas no posso consentir que esse ladro represente meu estado e condio. Ah, amigo, seu caso , de longe, pior do que voc supe. Voc um ladro, e ladro da pior espcie. Voc rouba a Deus! Suponha que uma firma no Leste designasse um agente para represent-la no Oeste, e que mensalmente lhe enviasse seu salrio.

    Mas suponha tambm que, no fim do ano, os empregadores descobrissem que, ainda que o agente estivesse descontando os cheques a

    31 Nota do tradutor: Versculo traduzido diretamente da Authorised Version (KJV) inglesa usada pelo autor.

  • ele remetidos, ele tivesse servido uma outra firma durante o tempo todo. No seria aquele agente um ladro? Todavia, tal precisamente a situao e o estado de cada pecador. Ele foi enviado a esse mundo por Deus, que o dotou de talentos e da capacidade de us-los e valoriz-los. Deus o abenoa com sade e vigor; supre cada necessidade sua, e fornece inmeras oportunidades para servi-lo e glorific-lo. Mas com que resultado? As prprias coisas que Deus lhe d so mal empregadas. O pecador serve a um outro senhor, precisamente Satans. Ele dissipa seu vigor e desperdia seu tempo nos prazeres pecaminosos. Ele rouba a Deus. Leitor no salvo, na perspectiva do Cu, sua condio desesperadora e seu corao, mau como o daquele ladro. Veja nele uma figura de si mesmo.

    2. Aqui ns vemos que o homem tem que ir ao fim de si prprio antes que possa ser salvo.

    Contemplamos acima esse ladro agonizante como um pecador representativo, um espcime que amostra do que todos os homens so por natureza e prtica por natureza, em inimizade contra Deus e seu Cristo; por prtica, ladres de Deus, utilizando mal o que ele nos deu e no conseguindo retribuir-lhe o que devido.

    Devemos ver agora que esse ladro crucificado foi tambm um caso representativo em sua converso.

    E nesse ponto deter-nos-emos unicamente em sua situao de desamparo.

    Ver a ns mesmos como pecadores perdidos no basta. Aprender que somos corruptos e depravados por natureza e transgressores pecaminosos pelas nossas prticas a primeira lio importante. A prxima aprender que estamos totalmente arruinados, e que no podemos fazer nada que seja para ajudar a ns mesmos. Descobrir que nossa condio to desesperadora que est inteiramente alm da possibilidade de conserto humano, o segundo passo rumo a salvao olhando-a pelo lado humano. Porm, se o homem lento para aprender que um pecador perdido e inapto para estar na presena de um Deus santo, ele o ainda mais para reconhecer que nada pode fazer para sua salvao, e que incapaz de operar qualquer melhoria em si prprio para se adequar para Deus. Todavia, no seno at que nos demos conta de que estamos

  • fracos (Rm 5.6), que somos impotentes 32 (Jo 5.3), que no pelas obras de justia que faamos, mas pela misericrdia divina que somos salvos (Tt 3.5), que no seno at que nos desesperemos de ns mesmos, e olhemos para fora de ns mesmos para um que pode nos salvar.

    O grande tipo escriturstico do pecado a lepra, e para a lepra o homem no pode inventar cura alguma. Somente Deus pode lidar com essa pavorosa doena. Assim o com o pecado. Mas, como dissemos, o homem lento para aprender essa lio. como o filho prdigo, o qual, quando dissipara sua fazenda na terra longnqua, vivendo dissolutamente, e comeou a padecer necessidades, em vez de imediatamente retornar ao seu pai, foi, e chegou-se a um dos cidados daquela terra, e foi para os campos a apascentar porcos; em outras palavras, ele foi ao trabalho 33. Igualmente, o pecador que despertado para a sua necessidade, em vez de ir imediatamente a Cristo, tenta trabalhar por si mesmo para obter o favor divino. Mas ele no conseguir coisa melhor que o prdigo as bolotas dos porcos sero sua nica poro. Ou ento, como a mulher prostrada pela enfermidade por muitos anos. Ela tentou muitos mdicos antes de procurar o grande mdico: assim o pecador despertado procura alvio e paz primeiro numa coisa e depois em outra, at completar o fatigante ciclo das aes religiosas, e terminar sem nenhum resultado, mas cada vez piorando mais (Mc 5.26, Bblia de Jerusalm). No, no seno quando j tinha gasto tudo o que possua que ela procurou Cristo; e no seno quando o pecador chega ao fim de seus prprios recursos que recorrer ao Salvador.

    Antes que qualquer pecador possa ser salvo, deve ele ir ao lugar da fraqueza reconhecida. Isso o que a converso do ladro agonizante nos mostra. O que ele podia fazer? No podia caminhar pelas sendas da justia, pois havia um prego atravessando cada um dos seus ps. No podia executar nenhuma boa obra, pois havia um prego atravessando cada uma das mos. No podia comear vida nova e viver melhor, pois que estava morrendo. E, meu leitor, aquelas suas mos que to prontamente agem para justia prpria, e aqueles seus ps que to rapidamente correm no caminho

    32 Nota do tradutor: trecho vertido diretamente da King James Version do original. O autor aqui usa o termo com certa liberdade, j que, na poca em que foi entregue a KJV, impotent era palavra usada para se referir tambm a pessoas invlidas, sem foras (que o contexto da passagem citada), como corretamente o trazem as nossas tradicionais edies em portugus.33 Nota do tradutor: em ingls, work significa tanto trabalho quanto obra. Jogo de palavras do autor.

  • da obedincia legal, devem ser pregados na cruz. O pecador teve de ser interrompido em suas prprias obras e feito desejoso de ser salvo por Cristo. Uma percepo de sua prpria condio pecaminosa, de sua condio perdida, de sua condio de desamparo, no nada mais, nada menos, do que o velho ensino da convico de pecado, e tal o nico pr-requisito para vir a Cristo para salvao, pois Cristo Jesus veio ao mundo para salvar pecadores.

    3. Aqui vemos o sentido do arrependimento e da f

    O arrependimento pode ser considerado sob vrios aspectos. Ele inclui em seu significado e escopo uma mudana da mente acerca de, um desgosto por e um abandono do pecado. Todavia, h mais do que isso. Realmente, o arrependimento a percepo de nossa condio perdida, a descoberta de nossa runa, o julgamento de ns mesmos, a confisso de nossa situao perdida. No tanto um processo intelectual, mas a conscincia ativa na presena de Deus. E isso exatamente o que achamos aqui no caso do ladro. Primeiro ele diz ao seu companheiro: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenao? (Lucas 23.40). Pouco tempo antes sua voz estivera confundida com a daqueles que estavam vilipendiando o Salvador. Mas o Esprito Santo estivera em ao sobre ele e, agora, sua conscincia fica ativa na presena de Deus. No disse ele: Tu nem ainda temes o castigo, mas: Tu nem ainda temes a Deus? Ele compreende Deus como sendo juiz.

    E ento, em segundo lugar, ele acrescenta: E ns, na verdade, com justia, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam (Lucas 23.41). Aqui vemo-lo reconhecendo sua culpa e a justia de sua condenao. Ele pronuncia sentena contra si mesmo. Ele no se desculpa e no tenta atenuar nada. Ele reconheceu que era um transgressor, e que, enquanto tal, ele merecia plenamente a punio por seus pecados, sim, que a morte lhe era devida. Voc teve essa posio diante de Deus, meu leitor? Confessou abertamente a ele seus pecados? J sentenciou a si mesmo e a seus caminhos? Est pronto para reconhecer que a morte o que voc merece? Suavize voc o seu pecado ou prevarique acerca dele, estar impedindo a sua prpria entrada a Cristo. Ele veio ao mundo para salvar pecadores pecadores confessos, pecadores que realmente tomaram o lugar de pecadores diante de Deus, pecadores que esto cnscios de que esto perdidos e arruinados.

  • O arrependimento para com Deus do ladro foi acompanhado da f em nosso Senhor Jesus.34 Ao contemplar sua f notamos primeiro que ela foi uma f de cabea inteligente. Nos pargrafos iniciais do presente captulo chamamos a ateno para a soberania de Deus e sua graa irresistvel e vitoriosa que foram exibidas na converso desse ladro. Agora nos voltaremos a um outro lado da verdade, igualmente necessrio de nele se insistir, um lado que no contraditrio com o que dissemos anteriormente, mas antes complementar e suplementar. A Escritura no ensina que, se Deus elegeu uma certa alma para ser salva, tal pessoa ser salva independente dela vir a crer ou no. Essa uma concluso falsa tirada por aqueles que rejeitam a verdade. No, a escritura ensina que o mesmo Deus que predestinou o fim tambm predestinou os meios. O Deus que decretou a salvao do ladro agonizante cumpriu seu decreto dando a ele f com a qual crer. Isso o claro ensinamento de 2Tessalonicenses 2.13 (e de outras escrituras): Deus vos escolheu desde o princpio para a santificao do esprito e a f na verdade.

    justamente isso que vemos aqui em conexo com esse ladro. Ele teve f na verdade. Sua f se apossou da palavra de Deus. Sobre a cruz estava a inscrio: Este Jesus, o Rei dos Judeus.35 Pilatos a havia colocado ali por mofa. Porm, ainda assim era a verdade, e aps ele t-la escrito, Deus no permitiria a ele que a alterasse. A tabuleta que portava essa inscrio havia sido carregada na frente de Cristo pelas ruas de Jerusalm e no lugar da crucificao, e o ladro a lera, e a graa e o poder divinos tinham abertos os olhos de seu entendimento para ver que ela era verdadeira. Sua f apanhou o sentido do reinado de Cristo, da mencionar quando entrares no teu reino. A f repousa sempre na palavra escrita de Deus.

    Antes que um homem creia que Jesus o Cristo, deve ter o testemunho diante dele de que ele o Cristo. A distino freqentemente feita entre a f da cabea e a f do corao, e isso com propriedade, pois a distino real, e vital. Algumas vezes a f da cabea desvalorizada, mas isso tolice. Deve haver essa antes que possa haver aquela. Temos de crer intelectualmente antes que possamos crer salvificamente no Senhor Jesus. Prova disso vista em conexo com os pagos: eles no tm f alguma de cabea e, por conseguinte, no tm f nenhuma de corao. Prontamente

    34 Nota do tradutor: Atos 20.21, ARA.35 Nota do tradutor: Mateus 27.37.

  • admitimos que a f de cabea no salvar a menos que seja acompanhada pela f do corao, mas insistimos que no h nada da segunda a menos que antes tenha havido a primeira. Como podem crer naquele a respeito de quem no ouviram? 36 Verdade, pode-se crer acerca dele sem crer nele, mas no se pode crer nele sem primeiro crer acerca dele. Assim o foi com o ladro agonizante. Com toda probabilidade ele nunca vira Cristo antes do dia da sua morte, mas vira a inscrio testificando o seu reinado e o Esprito Santo usou isso como a base de sua f. Dizemos ento que essa foi uma f inteligente: primeiro, uma de tipo intelectual, o crer no testemunho escrito apresentado a ele; segundo, uma f de corao, o descansar confiadamente em Cristo mesmo como o Salvador dos pecadores.

    Sim, esse ladro que agonizava exerceu uma f de corao que descansou salvificamente em Cristo. Tentaremos ser muito simples aqui. Um homem pode ter f de cabea no Senhor Jesus e estar perdido. Um homem pode crer acerca do Cristo histrico e no estar nada melhor por causa disso, tal como no o est por crer acerca do Napoleo histrico. Leitor, voc pode crer tudo acerca do Salvador sua vida perfeita, sua morte sacrifical, sua ressurreio vitoriosa, sua ascenso gloriosa, seu retorno prometido mas deve fazer mais do que isso. A f evanglica uma f confiante. A f salvfica mais que uma opinio correta ou uma linha de raciocnio. A f salvfica transcende a toda razo. Veja o ladro agonizante! Era razovel que Cristo o notasse? Um assaltante crucificado, um criminoso confesso, algum que h poucos minutos atrs o estivera insultando! Era razovel que o Salvador devesse reparar de qualquer forma nele? Era razovel esperar que ele fosse ser transportado da beira do inferno mesmo para o Paraso? Ah, meu leitor, a cabea raciocina, mas o corao no. E a petio desse homem veio do corao. Ele no tinha como usar suas mos e ps (e no eram eles necessrios salvao: antes, a impediam), mas tinha o uso de seu corao e lngua. Esses estavam livres para crer e confessar: Visto que com o corao se cr para a justia, e com a boca se faz confisso para a salvao (Rm 10.10).

    Podemos reparar tambm que a sua f era uma f humilde. Ele orou com conveniente modstia. No foi Senhor, honra-me, nem Senhor, exalta-me, mas Senhor, se tu quiseres, pense em mim! Se tu somente contemplasses a mim Senhor, lembra-te de mim. E, todavia, aquela palavra lembra-te era maravilhosamente perfeita e apropriada. Ele

    36 Nota do tradutor: Romanos 10.14.

  • poderia ter dito: Perdoa-me, Salva-me, Abenoa-me; mas lembra-te inclua todas essas. Um interesse no corao de Cristo incluir um interesse em todos os seus benefcios! Alm disso, tal palavra era bem adequada condio de quem a expressou. Ele foi um proscrito da sociedade quem se lembraria dele! O pblico no pensaria mais nada a respeito dele. Seus amigos ficariam contentes por esquecer dele por haver desgraado sua famlia. Mas h um a quem ele ousa confiar essa petio Senhor, lembra-te de mim.

    Finalmente, podemos notar que a sua f era uma f corajosa. Talvez no parea primeira vista, mas uma pequena considerao tornar isso claro. Aquele que estava pendurado na cruz do centro era um de quem todos viravam a cara para no olhar e para quem toda a vil zombaria de uma turba vulgar era direcionada. Toda faco daquele povo se juntou para escarnecer do Salvador. Mateus nos diz que os que passavam blasfemavam dele e que da mesma maneira tambm os prncipes dos sacerdotes, com os escribas, e ancios. Enquanto Lucas nos informa que tambm os soldados o escarneciam (23.36). Portanto, fcil entender por que os ladres tambm se juntaram ao alarido de sarcasmos. No h dvidas de que os sacerdotes e escribas sorrissem benignamente sobre eles enquanto assim agiam.

    Mas, subitamente, houve uma mudana. O ladro penitente, em vez de continuar a troar e ridicularizar Cristo, volta-se para o seu companheiro e abertamente o censura, nos ouvidos dos espectadores ajuntados em redor das cruzes, clamando: este nenhum mal fez. Desse modo, ele condenou toda a nao judaica! Mais ainda; no somente testemunhou da inocncia de Cristo, mas tambm confessou o reinado dele. E assim, de um s golpe, ele se retira do favor de seu companheiro e da multido tambm! Falamos hoje da coragem necessria para abertamente testemunhar de Cristo, mas tal coragem nesses dias se desbota em expressa insignificncia perante quela mostrada naquele dia pelo ladro agonizante.

    4.Vemos aqui um maravilhoso caso de iluminao espiritual.

    perfeitamente maravilhoso o progresso feito por esse homem naquelas poucas horas de agonia. Seu crescimento na graa e no conhecimento de seu Senhor foi espetacular. Do breve registro das palavras que saram de seus lbios podemos descobrir sete coisas as quais

  • ele havia aprendido sob a instruo do Esprito Santo.

    Primeiro, ele expressa sua crena em uma vida futura onde a retribuio seria dada por um Deus justo e que vinga o pecado. Prova-o a frase Tu nem ainda temes a Deus. Ele passa uma severa reprimenda em seu companheiro, como quem diz, Como ousa voc ter a temeridade de insultar a esse homem inocente? Lembre-se de que brevemente voc ter de aparecer diante de Deus e encarar um tribunal infinitamente mais solene do que aquele que o sentenciou para ser crucificado. Deus para ser temido, portanto, fique quieto.

    Segundo, como tenho visto, ele viu sua prpria pecaminosidade Tu... [no ests] na mesma condenao? E ns, na verdade, com justia, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam (Lc 23.40,41). Ele reconheceu que era um transgressor. Ele viu que o pecado merecia punio, que a condenao era justa. Ele admitiu que a morte era o que ele merecia. Isso foi algo que seu companheiro no confessou nem reconheceu.

    Terceiro, ele testemunhou da impecabilidade de Cristo este nenhum mal fez (Lc 23.41). E aqui podemos observar que Deus se deu ao trabalho de preservar o carter imaculado de seu Filho. Isso especialmente visto perto do fim. Judas foi levado a dizer, [Tra] o sangue inocente. Pilatos testificou, nenhum crime acho nele.37 A esposa desse disse: No entres na questo desse justo.38 E agora que ele pendia na cruz, Deus abre os olhos desse assaltante para ver a perfeio de seu Filho amado, e abre seus lbios para que ele testemunhe de sua excelncia.

    Quarto, ele no apenas testemunhou da humanidade impecvel de Cristo, mas tambm confessou sua Divindade Senhor, lembra-te de mim, disse. Maravilhosa palavra, essa. O Salvador pregado ao madeiro, o objeto da averso dos judeus e alvo de zombaria do populacho ordinrio. Esse ladro ouvira o insolente desafio dos sacerdotes: Se s Filho de Deus, desce da cruz, e resposta alguma fora dada. Mas, movido por f e no por vista,39 reconhece e confessa a deidade do sofredor que estava ao centro.

    Quinto, ele creu na condio de salvador do Senhor Jesus. Tinha 37 Nota do tradutor: Joo 19.6.38 Nota do tradutor: Mateus 27.19.39 Nota do tradutor: 2Corntios 5.7.

  • ouvido a orao de Cristo por seus inimigos, Pai, perdoa-lhes... e quele cujo corao o Senhor tinha aberto, essa curta frase tornou-se um sermo de salvao. Seu prprio clamor, Senhor, lembra-te de mim, trazia dentro de si seu escopo, Senhor, salva-me, o que, por conseguinte, faz supor sua f no Senhor Jesus como Salvador. Na verdade, ele deve ter crido que Jesus era um Salvador para o principal dos pecadores 40 ou ento, como poderia ter crido que Cristo lembrar-se-ia de algum tal como ele!

    Sexto, ele demonstrou sua f no reinado de Cristo quando entrares no teu reino. Isso tambm foi uma palavra maravilhosa. As circunstncias externas todas pareciam desmentir seu reinado. Em vez de estar sentado num trono, ele estava pendurado numa cruz. Em vez de estar usando um diadema real, sua fronte estava rodeada de espinhos. Em vez de estar acompanhado por um sqito de servos, ele estava contado com os transgressores. Entretanto, ele era rei Rei dos Judeus (Mt 2.2).

    Finalmente, ele ansiou pela segunda vinda de Cristo quando entrares. Ele olhou para longe do presente e para o futuro. Ele viu alm dos sofrimentos, a glria 41. Sobre a cruz o olho da f detectou a coroa. E nisso ele se antecipou aos apstolos, pois a incredulidade fechara os olhos deles. Sim, ele olhou para alm do primeiro advento em vergonha para o segundo, em poder e majestade.

    E como podemos explicar a inteligncia espiritual desse ladro agonizante? Onde ele recebeu tal insight das coisas de Cristo? Como foi que esse beb em Cristo fez to estupendo progresso na escola de Deus? Somente pode ser explicado pela influncia divina. O Esprito Santo foi seu professor! A carne e o sangue no lhe haviam revelado tais coisas mas o Pai no cu.42 Que ilustrao de que as coisas divinas esto escondidas dos sbios e entendidos e reveladas aos pequeninos! 43

    5.Aqui vemos a condio de Cristo como Salvador.

    As cruzes estavam separadas por apenas uns poucos decmetros e no demorou a que o Salvador ouvisse o clamor do ladro penitente. Qual

    40 Nota do tradutor: 1Timteo 1.15.41 Nota do tradutor: 1Pedro 1.1142 Nota do tradutor: Mateus 16.17.43 Nota do tradutor: Mateus 11.25.

  • foi sua resposta a isso? Ele poderia ter dito, Voc merece esse destino: um assaltante malvado e digno de morte. Ou, poderia ter replicado, Voc deixou isso tarde mais; voc deveria ter me procurado antes. Ah! mas no prometera ele que o que vem a mim de maneira nenhuma o lanarei fora? 44 Isso ele provou aqui.

    Aos vituprios que foram lanados sobre ele pela multido, o Senhor Jesus no prestou ateno. Ao desafio insolente dos sacerdotes para que descesse da cruz, ele no deu resposta alguma. Mas orao desse ladro contrito e confiante atentou. Nessa hora ele estava em luta contra os poderes das trevas e suportando a terrvel carga da culpa de seu povo, e deveramos ter pensado que ele poderia se escusar a atender a peties individuais. Ah! mas um pecador nunca vir a Cristo em tempo no aceitvel.45 Ele sem demora lhe d uma resposta de paz.

    A salvao do ladro penitente e crente ilustra no somente a prontido de Cristo, mas tambm seu poder para salvar pecadores. O Senhor Jesus no um Salvador dbil. Bendito seja Deus que capaz de salvar perfeitamente 46 aqueles que vem a ele atravs daquele. E nunca isso foi to destacadamente mostrado como na cruz. Essa foi a hora da fraqueza do Redentor (2Co 13.4). Quando o ladro clamou, Senhor, lembra-te de mim, o Salvador estava em agonia no madeiro maldito. Todavia, mesmo ento, mesmo ali, ele teve poder para redimir essa alma da morte e lhe abrir os portais do Paraso! Nunca duvide, portanto, ou questione a suficincia infinita do Salvador. Se um Salvador agonizante pde salvar, muito mais depois que ressurgiu em triunfo da sepultura, para nunca mais morrer! Ao salvar esse ladro, Cristo deu uma mostra de seu poder na hora mesma em que esse estava quase obscurecido.

    A salvao do ladro agonizante demonstra que o Senhor tem o desejo e apto para salvar todos os que vm at ele. Se Cristo recebeu esse ladro penitente e crente, ento ningum precisa se desesperar de no ser bem recebido se to-somente vier a ele. Se esse assaltante em agonia no estava alm do alcance da misericrdia divina, ento ningum que solicite a graa divina ficar sem resposta. O Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido (Lc 19.10), e ningum pode estar numa condio pior do que essa. O evangelho de Cristo o poder de Deus para 44 Nota do tradutor: Joo 6.37.45 Nota do tradutor: Hebreus 4.16.46 Nota do tradutor: Hebreus 7.25.

  • todo aquele que cr (Rm 1.16). , no limite a graa divina! Um Salvador fornecido at para o principal dos pecadores (1Tm 1.15), se to-somente ele crer. Mesmo aqueles que chegam hora da morte ainda em seus pecados no ficam sem esperana.

    Pessoalmente creio que muito, muito poucos sejam salvos num leito de morte, e so as raias da loucura qualquer homem postergar sua salvao at l, pois no h garantia nenhuma de que ter ele um leito de morte. Muitos so cortados subitamente, sem qualquer oportunidade de deitar e morrer. Todavia, mesmo algum naquele lugar no est alm do alcance da misericrdia divina. Como disse um puritano, h um caso tal registrado para que ningum precise se desesperar, mas apenas um, na escritura, para que ningum possa abusar.

    Sim, aqui vemos a condio de Cristo como Salvador. Ele veio a este mundo para salvar pecadores, e o deixou e foi ao Paraso acompanhado por um criminoso salvo o primeiro trofu de seu sangue redentor!

    6. Aqui vemos o destino dos salvos na morte.

    Em seu esplndido livro, The Seven Sayings of Christ on the Cross, Dr. Anderson-Berry assinala que a palavra Hoje no est corretamente colocada na traduo de nossas verses tradicionais, e que a designada correspondncia entre o pedido do ladro e a resposta de Cristo requer uma construo diferente no ltimo. A forma da rplica de Cristo tem o evidente desgnio de fazer a correspondncia em sua ordem de pensamento petio do assaltante. Tal ser visto se dispormos as duas em quadros paralelos, como segue:

    E disse a Jesus E disse-lhe Jesus

    Senhor Em verdade te digo

    Lembra-te de mim Estars comigo

    Quando entrares Hoje

    No teu reino No Paraso

  • Ao ordenarmos assim as palavras, descobrimos a nfase correta. Hoje a palavra enftica. Na graciosa resposta de nosso Senhor ao pedido do ladro temos uma ilustrao contundente de como a graa divina excede as expectativas humanas. O ladro rogou para que o Senhor se lembrasse dele em seu reino vindouro, mas Cristo lhe assegura que antes que aquele dia mesmo tivesse passado ele estaria com o Salvador. O ladro pede para ser lembrado em um reino terreno, mas Cristo assegura a ele um lugar no Paraso. O ladro simplesmente pede para ser lembrado, mas o Salvador declarou que deveria estar com ele. Assim Deus faz abundantemente alm daquilo que pedimos ou pensamos.47

    No somente a resposta de Cristo significa a sobrevivncia da alma aps a morte do corpo, mas nos diz que o crente est com ele durante o intervalo que faz a diviso entre a morte e a ressurreio. Para tornar isso mais enftico, Cristo precedeu sua promessa com as solenes mas seguras palavras Em verdade te digo. Foi essa perspectiva de ir para Cristo depois da morte que animou o mrtir Estevo em sua ltima hora e, em conseqncia, ele de fato bradou, Senhor Jesus, recebe o meu esprito (At 7.59). Foi essa bendita expectativa que levou o apstolo Paulo a dizer, tenho o desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto ainda muito melhor (Fp 1.23). No em um estado de ausncia de conscincia no tmulo, mas com Cristo no Paraso o que aguarda todo crente aps a morte. Digo, todo crente, pois as almas dos incrdulos, ao invs de irem para l, vo para o lugar de tormentos, como est claro no ensino de nosso Senhor em Lucas 16. Leitor, para onde ir a sua alma, se estiver morrendo nesse momento?

    Quo arduamente Satans luta para ocultar essa abenoada esperana dos santos de Deus! Por um lado ele propaga o infeliz dogma do sono da alma, o ensino de que os crentes ficam em um estado de inconscincia entre a morte e a ressurreio; e, por outro, ele inventa um horrvel purgatrio, para aterroriz-los com o pensamento de que, ao morrerem, passam pelo fogo, necessrio para purific-los e adequ-los para o cu. Quo inteiramente a palavra de Cristo ao ladro liquida essas iluses que desonram a Deus! O ladro foi da cruz direto para o Paraso! O momento em que um pecador cr, o momento em que ele tornado idneo para participar da herana dos santos na luz (Cl 1.12). Porque

    47 Nota do tradutor: Efsios 3.20.

  • com uma s oblao aperfeioou para sempre os que so santificados (Hb 10.14). Nossa aptido para a presena de Cristo, tanto quanto nosso ttulo, repousa unicamente em seu sangue derramado.

    7. Aqui vemos o anelo do Salvador por comunho.

    Na comunho alcanamos o clmax da graa e a essncia do privilgio cristo. Mais alto que essa comunho no podemos chegar. Deus nos chamou para a comunho de seu Filho (1Co 1.9). Freqentemente se nos diz que somos salvos para servir, e isso verdade, mas somente parte dessa, e de modo nenhum a mais maravilhosa e abenoada. Somos salvos para a comunho. Deus tinha inumerveis servos antes que Cristo viesse aqui para morrer os anjos sempre cumpriram suas ordens. Ele veio primeiramente, no para se assegurar de servos, mas daqueles que deveriam entrar em comunho com ele.

    O que torna o cu superlativamente atraente ao corao do santo no o fato de ser um lugar onde seremos libertos de toda tristeza e sofrimento, de ser onde encontraremos outra vez aqueles que amamos no Senhor, nem por suas ruas de ouro, portas de prolas e muros de jaspe no, benditas coisas so essas, mas o cu sem Cristo no seria cu. Cristo que o corao do crente anseia e almeja Quem tenho eu no cu seno a ti? e na terra no h quem eu deseje alm de ti (Sl 73.25). E a mais surpreendente coisa que o cu no ser cu para Cristo no sentido mais elevado at que seus remidos estejam reunidos em torno dele. por seus santos que seu corao deseja ardentemente. Vir outra vez e receber-nos para si mesmo a jubilosa expectativa posta perante ele. No at que veja o trabalho de sua alma e fique totalmente satisfeito.48

    Esses so os pensamentos sugeridos e confirmados pelas palavras do Senhor Jesus ao ladro agonizante. Senhor, lembra-te de mim fora seu clamor. E qual foi a resposta? Repare cuidadosamente nela. Houvesse Cristo simplesmente dito, Em verdade te digo que hoje estars no Paraso, isso teria cessado os temores do ladro. Sim, mas isso no satisfez ao Salvador. Aquilo sobre o qual seu corao estava firmado era o fato de que naquele mesmo dia uma alma salva por seu precioso sangue deveria estar com ele no Paraso! Dizemos outra vez, esse o clmax da

    48 Nota do tradutor: Isaas 53.11.

  • graa e a essncia da bno crist. Disse o apstolo que tinha o desejo de partir, e estar com Cristo (Fp 1.23). E novamente ele escreveu: Ausentes deste corpo livre