180
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida cotidiana: do nascimento ao ocaso das vanguardas São Paulo 2018

ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA

Arte, objetos e vida cotidiana:

do nascimento ao ocaso das vanguardas

São Paulo

2018

Page 2: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA

Arte, objetos e vida cotidiana:

do nascimento ao ocaso das vanguardas

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do departamento

de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo para obtenção do título de Mestre em Filosofia sob a orientação do Prof. Dr. Victor

Knoll.

São Paulo

2018

Page 3: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Oliveira, Arthur

048a Arte, objetos e vida cotidiana: do nascimento ao ocaso das

vanguardas / Arthur Oliveira; orientador Victor Knoll. - São Paulo, 2018.

179 f.

Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de

Filosofia. Área de concentração: Filosofia.

1. FILOSOFIA DA ARTE. 2. MODERNIDADE. 3. BAUHAUS. 4. READY-

MADE. I. Knoll, Victor, orient. II. Título.

Page 4: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

Folha de Aprovação

OLIVEIRA, A. Arte, objetos e vida cotidiana: do nascimento ao ocaso das vanguardas. 2018. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ________________________________________

Instituição: ________________________________________

Julgamento: ________________________________________

Prof. Dr. ________________________________________

Instituição: ________________________________________

Julgamento: ________________________________________

Prof. Dr. ________________________________________

Instituição: ________________________________________

Julgamento: ________________________________________

Page 5: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

AGRADECIMENTOS

À Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas pela oportunidade de

realização do curso de Mestrado. Ao Prof. Dr. Victor Knoll pela atenção

dada a todos os detalhes e pela orientação que desde o primeiro contato

me ensinou que na Filosofia Estética temos que estar atentos às

exposições que ocorrem na cidade, à programação de cinema, às feiras

literárias e sempre que vou a qualquer um desses aparelhos culturais digo

que estou indo a trabalho. À Fernanda, minha companheira, que sempre

esteve em contato com toda trajetória de elaboração desta pesquisa,

desde a faculdade de Filosofia até a última linha desta dissertação, e que

como artista é uma das que acreditam que a arte pode levar o homem a

novas possibilidades de vida. À minha mãe Ieda e à minha irmã Herika,

que me apoiaram na mudança de Recife para São Paulo para estudar

Filosofia, apesar da distância, sempre estiveram comigo, todos os dias.

Page 6: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

RESUMO

OLIVEIRA, A. Arte, objetos e vida cotidiana: do nascimento ao ocaso das vanguardas. 2018. 179 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Nesta dissertação, procuramos, a partir da Grande Exposição Universal de

Londres em 1851, o início de um debate mais intenso de aproximação da arte com a indústria para, assim, perceber como elementos estéticos

começam a permear a vida cotidiana. Essas questões ganham fôlego com as vanguardas, principalmente, com a Bauhaus de Walter Gropius e com o

ready-made de Marcel Duchamp. Problematizar como cada um desses artistas buscou o “novo”, para aproximar Arte e Vida, usando estratégias

diferentes, mas recorrendo ao mesmo suporte: o objeto. Ao longo do

século XX, perceberemos como, no pós-segunda guerra, há uma mudança no contexto histórico e como as artes plásticas e aplicadas respondem ao

debate: arte e indústria, ready-made e Bauhaus. Veremos que as respostas serão com a pop art e as vanguardas italianas do design. Nas

décadas de 1960 e 1970, analisamos a sobrecarga da narrativa moderna, tendo a implosão do conjunto residencial Pruitt-Igoe como marco desse

processo. O resultado é ocaso das vanguardas e a centralidade da cultura Kitsch, que inverte a questão levantada por elas de aproximar arte e vida;

agora, é a vida cotidiana naquilo que tem de mais banal que se aproxima da arte. As consequências dessa mudança são as repetições de imagens

do passado e a descontinuidade na história da arte. Assim, demonstraremos como o a arte e os objetos de uso colaboraram com a

construção do modo de vida nessa nova tradição.

PALAVRAS-CHAVE: Arte, design, Indústria, Bauhaus, ready-made,

vanguarda, kitsch.

Page 7: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

ABSTRACT

OLIVEIRA, A. Art, objects and everyday life: as from the appearing to the

twilight of the avant-gardes. 2018. 179 f. Thesis (Master Degree) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de

Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

In this research, we have studied, as from the Great Exhibition of the

Works of Industry of All Nations in 1851, in London, the start-up of a more intense debate on the approximation of Art with Industry for, thus,

realizing how aesthetic elements begin to make part of everyday life. Such

issues are increased with the Avant-Gardes mainly with Walter Gropius’s Bauhaus and the Marcel Duchamp’s Ready-mades. We have also studied

how each of these artists had searched the “new” to approach Art and Life using different strategies but the same support: the object. During the

20th century, after the second World War, we may realize that there is a change in the historical context and how Visual Arts and Applied Arts

answer to the debate: Art and Industry, Ready-made and Bauhaus. We may see that the answers will be with Pop Art and the Italian Design

Vanguards. In the decades of 1960 and 1970, we have analised the overload on the modern narrative, having the implosion of the Pruitt-Igoe

residential condo as this process’ milestone. The result is the Avant-Gardes twilight and the Kitsch culture centrality, which inverts the issue

they bring up in order to approach Art and Life; now, on the other hand, it’s everyday life that is close to Art in what it has of most banal. This

change consequences are the repetitions of past images and the

discontinuity in Art History. Thus, we may demonstrate how Art and objects of use have contributed with the way life construction in this new

tradition.

Key-words: Art, Design, Industry, Bauhaus, Ready-made, Avant-Garde,

Kitsch.

Page 8: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................09

1 O NOVO PATAMAR DOS OBJETOS COTIDIANOS: DA GRANDE EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE LONDRES ATÉ OS PRIMEIROS

MOVIMENTOS DE VANGUARDA................................................14

1.1 Contexto histórico do século XIX: aproximação entre arte e indústria...........................................................................14

1.2 A grande Exposição Universal de Londres, 1851......................21

1.3 O Palácio de Cristal - o objeto de vidro..................................25

1.4 O objeto estético................................................................32

1.5 Arts and Crafts e Art Noveau................................................36

1.6 Realismo, Impressionismo e a Máquina Fotográfica: O debate artístico do final século XIX..................................................45

2 VANGUARDAS ARTÍSTICAS E OS OBJETOS COTIDIANOS: DOS PRIMEIROS MOVIMENTOS DE VANGUARDA AO DEBATE ENTRE

READY-MADE E A BAUHAUS.....................................................53

2.1 O objeto de uso e as vanguardas do início do século XX...........53

2.1.1 Cubistas: O quadro-objeto...............................................53

2.1.2 Os Futuristas: A dinâmica das máquinas............................56

2.1.3 Construtivismo, suprematismo e o De Stijl.........................61

2.2 Arte e Vida nas Vanguardas Artísticas: Entre o ready-made e a

Bauhaus............................................................................68

2.3 As Vanguardas e o estatuto do novo.....................................74

2.4 Ocaso ou Fracasso das Vanguardas.......................................76

Page 9: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

3 COTIDIANO E REPETIÇÃO: DO FIM DAS METAS NARRATIVAS ÚTOPICAS À PULVERIZAÇÃO DA ARTE E DOS OBJETOS DE

DESIGN................................................................................82

3.1 Pop Art: a arte e os objetos industrializados...........................84

3.1.1 As Origens da Pop Art.....................................................86

3.1.2 Andy Warhol, repetição e máquina....................................91

3.2 A estética do Design como a estética do Acontecimento...........99

3.3 Vanguardas italianas do Design..........................................107

3.4 Cotidiano, arte e objetos: O Kitsch e o ocaso das vanguardas.113

4 O EMBARALHAMENTO ENTRE ARTE, OBJETOS E VIDA

COTIDIANA..........................................................................119

4.1 O projeto moderno: do palácio de Cristal a implosão do Pruitt-Igoe................................................................................119

4.1.1 Da exposição Universal de Londres às lojas de departamento:

a tradição e a ruptura moderna......................................121

4.1.2 A arquitetura Moderna e o Shopping center......................125

4.1.3 Aprendendo com Las Vegas e a Implosão do Pruitt-Igoe em 1972...........................................................................129

4.2 O ready-made em toda parte.............................................136

4.3 Alessi: o design se rende ao Kitsch......................................145

4.4 O fim da história da arte....................................................154

CONCLUSÃO.............................................................................158

REFERÊNCIAS...........................................................................175

Page 10: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

9

Introdução

Ao longo de quatro capítulos, dentro de um recorte histórico que vai

da exposição universal de Londres, em 1851, até a implosão do conjunto

residencial Pruitt-Igoe, nos Estados Unidos, em 1972, nossa proposta é

fazer aproximações possíveis entre objetos artísticos e objetos industriais,

para perceber como eles estão presentes no nosso cotidiano e como, ao

analisá-los, podemos compreender também as discussões sobre nossos

modos de vida no início do século XX até o início de 1970. Para superar as

limitações que um período histórico de mais de cem anos nos impõe,

procuramos definir as vanguardas artísticas como guia dentro da história

da arte, para pensarmos do nascimento das vanguardas, seu auge no

início do século XX e as consequências da mudança no cenário social do

pós-Segunda Guerra, para o ideário vanguardista até o seu ocaso. No

campo filosófico, recorreremos aos objetos como oportunidade de

perceber como ele pode contribuir para o debate estético. Nosso olhar se

volta para os objetos de uso cotidiano para, assim, analisar como eles

podem ser um exemplo privilegiado para compreensão de nossas

contradições, limitações e como depositamos nas artes expectativas de

construir novas formas de vida.

Os avanços econômicos e tecnológicos possibilitaram à indústria, já

no século XIX, produzir um volume maior de produtos e, para que essa

produção tivesse demanda, as exposições industriais começaram a fazer

parte da vida europeia, principalmente na França e posteriormente na

Inglaterra. Serão essas exposições que irão fornecer os elementos para a

primeira exposição universal das artes e da indústria em Londres, em

1851. Esse evento é um marco para a nossa dissertação, já que é a

primeira vez que vimos objetos industrializados e objetos artísticos

expostos no mesmo local. É nesse ponto que surge para nós a primeira

divisão possível, para entendermos como os objetos de uso cotidiano

começaram a ganhar espaço dentro das casas e no debate estético – a

dicotomia entre arte e indústria. Este é o nosso primeiro passo: entender

Page 11: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

10

como a indústria começa a se aproximar da arte para diferenciar seus

produtos, para, assim, desenvolvermos nosso encadeamento histórico do

nascimento ao ocaso das vanguardas. É importante salientar que nosso

foco nas vanguardas é analisar como alguns desses movimentos artísticos

trabalharam com os objetos e buscaram aproximações e distanciamentos

dessa dicotomia arte e indústria. Nesse nascimento das vanguardas,

veremos, no capítulo I, que as primeiras discussões e aproximações

acerca dos objetos industrializados e da arte começam por volta da

metade do século XVIII com as fábricas de louças de Wedgwood, mas

terão seu ápice com a grande exposição universal de Londres, em 1851. É

nesse contexto que artistas começam a criticar e procurar alternativas

para a arte e de que maneira ela pode buscar sua aproximação com a vida

cotidiana sem recorrer à indústria. Arts and crafts e Art Nouveau são os

movimentos que começam a construir uma narrativa de arte contida na

vida, a partir da aproximação com os objetos, os quais sejam constituídos

por artistas artesãos que detenham todo o processo do projeto ao

produto, sem a divisão do trabalho, marca da indústria. Esses dois

movimentos começam a traçar o caminho crítico que algumas escolas das

artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

plásticas, nesse nascedouro das vanguardas, trabalharemos com o

Realismo e o Impressionismo, como movimentos que, na segunda metade

até o final do século XIX, tiveram relevância para o contexto de busca de

novas formas de vida e que começam a perceber mudanças nas cidades,

na forma de fazer e pensar a arte, devido aos progressos da indústria.

A questão central da dissertação é entender como as vanguardas

constituíram um novo debate sobre nossos modos de vida a partir da

aproximação com a arte. Levar a arte para a vida – podemos pensar essa

afirmação como um dos objetivos das vanguardas. Para que isso fosse

possível, perceberemos no capítulo II como os cubistas, os futuristas, os

construtivistas e o movimento De Stijl trabalharam com essa aproximação

entre arte e vida por meio da aproximação da arte com questões ligadas

aos objetos e à indústria. Esses movimentos desempenham o papel de

Page 12: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

11

mostrar que o debate em torno da arte e da vida passava por uma

aproximação da arte e dos objetos, seja por meio da arte, da indústria e

sua capacidade de padronização. Mudar a vida por intermédio da arte.

Alguns desses movimentos aproximam a arte da indústria para levá-la a

mais pessoas ou utilizam as ideias de movimento, rapidez e tecnologia

para criar um novo tipo de arte capaz de constituir alternativas para a

vida dos homens. Nesses movimentos artísticos citados, identificamos

relações entre arte e indústria, mas para nossa dissertação o debate que

mais gera questões para nosso interesse – em responder à questão de

como os objetos podem ser um exemplo privilegiado de análise sobre o

debate entre arte e vida – são os ready-made de Marcel Duchamp e a

escola da Bauhaus de Walter Gropius. Como esses dois artistas pensaram

a relação entre arte e vida e usaram o mesmo suporte, o objeto de uso

cotidiano, para mudar a forma como pensamos a arte e

consequentemente a vida. Nosso desafio é demonstrar como cada um

deles pensava o objeto como a oportunidade de chegar mais perto das

pessoas, para, assim, mudar a vida a partir de uma nova maneira de se

relacionar com os objetos. Até este momento, buscamos constituir a

dicotomia arte e indústria e como as aproximações dessa divisão foram

possíveis e bem demarcadas pelos movimentos de vanguardas. Com a

entrada dos ready-made e da escola da Bauhaus, colocaremos para nossa

problematização outra marcação possível: a dos objetos úteis e inúteis.

Nosso intuito é, assim, perceber o esforço desses artistas para colocar o

debate dos objetos no centro do debate estético.

No pós-Segunda Guerra Mundial, compreenderemos como esse

debate em torno do objeto continua, mas de um modo diferente, pois há

uma mudança geográfica do polo das artes, que migra de Paris para Nova

York. Essa mudança é percebida com o expressionismo abstrato, tendo

Jackson Pollock como figura central. Na nossa sequência, começaremos a

perceber como a narrativa moderna, que tem nas vanguardas sua

principal força, começa a perder seu teor utópico. É nesse contexto que no

capítulo III teremos a pop art como a continuação da tentativa de

Page 13: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

12

Duchamp de aproximar arte e vida por meio dos ready-made, mas que

seguirá outro viés, e no campo das artes aplicadas o esforço da Escola de

Ulm de manter viva a tradição da Bauhaus, mas perceberemos que são as

vanguardas italianas do design que começam a ganhar espaço na

academia e na vida cotidiana das pessoas. O trabalho e a vida de Andy

Warhol são excelentes exemplos da mudança da maneira de pensar a vida

e a arte nos pós-Segunda Guerra, e é a partir da pop art que começamos

a marcar a outra tradição que passa a ganhar espaço no debate estético,

o objeto Kitsch. As vanguardas italianas do design nos oferecem a

oportunidade de perceber essa mesma mudança, mas no campo das artes

aplicadas. Há uma crítica à racionalidade da Bauhaus e à utilização da

ironia e da repetição de elementos do passado para a elaboração do

desafio das vanguardas de aproximar arte e vida. A mudança que

analisaremos é a de que não é mais por intermédio da arte que

mudaremos a vida, mas é a partir daquilo que a vida tem de mais banal e

cotidiano que mudaremos a arte. É desse modo que se cumpre a missão

das vanguardas de aproximar arte e vida, mas com o sinal contrário e a

vida cotidiana embaralhada de arte. As dicotomias que procuramos

desenvolver ao longo da dissertação perdem suas marcações. Definir o

que é um objeto artístico ou um objeto industrial, ou, se preferirmos, um

objeto de design Bauhaus ou um ready-made, está cada vez mais difícil, o

que nos impõe uma última marcação possível entre vanguardas e Kitsch.

Marcaremos, com a implosão do Pruitt-Igoe, no último capítulo, o

ocaso da narrativa das vanguardas e a sobrecarga do ideário moderno.

Analisaremos a ascensão das lojas de departamento do decorrer do século

XX até os shopping centers e suas cidades dentro das cidades, marcando

as diferenças das formas de vida que as vanguardas constituíam. A cidade

de Las Vegas será objeto de estudo, pois é, também, uma das maneiras

de perceber o avanço do discurso do que chamaremos de outra tradição,

seguindo as palavras de Habermas, e as condições pós-modernas,

segundo Lyotard, e assim entender como ocorre essa mudança na

academia e principalmente na vida das pessoas. Essa análise nos fornece

Page 14: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

13

material visual para percebermos como o Kitsch consegue também na

arquitetura essa aproximação direta entre vida e arte. Nas artes plásticas,

o avanço dos ready-made como estratégia ocorre por toda parte. Se com

Duchamp os objetos procuravam o silêncio da negação, o que percebemos

com os ready-made nas décadas de 1960 e início de 1970 é que eles

buscam o barulho da afirmação de um modo de vida. A fábrica italiana

Alessi nos fornece a percepção desse embaralhamento entre objetos, arte

e vida cotidiana, já que ela atrai para seus projetos os designers que

estavam alinhados com as vanguardas italianas e, assim, dá um passo

decisivo para nossa dissertação, pois demonstra como a vida cotidiana

pauta o projeto dos objetos em direção ao Kitsch. As dificuldades que já

relatamos para demarcar o que é arte, indústria, ready-made, Bauhaus

nos fazem perceber como a história acaba por ser utilizada para dar aos

objetos familiaridade e valor de novidade; há uma repetição de códigos do

passado deslocados do seu valor histórico e social. Com isso chegamos à

afirmação de Hans Belting do fim da história da arte, já que não há mais a

possibilidade de falar de uma história universal da arte; o que temos são

várias histórias.

Esperamos que nossa dissertação possa contribuir com o debate

estético entre a filosofia, o design, a arquitetura e a arte, para que

possamos perceber nessas aproximações caminhos para pensarmos em

como aquilo que nos cerca e que projetamos como objetos de uso

interfere e molda nossas formas de vida. Assim, buscamos alternativas

que nos levem a novas possibilidades de pensar a vida em sociedade por

meio das artes e da filosofia contidas no nosso cotidiano.

Page 15: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

14

Capítulo I – O novo patamar dos objetos cotidianos: da grande

exposição universal de Londres até os primeiros movimentos de

vanguarda.

1.1 Contexto histórico do século XIX: A aproximação entre arte e

indústria.

Os objetos de uso cotidiano têm no século XIX um capítulo

significativo na sua história, com a possibilidade de ampliação da sua

produção e distribuição, fazendo com que mais pessoas possam levar para

dentro de suas casas: tecidos, utensílios domésticos e objetos

decorativos. Um dos fatores que possibilitam essa mudança é a

transformação que ocorre na indústria, da tecnologia das máquinas à

divisão do trabalho. As antigas cooperativas de artesãos perdem força por

não terem como competir em quantidade, diversidade e preço. Se no

processo artesanal um único homem era responsável por todo o processo

de elaboração do produto, a partir da divisão do trabalho e das novas

tecnologias industriais, houve um aumento da demanda por

trabalhadores, que, no entanto, não precisavam ter muitas habilidades,

pois nessa nova configuração a responsabilidade é apenas de parte do

processo. A divisão do trabalho foi capaz de alinhar homem e máquina, a

partir de rotinas que reproduziam nos homens o comportamento das

máquinas. No processo de industrialização, a repetição é peça-chave, já

que é desse modo que o homem se aproxima da máquina, assim participa

apenas de uma parte da elaboração do produto e perde a capacidade de

perceber o todo. No processo artesanal, era diferente. O homem era o

responsável por todo o trabalho e a repetição não era o elemento central.

Podemos, assim, marcar uma das diferenças entre o trabalho artesanal e

industrial: no primeiro, o homem era o detentor de todo o processo e as

máquinas estavam a serviço do artesão. Com a Revolução Industrial,

ocorre a inversão: homens a serviço das máquinas capazes de reproduzir

objetos em grande escala. Para percebermos como esse processo

Page 16: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

15

aumentou a produção, um exemplo seria que: “entre 1796 e 1840, em

consequência da introdução dessas máquinas, a produção anual de

tecidos estampados no Reino Unido aumentou de 1 milhão para 16

milhões de peças”.1 Para se chegar a esses números, foi necessário um

aumento significativo de trabalhadores, que, com a repetição do trabalho,

equivaliam a máquinas e trabalhavam a serviço delas. Nesse primeiro

momento da revolução industrial, era de suma importância o trabalho

manual dos operários, que, com a divisão do trabalho, conseguiam repetir

processos e, assim, o resultado foi o aumento de produtividade. A

indústria conseguiu, graças à junção da divisão do trabalho e do avanço

tecnológico das máquinas, reproduzir objetos em grande quantidade, o

que nos leva a marcar outra mudança de antes da era industrial e pós-era

industrial. É nesse ponto que Baudrillard trabalha os conceitos de modelo

e de série:

Não se pode propriamente falar antes da era industrial de

“modelo” nem de “série”. De um lado a homogeneidade é maior

entre os objetos na sociedade pré-industrial, porque em seu modo

de produção permanece em toda a parte o trabalho à mão, porque

são menos especializados na sua função e o leque cultural é

menos vasto.2

O que se abriu a partir da industrialização foi a possibilidade de

reproduzir em grande escala objetos de uso cotidiano. Essa capacidade de

reprodução é o que Baudrillard denomina de série. Mas, para que se tenha

demanda para essa ”série”, é necessário que se tenha um “modelo”. Para

nossa dissertação esses dois conceitos terão papel central. Neste primeiro

capítulo, marcaremos como a indústria se desenvolve e atinge um

patamar de produção capaz de criar uma nova demanda por objetos

cotidianos. É, justamente, nesse ponto que perceberemos como os

objetos cotidianos serão a ponte entre arte e indústria a partir dos

conceitos de modelo e série. A indústria têxtil foi a que chegou mais

rápido ao dia a dia das pessoas.

1 FORTY, Adrian. Objetos de desejo. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 66.

2 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 145.

Page 17: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

16

Figura 1: Gravura de 1835. Representação de uma fábrica de tecidos.

Fonte: BOULOS, Alfredo. História: sociedade & cidadania. São Paulo: FTD, 2012, p. 74.

É dessa forma que o conceito de série torna possível o entendimento

da construção de uma nova percepção em torno dos objetos, já que, com

o avanço das possibilidades de fabricação, mais pessoas tiveram acesso a

produtos industrializados. Mas, para que essa ampliação fosse possível,

era necessário que as pessoas percebessem a diferença entre os produtos

industrializados e os artesanais. Essa demarcação ocorreu por meio da

aproximação entre arte e indústria, e assim se estabelece uma relação

para a criação de modelos capazes de demarcar os novos objetos. Esse

modelo é, segundo Baudrillard, o objeto que fica com uma pequena parte

da sociedade, mas que é capaz de comunicar um “estilo”, ou seja, uma

característica que o distingue dos demais. O objeto modelo é aquele capaz

de comunicar para a sociedade códigos com os quais se transmite: a

classe social a que se pertence, a aparência de status e se constrói o

modo de vida da burguesia. Assim, o modelo comunica um estilo, que é a

forma de diferenciar quem são as pessoas capazes de possuir esses

códigos e quem são as capazes de ler o seu significado social. Podemos

afirmar que, mesmo nas sociedades pré-industriais, já existia esse

processo, de objetos capazes de comunicar signos sociais, porém, com o

advento da indústria, esse mecanismo de criação de objetos modelo

ganha novas possibilidades, pois, com o aumento da capacidade

produtiva, o capitalismo industrial consegue levar objetos cotidianos para

Page 18: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

17

um número maior de pessoas. Por esse motivo, é necessário diferenciar

os produtos cotidianos, já que mais pessoas terão acesso a tecidos,

utensílios domésticos, objetos decorativos. É importante, assim, que elas

percebam nesses objetos características únicas que os diferenciem dos

demais. Esse é um dos motivos que fazem com que os artistas comecem

a participar da indústria. Eles são os responsáveis pela construção desse

objeto modelo, que seja capaz de comunicar características únicas,

diferenciar os seus produtos e fazer com que mais pessoas desejem esses

objetos.

Para que isso ocorra, o passo adiante da relação entre indústria e

arte é a separação entre projeto e produção. Essa é uma das marcas de

como a divisão do trabalho definiu o papel do artista, o de projetar o

modelo do produto. Assim, os objetos passam a ser projetados por

artistas para que sejam “objetos modelos” de modo que poucos possuam,

mas que muitos desejem. Um exemplo desse processo ocorreu na

segunda metade do século XVIII, na fábrica de Josiah Wedgwood, um dos

pioneiros na separação entre projeto e produto. O seu objetivo era

diferenciar suas louças utilitárias com motivos ornamentais pintados. Esse

é um dos primeiros exemplos da história industrial da capacidade de criar

um objeto modelo, pois ele conseguiu comunicar com suas louças um

estilo que representava, para quem os possuía, status, prestígio e poder.

Assim, vendeu suas peças para a aristocracia e para a monarquia da Grã-

Bretanha, e o resultado foi o aumento das vendas para todas as camadas

sociais devido a sua capacidade de produção em série. O sucesso das

cerâmicas possibilitou a ele a abertura de sua mais famosa fábrica

chamada de Etrúria. Nessa outra fábrica, Wedgwood desenvolveu um

método de produção capaz de fabricar em série os objetos modelos, já

que esses eram desejados por boa parte da população inglesa. A questão

modelo/série já se faz perceber, no exemplo de Wedgwood, pois, ao

vender seus produtos a uma parte da aristocracia e à rainha, ele

conseguiu construir um objeto referencial. Para Baudrillard, esse processo

é denominado de modelo, e é a partir dele que se faz uma série de

Page 19: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

18

reproduções, que atendam a demanda das classes mais abastadas. Essa

camada da sociedade começa a crescer e a desejar produtos com

características que os diferenciem dos demais.

Figura 2: Louça produzida nas fábricas de Wedgwood, 1790.

Fonte: FLAXMAN, John. Disponível em: http://www.liverpoolmuseums.org.uk. Acesso

em: 15 jan. 2016.

A pessoa responsável por projetar o produto e criar um estilo já se

pode chamar, segundo Forty, de designer:

O trabalho de design era realizado por modeladores em Etrúria, ou

por artistas especialmente contratados com esse objetivo, sendo o

mais famoso John Flaxman. Enquanto os artesãos de Wedgwood

podiam copiar antiguidades, o valor de Flaxman estava em sua

apreciação do espírito do revival clássico e sua capacidade de dar

um ar clássico a produtos novos que não tinham um equivalente

antigo exato.3

Utilizar artistas que criam projetos que serão desenvolvidos para

que uma pequena parte da sociedade consuma e sirva, assim, de modelo

para a fabricação em série é uma das estratégias da indústria.

Consequências desse procedimento são a maior presença dos objetos no

debate artístico e o aumento da quantidade deles na vida cotidiana das

pessoas.

Nesse processo iniciado por Wedgwood, a aparência ganha destaque

e os artistas se aproximam da indústria. Seus objetivos são pensar e

3 FORTY, Adrian. Objetos de desejo. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 35.

Page 20: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

19

projetar objetos belos para que se diferenciem dos outros e se tornem

objetos modelos.

Figura 3: Desenho produzido por John Flaxman, 1773.

Fonte: FLAXMAN, John. Disponível em: http://www.artble.com. Acesso em: 8 jan.2016.

Flaxman tem como seu maior diferencial o de remeter seu trabalho a um

ideal clássico que se aproxima das ânforas gregas.

Figura 4: Ânfora Grega, 510 a 500 a.C.

Fonte: Disponível em: https://gulbenkian.pt/. Acesso em: 8 jan.2016.

Outro aspecto que ganha destaque ao longo do século XIX é a

moradia, já que, para entendermos como a arte começa a fazer parte do

cotidiano de mais pessoas, é necessário perceber as mudanças que

ocorrem no espaço privado. Assim, roupas, objetos pessoais e, por

consequência, as casas começam a ganhar adornos, que possam significar

a identificação pessoal e social dos indivíduos. Nos grandes centros

urbanos, que começam a se formar, as pessoas desejam sair do

anonimato e querem comunicar a que grupo social pertencem, ou a qual

querem parecer pertencer. “A preocupação com a aparência como

indicador do status individual serviu de estímulo para a formação de

Page 21: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

20

códigos complexos de significação em termos de riqueza, estilo e

acabamento de materiais e objetos”.4 No século XIX, o objeto ganha

status que até então não possuía. Ele passa a ser o representante do

mundo burguês. Uma nova parcela da sociedade começa a ter acesso a

bens materiais e se utiliza desses códigos de identificação, que os objetos

passam a manifestar. Segundo Hobsbawn:

Mesmo assim, os objetos eram mais do que meramente utilitários

ou símbolos de status e sucesso. Tinham valor em si mesmos

como expressões de personalidade, como sendo o programa da

vida burguesa, e mesmo como transformadores do homem. No lar

tudo era expresso e concentrado. Daí a sua grande acumulação.5

Esse poder transformador do objeto fez com que cada vez mais se

desejasse o acúmulo desse bem, capaz de trazer consigo questões como

personalidade e representação de um modo de vida baseado em conforto,

segurança e comodidade e que não se esgota. Esse ímpeto por objetos de

consumo cria demanda para a indústria, possibilita a criação de mais

postos de trabalho e renda para mais pessoas. Todo esse processo fez

com que países mais industrializados como a Inglaterra e a França

começassem a buscar novos mercados para suas indústrias.

O processo de industrialização começa a criar uma nova relação

entre objetos, arte e vida cotidiana. Os objetos começam a ter um papel

de representação social mais forte, pois mais pessoas começam a possuí-

los, o que reforça e demonstra a importância que a arte tem na

construção da imagem do objeto modelo, já que são os artistas que

forjam sua aparência. A capacidade da indústria de produzir em série fez

com que a maneira como compreendemos e interpretamos o mundo

passasse, necessariamente, pelos objetos cotidianos, já que possuem a

partir de agora, com mais intensidade, a capacidade de orientar a nossa

relação com o mundo, pois extrapolam o seu valor de uso e começam a

ter a capacidade de significar a todo momento o modo de vida de quem os

4 CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Bluncher, 2008, p. 63.

5 HOBSBAWM, Eric. A era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 2014, p. 351.

Page 22: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

21

possui. Esse processo se intensifica ao longo do século XIX, quando os

objetos se tornam a representação de progresso e avanço social. Para que

mais pessoas possam comprar e participar dessa nova maneira de se

relacionar com os objetos, dois países pioneiros na industrialização,

Inglaterra e França, passam a buscar maneiras de demonstrar para o

mundo a capacidade de produção de suas indústrias. É a partir dessa

necessidade de mostrar e vender que surgem as primeiras exposições

industriais, inicialmente na França. A Inglaterra busca inspiração nessas

exposições, que tinham alcance apenas nacional, no início do século XIX,

e começa a pensar em organizar a primeira grande exposição

internacional. Será nessa exposição universal que o embaralhamento

entre arte e indústria ficará ainda mais evidente.

1.2 A grande exposição universal de Londres, 1851

A primeira exposição universal é um marco no processo de modelo e

série industrial, e da aproximação entre arte e indústria, pois, para que

esse processo (modelo/série) funcione, é necessário que o modelo seja

desejado por uma grande quantidade de pessoas, para que torne possível

uma série. Assim, para se produzir em grande escala, é necessário criar

uma demanda para esses produtos. É nesse ponto que os grandes

eventos, como a grande exposição de Londres, entram em cena. Eles

atraem uma grande quantidade de visitantes, construindo, assim, uma

compreensão social em relação ao objeto industrial muito próxima da

relação com os objetos artísticos. É quando a primeira grande exposição

universal de Londres ganha relevância para nossa dissertação, já que é a

primeira vez que uma exposição tem como objetivo colocar toda a

produção dos homens, sejam objetos artísticos ou industriais, juntos em

um mesmo espaço. Como afirma Henry Cole6, um dos principais

organizadores do evento:

6Membro do comitê da Real Sociedade das Artes, funcionário público e um dos principais

organizadores da exposição de Londres. Editava também publicações sobre arte, design, música.

Escrevia sob o pseudônimo de Felix Summerly críticas para revistas, guias e panfletos.

Page 23: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

22

Pela primeira vez na história do mundo, os homens das Artes,

Ciência e Comércio foram autorizados pelos seus respectivos

governos a reunir-se para discutirem e promoverem os objetivos

para os quais as nações civilizadas existem”.7

Com isso, todo o esforço da exposição é fazer com que, a partir da

aproximação entre arte e indústria, o homem possa buscar uma nova

forma de vida. O que perceberemos ao longo da dissertação é que as

contradições levantadas por esse processo ressoam, também, nas artes

plásticas do fim do século XIX ao começo do século XX.

Exposições industriais, ao longo do século XIX, começam a ser mais

frequentes principalmente na França. O alcance dessas feiras era local e

reunia apenas industriais da região. Na Inglaterra, também começam a

ocorrer exposições industriais que são organizadas pela Sociedade das

Artes, instituição que foi fundada em 1756 com o objetivo de aproximar

as ciências e as artes da indústria. Essa instituição é que, em 1851,

organiza a grande exposição universal. Ela promove sua primeira

exposição em 1760 de produtos manufaturados, mas, na Inglaterra,

existia forte resistência a essas feiras, por parte dos industriais, que

temiam ser copiados. Além disso, para eles, a demanda de trabalho para

organizar essas feiras não trazia o resultado esperado. A associação

ganha o título de Real Sociedade das Artes em 1847, título dado pela

rainha Vitória, já que era presidida pelo seu marido, o príncipe Alberto. A

partir de então, organizam três exposições anuais, antes da grande

exposição internacional. Essas feiras enfrentam grandes dificuldades, pois,

como já dissemos, os industriais ingleses não viam nesses eventos

oportunidades de negócio. Porém, com a visita à feira nacional da França,

que ocorreu em Paris em 1849, os ingleses viram a oportunidade de

organizar não uma feira nacional, mas uma feira universal que reunisse

toda a capacidade humana de produzir. A repercussão na Inglaterra da

exposição Nacional de Paris foi ampla e chegou aos setores industriais

mais resistentes, que começaram a perceber a oportunidade de vender

seus produtos para mais pessoas espalhadas pelo mundo. 7 LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994, p. 55.

Page 24: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

23

A sociedade das Artes era presidida, desde 1843, pelo príncipe

Alberto, um dos principais entusiastas de organizar uma exposição

universal. O príncipe, juntamente, com Henry Cole, são os dois principais

organizadores e responsáveis pelo planejamento e execução da grande

exposição. Henry Cole era um dos membros da Real Sociedade das Artes

e ganha destaque na primeira exposição realizada com o título de Real

Sociedade. Por ter papel central na organização, ele se utiliza da sua

relação de amizade com industriais e os convence da importância da feira

e faz a seleção dos expositores. Foi Cole quem visitou a grande exposição

nacional de Paris e levou ao príncipe Alberto a possibilidade de organizar

em Londres algo parecido. Ao comunicar ao príncipe a possibilidade de a

feira ser internacional ou nacional, chegam à conclusão de que a

exposição deveria ser internacional. Desse modo, começa o desejo de

organizar a primeira grande exposição internacional, um evento capaz de

reunir em torno da capacidade do homem de criar e produzir. Eles se

apoiam no princípio de progresso ilimitado, que a indústria poderia trazer

para os homens, criando as condições para unificar os povos. Assim, com

esse propósito é que em primeiro de maio de 1851 é inaugurada a

primeira exposição universal das artes e da indústria. Esse evento ficou

aberto ao público durante cento e quarenta dias, recebeu mais de seis

milhões de visitas e obteve um lucro de cento e oitenta e seis mil libras.

Números que impressionam, já que era a primeira grande exposição

organizada pela Inglaterra e pela forte resistência que existia por parte

dos industriais ingleses. O sucesso mostra como a exposição foi capaz de

atrair para si a atenção e a curiosidade da sociedade inglesa e do mundo,

para a diversidade de objetos, que, segundo Leitão, eram “maravilhosos,

impressionantes, estranhos, valiosos, ridículos, científicos, inovadores –

interessou tanto o público que diariamente dificultou o trabalho da polícia

encarregada de fechar o Palácio”8. Esse anseio por objetos, coisas e a

crença no progresso, que as máquinas traziam para a sociedade da época,

faziam com que as filas na porta do evento ficassem cada vez maiores.

8 LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994, p. 77.

Page 25: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

24

Uma revista francesa da época capturou essa sensação dizendo: ”O

mundo tem febre; ele se metamorfoseia, uma nova era se abre

evidentemente para a Europa. [...] Hoje as pessoas sobem em balões com

uma segurança que nossos avós não tinham ao subir nos trens”9. A nova

percepção de que o progresso humano era representado pelas máquinas a

vapor, estradas de ferro e energia do carvão possibilitava avanços, que

melhoravam a vida cotidiana do homem, fazendo com que ele confiasse e

estabelecesse uma relação de proximidade com os objetos – ele não mais

os temia, muito pelo contrário: ele lidava de maneira mais espontânea

com as possibilidades que essas máquinas, objetos cotidianos, móveis,

tecidos e novos meios de transporte podiam oferecer para facilitar e trazer

mais conforto para a vida.

A grande exposição universal tem a força estética de representar

essa nova possibilidade de vida, reunindo os povos em torno de

máquinas, objetos cotidianos e arte em um único espaço. Sua força foi ser

capaz de tornar visível, para um número maior de pessoas, a capacidade

da indústria e construir uma nova maneira de compreender os objetos,

constituindo, assim, um “modelo” a ser seguido e uma “série” a ser

consumida. Esse processo naturaliza o uso cotidiano de produtos

industrializados, fazendo com que estes pudessem facilitar a vida e trazer

mais comodidade para as pessoas.

A escolha do projeto, que sediaria a exposição, foi feita por meio de

um concurso, que teve como vencedor John Paxton10. As características

fundamentais do seu projeto vencedor foram:

Não utilizaria tijolos, pedra ou argamassa; não haveria paredes

internas; o edifício seria pré-fabricado; os custos de construção

seriam baixos, facilmente desmontado e tornado a montar caso

necessário; as galerias projetadas no seu edifício dariam mais

9 PESAVENTO, Sandra. Exposições Universais. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 76.

10 Chefe dos jardineiros de um dos homens mais ricos da Grã-Bretanha e também do príncipe

Alberto, constrói uma estufa que chama a atenção de todos, ficou conhecida como a Casa do Lírio.

É a partir desse projeto que se cria o Palácio de Cristal.

Page 26: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

25

vinte e cinco por cento de espaço do que outro projeto; e os

olmeiros não teriam de ser deitados abaixo!11

Paxton observou as críticas que os primeiros projetos receberam

para criar o Palácio de Cristal. As críticas eram: primeiro por ser localizada

em uma área verde de Londres, Hyde Park, e muitos criticavam por ter

que derrubar as árvores que lá estavam. Outra crítica era que a

construção seria de elevado custo e depois não seria viável

economicamente derrubar a construção, tendo, assim, o mesmo custo que

para construir. Com isso, o jardineiro Paxton se utiliza dos seus

conhecimentos com o uso de ferro e vidro para fazer um projeto que não

derrubaria as árvores, teria baixo custo e seria de fácil remoção após o

evento. Assim, ele constrói os argumentos para se defender das críticas e

convencer a opinião pública a apoiar seu projeto inovador, já que estava

alinhado a todas as críticas prévias aos primeiros projetos.

Figura 5: Palácio de Cristal

Fonte: Disponível em: https://www.publico.pt. Acesso em: 8 jan. 2016.

1.3 O Palácio de Cristal – O objeto de vidro

Pensar o Palácio de Cristal12 como a grande embalagem do processo

de embaralhamento entre arte e indústria. Esse caminho nos traz um

elemento novo, para entendermos como objetos artísticos e industriais se

misturam, forjando um novo modo de perceber o objeto, a construção

11 LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994, p. 36.

12 O nome “Palácio de Cristal” foi dado por Douglas Jerrold, em uma caricatura feita por ele em

uma conceituada revista satírica inglesa, Punch, de circulação nacional. Esta revista, juntamente

com a Ilustrated London News, apoiaram o projeto de Paxton, para vencer o concurso da primeira

exposição universal.

Page 27: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

26

sistemática dos meios físicos que nos rodeiam e que estão em toda parte

no nosso cotidiano. O vidro, assim, se torna o material privilegiado para

entendermos esse processo de moldar o espaço para construir ambientes

capazes de criar situações nas quais o homem sofre interferência externa

permanentemente. O Palácio de Cristal, como o exemplo desse processo,

no século XIX, foi o primeiro espaço a expor objetos que transmitiam

significado a todo momento como se fossem objetos artísticos. Isso ocorre

porque, segundo Baudrillard:

O vidro principalmente materializa de forma extrema a

ambiguidade da ambiência: a de ser a um só tempo proximidade e

distância, intimidade e recusa da intimidade, comunicação e não

comunicação. Embalagem, janela ou parede, o vidro funda uma

transparência sem transição: vê-se, mas não se pode tocar. A

comunicação é universal e abstrata.13

O conceito de ambiência14 pode ser compreendido como o espaço

em que o objeto passa a comunicar a todo momento o novo modo de vida

industrial, em que o vidro é o material privilegiado capaz de tornar visível

esse conceito que é a função moderna do meio ambiente. O que nos leva

a perceber, no Palácio de Cristal, o exemplo privilegiado de como o objeto

passa a ser percebido e utilizado no cotidiano. Para Baudrillard, a

ambiência é o meio ambiente moderno, ou seja, o processo sistemático de

tornar o espaço ocupado por objetos parte da nossa cultura cotidiana. É o

mecanismo de naturalização do uso dos objetos e que torna nosso

convívio, com esses meios físicos, corriqueiro, mas repleto de significados.

Esses objetos são capazes de extrapolar sua função de uso e trazer

consigo um processo social que acaba por construir e materializar a

edificação da realidade. O vidro não faz mistério, ele mostra seu

conteúdo, mas não conseguimos ter acesso. Somos capazes de ver, mas

não de pegar, por isso ele aproxima e confunde nossa relação entre o que

13 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 48.

14 No original em francês de Jean Baudrillard, “Le système des Objets”, a palavra é “ambiance”,

que pode ser traduzida como atmosfera, ambiente, ambiental, e na tradução de Zulmira Ribeiro

Tavares para a editora perspectiva foi traduzida como “ambiência”, termo que utilizamos nesta

dissertação.

Page 28: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

27

está dentro e o que está fora. No Palácio de Cristal, marco arquitetônico

da metade do século XIX, o vidro cumpre a função de fazer parte da

cidade e do espaço público, mas ao mesmo tempo está fora, o que

preserva o espaço privado. Assim, permitiu que se visse a capacidade do

homem de construir objetos artísticos e objetos industriais, mas também

proteger esses materiais da maior parte da população. É preciso mostrar,

para colocar em movimento o modelo dos objetos e ao mesmo tempo

deixar que apenas alguns tenham acesso.

A realidade é forjada a partir dessa relação com os objetos, que

começam a fazer parte do cotidiano de alguns e da realidade de uma

pequena parte da população, estabelecendo, assim, uma relação de

pertencimento e de exclusão, simultaneamente. O sentimento de fazer

parte e de não fazer parte. O vidro cumpre seu papel de representante

desse processo. Dentro do sistema cultural, os objetos começam a ter um

espaço maior, e por comunicarem, sem a necessidade das palavras,

passam a exercer o seu valor de signo.

O vidro, tal e qual a ambiência, deixa transparecer o signo de seu

conteúdo e interpõe-se, na sua transparência, exatamente como o

sistema de ambiência na sua coerência abstrata, entre a

materialidade das coisas e a materialidade das necessidades15.

O legado do Palácio de Cristal é de transparecer o seu conteúdo,

mas sem comprometer o seu interior. É como se o mundo inteiro

estivesse em Londres, mas Londres não estivesse no mundo inteiro. A

transparência como obstáculo para acessar o conteúdo. A grande

exposição começa a mostrar a importância de tornar visível, para um

número maior de pessoas, as possibilidades dos objetos industriais e de

interferir na relação entre os objetos materiais e suas necessidades, já

que mostra o objeto, que é capaz de comunicar beleza, ascensão social e

ir além de suas funções. Segundo a Rainha Vitória, “O Sol a brilhar

através do transepto dá a ilusão de uma história de fadas. O edifício é

15 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 48.

Page 29: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

28

leve e elegante, apesar do seu enorme tamanho”16. A arquitetura do

Palácio de Cristal transforma a relação com o espaço de exposição

próximo da relação que se estabelece com o espaço do sublime, que a

arquitetura das igrejas busca implementar e cujo ambiente o vidro

contribui para criar. No Palácio de Cristal, o belo e o sublime estão a

serviço do aumento das vendas. Estes dois conceitos possuem uma forte

tradição inglesa, e Edmund Burke é um dos que contribuíram, ao longo do

século XVIII, para a ampliação do debate filosófico em torno das ideias de

belo e do sublime.

Figura 6: Imagem interna do Palácio de Cristal, 1851.

Fonte: disponível em: http://historiaearquitetura.blogspot.com/palacio-de-cristal. Acesso

em: 20 fev. 2017

O palácio de Cristal traz consigo essa tradição inglesa e busca por

meio da novidade aproximar a indústria do belo, criando assim um espaço

que trabalha com o sublime. A novidade é peça-chave, pois segundo

Burke: “Dentre os componentes de todo instrumento que age sobre o

espírito deve haver um certo grau de novidade, e a curiosidade está

mesclada, em maior ou menor quantidade, com todas as nossas

paixões”17. O objetivo era criar um espaço capaz de atrair a curiosidade e

nossas paixões. Os números da grande exposição demonstram que a

16 LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994, p. 38.

17 BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do

belo. Campinas: Papirus, 1993, p. 42.

Page 30: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

29

novidade fez com que o lucro da exposição superasse todas as

expectativas.

Os objetos começam a ganhar um novo patamar: além de serem

belos, se relacionam com o espaço, que é o que desperta o sublime. A

grandiosidade do espaço de ferro e vidro despertava as mais fortes

emoções, e é justamente essa uma das principais características do

sublime, segundo sua tradição inglesa. Burke afirma que: ”tudo que seja

de alguma maneira terrível ou relacionado a objetos terríveis ou atua de

um modo análogo ao terror constitui uma fonte do sublime; isto é, produz

a mais forte emoção de que o espírito é capaz”18. O espaço de exposição

ganha a capacidade de parecer terrível, mas ao mesmo tempo fascinar,

pois afeta os corpos dos visitantes reduzindo-os diante da grandiosidade

da estrutura de ferro e vidro. Porém, como a possibilidade do terrível não

ocorre, a experiência acaba por se tornar “deliciosa”, nas palavras de

Burke. Dessa maneira, percebemos o começo da transformação do objeto

em “objeto estético”, já que o sublime desperta a sensação de desmesura

capaz de fazer o homem desejar novamente essa experiência.

O Palácio de Cristal é o primeiro passo em direção ao acolhimento

dos objetos por um espaço, que de vidro “guarda bem e deixa visível”19,

nas palavras de Baudrillard, “o conceito ideal do acolhimento”20. O fato de

o vidro ser o material escolhido, para abrigar (acolher) a primeira grande

exposição da arte e da indústria diz muito sobre a importância das

exposições universais para nosso argumento, pois é desse modo que

relacionamos o objeto cotidiano e o nascimento do ideário da

modernidade, pois, como afirma Baudrillard, o vidro:

Invisível e presente em toda parte, responderá à definição de uma

vida mais bela e clara. Além do mais, qualquer que seja seu

destino não pode jamais ser detrito, pois não tem odor. É um

18 Ibidem, p.48.

19 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos.São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 49.

20 Idem.

Page 31: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

30

material ‘nobre’. Todavia, o consumidor é obrigado a jogá-lo fora

após o uso, ‘nem depósito, nem devolução’.21

Desde sua inauguração, em primeiro de maio de 1851, o Palácio de

Cristal recebeu até o seu término aproximadamente seis milhões de

visitantes; somente na sua inauguração para assistir à passagem da

rainha, mais de seiscentas mil pessoas estavam presentes. Todos

encantados com as possibilidades da indústria e como os homens

poderiam viver em harmonia por meio do comércio livre, juntamente aos

avanços tecnológicos capazes de levar praticidade e conforto para um

número maior de pessoas. Alguns jornais da época afirmaram que o

evento foi mais memorável que a coroação da Rainha Vitória. Segundo o

editorial do jornal Times:

Aqueles que tiveram a tão grande fortuna de a ver quase que não

sabiam o que admirar mais, ou em que forma é que deviam

exprimir o seu sentido de admiração e até de mistério que existia

dentro deles. O edifício, os tesouros de arte que lá estavam

expostos, a assembleia e a solenidade da ocasião, tudo conspirava

para sugerir qualquer coisa para além do que os sentidos podiam

ver, ou a imaginação atingir. À sua volta e por cima de suas

cabeças estavam expostos tudo o que é prático ou bonito na

natureza ou na arte.22

Mas, como afirma Baudrillard, depois do uso o vidro é jogado fora, é

descartado. É o que ocorre com o Palácio de Cristal. Após o evento, ele é

desmontado. Como se o Palácio fosse o prenúncio da função que os

objetos terão ao longo do século XX, sua obsolescência.

Tudo era vasto no Palácio de Cristal, a nave principal com

quinhentos e cinquenta metros de comprimento, e a nave central,

que atingia os trinta e dois metros de altura, fora uma das

exigências da Comissão de Construção, de modo a permitir que

parte dos olmeiros sobrevivesse à exposição.23

Essa vastidão acondiciona a indústria e a arte, e ainda preserva a

natureza do espaço. O vidro cumpre, também, sua função psicológica,

pois, segundo Baudrillard: “A funcionalidade psicológica do vidro (sua

21 Ibidem, p. 49.

22 LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994, p. 49.

23 Idem, p. 47.

Page 32: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

31

transparência, sua pureza) é inteiramente revista e imersa na

funcionalidade econômica. O sublime atua como motivação de compra“24.

O Palácio de Cristal é um marco para percebermos o nascimento do

ideário moderno e como ele começa a ser moldado, a partir da

aproximação de objetos de uso cotidiano e dos objetos artísticos, e como

os usos dos espaços de apresentação desses objetos se transformam em

ambientes que reduzem o homem e criam a experiência do sublime. No

Palácio de Cristal, esse processo é trabalhado a partir da grandiosidade do

espaço como elemento capaz de dar à experiência humana uma nova

forma de se relacionar com os objetos. Dessa maneira, o vidro, que

acondiciona a exposição, é o elemento que nos fornece a oportunidade de

perceber como o ambiente é forjado. Assim, a forma como constituímos a

representação coletiva da realidade, isto é, a maneira como construímos

as referências para a vida cotidiana e compreendemos o mundo, passa,

necessariamente, por nossa relação com objetos cotidianos, que

comunicam posições sociais e formam códigos complexos de significação,

capazes de abrandar tensões sociais e criar a sensação de harmonia entre

os homens.

A grande exposição é considerada a primeira iniciativa de fórum

internacional do mundo moderno, que dará origem à Liga das Nações e,

posteriormente, às Nações Unidas, o que demonstra como os objetos

industriais possuem mais do que a simples condição material. Neles

também estão contidas questões imateriais, para além da sua função de

uso. Os objetos acabam por estabelecer um testemunho do

reconhecimento dos homens em sua forma. O homem é capaz de falar

sem palavras, por meio da forma e do uso dos objetos. Ele cria signos que

extrapolam o uso comum, orientam condutas e hierarquizam valores,

constituindo, assim, novas possibilidades para o homem moderno.

Naturalizar os objetos por intermédio da criação de um ambiente, que ao

mesmo tempo acondiciona e mostra – esse foi o efeito da primeira grande

exposição para a cultura moderna; o de criar um habitat para o objeto

24 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 49.

Page 33: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

32

estético, mas de uma forma que o efeito fosse o de apaziguar

contradições e simultaneamente demarcar posições sociais dos indivíduos.

O êxito da exposição inaugurou o calendário de exposições internacionais,

e já em 1855 foi realizada em Paris a segunda exposição internacional.

1.4 O objeto estético

O intuito, para nossa dissertação, da grande exposição de Londres é

de demonstrar que, – para além do avanço industrial e econômico da era

vitoriana, que o historiador Eric Hobsbawm denomina como a “Era do

Capital” – esse período também produz uma grande quantidade de

objetos estéticos e, assim, uma nova relação entre os homens e as coisas

que os cercam no seu cotidiano, que não são mais construídas pelas mãos

dos homens, mas pelo processo de divisão do trabalho e por máquinas

capazes de aumentar, consideravelmente, a produção de utensílios

domésticos, móveis, tecidos, objetos decorativos, grandes máquinas e

ferrovias que levam produtos e homens para as mais diversas partes.

A partir da Revolução Industrial, os objetos ganham maior

relevância estética. Isso ocorre pela aproximação de artistas e industriais

que elaboram produtos modelos com o objetivo de atrair esteticamente as

pessoas. O alcance desse novo modo de produção, em relação aos

objetos, atinge um patamar superior com as grandes exposições

universais – e a de Londres é um exemplo privilegiado. A disseminação

dos avanços tecnológicos e das facilidades que os utensílios industriais

trazem para a vida das pessoas reforça a construção dos conceitos de

modelo e série, utilizados por Baudrillard para marcar o período industrial,

já que se construiu uma relação estética com o objeto. O Palácio de Cristal

é um marco dessa naturalização, pois cria um novo signo para os objetos,

que representam o avanço do homem, são capazes de comunicar, marcar

posições sociais e trazem consigo elementos estéticos que os aproximam

de objetos artísticos. Porém, essa capacidade de comunicar posição social

e de proximidade com a arte tem prazo de validade para o objeto modelo,

e isso ocorre quando a parcela da sociedade que os detém busca outro

Page 34: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

33

objeto para marcar sua posição social. Assim, os objetos modelos

esgotam sua capacidade de significar status, passam a ser produzidos em

série e chegam a outras parcelas da sociedade. Desse modo, como afirma

Baudrillard: “o modelo é interiorizado por aquele que participa da série – a

série é indicada, negada, ultrapassada, vivida contraditoriamente por

aquele que participa do modelo”25. Com o advento das grandes exposições

universais, percebemos o papel da arte no desenvolvimento dos objetos

de uso em objetos estéticos, que é o de fazer com que aqueles que

possuem o objeto seriado vivam a experiência do objeto modelo. Com as

grandes exposições universais, esse processo é percebido por uma grande

parcela da sociedade burguesa. Uma parte interioriza as possibilidades da

indústria e a outra parcela privilegiada detém esses objetos. Essa é a

dupla função do objeto modelo, a de ser interiorizado por uma grande

parte da sociedade e de ser possuído por uma pequena parte da

sociedade. Essa relação com os objetos, sejam eles objetos modelos ou

em série, passa necessariamente por uma experiência estética. Esse é o

ponto novo que está em gestação no fim do século XIX e dará origem às

vanguardas. Elas vão se utilizar dos objetos, cada uma a seu modo e das

mais diversas formas, para criar experiências estéticas. Por experiência

estética, podemos entender, segundo Greenberg:

Experimentar esteticamente alguma coisa é, na verdade,

experimentar algo que não seja o ser humano, como um fim em si

mesmo – certa espécie de fim em si mesmo com que uma pessoa

se satisfaz apenas por contemplar, olhar, cheirar, tocar, degustar,

ouvir, enxergar.26

É dessa aproximação entre indústria e arte que podemos perceber a

mudança na vida cotidiana das pessoas, pois é por meio dos objetos que

se dá a experiência estética, que acontece por intermédio do objeto e é

indissociável dele.

25 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 147 e 148.

26 GREENBERG, Clement. Estética Doméstica. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 323.

Page 35: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

34

As grandes exposições universais fizeram com que mais pessoas

tivessem acesso a essa experiência estética com objetos de uso

aproximados de objetos de arte. As exposições de Paris em 1855 e em

1867 tiveram 24 mil empresas expondo seus produtos na primeira e 50

mil na segunda, o que demonstra a quantidade de itens industrializados

que estavam circulando e a mudança econômica da época. Segundo

Hobsbawm: “O comércio mundial entre 1800 e 1840 não tinha chegado a

duplicar. Entre 1850 e 1870, cresceu 260%”27. Há uma mudança na forma

de vida nos grandes centros. Baudelaire foi um dos artistas que mais

escreveu sobre essa mudança. Para ele a curiosidade era um dos atributos

centrais para essa nova forma de olhar para o mundo. Segundo o autor:

É à curiosidade profunda e alegre que se deve atribuir o olhar fixo

e animalmente estático das crianças diante do novo, seja o que

for, rosto ou paisagem, luz, brilhos, cores, tecidos cintilantes,

fascínio da beleza realçada pelo traje28.

Essa busca pelo novo naquilo que é passageiro e essa curiosidade

pelo mundo a sua volta são características dessa nova forma de vida

moderna, em que o estado de atenção, para os elementos estéticos

contidos nas circunstâncias do cotidiano, deve ser permanente. Essa nova

forma de vida é a exigência moderna, o lugar em que, segundo Bourriaud:

“é preciso apreender e eternizar o tempo presente, mas também esculpir

o tempo vivido, construir a vida cotidiana como se modela a argila”29.

A relação com o tempo é importante para demonstrar um novo

modo de perceber o mundo. Esse processo cobra de quem estabelece

qualquer relação com os objetos estéticos uma capacidade de ler seus

significados. Baudelaire cobra dos artistas que: “Qual homem, merecedor

do nome de artista, que, genuíno amante das artes, confundiria a

27 HOBSBAWN, Eric. A era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 2014, p. 67.

28 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 18 e 19.

29 BOURRIAUD, Nicolas. Formas de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 25.

Page 36: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

35

indústria com a arte?”30. Assim, começa a se constituir, também no

campo das artes, a crítica ao processo de aproximação entre máquinas e

homens, entre indústria e arte. Nesse ponto, vale salientar a observação

de Argan sobre a importância desse contexto histórico para a arte:

“Qualquer discurso sobre a arte não pode dizer respeito à arte em geral,

mas à precisa condição da arte e dos estudos sobre a arte numa

determinada situação histórica”31.

Daí a importância dada à história ao longo da dissertação, já que

será a partir do contexto histórico da época que vamos entender a relação

da arte e dos objetos com a vida cotidiana, do nascimento ao ocaso das

vanguardas. Para isso, vale ressaltar o contexto em que a arte está

situada na cultura moderna, insistindo com Argan:

Se pela palavra arte não entendemos uma atividade abstrata do

espírito, uma entidade metafísica, mas um conjunto de coisas nas

quais reconhecemos uma afinidade estrutural, está claro que não é

possível ocupar-se da arte sem se ocupar dessas coisas, isto é, dos

produtos das técnicas artísticas32.

Será por esse caminho que iremos começar a perceber como as

artes aplicadas e as artes plásticas começaram a criar objetos estéticos a

partir de técnicas diversas, que estão vinculadas ao contexto histórico e

de algum modo possuem afinidades estruturais com a aproximação da

arte com a vida, seja por meio de objetos úteis e belos ou por objetos de

arte que questionem as direções da própria arte, rumo à aproximação

com a vida cotidiana. E é a partir da experiência com os objetos estéticos

que se iniciam os primeiros movimentos artísticos contrários à serialização

dos objetos e da sua aproximação com a arte e com os objetos modelos.

Assim, segundo esses artistas, esses processos geravam contradições

sociais, afetavam a qualidade dos produtos que nos cercam e acabavam

por constituir o ambiente da vida a partir da lógica da indústria. Os

30 BAUDELAIRE, Charles. In: HOBSBAWN, Eric. A era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 2014, p.

438.

31 ARGAN, Giulio. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 85.

32 Ibidem, p. 85.

Page 37: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

36

primeiros exemplos desses movimentos são: o Arts and Crafts e o Art

Nouveau.

1.5 Arts and Crafts e Art Nouveau

Duas figuras são centrais para percebermos como se dão a

organização e a busca por alternativas, frente ao crescimento da produção

industrial por máquinas e homens. A primeira delas é o crítico de arte,

professor e escritor inglês John Ruskin, que apontava sua crítica ao modo

de organização do trabalho e como esse era o principal elemento

responsável pelas deficiências projetuais e estilísticas que, segundo o

autor: “marcavam a arte, a arquitetura e o design modernos”33. O motivo

dessa crítica voltada para o modo de produção é que Ruskin teve contato,

entre os anos de 1850 e 1860, com os pensamentos cooperativistas e

sindicalistas, os quais centravam suas discordâncias em relação ao

capitalismo industrial na divisão do trabalho, que tornava o homem refém

de um processo produtivo, incapaz de perceber sua função no todo. Para

Ruskin: “não era o mau gosto do público consumidor que gerava a má

qualidade, mas antes a desqualificação sistemática e consequente

exploração do trabalhador que produzia a mercadoria”34.

A partir dessa percepção de que o processo de trabalho era a causa

central de objetos de baixa qualidade, e não o gosto do consumidor,

podemos perceber como para Ruskin os objetos fabricados de maneira

serializada eram capazes, também, de demonstrar como o novo método

industrial explicitava a exploração do homem pelo homem. Assim, era

preciso criar objetos de qualidade que fossem capazes de transmitir a

valorização do trabalho do homem. Para Ruskin, os objetos eram o modo

privilegiado de análise social. Segundo sua análise, podemos perceber

como o processo fabril interfere na qualidade dos produtos, mas também

podemos constatar como quem os compra e utiliza possui características

sociais e até mesmo comportamentais. Uma das críticas que Ruskin 33 RUSKIN, John. In: CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Bluncher, 2008, p. 79. 34 Ibidem, p. 79.

Page 38: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

37

escreve sobre uma obra do artista inglês Willian Hunt demonstra como ele

valoriza os objetos, fazendo deles instrumento de análise.

Figura 7: "O despertar da Consciência", 1853.

Fonte: HUNT, Willian Holman. Disponível em: http://www.rialetters.wordpress.com.

Acesso em: 20 fev.2016.

O comentário do crítico, sobre a obra de Hunt, se volta para a

interpretação do mobiliário. Ele descreve a superficialidade do homem e

da mulher pela aparência dos objetos que os cercam. É como se os

objetos fossem capazes de comunicar o caráter de quem os detém. A

aparência do interior das casas dizia muito sobre seus ocupantes. Os

objetos ganham relevância dentro das casas, principalmente para as

mulheres, segundo Forty: ”Era o caráter principalmente das mulheres que

se revelava pela escolha da mobília. As pressões sobre as mulheres para

participar dessa charada burguesa eram consideráveis”35. O objeto ganha

no espaço privado a capacidade de comunicar a personalidade, sobretudo

das mulheres, e no espaço público o poder e o status do homem. Ruskin

insiste na busca por um modo de trabalho que tivesse como resultado

final a qualidade dos produtos, pois percebia que os objetos vinham

ganhando espaço no debate social e econômico do século XIX.

É nesse ponto que entra em cena Willian Morris, designer e escritor

inglês, que se empenhou em criar as condições de trabalho capazes de

dar ao objeto a unidade, entre o projeto e a efetivação da ideia do

produto. O trabalho de design seria o de perceber o todo, do projeto à

35 FORTY, Adrian. Objetos de desejo. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 146.

Page 39: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

38

criação. A ideia de Morris era que o design fosse o antídoto para objetos

de baixa qualidade, que são o resultado da divisão do trabalho e da

exploração do homem. Combater a divisão do trabalho com design. Esse

foi o objetivo de Willian Morris, inspirado nas ideias de John Ruskin.

Assim, em 1875, ocorre a inauguração da Morris & Company, que ele

administrou de maneira exclusiva.

Figura 8: The sussex rush-seated chairs, 1870.

Fonte: MORRIS, Willian. Disponível em: http://www.morrissociety.org/morris/. Acesso

em: 20 fev. 2016.

A procura por materiais de qualidade e a preocupação com o

processo de fabricação eram as marcas da empresa, que tinha uma

produção limitada, já que o foco era a qualidade e não a quantidade.

Morris buscava com isso ter a autonomia total de todos os processos

desde a produção até a comercialização. A ideia era romper os modos de

produção industrial, a partir da qualidade dos produtos, e com isso

estabelecer uma crítica ao produto “série”. É importante reforçar que a

crítica à indústria e a sua ameaça à qualidade de vida das pessoas surgem

já no final do século XVIII e no início do XIX, segundo Cardoso:

É comum encontrar nos escritos de pensadores do Romantismo,

como Willian Blake, Samuel Taylor Coleridge e Thomas Carlyle,

denúncias da brutalidade do industrialismo por explorar o

trabalhador, destruir a paisagem natural e reduzir a vida social ao

mínimo múltiplo comum da troca econômica.36

O que podemos perceber de elemento novo com Ruskin e Morris é a

possibilidade de uma alternativa, o design. Pensar o objeto como

elemento de comunicação de uma reformulação do modo de produzir,

36 Ibidem, p. 76.

Page 40: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

39

utilizando as técnicas do artesanato, mas com um elemento a mais, a

possibilidade de criar o projeto. Para Morris: “Os artistas perderam o

contato com a vida cotidiana, e perdem-se a sonhar com a Grécia e a

Itália”37. Pensar o objeto para além da sua função. Ele deve comunicar

arte na vida cotidiana, voltado para o processo de quem faz o objeto, esse

é o compromisso ideológico desse novo objeto. Esse conjunto de ideias fez

com que surgissem novas organizações. Morris pensava em uma arte que

fosse acessível a todos, e para ele isso só seria possível por meio do

trabalho manual. A partir de 1880, começam a surgir na Grã-Bretanha

diversas oficinas dedicadas a seguir os mesmos moldes que Willian Morris

pregava, e eram dirigidas por designers. Entre elas estão: “a Century

Guild, a Art Worker’s Guild, a Guild and School of Handicraft e a Arts and

Crafts Exihibition Society”38, que, seguindo o mesmo princípio de fazer

objetos pensados desde o projeto até a execução, deram origem ao

movimento Arts and Crafts.

Se no processo industrial artistas são contratados para elaborar

apenas projetos e não participam do processo de execução do produto, no

movimento Arts and Crafts o que se buscou foi uma reconciliação entre

arte e operários, através da autonomia do trabalho e da capacitação para

participar do processo produtivo como um todo. Assim, transformar o

ambiente da vida cotidiana, a partir de um novo processo de trabalho e

criação de objetos, a arte seria, assim, usada na vida. Para Hobsbawm, “o

que tornou Morris e o movimento Arts and Crafts tão notavelmente

influentes foi a ideologia, mais que seu surpreendente e múltiplo talento

de designer, decorador e artífice”39.

A ideia de aproximação entre artistas e operários era a de

transformar, por meio da arte, a vida cotidiana. Colocar arte nos móveis

das casas, objetos da cozinha, o espaço interno e a paisagem das cidades 37 MORRIS, Willian. In: PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do desenho moderno. São Paulo: Martins

Fontes, 2002, p. 5.

38 CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Bluncher, 2008, p. 82.

39 HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 353.

Page 41: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

40

era o objetivo, para, assim, romper o espaço fechado das artes voltadas

para o lazer dos ricos e levá-las para o uso cotidiano de mais pessoas.

O movimento conseguiu sair dos pequenos círculos de artistas e

críticos, pois foi capaz de criar uma alternativa para o capitalismo

industrial. Assim, conquistou adeptos que buscavam tencionar a vida

humana para outros caminhos, para além das promessas contidas na

ideologia da revolução industrial. Esses eram artesãos, designers, artistas,

arquitetos que procuravam produzir objetos de fins utilitários ou mesmo

para fins educacionais. Segundo Argan: “O movimento Arts and Crafts

quer ser a reconstrução de uma comunidade artística capaz de realizar um

‘estilo’ na produção”40. O movimento traz consigo um elemento de

sociabilidade; a ideia é, a partir da colaboração de comunidades artísticas,

construir condições sociais para as artes aplicadas e, assim, interferir

socialmente com objetos úteis, que são resultado da interação social. Essa

era a maneira de produzir do Arts and Crafts, para criar as condições

sociais de apropriação do processo de trabalho como um todo e garantir a

qualificação dos trabalhadores, a fim de obter como consequência uma

arte capaz de transformar a sociedade.

O ápice desse processo de aproximação entre estética e questões

sociais, que envolveu artes aplicadas como arquitetura, design, ofícios e

reforma social, foi o movimento Art Nouveau. Sua disseminação na

Europa ocorreu no final da década de 1890 e teve vários nomes, sendo

este o mais comum. Para Hobsbawm: ”Combinava a indispensável

tecnologia moderna à união artesanal entre adorno e adequação à

finalidade”41. O Art Nouveau foi o primeiro estilo divulgado no mundo

todo. Foi repetido exaustivamente pela indústria e com artigos de várias

espécies. Tem características urbanas e penetra em todas as camadas

sociais burguesas. Suas características, segundo Argan, são:

40 ARGAN, Giulio Carlo. Walter Gropius e a Bauhaus. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 35.

41 HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 353.

Page 42: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

41

1) temática naturalista (flores, animais). 2) a utilização de motivos

icônicos e estilísticos, e até tipológicos da arte japonesa. 3) a

morfologia: arabescos lineares e cromáticos; preferência pelos

ritmos baseados na curva e suas variantes. 4) a recusa da

proporção e do equilíbrio simétrico, a busca por ritmos “musicais”.

5) O propósito evidente e constante de comunicar por empatia um

sentido de agilidade, elasticidade, leveza, juventude e otimismo.42

Figura 9: Escada da casa Solvay em Bruxelas, 1894.

Fonte: HORTA, Victor. Disponível em:

https://co.pinterest.com/pin/425449496026846908/. Acesso em: 22 fev. 2016.

No início, os artistas associados ao movimento estavam ligados ao

socialismo e ao trabalhismo, seguindo a mesma linha de Ruskin e Morris

no Arts and Crafts. Como exemplos, temos “Berlage, que construiu uma

sede de sindicato em Amsterdã, e Horta, idealizador da ‘Maison du Peuple’

em Bruxelas”43. O Art Nouveau conquistou o espaço público e o privado.

Está nas estações do sistema de transporte municipal de Paris e Viena,

por meio do seu mobiliário e objetos de uso cotidiano, e entrou nas casas

de boa parte da população burguesa. Ele representava o “contemporâneo”

e era sinônimo do “estilo” de uma época. Sua força reside na sintonia com

a vontade de arte, que a população começava a desejar, a partir do

avanço industrial. O avanço das classes média e média baixa europeias e

americanas fez com que houvesse uma procura por signos de status

culturais, que as diferenciassem das camadas inferiores da sociedade.

Esse “estilo” acaba por absorver essa necessidade e consegue uniformizar

a ideia do gosto contemporâneo transformado em “modelo”, o costume de

42 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 199 e 200.

43 HOBSBAWM, op. cit., p. 353.

Page 43: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

42

uma época e sua identidade cultural. Tanto é que a publicidade utiliza

seus estilemas para produzir cartazes e, assim, vincular os ideais do

movimento aos seus produtos e objetos para comercializá-los em “série”.

Os cartazes ganham força já em meados de 1860, e o pioneiro desse

processo foi Jules Chéret, pintor e litógrafo francês, que começou a utilizar

imagens com pequenos textos para chamar a atenção para os produtos.

Buscava usar as cores e imagens para criar sensações capazes de atrair o

olhar da população.

Figura 10: Cartaz para a casa de música Folies Bergère, 1893.

Fonte: CHÉRET, Jules. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works/5615.

Acesso em: 22 fev. 2016.

Outro artista importante para a Art Nouveau é Pierre Bonnard, um

dos grandes expoentes com ilustrações que produziu para a revista La

Revue Blanche e, principalmente, com o cartaz elaborado para a empresa

de vinhos France-Champagne. Ele ganha visibilidade e os cartazes passam

a fazer parte do dia a dia da população. Nessa etapa, podemos perceber

como a arte acaba por permear o cotidiano das pessoas, seja com objetos

de uso prático, como as estações municipais de transporte ou em cartazes

publicitários. A arte ganha o espaço público e o privado, transpondo,

assim, o cotidiano de uma época e construindo as possibilidades dos

objetos para comunicar e criar novos significados para a vida. Os objetos

constroem e permeiam o espaço da vida cotidiana, projetados por artistas

e utilizados pela indústria para criar necessidades.

Page 44: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

43

Figura 11: Cartaz para a France-Champagne, 1891.

Fonte: BONNARD, Pierre. Disponível em:

http://www.bnf.fr/fr/la_bnf/sites/a.site_bibliotheque-musee_opera. Acesso em: 22 fev.

2016.

O movimento Art Nouveau traz consigo a marca de sua época. Ele

foi capaz de alinhar a utopia socialista de seus fundadores com as

aspirações da indústria, e com isso produzir objetos de uso com teor de

objetos de arte. A procura por objetos que se comunicam com seus

ornamentos: a juventude, a leveza e a contemporaneidade, isso fez com

que a indústria começasse a utilizar a obsolescência da imagem dos seus

produtos para substituí-los de maneira mais rápida. O que podemos

identificar nesse processo é a primeira intensificação dos conceitos de

“modelo” e ”série” de Baudrillard, já que com o avanço da industrialização

e o uso da arte para ampliar a percepção de valor do objeto, há um

aumento da “velocidade” do modelo para a série. Como o Art Nouveau

chega a todas as camadas sociais urbanas, contém em si contradições e é

por isso que se esgota rapidamente, como toda moda deve ser. Um dos

exemplos dessas contradições é querer mudar a sociedade a partir da arte

aproximada da indústria, mas com isso acaba por se tornar parte dessa

mesma sociedade industrial que critica. O que podemos perceber é que a

alta burguesia possui o modelo, que é trabalhado por artistas artesões

com materiais de alta qualidade; já as camadas inferiores da sociedade

consomem produtos do mesmo tipo, de qualidade inferior e produzidos

em série pela indústria.

A curta duração desse processo mostra como suas contradições

acabam por esgotar a significação desses objetos para a cultura elitizada,

Page 45: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

44

pois para a alta burguesia, que possui os objetos modelos, não é

interessante ver seus signos de status disseminados em série, uma vez

que, com o avanço da tecnologia, essa é a grande possibilidade da

indústria, a de levar para as camadas inferiores da sociedade os mesmos

signos sociais da elite por meio de objetos, o que torna esses objetos

obsoletos com a passagem do tempo, pois já estão banalizados por todas

as camadas sociais através da serialização da indústria. Para Hobsbawm:

“(...) as tensões entre o elitismo e as aspirações populistas de

cultura “avançada”, isto é, entre a esperança de uma renovação

geral e o pessimismo da classe média instruída ao se confrontar

com a “sociedade de massas”, só foram temporariamente

encobertas”44.

Eram essas tensões sociais que o Art Nouveau, com a ornamentação

urbana de seus fundadores, tinha a esperança de renovar, utilizando a

arte contida no seu cotidiano; não teve o êxito que se buscou construir,

pois, ao perceber o avanço material e cultural da nova sociedade de

massas, o que ocorre é o abandono dos signos da Art Nouveau pelas

camadas sociais com maior poder aquisitivo que não querem se ver com

os mesmos objetos de camadas inferiores. Serão necessários novos signos

culturais que tragam consigo status e representem um “modelo” de vida

exclusivo. Segundo Hobsbawm:

O sonho de uma arte para o povo se confrontou com a realidade

de um público essencialmente de classes média e alta para as

artes “avançadas”, com poucas exceções, cujos temas eram

politicamente aceitáveis por parte de militantes operários.45

Essas eram as contradições sociais que a Art Nouveau, com seus

objetos e imagens ornamentais, enfrentava para constituir um discurso

que tentava dizer o novo, mas era incapaz de superar os limites das

contradições do capitalismo industrial, que rapidamente absorveu seu

capital estético e amenizou seu valor utópico. Assim, a Art Nouveau

contribuiu para a constituição do espaço dos objetos cotidianos no debate

44 HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 355.

45 Ibidem, p. 355.

Page 46: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

45

artístico; também, colaborou para o nascimento de novos grupos de

artistas e acabou por se tornar referência e contraste para esses

movimentos de vanguarda.

1.6 Realismo, Impressionismo e a Máquina Fotográfica: O debate

artístico do final do século XIX

O progresso da técnica e o avanço da indústria, ao longo do século

XIX, davam contornos diferentes à vida. A esse contexto se somam

convulsões sociais e revoluções, das quais artistas e pensadores

participaram ativamente. A primavera dos povos, em 1848, foi

denominada desse modo, pois foi o processo de derrubada de monarquias

e a implementação da república em alguns países da Europa, tudo isso em

um espaço de tempo reduzido. Em menos de vinte e cinco dias tinham se

espalhado, segundo Hobsbawm, “em uma área que hoje é ocupada

completa ou parcialmente por dez Estados”.46 Seu início se dá na França,

que no dia 24 de fevereiro proclama a república, e assim a revolução

ganha espaço em boa parte da Europa. Porém, dezoito meses depois de

seu início, “todos os regimes que derrubara, com exceção de um, foram

restaurados, com exceção da República Francesa”.47 Essas revoluções

ocorreram em diversos países (França, Hungria, Áustria, Itália e

Alemanha, estes dois últimos buscavam sua unificação), cada um com sua

especificidade local. O que tinham em comum eram as revoluções sociais

de trabalhadores pobres, o que explica em boa parte o seu fracasso. Não

por acaso é datado deste mesmo ano o manifesto comunista de Marx e

Engels, com repercussão significativa na história mundial, o que fez com

que a primavera dos povos fosse também considerada a primeira grande

revolução com alcance mundial. Diante desse cenário, artistas também se

envolveram nessa ebulição social, segundo De Micheli:

A ação para a liberdade é um dos eixos da concepção

revolucionária do século XIX. As ideias liberais, anárquicas e

46 Ibidem, p. 32.

47 Idem, p. 33.

Page 47: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

46

socialistas impulsionavam os intelectuais e artistas a combater,

não apenas com suas obras, mas também com armas nas mãos48.

A realidade se impõe de maneira definitiva ao debate artístico. Essa

efervescência social, política e cultural foram campo fértil para que o

Realismo ganhasse força, já que a realidade se coloca como o problema

central de uma época revolucionária. Courbet diz que “o belo, como a

verdade, está ligado ao tempo em que se vive e ao indivíduo que é capaz

de percebê-lo”.49 O próprio artista afirma que sem a revolução de 1848

possivelmente não existiria sua pintura. A tarefa, assim, do Realismo é

colocar a arte a serviço do homem. Assim, nesse contexto, surgem

artistas como o próprio Courbet, Daumier e Millet, que “pintavam

camponeses e burgueses no tamanho natural dando a eles o vigor e o

caráter que até então haviam sido reservados aos deuses e heróis”50. O

que tínhamos era uma arte que procurava sintonia com os problemas de

sua época e que se colocava como elemento de representação da

realidade, na qual o homem era a unidade central.

Figura 12: “Os quebradores de pedra”, 1849.

Fonte: COURBET, Gustave. Disponível em:

https://www.historiadasartes.com/tag/gustave-courbet/. Acesso em: 26 fev. 2016.

Nesse quadro, percebemos que a crítica social se faz presente, pois,

ao se colocar um jovem junto a um senhor mais velho, mostra-se o ciclo

48 DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 6.

49 COUBERT, Gustave. In: DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes,

2004, p. 10.

50 DE MICHELI, op. cit., p. 12.

Page 48: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

47

do início ao fim, isto é, as condições de vida dos trabalhadores, que

começam o trabalho na infância e terminam na velhice.

Já com Daumier, podemos observar a pintura de um novo espaço

urbano e suas consequências para a vida cotidiana nesses grandes

centros. Homens, crianças, velhos e mulheres são transportados da casa

para o trabalho e o cansaço inerente à vida na cidade.

Figura 13: "Dentro de um ônibus ", 1839.

Fonte: DAUMIER, Honoré. Disponível em :

http://www.britishmuseum.org/research/collection_online. Acesso em: 26 fev.2016.

Para nossa dissertação, esse período histórico é importante, já que

demonstra como os artistas lidavam com o passado, segundo Argan:

Courbet não nega a importância da história, dos grandes mestres

do passado, mas afirma que deles não se herda uma concepção de

mundo, um sistema de valores ou um ideal de arte, e sim apenas

a experiência de enfrentar a realidade e seus problemas com os

meios exclusivos da pintura.51

A comuna de Paris em 1871, resistência por parte do povo

parisiense à guerra franco-prussiana, foi uma das últimas vezes em que

uma ampla camada de artistas, escritores e poetas participaram juntos de

uma ação política efetiva. Courbet, por exemplo, “lançou em 5 de abril de

1871 uma convocação para artistas que acabou por encher o anfiteatro da

faculdade de medicina. Somente com artistas se lançou uma companhia

completa de combatentes”52. Podemos citar, além de Courbet, outros

artistas que participaram da Comuna, como: Corot, Daumier, Manet, Paul

Verlaine e Rimbaud. Todas as contradições e discordâncias sociais e

51 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 75.

52 DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 15.

Page 49: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

48

políticas levantadas, desde a primavera das nações até a comuna de

Paris, resultaram na ruptura entre os diversos campos da burguesia

intelectual e setores populares organizados. E foi justamente dos

fragmentos dessa ruptura que surgiram as vanguardas artísticas, cada

uma com um objetivo diferente.

Uma dessas primeiras vanguardas nasceu em 1874 e foi

apresentada ao público em um estúdio de fotografia, em uma exposição

de artistas “independentes”. É significativo o fato de essa exposição

ocorrer em um estúdio fotográfico, pois a relação que se estabelece entre

esses artistas independentes, denominados de impressionistas, e a

fotografia, é entrelaçada desde seu nascimento. A busca desses artistas

era por uma arte nova capaz de tornar a realidade mais real e objetiva,

que abandonava os códigos convencionais da pintura. Com os avanços

que a máquina fotográfica possibilitava para a representação da realidade,

esses artistas construíram métodos inovadores para representar,

principalmente, motivos populares, danças, visões da cidade, ruas e a

sociedade. Para Hobsbawm, o Impressionismo era “a tentativa de fazer

um realismo mais científico”53. Havia uma incompreensão com a nova

linguagem utilizada pelos artistas impressionistas. Esse incômodo ocorria

pelo uso das cores, da forma e como se representava a partir da luz de

cada pincelada. O próprio nome, Impressionismo, foi adotado a partir de

uma crítica de Louis Leroy ao quadro de Monet: o título da crítica era

Impression, soleil levant. Havia no uso do termo impressão de certo

deboche, mas os artistas assumiram o nome de impressionistas, como a

marca dessa nova forma de representação. Segundo Argan: “as figuras

emergentes do movimento são: Monet, Renoir, Degas, Cézanne, Pissarro,

Sisley”54. Buscavam mudar a realidade, não ao retratá-la da maneira mais

fiel possível, mas ao procurar novas formas de representá-la. A partir do

debate estético, começa-se a pensar em mudanças para a realidade, não

mais a partir da interferência direta ou da sua representação mais

53 HOBSBAWM, Eric. A Era do Capital. São Paulo: Paz e Terra. 2014, p. 442.

54 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 75.

Page 50: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

49

genuína, como pretenderam os realistas e a unidade que conquistaram

entre os artistas.

A partir desse momento, o campo das artes plásticas buscava

interferir na realidade por meio de novas formas de representá-la; para os

impressionistas, esse era o papel do artista. Podemos perceber que ocorre

uma mudança na maneira de pensar as soluções para a arte interferir na

realidade. Ruskin e Morris nas artes aplicadas buscavam no processo

artístico elementos que levassem a arte para o cotidiano das pessoas e

acreditavam que desse modo mudariam o contexto social. Para os

impressionistas, era necessário mudar a forma como se representa a

realidade para mudá-la. Esses dois caminhos irão se desenvolver ao longo

do século XX e demonstram como o debate estético caminhará por

diversos caminhos.

Figura 14: "Impressão, nascer do Sol", 1872.

Fonte: MONET, Claude. Disponível em: http://www.inter-coproprietes.com/. Acesso em:

26 fev.2016.

O que aproximava os artistas era a procura por desenvolver técnicas

capazes de afastar a pintura da arte acadêmica, libertando, assim, a

percepção do convencionalismo e tendo como resultado a totalidade da

ação cognitiva. Não existe mais, entre os impressionistas, a unidade

ideológica encontrada entre os artistas, que teve seu ápice na comuna de

Paris. Mesmo sabendo que alguns artistas não estavam de acordo com as

bandeiras da comuna, podemos perceber, segundo De Micheli, que: “A

Comuna foi um extremo e glorioso episódio daquela unidade. Depois

desse episódio, podia-se considerar encerrado o período em que

Page 51: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

50

pensadores, literatos e artistas estivessem diretamente empenhados”55.

Havia entre os impressionistas uma variedade ideológica que ia do

conservadorismo de Degas à aderência à esquerda de Pissarro e à

indiferença dos demais. Mesmo na técnica, há diferenças nos

procedimentos artísticos. Monet, Pissarro, Renoir e Sisley ocupavam-se

quase que exclusivamente em pensar como constituir na tela uma

sensação visual que afastasse a “poeticidade” do tema e a emoção

romântica. Já para Degas e Cézanne, as pesquisas históricas eram tão

importantes quanto a pesquisa sobre a natureza. Os artistas buscavam

seus caminhos, e isso se dá, em muito, pelo avanço da máquina

fotográfica.

Para as artes plásticas, o advento do objeto máquina fotográfica é

de suma importância, para entendermos como a partir dos

impressionistas há uma mudança no debate artístico. O papel do artista

não é mais reproduzir a realidade como ela é, mas a de buscar

mecanismos de representação da realidade de novas formas. Ocorre,

assim, uma mudança na pretensão e na destinação do fazer artístico.

Segundo Ruhrberg, há uma mudança nas artes plásticas com as

possibilidades da máquina fotográfica: “O Impressionismo marcou o início

da arte subjetiva. Não era o ‘quê’ do tema, mas sim o ‘como’ da sua

representação que decidia o valor de uma pintura”56. Desde sua invenção

em 1839, a máquina fotográfica ganha espaço, principalmente de pintores

de ofício, ilustradores e retratistas. A obra de arte passa a interessar a

uma camada social mais limitada, principalmente formada por uma elite

intelectual e financeira. A fotografia permitiu um aumento considerável de

imagens de uso social. Desse modo, criou-se a possibilidade de reproduzir

fotografias de eventos sociais, acontecimentos e fatos históricos de uma

maneira mais rápida, o que ao longo do século XX se torna cada vez mais

popular e parte do cotidiano. Para os artistas – e os impressionistas são os

55 DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 15.

56 RUHRBERG, Karl. Arte do século XX. Lisboa: Taschen, 2012, p. 10.

Page 52: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

51

primeiros a perceber –, o que a máquina fotográfica possibilitou foi a

abertura de um novo campo de trabalho para as artes plásticas, pois

agora ela não é mais responsável por representar a realidade e, assim,

passa a buscar novas formas que possibilitem pensar a própria realidade

de outras maneiras, rompendo com técnicas e convenções estéticas.

Ao longo do século XIX, ampliaram-se as possibilidades da indústria,

da ciência e das artes, o que permite ao homem pensar e construir novas

formas de vida. No campo das artes plásticas, o que podemos constatar é

que se constituem correntes artísticas que servem de exemplo para as

vanguardas, na busca por embaralhar arte e vida. Os realistas, na figura

de Courbet, principalmente, buscavam o contato direto com a realidade

social. O que vimos depois foi a busca, também, por interferir na vida

social, mas não mais pela ação direta, e sim pela tentativa de mudar a

realidade, a partir de uma arte capaz de mudar o cotidiano e por novas

formas de pensar a realidade. Esses caminhos são gestados no século

XIX. Primeiro, com os avanços da indústria e suas possibilidades para o

campo das artes plásticas em levar objetos belos e úteis para um número

maior de pessoas. O movimento Arts and Crafts foi pioneiro nessa

tentativa e buscou reformar o processo da divisão do trabalho e, com isso,

mudar a realidade a partir de objetos cotidianos. Já nas artes plásticas, os

impressionistas buscam, ao romper com as convenções artísticas, novas

formas de pensar a realidade. Esses caminhos nos trazem elementos

novos, para compreendermos como objetos industriais e objetos artísticos

buscaram interferir e mudar o debate artístico para aproximar arte e vida.

O quadro de Monet “La Gare Saint-Lazare” nos fornece um espaço

privilegiado para percebermos esse novo debate, pois permite observar os

avanços do homem e sua capacidade de criar objetos grandiosos, como o

trem e a própria estação de ferro e vidro, e nos possibilita perceber como

podemos representar a realidade a partir de novas técnicas que

abandonam as convenções do passado. O quadro nos permite entender

como o debate artístico era permeado pelos avanços da indústria e sua

interferência na vida cotidiana, já no final do século XIX, e todas as

Page 53: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

52

contradições que foram levantadas e suscitadas pelo progresso e suas

possibilidades para o homem. Esse foi também o objetivo deste primeiro

capítulo.

Figura 15 : “A estação de trem Saint-Lazare”, 1877.

Fonte: MONET, Claude. Disponível em :http://www.musee-orsay.fr/. Acesso em: 26

fev.2016.

Ao mostrar que, com o avanço da indústria, os objetos moldaram o

ambiente moderno ocupado pelo homem e construíram um novo espaço

em que tudo significa, pudemos observar uma mudança no campo das

artes aplicadas e das artes plásticas que começaram a pensar os objetos

industrializados como espaço privilegiado para aproximar arte e vida, seja

para criticá-lo ou utilizá-lo, já que trazem consigo fatores históricos,

contradições sociais e significados culturais diversos capazes de atrair e

mobilizar a arte para dentro da vida cotidiana. Nosso intuito é pensar em

como os objetos foram utilizados de diferentes formas pelas vanguardas

artísticas para levar arte para a práxis da vida e possibilitar ao homem

novas formas de estar no mundo.

Page 54: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

53

Capítulo II - Vanguardas artísticas e os objetos cotidianos: dos

primeiros movimentos de vanguarda ao debate entre Ready-

made e Bauhaus

2.1 – O objeto de uso e as vanguardas do início do século XX

A partir da fragmentação dos artistas, surgem no início do século XX

grupos de artistas que buscavam pôr do avesso as formas como se

pensava a arte e, consequentemente, a vida. O que podemos perceber de

unidade, entre esses primeiros grupos de vanguardistas, é a pretensão de

não dissociar arte e vida. Não pretendemos fazer aqui uma reconstrução

da história da arte e das vanguardas do século XX, mas de relacionar

como alguns grupos artísticos influenciaram o debate, em torno do objeto

de uso, e assim contribuíram para o surgimento da escola Bauhaus e dos

dadaístas. Os movimentos artísticos que possuem uma afinidade

estrutural com os objetos são: os cubistas, futuristas e os construtivistas,

juntamente, com o De Stijl, para, assim, percebermos como o objeto de

uso contribuiu para a construção do ambiente cultural que cerca e cria as

condições de vida material do homem e suas implicações para as formas

de vida no século XX. O objeto como a representação privilegiada de como

o homem molda o seu espaço físico e é moldado por ele. Essa relação

entre homem e objeto terá nesse momento histórico (início do século XX)

espaço fecundo de debate, diante das possibilidades da indústria e de

divergências conceituais e ideológicas por parte dos artistas, até

chegarmos à Bauhaus e ao Ready-made, onde desenvolveremos a

problemática da nossa dissertação em torno dos objetos úteis e inúteis e

suas derivações ao longo do século XX.

2.1.1 Cubistas: O quadro-objeto

Vamos começar pelo grupo de artistas que busca se distanciar do

Impressionismo e criava a partir da geometria, para dar volume e

estrutura e, assim, representar a corporeidade dos objetos. Resolver o

Page 55: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

54

problema de pintar os objetos tridimensionais utilizando a tela

bidimensional, sem recorrer a ilusões de perspectiva, esse é um dos

objetivos dos cubistas. Uma obra de Picasso demonstra como eles

demarcaram suas diferenças em relação, principalmente, aos

impressionistas, e buscavam nos seus trabalhos fazer com que os quadros

se tornassem objetos de ruína das normas tradicionais, segundo De

Micheli: “A perspectiva é quebrada, fragmentada em volumes escondidos,

marcados, incidindo um no outro com um ritmo espacial do qual

desaparecem até os últimos resíduos do espaço clássico”57. A obra “Les

Demoiselles d’Avignon” de Picasso, iniciada em 1906 e concluída em

1907, é um dos exemplos privilegiados desse processo de criação e que

vai influenciar outros artistas, como Georges Braque.

Figura 16: “Les Demoiselles d’ Avignon”, 1907.

Fonte: PICASSO, Pablo. Disponível em:https://www.moma.org/collection/works/79766.

Acesso em: 15 mar. 2017.

Braque começa a pintar nessa mesma linha e algumas de suas obras

são expostas no Salão de Outono de 1908.

Figura 17: “Casas em l'Estaque”, 1908.

Fonte: BRAQUE, Georges. Disponível em: www.unesco.org/artcollection/Oeuvre. Acesso

em 15 mar.2017.

57DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 183.

Page 56: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

55

Há, nesse ponto, um debate na história da arte em torno de qual

dos dois trabalhos acima é o marco inicial do Cubismo. Alguns afirmam

que o trabalho de Picasso é o momento inaugural, mas uma outra

corrente, dos historiadores da arte, acredita que a obra que inicia o

Cubismo é “Casas em l’Estaque” de Braque, pois na tela de Picasso não há

sobreposição de planos que é, segundo essa corrente, o que de fato

marca o Cubismo. É nessa exposição de 1908 que o crítico de arte Louis

Vauxcelles escreve um artigo sobre o artista em que diz: “Braque maltrata

as formas, reduz tudo, lugares, figuras, casas, a esquemas geométricos, a

cubos”58. A partir de então, os artistas que seguiram essa linhagem

receberam o nome de cubistas. O que perceberemos nesse grupo de

artistas é que muitas vezes eles representaram objetos de uso e

arquitetônicos em suas telas. Como se desejassem uma relação direta

entre o quadro e os objetos. Relacionar o instante do objeto com a

consistência objetiva do quadro. Esse é o ponto central da nossa análise

do Cubismo, perceber como o quadro passa a ter, para uma parte dos

artistas, uma função objetiva, a qual não se distingue de um objeto

material. Nesse ponto, temos uma observação de De Micheli:

Foram os cubistas que primeiro inventaram a noção de “quadro-

objeto” (...) Portanto, se o quadro precisava ter qualidade do

absoluto, a concretude de um verdadeiro objeto; se, além de todo

conteúdo literário, o quadro tinha de viver como objeto

plasticamente definido, de irrepreensível realidade, não devia

sequer distinguir-se do objeto material que se inseria na sua

formação59.

Por isso a importância de pintar objetos para os cubistas, que

colocam o quadro e o objeto dentro de uma mesma perspectiva. Esse

passo é fundamental para percebermos o objeto e sua contribuição para a

percepção de realidade.

Na obra de Braque “A mesa do músico”, o papel das letras que

vemos no quadro a seguir é uma das estratégias de demonstrar como os

58 VAUXCELLES, Louis. In: DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins

Fontes, 2004, p. 183.

59DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 189.

Page 57: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

56

objetos, assim como as letras, possuem forma e comunicam, dependendo

de como são apresentados. A decomposição dos objetos é outro passo

dado que possibilita ver o objeto por vários ângulos e busca romper com

as obras de arte que privilegiam a retina. As cores, também, têm papel-

chave nesse passo adiante, ao decomporem os objetos e privilegiarem a

estrutura retratada. A cor utilizada é no geral monocromática, pois o que

deve aparecer é a estrutura, a forma dos objetos e o espaço. Segundo

Braque, o que o fez se aproximar dos cubistas foi: “O que me atraiu em

especial foi a materialização desse novo espaço”60.

Figura 18: “A Mesa do Músico”, 1913.

Fonte: BRAQUE, Georges. Disponível em: http://pt.wahooart.com/8LJ28T-Georges-

Braque. Acesso em: 15 mar.2017.

Segundo Micheli: “A partir daí chegou-se também ao quadro feito

somente de objetos”61. O quadro-objeto era a finalidade, a busca por um

quadro que fosse um fato concreto, sem necessariamente ser uma

interpretação ou representação de uma outra coisa. Seria por si só

independente, capaz de comunicar sua estrutura e sua forma sem buscar

sua legitimidade a partir da analogia com outro objeto.

2.1.2 Os Futuristas: A dinâmica das máquinas

A fragmentação das vanguardas fez com que os artistas buscassem

diferentes caminhos, que aproximassem a arte da vida. Um desses

caminhos foi o de perceber que, com o avanço das técnicas de produção,

a arte para se relacionar com esse novo homem teria de representar a 60BRAQUE, Georges. In: RUHRBERG, Karl. Arte do século XX. Lisboa: Taschen, 2012, p. 10.

61DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 201.

Page 58: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

57

atual dinâmica social. Uma das palavras centrais para entendermos como

os futuristas buscavam interferir nesse momento histórico é, justamente,

dinâmica. Para além das questões políticas envolvendo a relação direta

entre um dos expoentes do movimento, Filippo Marinetti e o fascismo

italiano. Nosso intuito é insistir como as questões ligadas à produção

industrial passavam a fazer parte do debate artístico.

No Futurismo, essa vinculação, entre produção industrial e arte, é

um exemplo repleto de engajamento e radicalidade. A começar pela

declaração de intenções do movimento, escrita por Marinetti em 1909,

que exaltava “o movimento agressivo, a insônia febril, o passo atlético, o

salto perigoso, o soco e a bofetada”62. Esse trecho do manifesto

demonstra como os futuristas encaravam o engajamento artístico. É por

meio da força e da virulência em relação à vida. É desse ponto que nasce

a relação direta com o progresso, sobretudo, com a indústria, já que a

dinâmica que a revolução técnica trouxe para a indústria possibilita que

ela aumente sua capacidade produtiva de maneira acelerada para os

padrões da época e demonstra uma capacidade de adaptabilidade muito

rápida para com os avanços tecnológicos.

No mesmo manifesto de 1909, o carro é exaltado, seu motor é um

novo parâmetro para a arte dos futuristas. Nesse contexto histórico, é

importante salientar que o automóvel ganha espaço maior na vida das

cidades, já que em 1907 Henry Ford começou a fabricar seu modelo de

carro denominado de “T”, que “revolucionou a indústria automobilística”63

segundo Hobsbawn, pois foi capaz de aumentar consideravelmente a

produção de seus automóveis e levá-los a mais consumidores,

popularizando o produto carro. A familiaridade com a tecnologia começa a

fazer parte do cotidiano das pessoas. Foi nesse mesmo período que o

cinema, telefone, avião, carro e bicicleta entram em cena no imaginário

das massas. Outro exemplo de como a ciência entra definitivamente na

62 MARINETTI, Filippo. In: LICHTENSTEIN, Jaqueline. A pintura: Vanguardas e rupturas. São Paulo:

Editora 34, 2014, vol. 14, p. 19.

63 HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 87.

Page 59: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

58

casa das pessoas é o aspirador de pó que, em 1908, é patenteado e

começa a fazer parte do cotidiano de mais famílias. O seu uso doméstico

nos possibilita identificar como o processo de familiaridade dos objetos se

deu de maneira vertiginosa no início do século XX e como permeia o

debate social e artístico.

Figura 19: Ford T, 1907.

Fonte: FORD, Henry. Disponível em :http://www.miniford.com/sobre-henry-ford/ford-

modelo-t. Acesso em: 16 mar.2017.

E é justamente dessa presença da indústria na vida cotidiana das

pessoas que os futuristas buscam encontrar uma expressão artística capaz

de comunicar, de maneira direta, os avanços técnicos da era industrial e a

nova dinâmica da vida. No entanto, o movimento absorveu, também,

todas as contradições do momento histórico europeu, do crescente

nacionalismo dos anos anteriores à Primeira Guerra. O erro profundo,

segundo Micheli, foi ”não considerar o destino do homem na engrenagem

dessa mecânica”64. Os futuristas estavam alinhados com o que ocorria na

indústria e contribuíram para que os objetos de uso ganhassem espaço na

vida cotidiana, mas abandonaram qualquer forma de crítica ao processo

industrialização e da consequente normatização da vida, a partir dessa

nova relação com os objetos de uso industrializados. Outra característica

do grupo é como eles estabeleceram uma relação do objeto com o

ambiente. A figura central dessa vertente é Umberto Boccioni. Segundo

Micheli, para o artista italiano: ”O conceito de dinamismo é o mais

importante de todos, é o eixo em torno do qual gira toda sua poética

64DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 212.

Page 60: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

59

futurista”.65 É exatamente nesse ponto que o Futurismo se torna, para

nossa dissertação, peça-chave para entendermos como o meio físico,

formado pelo conjunto cultural daquilo que nos rodeia e com os quais

estabelecemos relações de uso ou de significação, é capaz de estabelecer

novas formas de vida e ganha um novo estatuto durante as vanguardas, e

vai alicerçar o debate, de maneira mais direta, entre Bauhaus e Dadá.

Esse alicerce se dá em razão da centralidade que Boccioni, principalmente,

dedica à relação do objeto com o ambiente. Segundo o artista:

O dinamismo é a ação simultânea do movimento característico

particular do objeto (movimento absoluto) com as transformações

que o objeto sofre em seus deslocamentos com relação ao

ambiente móvel ou imóvel (movimento relativo), é a concepção

lírica das formas interpretadas na infinita manifestação da sua

relatividade entre movimento absoluto e movimento relativo, entre

ambiente e objeto, até formar o aparecimento de um todo:

ambiente + objeto.66

O dinamismo dessa relação entre objeto e ambiente é o movimento

de acontecimentos da vida. O artista coloca a dinâmica da indústria no

centro do debate artístico, porque acredita que é dessa aproximação entre

arte e indústria que se cria a produção material dos objetos e se

estabelece a relação deles com o ambiente no qual estão inseridos.

Figura 20: “Matéria”, 1912.

Fonte: BOCCIONI, Umberto. Disponível em:

http://www.artdreamguide.com/italia/venezia/m_gugge/mattioli. Acesso em: 16 mar.

2017.

65 Ibidem, p. 221.

66 BOCCIONI, Umberto. In: DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins

Fontes, 2004, p. 221.

Page 61: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

60

Assim, podemos interpretar a infinita mobilidade da ação. Dessa

maneira, a obra de arte é resultado de como o artista transmite para o

quadro a dinâmica da forma a partir dos movimentos da matéria. Para

Boccioni: “todos os objetos tendem em todas as suas direções para o seu

infinito (...), cuja continuidade no espaço é medida pela intuição do

artista”.67 O objetivo do artista é aprender com o objeto a viver no

universal.

Em relação ao Cubismo, que buscava o quadro-objeto, o que

podemos perceber de mudança de método é que para os futuristas a

questão é aproximar o quadro da dinâmica das máquinas, não apenas a

partir da reprodução do movimento por meio da repetição de pés e

braços, mas a partir da continuidade do espaço e do infinito. A obra de

Boccioni é um exemplo privilegiado desse método, que busca na nova vida

moderna, repleta de novos objetos industriais que se sucedem em todos

os momentos do cotidiano, mirar o olhar do artista para a sucessão

infinita de possibilidades. O Cubismo, ao utilizar a construtividade do

objeto para elaborar suas obras, dá um passo decisivo para colocar o

processo de criação em evidência e, assim, privilegiar o quadro como fato

concreto, expondo de maneira direta e independente de comparações com

objetos exteriores; o quadro é ele próprio o objeto. A crítica futurista, a

esse processo, é que ao buscar a síntese do objeto, os cubistas caíram no

imobilismo, ou seja, na visão tradicional da obra de arte. Vladimir Tatlin

buscou em 1913, do legado desses dois grupos de artistas, a base para o

seu trabalho; do Futurismo ele retirou: “configurações como as que

Boccioni havia descrito – relevos suspensos de madeira e ferro – e,

naquela ocasião, cunhou o termo construtivismo”68, e do Cubismo: “Tanto

o trabalho quanto o termo foram inspirados pelos desdobramentos

tridimensionais das colagens que Tatlin havia visto no estúdio de

67 Ibidem, p. 221.

68 RICKEY, George. Construtivismo. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 40.

Page 62: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

61

Picasso”69. É desse arcabouço teórico e artístico do Cubismo e do

Futurismo que se origina o Construtivismo.

2.1.3 Construtivismo, Suprematismo e o De Stijl

Os grupos de vanguarda se espalham pela Europa, e em cada parte

podemos perceber a fragmentação das ideias em torno da busca da

aproximação entre arte e vida. O Cubismo teve o seu epicentro na França,

o Futurismo na Itália, o Construtivismo teve a Rússia como local de

partida e o De Stijl, a Holanda como nascedouro. O contexto europeu do

início do século XX era, segundo Hobsbawm: “antes de 1914, a paz era o

quadro normal e esperado das vidas europeias. Desde 1815, não houve

nenhuma guerra envolvendo as potências europeias”70. Mas as

preocupações com uma possível guerra começam a suscitar encontros

para se discutir a manutenção da paz. Na década de 1890, ocorreu o

Congresso Mundial para a Paz. É, justamente, nesse cenário pré-Primeira

Guerra que os artistas, fragmentados em ideias diversas, buscavam

avançar as possibilidades da arte e da vida em sociedade, e o

Construtivismo é mais uma dessas alternativas. Nesse ponto, podemos

insistir, mais uma vez, na mudança do debate estético entre os artistas do

século XIX e as vanguardas do século XX. Se para os realistas, na figura,

principalmente, de Courbet, havia a busca por unidade dos artistas, o que

ocorre é a mudança de ambiente desde o final do século XIX. Cada

movimento artístico tem a pretensão de formular ideias que serão capazes

de levar o homem ao novo estágio artístico, e consequentemente, social.

Se, desde o Art and Crafts, Art Nouveau, Impressionismo, Cubismo,

Futurismo, compreendemos essa busca por mudança, cada um ao seu

modo, o Construtivismo é uma das peças para entendermos a

problematização em torno do objeto de uso.

69 Ibidem, p. 40.

70 HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 460.

Page 63: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

62

O papel do Construtivismo, nesse encadeamento de ideias, é o de,

também, suscitar o debate sobre a arte e indústria. Uma das direções do

Construtivismo é a de conduzir a arte para as massas. Para que isso

ocorresse, o crítico de arte Rickey argumenta que os artistas: “deveriam

ser compreensíveis a todos e usar técnicas e materiais industriais. Tal

posição era incitada por Tatlin, Rodchenko e, posteriormente, por El

Lissitzki”71. Uma das críticas feitas, principalmente, a Tatlin é a de que

suas teorias em torno da utilidade das obras de arte ficaram apenas no

discurso, posto que nenhum de seus projetos foi de fato realizado.

Figura 21: Monumento à Terceira Internacional, 1919.

Fonte: TATLIN, Vladimir. Disponível em:http://www.hacer.com.br/torre-de-tatlin. Acesso

em: 16 mar.2017.

O exemplo mais notório é o monumento à terceira internacional,

que nunca saiu do papel. Tatlin almejava uma arte que estivesse ao

alcance das massas e percebia na indústria essa capacidade de aproximar

a arte da vida. Já a corrente ligada a Malevitch “via na arte não figurativa

uma poesia pura liberada de ideologias”72. Essa corrente ficou conhecida

como suprematismo, pois trabalhava pela supremacia da cor e da forma,

em busca da sensação pura. Para que isso ocorresse, Argan afirma que:

“Malevitch nega tanto a utilidade social quanto a pura esteticidade da

arte; aliás, se a esteticidade educa ou agrada, ela entra nas categorias do

necessário e do útil”73.

71 RICKEY, George. Construtivismo. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 45.

72 Idem, p. 45.

73 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 324.

Page 64: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

63

Essa é uma das diferenças entre as vanguardas russas, dado que,

para Tatlin, a tarefa da obra de arte é interferir diretamente na vida das

pessoas por meio dos objetos industriais. Os artistas deveriam trabalhar

para a revolução. Seguindo essa lógica, a tarefa de criar deveria estar em

sintonia com a vida cotidiana das massas e, assim, utilizar a indústria

para fabricar objetos que possam ser úteis para o povo. Ao longo da

Revolução Russa, de 1917, Malevitch e Tatlin são as figuras mais

representativas da arte revolucionária, sendo o Construtivismo e o

Suprematismo as ideias dominantes no debate artístico.

Figura 22: Quadro preto sobre fundo branco, 1913.

Fonte: MALEVITCH, Kasemir. Disponível em: http://www.arte.abstrata.nom.br/analise.

Acesso em: 15 fev. 2017.

Ao longo da revolução, Tatlin e Rodchenko ganham centralidade e

trabalham para propagar as ideias da revolução do proletariado, já que,

como vimos, para os construtivistas a tarefa da arte é interferir

diretamente na vida das pessoas, e isso só é possível a partir de ações

governamentais, pois se consegue agir na arquitetura da cidade, no

desenho industrial e propagar a indústria, diferentemente, dos interesses

capitalistas. Dessa forma, se buscava expandir as possibilidades dos

artistas. Assim, segundo Argan: “a arte industrial será a nova verdadeira

arte popular: não mais será a tímida expressão de uma classe

culturalmente inferior”74. Com a morte de Lenin e a ascensão da

burocracia stalinista, volta à cena a velha academia, os artistas perdem

autonomia de pesquisa e criação. A arte tem apenas o papel de propagar

as ideias políticas e perde seu papel disruptivo. Para Malevitch, Kandinsky,

74 Ibidem, p. 330.

Page 65: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

64

Chagall, Pevsner e Gabo, “a função do artista deve ser essencialmente

espiritual, educativa: seus instrumentos são a escola e o museu”75. Com

exceção de Malevitch, todos os outros artistas, que tinham essa

concepção de obra de arte, deixam a Rússia rumo à Europa Ocidental

após a vitória do exército vermelho. Malevitch, por discordar dos

construtivistas em relação ao papel utilitarista da obra de arte, dedicou-

se, por um tempo, a fazer objetos arquitetônicos nada úteis que

denominou de “planits” ou a quintessência da arquitetura cega.

Figura 23: “Gota”, 1923.

Fonte: MALEVITCH, Kasimir. Disponível em: https://thecharnelhouse.org/architecture-

kazimir-malevich. Acesso em: 16 mar.2017.

Para Malevitch, o processo revolucionário não era apenas modificar

o modo obsoleto de pensar o mundo, era o de buscar, também, um

mundo sem objetos, pois desse modo levaríamos os objetos e,

consequentemente, os sujeitos ao seu “grau zero”, nas palavras do

artista. Nesse ponto, podemos perceber os motivos da ruptura com o

movimento revolucionário e os construtivistas, uma vez que a revolução

derrubara uma ordem para impor outra e que produz objetos, mesmo que

estes sejam, agora, feitos para o povo. Segundo Argan: “Para Malevitch,

no período suprematista, o quadro não é objeto, e sim um instrumento

mental, uma estrutura, um signo, que define a existência como equação

absoluta entre mundo interior e exterior”76. Esse passo para Malevitch era

fundamental para a formulação do que seria esse sujeito no seu “grau

zero. Isso ocorreria, porque a ordem de uma nova sociedade sem objetos

75 Ibidem, p. 329. 76 Idem, p. 324.

Page 66: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

65

teria “uma cidade onde objetos e sujeitos se exprimem numa única

forma”77. O programa de Malevitch não tinha continuidade na Rússia pelos

motivos já citados, mas terá forte influência no debate em torno do objeto

de uso e do seu uso artístico.

O De Stijl é um dos responsáveis pela aproximação das ideias das

vanguardas russas construtivistas e suprematistas e sua recepção na

Europa Ocidental. Surge, em 1917, do encontro entre os holandeses

Pierre Mondrian e Theo Doesburg, que juntos fundam o movimento e uma

revista que leva o mesmo nome. A revista reuniu artistas europeus que

tinham nas suas obras características abstratas. Mondrian é um exemplo

de como a arte abstrata ganha espaço entre os artistas, uma vez que ele

passou por várias fases em sua trajetória; de início, tinha a figuração

naturalista como método de trabalho, passou pelo período fovista, cubista,

até chegar ao período abstrato que denominou como neoplasticismo.

Figura 24: “Árvore Vermelha”, 1908-1910.

Fonte: MONDRIAN, Pierre. Disponível em: http://www.piet-mondrian.org/the-red-tree.

Acesso em: 23 mar.2017.

Para De Micheli, Mondrian: “retira progressivamente do objeto todas

suas notas caracterizantes, as suas particularidades, até reduzi-lo a um

esqueleto, à estilização, à linha: ou seja, até fazê-lo desaparecer”78.

Observamos essa mudança a partir de duas obras do artista, em períodos

diferentes. A primeira é um trabalho de 1908, em que o artista utiliza da

figuração (Fig. 24). Já em 1912 (Fig. 25), percebemos a influência do

77 Ibidem, p. 325.

78 DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 248.

Page 67: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

66

cubismo no seu trabalho e a continuação da representação da árvore, mas

nessa fase de maneira diferente.

Figura 25: “Macieira em Flor”, 1912.

Fonte: MONDRIAN: Pierre. Disponível em: http://www.piet-mondrian.org/the-flowering-

apple-tree. Acesso em: 27 mar. 2017.

A busca pelo desaparecimento do objeto já se faz presente nesse

trabalho, pois Mondrian acreditava que levaria a arte a um novo patamar,

ao qual o cubismo não conseguiu levar. Esse novo patamar seria uma

racionalização da arte, que teria a precisão da matemática e a dignidade

das ciências. Assim, ele divide a superfície da tela em coordenadas

horizontais e verticais, tudo com uma proporção métrica.

Figura 26: “Composição”, 1916.

Fonte: MONDRIAN, Pierre. Disponível em:http://www.piet-mondrian.org/composition.jsp.

Acesso em: 29 mar. 2017.

O debate que se impõe entre os artistas é como levar a arte para

dentro da vida. Mondrian, assim como Malevitch, busca eliminar o mundo

objetivo do seu trabalho, para que dessa maneira a fruição estética esteja

contida na vida interior do espectador da obra de arte, pois não há a

representação do mundo objetivo para sensibilizar a fruição do

Page 68: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

67

espectador; a fruição ocorrerá a partir da vida de cada sujeito. O

resultado desse processo é a eliminação da obra de arte, já que a relação

sujeito/obra ocorre a partir da atividade interior de cada indivíduo.

Para Mondrian, é essa atividade interior que ele chama de vida, que

é capaz de englobar a arte. A Bauhaus seguirá esse mesmo caminho: o de

fazer da arte uma atividade social. Outro personagem importante para o

De Stijl foi Doesburg, que, segundo Rickey, era:

(...) um orador persuasivo, que cogitara ser ator, era também um

grande viajante. Pregava suas ideias vigorosamente em Berlim,

Paris e Weimar, onde conheceu e provavelmente impressionou Le

Corbusier, Mies Van der Hohe, Moholy-Nagy e Walter Gropius, o

diretor da Bauhaus.79

Em 1925, Mondrian se separa de Doesburg, após ele inserir no seu

trabalho a linha diagonal. Segundo De Micheli: “Muito além de uma

simples disputa formal. Mondrian via a introdução da linha diagonal como

uma verdadeira volta das paixões, do individualismo, raiz de todos os

males modernos”80. A partir desse fato, Mondrian rompe com o De Stijl. A

consequência direta disso é a aproximação com a Bauhaus, que prossegue

com as ideias abstratas de Mondrian e as leva para o design e a

arquitetura. A principal contribuição da De Stijl é o fato de depositar no

artista a responsabilidade cultural de interferir na vida social, tendo em

vista construir um projeto capaz de se relacionar com a vida cotidiana das

pessoas e, assim, resolver as contradições que a vida em sociedade no

pós-Primeira Guerra reservava para todos. A tarefa do artista era lidar

racionalmente com os desafios impostos e buscar, por meio da atividade

interior, os caminhos para novas formas de vida, em que a dissociação

entre vida e arte não fizesse mais sentido. A cadeira vermelha e azul de

Rietveld é um exemplo privilegiado de como o De Stijl e Mondrian,

principalmente, contribuíram para a centralidade da funcionalidade no

design e na arquitetura a partir da racionalização do projeto.

79 RICKEY, George. Construtivismo. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 57.

80DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 250.

Page 69: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

68

Figura 27: Cadeira Vermelha e Azul, 1917.

Fonte: RIETVELD, Gerrit. Disponível em: http://www.rietveldoriginals.com/en.

Acessoem: 29 mar.2017.

Segundo Argan: “Mondrian foi, depois de Cézanne, a consciência

mais elevada, mais lúcida, mais civilizada na história moderna”81. Seu

legado continua com a Bauhaus de Walter Gropius.

2.2 Arte, objetos e vida cotidiana nas vanguardas artísticas.

Entre o ready-made e a Bauhaus

A aproximação entre arte e vida é o objetivo das vanguardas

artísticas do início do século XX, que, segundo Bürger, buscam: “A

recondução da arte à práxis de vida”82. Essa afirmação resume boa parte

das expectativas modernistas postas, no início do século XX, sobre a arte

e seu poder de modificar a vida, e é um dos pilares do projeto

vanguardista. Nosso objetivo é perceber como se dá essa recondução. Até

aqui, demonstramos como os avanços da indústria e o aumento de sua

capacidade produtiva, nesse período, levaram alguns artistas a perceber a

oportunidade de aproximar arte e vida cotidiana.

Um artista central para nossa dissertação é Walter Gropius, que

deposita na construção de objetos cotidianos a expectativa de

emancipação, capaz de delinear novas formas de vida, e esse projeto se

dá por meio da fundação da Escola Bauhaus. Novas possibilidades de

pensar a vida a partir da aproximação entre arte e vida cotidiana.

81 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 414.

82 BÜRGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 17.

Page 70: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

69

Para entendermos a divisão de como os artistas pensavam os

objetos de uso nas vanguardas do início do século XX, vamos utilizar dois

conceitos de vanguardas construtivas e vanguardas negativas para

demarcar as diferenças entre a Bauhaus e o Dadá. Os dois movimentos

buscavam a aproximação entre a arte e os objetos cotidianos. Para a

Bauhaus, essa aproximação ocorreria a partir do design e sua capacidade

de desenhar objetos úteis e belos em escala industrial. Esta era uma das

crenças das vanguardas ditas construtivas: embaralhar arte e vida para

modificar a realidade utilizando as possibilidades levantadas pelos avanços

tecnológicos ocorridos na indústria. O contraponto a vanguardas

construtivas, segundo Fabbrini, eram as vanguardas negativas que:

“apostavam no enguiçamento da máquina, buscavam esse

embaralhamento na poetização do gesto”83. O principal exemplo dessa

vanguarda é o movimento Dadaísta e sua crítica à racionalidade técnica. O

ready-made, como o portador de ironia poética e crítica, capaz de

questionar a racionalidade utilitarista. Segundo Paz: “A injeção de ironia

nega a técnica porque o objeto manufaturado se converte em ready-

made: uma coisa inútil”84. As vanguardas tinham como um dos seus

objetivos embaralhar arte e vida, mas tinham caminhos e ideias

diferentes, e utilizaram do objeto de uso para transmitir seus ideários. O

design e o ready-made são exemplos deste repertório de ideias opostas

dos artistas da vanguarda do começo do século XX, que tinham o mesmo

objetivo, mas maneiras diferentes de pensar a realidade e de como

interferir nela a partir da arte.

A hipótese levantada por Duchamp para embaralhar arte e vida é

transformar o objeto em objeto vazio. Nesse ponto, percebemos um

paralelo com o objeto modelo, que é constituído não para ser alcançado,

mas para despertar interesse. Não há expectativa de que o objeto modelo

esteja presente em todas as casas, mas, para que ele cumpra sua função,

é necessário, justamente, que se impossibilite o acesso ao seu uso, já que

83 Ibidem, p. 2.

84 PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 28.

Page 71: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

70

seu significado é a restrição. Segundo Paz, “Desalojado, fora de seu

contexto original – a utilidade, a propaganda ou o adorno – o ready-made

perde bruscamente todo significado e se transforma em um objeto vazio,

em coisa, em bruto”85. Levar a arte para dentro da vida. E, para que isso

ocorresse, era necessário extrair o significado do objeto e possibilitar ao

homem conduzir para dentro da vida sua capacidade de significar. Dessa

forma, o objeto seria observado a partir de um outro prisma, o significado

partiria do homem para o objeto, e não o contrário. Por isso, a

necessidade de esvaziar o objeto de significado. Para Paz, “O ato de

Duchamp arranca o objeto de seu significado e faz do nome um odre

vazio; o porta-garrafas sem garrafas”86.

Figura 28: Porta-garrafas, 1914.

Fonte: DUCHAMP, Marcel. Disponível em:

http://www.proa.org/exhibiciones/futura/pagina1.html. Acesso em: 29 mar.2017.

A ironia está presente nesse jogo com a ideia de objeto modelo, já

que, para criticar os objetos industriais com seus significados dados, se

faz um paralelo com o próprio resultado desse processo. Baudrillard,

sobre essa experiência com o objeto modelo, afirma: “é ela vivida sempre

como mérito, ligando-se à noção de valor”87. O objeto modelo é

vivenciado como único, como mérito do indivíduo que o possui e que lhe

atribui valor. Duchamp ironiza essa relação com o objeto modelo,

entregando para o espectador do ready-made essa percepção da vivência

85 Ibidem, p. 26.

86 Idem, p. 27.

87 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 151.

Page 72: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

71

com todos os objetos como se fossem únicos e dando a ele a possibilidade

de atribuir valor estético. Segundo Paz: “Para Duchamp, a arte, todas as

artes, obedece à mesma lei: a metaironia é inerente ao próprio espírito. É

uma ironia que destrói sua própria negação e, assim, se torna

afirmativa”88. A questão que se coloca é que: para frear os objetos

seriados que estão presentes no nosso cotidiano, temos que percebê-los

como objetos modelos, como únicos e restritos nos seus significados até

seu grau zero. Essa é a ironia capaz de romper com as expectativas

presentes nos objetos de uso serializados, pois, ao mesmo tempo em que

negamos os objetos, os afirmamos como mecanismos de vivenciarmos a

experiência com os objetos como únicos. Esse seria o comportamento

diante da vida, o caminho para aproximar arte e vida. De acordo com Paz:

“Uma arte que obriga o espectador ou o leitor a converter-se em um

artista e em um poeta”89.

Já para a Bauhaus de Gropius, a racionalidade é o caminho para

aproximar arte e vida, segundo Argan: “A Bauhaus, com sua rígida

racionalidade, quer criar as condições para uma arte sem inspiração, que

não deforme poeticamente a realidade da noção e sim, construtivamente,

forme a nova realidade”90. Uma nova realidade em que a arte e a razão

caminhem juntas na construção de uma nova realidade social,

diferentemente do que se via na Europa do pós-Primeira Guerra. É nesse

ponto que percebemos a aproximação da arte com a indústria para a

Bauhaus, e na hipótese de que os objetos serializados poderiam levar

para mais pessoas objetos úteis e belos capazes de aproximar a arte da

vida. O objetivo da Bauhaus é romper com o objeto modelo e depositar

nos objetos em série sua expectativa de mudança da realidade. Isso

ocorreria por meio não apenas dos objetos, mas também pelo processo de

fabricação. Com isso, a inspiração poética é algo a ser combatida, pois é

88 PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 11.

89 Idem, p. 61.

90 ARGAN, Giulio C. Walter Gropius e a Bauhaus. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 44.

Page 73: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

72

compreendida como um mito que presume o privilégio de poucos e que

transmite sua arte a uma massa inferior. Se a inspiração é o inimigo a ser

combatido, o design é a principal ferramenta para esse combate, porque é

entendido como conjunto de técnicas racionais que possui a capacidade de

construir objetos cotidianos aptos a levar arte para um número maior de

pessoas. Esse é o ponto-chave para percebermos como, para a Bauhaus,

a indústria e sua capacidade de produção em série aproximada da arte

podem constituir um novo campo de possibilidades para romper com o

passado e levar o homem a criar, por meio do trabalho do designer, novos

significados para a vida em sociedade. Portanto, o papel da arte é utilizar

a indústria e com isso levar o artesanato a superar suas limitações

históricas e chegar a sua fase industrial. O ímpeto vanguardista da

Bauhaus é criar objetos que sejam consequência de um ato vivido e que

façam parte da própria vida. E assim, sejam capazes de criar, de maneira

corriqueira, arte determinada a construir uma nova vida. Podemos

considerar esse ímpeto como vanguardista porque é capaz de dar esse

passo além; a arte rompe seu caráter de experiência estética para

adentrar a vida cotidiana, como Bürger define: “A intenção dos

vanguardistas pode ser definida como a tentativa de direcionar a

experiência estética (que se opõe à práxis vital), tal como o esteticismo a

desenvolveu, para a vida cotidiana”91.

Figura 29: Bule de chá branco, 1924.

Fonte: GROPIUS, Walter. Disponível em: http://www.fontecedro.it/blog/tea-pot-tac-ii-by-

walter-gropius. Acesso em: 4 abr.2017.

91 BÜRGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 71 e 72.

Page 74: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

73

A maneira astuta de direcionar a arte para o cotidiano é fazer da

arte um produto do cotidiano das pessoas. Isso quer dizer que a maneira

como se pensa a arte deve ser alterada. Ela não é mera experiência

estética – deve ser experiência vivida capaz de conciliar a dualidade eu e

todo.

Para cumprir tal conciliação, Gropius insistirá em negar qualquer

estilo da escola, pois se a Bauhaus definisse um estilo estaria favorecendo

o todo (Bauhaus) em detrimento do eu (alunos). Gropius nega qualquer

esboço de estilo da escola, sua busca é por uma coerência com suas ideias

expressas no manifesto de 1919. O que podemos perceber eram as

marcas dessa busca conciliatória baseada em uma didática capaz de

permear o trabalho de todos que passassem pela Bauhaus, mas sem

deixar vestígios de um estilo único de um objeto modelo. A escola era

capaz de estimular os alunos a fazer e ter segurança no que faziam, e

sobre isso Argan argumenta:

Nunca existiu, e Gropius afirmou muitas vezes, um estilo da

Bauhaus; mas a marca dessa coerência, ou exatidão, ou economia

mental, e sobretudo da infalível segurança na designação da

imagem, encontra-se na obra de todos os que, mesmo sem

possuírem uma forte personalidade artística, passaram por aquele

perfeito mecanismo didático.92

O objetivo era que os alunos percebessem, com o ato de fazer e

realizar artisticamente, que a partir desta arte racional que os fazia

construir, eles poderiam construir uma nova realidade, na qual a marca

seria a coerência de uma consciência do todo. Assim, buscava-se o fim do

dualismo eu-todo, o que significava que, a partir de então, seria possível

construir sua própria consciência, já que a concepção de consciência é a

de que ela é construída a partir dos nossos atos e não é refém das

experiências. Com isso, construir-se-ia a consciência e construiríamos a

realidade; assim, seríamos necessariamente impelidos a construir. O

resultado desse pensamento é a centralidade da arquitetura e do design

para pensarmos uma nova realidade. Essas atividades voltadas para “o

92 ARGAN, Giulio. Walter Gropius e a Bauhaus. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 47.

Page 75: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

74

fazer” são as grandes obras de arte. A arte capaz de aliar artesanato e

indústria, de levar arte para um número maior de pessoas, de naturalizar

a arte e fazer com que a experiência estética esteja contida na vida

cotidiana, por meio dos objetos serializados pela indústria.

O resultado dessa grande obra de arte é a diluição da dualidade eu-

todo, já que a arquitetura é entendida como atividade coletiva, como

construção. O ato de construir é capaz de construir consciência e reformar

a realidade. Importante neste momento grifar que, quando Gropius fala

de arquitetura, fala também de design. Fazer, construir utensílios do

cotidiano (design) ou grandes edifícios (arquitetura) é entendido como

arquitetura e não há aqui diferenciação. A Bauhaus busca na arquitetura o

caminho para construir novas realidades.

2.3 As vanguardas e o estatuto do novo

O caminho das vanguardas, do começo do século XX, é recheado de

acontecimentos que reverberam sobre o modo de pensar a arte. Os

avanços tecnológicos da Revolução Industrial, a Primeira Guerra Mundial e

a Revolução Russa são exemplos desses acontecimentos. Esses fatos são

centrais para pensarmos o modernismo artístico e seus movimentos de

vanguarda. Isso porque todos esses acontecimentos trazem consigo a

ideia de ruptura com a história ou, em outras palavras, o desejo de

mudança e a busca pelo novo. As vanguardas do início do século XX são o

último grito de radicalidade da modernidade. A Bauhaus, nesse processo

modernista, busca novas formas de vida a partir do projeto de objetos

úteis e belos. No entanto, cabe agora ressaltar “o velho” a ser combatido.

O velho são as formas de vida estabelecidas, que giram em torno da

sociedade de classes, na qual a obra de arte é privilégio de uma minoria

burguesa e reflete seu modo de vida baseado no eu individualista. O novo

se contrapõe a esse modo de vida, e a Bauhaus quer enfrentar esse

combate utilizando a própria estrutura capitalista industrial para reformar

a realidade existente. A ideia de fundar uma escola já diz muito sobre o

modo de como mudar essa realidade – levar a arte para um espaço na

Page 76: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

75

qual ela será didaticamente ensinada, em que todos possam pensar a

partir dela e fazer arte. Esse passo é importante, e já descrevemos essa

movimentação insistindo que, por meio do processo racional e

pedagógico, a escola levaria a arte para outro patamar, o coletivo. Isso se

daria a partir da indústria aproximada da técnica do artesanato e sua

capacidade de levar arte para a massa, por meio da serialização dos

produtos. A ruptura seria com o passado da arte. Essa ruptura com o

passado está envolta na ideia de modernidade que Octavio Paz denominou

de tradição da ruptura: “a modernidade está condenada à pluralidade: a

antiga tradição era sempre a mesma, a moderna é sempre diferente”93.

Essa busca por pluralidade é uma das mudanças na estrutura da arte e

constitui outras formas de construir novas realidades. Construir

literalmente, pois a ideia central da Bauhaus, descrita já no seu

manifesto, era impelir o povo a construir, a pensar, nos moldes da

arquitetura. O estatuto do novo é, para a Bauhaus, reformador. Este

ponto é importante porque dá à Bauhaus seu caráter construtivista, já que

não busca ruptura total com a estrutura vigente capitalista. O estatuto do

novo da Bauhaus procura reformar ideias, e a partir dessa reforma-

construção busca, coletivamente, uma nova forma de vida, em que a

arquitetura seja uma forma de pensar e esteja contida no cotidiano das

pessoas que utilizam arte e pensam por meio dela.

Se a Bauhaus tinha a crença de que, através da máquina e da

indústria, se produziria o novo, essa não era a percepção de Duchamp,

que tinha uma posição muito clara diante das máquinas e do seu poder de

aproximar arte e vida, segundo Paz:

Duchamp não é um adepto de seu culto; ao contrário, ao inverso

dos futuristas, foi um dos primeiros a denunciar o caráter ruinoso

da atividade mecânica moderna. As máquinas são grandes

produtoras de refugos e seus resíduos aumentam em proporção

geométrica à sua capacidade produtiva. Para comprová-la basta

passear por nossas cidades e respirar sua atmosfera

envenenada.94

93 PAZ, Octavio. Os filhos do barro. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 15 e 16.

94 ______. Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 13.

Page 77: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

76

Não há a percepção de que as máquinas seriam o meio pelo qual

ocorreria o embaralhamento arte e vida, na posição de Duchamp, muito

pelo contrário, era na busca pelo retardamento do movimento que residia

a possibilidade do novo. É a partir do imprevisível, do sem sentido e do

movimento lento que Duchamp procurou desenvolver sua arte, que é

inseparável da sua vida. Em 1923, ele interrompe sua pintura chamada de

“Grande vidro”, e a partir de então seu trabalho é descontinuado com

atividades isoladas, sua atividade contínua foi apenas o xadrez. Para Paz:

“Sua atitude nos ensina – embora ele nunca se propôs a nos ensinar nada

– que o fim da atividade artística não é a obra, mas sim a liberdade”95. A

obra de arte é o meio para atingir a liberdade e é tirando do objeto

qualquer noção de utilidade e significado que poderemos ter acesso a

novas possibilidades de ver esse mesmo objeto, capaz de criticar a si

mesmo, já que está desprovido de sentido e significação, que, assim como

o objeto modelo, é único, mas que diferentemente dele é elaborado para

se colocar contra o espectador, pois cobra a todo momento uma

reconciliação com a vida liberta de significados.

2.4 Ocaso ou fracasso das vanguardas

Algo se perdeu, no ímpeto das vanguardas, no decorrer do século

XX, pós-Segunda Guerra (1939-1945). Há uma mudança geográfica no

campo da arte, que migra da Europa para os Estados Unidos. Esta

mudança geográfica traz consigo a primeira marca de alteração nas

vanguardas; fica pelo caminho a utopia. O que resta de ímpeto

vanguardista é a experimentação formal, o que permite a alguns

historiadores da arte e teóricos ainda chamarem a arte produzida pós-

Segunda Guerra de vanguardista, pois continua a busca pelo novo, mas,

agora, sem ilusões utópicas. Esta fase vanguardista é denominada de

vanguardas tardias. Um bom exemplo dessa mudança é o trabalho do

artista americano Jackson Pollock e sua obra baseada no “gesto livre”.

95 Ibidem, p. 64.

Page 78: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

77

Figura 30: Jackson Pollock pintando, 1949.

Fonte: Disponível em: http://www.theartstory.org/artist-pollock-jackson. Acesso em: 20

abr. 2017.

Fabbrini afirma que: “segundo certos historiadores – esse ‘estilo’

baseado no ‘gesto livre’, era o cartão de visitas de uma pátria

supostamente livre”96. A arte a serviço do Estado, um cartão de visitas

para vender a ideia de liberdade. A obra de arte como fonte de

posicionamento estratégico, para demarcar a posição dos Estados Unidos

diante dos regimes totalitários. Mesmo os ready-made possuem uma

história americana, já que, de acordo com o crítico de arte Jed Perl, sobre

Duchamp: “para a descoberta mais radical de sua carreira, um nome do

Novo Mundo era importante”97. Duchamp havia chegado a Nova York em

1915 e já antevia o que ocorreria com a arte na Europa; em uma

entrevista afirmou: ”a arte da Europa está acabada – morta”98.

A mudança significativa dessa transição Paris – Nova York foi a de

perceber que não há mais o teor utópico da arte capaz de alterar a

realidade. Esse ímpeto utópico-revolucionário ficou para trás. A arte

norte-americana nos fornece essa percepção do abandono utópico, mas

ainda resta a busca pelo novo, característica fundamental das vanguardas.

Fabbrini afirma:

96 FABBRINI, Ricardo. O Fim das Vanguardas. Cadernos da Pós-Graduação, Instituto de Artes da UNICAMP, p. 4, vol. 8., n. 2, 2007. Disponível em: http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/ricardo_fabrini.pdf. Acesso em 4 mar 2012.

97 PERL, Jed. New Art City. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 382.

98 DUCHAMP, Marcel. In: PERL, Jed. New Art City. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 382.

Page 79: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

78

De todo modo, o importante é assinalar, aqui, que as vanguardas

tardias, principalmente as americanas, constituem um capítulo da

modernidade artística na medida em que seus artistas ainda se

orientavam pela experimentação formal, sintetizada no mote

“make it new” do poeta Ezra Pound, embora se afastassem da

perspectiva utópico-revolucionária do início do século99.

Para continuarmos no exemplo das obras de Pollock, o novo é o

gesto livre do corpo sobre a tela. Suas obras não são resultado do traço

da mão e do punho, mas dessa ação do gesto do corpo sobre a tela. O

“novo” é a busca por novas formas de expressar a arte, novas técnicas,

outras formas e novas possibilidades do fazer artístico.

A Bauhaus faz parte, também, desse contexto histórico, uma vez

que Gropius teve que migrar primeiro para a Inglaterra e depois para os

Estados Unidos, devido à ascensão nazista na Alemanha, que fechou a

Bauhaus em 1933 e perseguiu seus artistas. Na Inglaterra e nos Estados

Unidos, as ideias de Gropius, e da Bauhaus, ganham força e se espalham

por todos os continentes. A recepção americana não poderia ser melhor e

continha questões políticas, como observa Argan: “A América parece

empolgada por herdar uma grande ideia que o nazismo baniu”100.

Diferentemente do Estado Alemão nazista, que “temia” a arte produzida

pela Bauhaus, os Estados Unidos veem, nos fundadores dessa escola, a

possibilidade de difundir suas ideias para a indústria americana. Assim

como Gropius, vários artistas, oriundos da Bauhaus, foram para a América

fugindo no nazismo, mas diferentemente dele começaram a criar várias

“Bauhaus”. Argan relata o surgimento de várias escolas e a disseminação

do design por toda a América:

Moholy-Nagy assume a direção de The New Bauhaus em Chicago,

outros centros de educação formal nascem no Black Mountain

College em torno de Albers e Schawinsky; na seção de arquitetura

do Armour Institute de Chicago, em torno de Mies Van der Rohe e

99FABBRINI, Ricardo. O Fim das Vanguardas. Cadernos da Pós-Graduação, Instituto de Artes da UNICAMP, p. 4, vol. 8., n. 2, 2007. Disponível em: http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/ricardo_fabrini.pdf. Acesso em 4 mar 2012.

100 ARGAN, Giulio. Walter Gropius e a Bauhaus. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005, p. 147.

Page 80: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

79

Rilbersheimer, na School of Industrial Design de Nova York, na

School of Design de South Carolina, no México.101

As ideias da Bauhaus se espalham por toda a América, mas sem o

caráter de ruptura com a realidade vigente, marca da escola, já que a

situação social americana era outra. As utopias do movimento foram

deixadas de lado. O foco, agora, era o design capaz de ampliar as

possibilidades da indústria americana. Gropius não fundou nenhuma nova

escola nos Estados Unidos. Ele foi lecionar na Universidade de Harvard,

sobre a qual afirma Argan: “Obviamente a escola de Harvard não tem

nenhum ponto de contato com a Bauhaus (...)”102. O que nos interessa

nessa ida dos colaboradores e fundadores da Bauhaus aos Estados Unidos

é perceber como a utopia dessa escola foi sendo institucionalizada pelas

Universidades norte-americanas e, assim, perdendo sua força de romper

com o estabelecido por meio da arte diluída no cotidiano. O próximo passo

para o fim ou fracasso é a institucionalização. O “paradoxo de Marinetti”

fica claro, porque, segundo o manifesto futurista escrito por Marinetti, em

1909, o intuito era romper com os museus e com as universidades, para,

desse modo, criar o novo. Este era o objetivo das vanguardas: criar novos

mecanismos que fossem capazes de criar novas formas de vida. Se no

pós-Segunda Guerra ainda há a busca vanguardista pelo novo na

experimentação formal, o que vemos no decorrer nas décadas de 1960 e

1970 é a institucionalização dessa arte nas universidades, nos museus, e

todos aqueles que bradavam contra o estabelecido acabam sendo

ensinados, vistos nos principais museus e no circuito de arte. A vanguarda

torna-se o estabelecido. Perde seu poder de chocar, romper, perde seu

prefixo anti. Antes de qualquer coisa, as vanguardas eram antissistema,

antimuseus, antiestabelecido. Elas perdem sua capacidade de pensar fora

das convenções, pois é, a partir de agora, a própria convenção. Essa

movimentação das vanguardas modernas rumo às instituições

(universidades e museus) cria as condições para as gerações das décadas

101 Ibidem, p. 147.

102 Idem, p. 145.

Page 81: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

80

de 1960 e 1970 buscarem o novo a partir do contraponto com a

modernidade. Essa inquietação com o moderno “institucionalizado” faz

que alguns autores se arrisquem a perceber nessa movimentação uma

mudança, que eles chamam de pós-modernidade. Fredric Jameson é um

dos que se arriscam:

Estes estilos, que no passado foram agressivos e subversivos (...)

que escandalizaram e chocaram nossos avós, são agora, para a

geração que entrou em cena com os anos 60, precisamente o

sistema e o inimigo: mortos, constrangedores, consagrados, são

monumentos reificados que precisam ser destruídos para que algo

novo venha a surgir.103

Essa busca pelo “novo” novamente parece orientar a mudança, que

não é mais orientada pelas condições que constituíram as vanguardas do

início do século XX, mas que busca, justamente, romper com suas ideias.

Há outros autores que preferem falar em fracasso das vanguardas em vez

de pós-modernidade, um dos quais é Peter Bürger, que afirma: “Se a

exigência formulada pelos movimentos de vanguarda, no sentido de que

se abolisse a separação entre arte e vida, embora tenha fracassado,

continua, tal como antes, a definir a situação da arte hoje em dia (...)”.104

Para o autor, não é possível pensarmos arte sem a questão colocada pelas

vanguardas: a vida. O autor prefere pensar a partir da ideia de pós-

vanguardas, já que, segundo ele, estas fracassaram na sua busca pela

diluição da arte na vida e vice-versa. Assim, com o fracasso das

vanguardas em embaralhar arte e vida, surge a questão de como

pensamos a arte, já que a vanguarda ainda pauta o processo de criação

artística. Bürger então sugere um paradoxo: “caso seja aceita a ideia de

que é possível pensar o fim da separação arte e vida, isso será o fim da

arte e, caso abandonemos a exigência da arte de buscar a abolição entre

arte e vida, também será o seu fim”105. As vanguardas colocaram em

103 JAMESON, Fredric. Pós-Modernidade e Sociedade de Consumo. Novos Estudos CEBRAP, nº. 12,

São Paulo, junho de 1985, p. 16.

104 BÜRGER, Peter. O Declínio da Era Moderna. Novos Estudos CEBRAP, nº 20, São Paulo, março de 1988, p. 95.

105 Idem.

Page 82: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

81

cheque nossas possibilidades de pensar a arte para além delas; é como se

não fosse mais possível pensar arte sem as questões levantadas por elas.

Se fracassaram na busca por embaralhar arte e vida, tiveram ao menos o

mérito de colocar em circulação ideias que até hoje pautam a criação

artística. E o objeto não está fora desse processo, muito pelo contrário,

ele é fonte para pensarmos o presente e as possibilidades que ele coloca

para a arte e, consequentemente, a vida.

Page 83: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

82

Capítulo III - Cotidiano e repetição: do fim das metas narrativas

utópicas à pulverização da arte e dos objetos de design

Após a Primeira Guerra Mundial, havia o esforço de todo o aparato

cultural para criar possibilidades para novas formas de vida, que dessem

conta dos desafios impostos pela barbárie da guerra. Os campos das artes

plásticas e das artes aplicadas tiveram com o Dadá e a Bauhaus

representantes de polos antagônicos no método, mas convergentes na

necessidade de criar novas formas de vida e nas possibilidades de

aproximação da arte com a vida cotidiana, seja por meio de objetos úteis

e belos, ou inutilizando-os com os ready-made. O que desenvolveremos a

partir deste capítulo é a percepção de que, com o fim da Segunda Guerra

e a migração da arte para Nova York, as grandes narrativas utópicas, que

guiavam as vanguardas, não teriam mais o poder aglutinador de outrora.

Assim, perceberemos uma mudança no campo das artes, e um dos

primeiros efeitos dessa mudança é no domínio do design, já que, por sua

proximidade com a indústria, foi absorvido por uma estética do

acontecimento. Segundo Argan, esse processo se inicia quando:

[...] do design do outro pós-guerra, quando não foi sustentada

pelo empenho cultural, quando foi rejeitada para um papel

subsidiário de arte aplicada justamente pelos intelectuais-artistas,

quando foi, por isso, facilmente submetida às finalidades

contingentes de lucro imediato do aparato industrial.106

Já vimos que, com o fechamento da Escola Bauhaus, durante a

segunda grande guerra, os intelectuais-artistas, como Gropius, Moholy-

Nagy, Breuer, Bayer, Mies Van Der Rohe, entre outros, migraram,

principalmente, para os Estados Unidos. Essa migração ocorre, como

vimos, porque estavam sem uma escola que fosse capaz de dar

sustentação para todo o ímpeto depositado na capacidade do design de

interferir, diretamente, no cotidiano das pessoas. Eles estavam

pulverizados pelo território americano em universidades e na indústria,

106 ARGAN, Giulio Carlo. A história da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes

1992, p. 223.

Page 84: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

83

incapazes de, sozinhos, manter as condições utópicas vanguardistas,

necessárias para a continuidade do debate sobre as possibilidades do

design de criar novas condições de vida, para além do consumo do objeto.

Lyotard vai mais além e percebe que, desde o final do século XIX,

vinham se desenhando as condições para o esgotamento da narrativa

moderna e, como contraponto, não surge uma nova narrativa, mas uma

descrença a qualquer narrativa que tivesse aspirações universais. As

consequências dessa nova condição são percebidas durante a década de

1950.

No campo das artes plásticas, perceberemos, ao longo deste

capítulo, como a pop art demarca essa mudança, ao utilizar objetos

industriais e propagá-los de modo repetitivo até embaralhar arte e vida

cotidiana; tudo isso, sem uma narrativa crítica desse processo. Não

haverá qualquer expectativa utópica; o resultado desse processo será

uma proliferação de ready-made, que, em vez de inutilizar os objetos, vai

aproximá-los dos objetos de consumo, esgotando, assim, uma das

narrativas modernas.

No campo das artes aplicadas, examinaremos como as vanguardas

italianas (antidesign e radical design) estabelecem críticas ao que se

convencionou como a boa forma do design ou estilo internacional, e suas

normas estéticas construídas principalmente pela Bauhaus. O resultado

dessa crítica é uma profusão de objetos de design que traziam consigo

elementos críticos às vanguardas modernistas, mas eram incapazes de

formular um projeto aglutinador entre designers e usuários O que

veremos é o avanço da estética Kitsch sobre as vanguardas.

O recorte histórico que estabeleceremos neste capítulo é o de

perceber como o objeto de design, representado pelas vanguardas

italianas, e a pop art, representante das artes plásticas, experimentaram

as consequências dessas novas condições históricas pós-modernas. Para

cumprir o desafio de constituir uma relação entre arte, objeto e vida

cotidiana, estamos buscando, desde o início desta dissertação, estabelecer

dicotomias possíveis entre movimentos artísticos das artes plásticas e das

Page 85: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

84

aplicadas, que tinham como princípio norteador aproximar seus trabalhos

da vida cotidiana, no capítulo II entre Dadá e Bauhaus, principalmente, e

neste capítulo, entre pop art e vanguardas italianas.

3.1 Pop Art: a arte e os objetos industrializados

Ideias como valor, repetição e cotidiano se tornam centrais para um

grupo de artistas das décadas de 1950 e 1960, que captaram as

mudanças sociais e históricas ocorridas no pós-Segunda Guerra e as

transformaram em novidade, em pop art. Se o objetivo das vanguardas

era aproximar arte e vida, é na pop art que veremos como esse objetivo é

levado às últimas consequências, mas não pelo viés arte transformando a

vida, e sim a vida cotidiana, naquilo que ela tem de mais banal,

transformando a arte.

No campo da pop art, nosso esforço central será relacionar o

trabalho de Andy Warhol – a importância dada aos objetos do dia a dia, a

repetição como estratégia artística e suas consequências para a história

da arte e para a vida cotidiana. Segundo Osterwold:

“O pop é uma manifestação cultural essencialmente ocidental,

nascido no contexto de uma sociedade industrial capitalista e

tecnológica. Os Estados Unidos estão no centro deste programa. A

pop art esforça-se para seguir à risca o estado das coisas feitas,

visualiza uma espécie de sismograma das nossas aquisições

industriais”107.

Essa visualização das nossas aquisições industriais é a fonte do

trabalho de Andy Warhol, que buscava nos objetos banais da indústria

fonte para construir e reproduzir arte de uma nova maneira. Seu fim era

levar a arte para a esfera midiática e industrial.

A estratégia é embaralhar a vida cotidiana e a arte. Isso se dá ao

repetir e colocar nos espaços artísticos objetos que estão contidos no dia a

dia. Uma das questões que Warhol gostava de fazer era “A vida não é

uma série de imagens que mudam à medida que se repetem?”108. A

107 OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. São Paulo: Taschen, 1994, p. 6.

108 WARHOL, Andy. In: GIANOTTI, Marco. Andy Warhol ou a sombra da imagem. ARS (São Paulo), vol. 2, n. 4, 2004.

Page 86: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

85

repetição é o elemento que torna as imagens diferentes; conforme elas

aparecem mais vezes, podemos mudar o modo como as vemos e, assim,

aproximar o nosso modo de ver os objetos banais, que estão ao nosso

alcance a todo momento, da maneira como vemos a vida.

Figura 31: “Brillo Soap Pads Boxes”, 1964.

Fonte: WARHOL, Andy. Disponível em: https://www.gallery.ca/. Acesso em:19

ago.2017.

Romper os modos como nos relacionamos com a arte, a partir do

que nos é imposto visualmente pela indústria, publicidade, revistas de

costumes e quadrinhos, é o caminho que os artistas pop percorreram,

para superar o desafio colocado pela modernidade: o de superar a

separação entre arte e vida.

Para entender esse processo, é necessário insistir no papel de

Marcel Duchamp e na presença de suas ideias no debate artístico também

no pós-Segunda Guerra. Como já vimos, o Dadá surge ao se colocar

contra a arte. O consenso entre os artistas que se auto intitulavam

dadaístas era que havia chegado o momento em que a arte não deveria

mais estar a serviço das classes dominantes, que levaram o mundo à

primeira grande guerra. O papel era ridicularizar e desrespeitar os códigos

que a própria arte havia criado, romper com a ideia de valor da obra de

arte, a começar por questionar o que é arte e onde estão os objetos

artísticos. Os ready-made de Duchamp procuram se desfazer desses

códigos que até então eram seguidos e respeitados por gerações de

artistas. Agora era possível questionar e levar até o fim a ampliação das

fronteiras do Modernismo até seu esgotamento. Esse ato final de

esgotamento foi dado pelos artistas pop.

Page 87: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

86

3.1.1. As origens da Pop Art

O papel do Dadá, na pop art, se deve ao fato de os artistas desse

movimento buscarem no cotidiano elementos para criar e questionar a

própria realidade. Procuravam em panfletos, objetos industriais,

embalagens, fotografias, faziam colagens, sobrepunham imagens. Este

universo de criação, tão pouco usual para a época, foi decisivo para os

artistas pop. A chegada de Marcel Duchamp a Nova York em 1915 e seu

encontro com o pintor Francis Picabia e o fotógrafo Man Ray são decisivos

para a instalação do Dadaísmo na América, que encontra um terreno fértil

para suas ideias. A marcação de um novo modo de pensar a arte e os

objetos cotidianos. Diferentemente do que se fazia na Europa, com a

Bauhaus, por exemplo. Duchamp não depositava no projeto, na

serialização de objetos úteis e belos feitos pela indústria suas esperanças

de aproximação entre arte e vida, mas tinha nos objetos industrializados

um modo de romper as barreiras entre arte e vida. Como já vimos

anteriormente, esse modo era tornar inúteis estes objetos, dando a eles

novos significados. Trazer o cotidiano para o centro da arte e sua

enxurrada de objetos industrializados. Como afirma Osterwold: “Como

precursor da pop art, o ready-made mostra bem que a arte se torna em

cotidiano, e que o cotidiano se torna em arte”109. O passo adiante dado

por Duchamp mostra como a partir dos ready-made podemos evidenciar

como os objetos cotidianos fazem parte das nossas vidas e trazem

problemáticas de significação, já que estão presentes no nosso dia a dia e

muitas vezes passam despercebidos. Acabamos por naturalizar o seu uso,

seu significado é dado por sua utilidade. O que veremos com a pop art é o

esgotamento dessa narrativa crítica e a absorção dos componentes

estéticos, justamente, por aqueles aos quais o discurso dadaísta se

opunha. A história da pop art se inicia com artistas ingleses que, na

década de 1950, fizeram uma série de encontros e debates no Institute of

Contemporary Arts (ICA). Os principais nomes desse grupo foram Richard

109 OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. São Paulo: Taschen, 1994, p. 132.

Page 88: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

87

Hamilton e Eduardo Paolozzi. Os dois tinham seus trabalhos e estudos

voltados para o design. O primeiro era professor de design industrial e o

segundo diretor dos estudos em design têxtil, o que os aproximava das

questões da indústria e de como os objetos ganhavam cada vez mais

espaço nas casas e na vida das pessoas. Em 1953, esse grupo de artistas

fez no ICA uma exposição chamada “Paralelo da vida e da arte”.

Figura 32: Exposição: Parallel of Life and Art, 1953.

Fonte: Disponível em: http://www.tate.org.uk/art/archive. Acesso em: 19 ago.2017.

Nessa exposição, uma série de fotografias de revistas populares,

científicas, de jornais, livros especializados, enciclopédias, material

antropológico, desenhos de crianças e grafites foram apresentados como

obras de arte. Os tamanhos dos quadros foram ampliados e pendurados a

partir do teto, o que tornava sua organização confusa e fez com que os

espectadores tivessem que traçar seu próprio percurso. Outra exposição

que marca o caminho da pop art na Inglaterra foi a que Richard Hamilton

organizou em 1955, chamada de “Homem, Máquina e Locomoção”. O que

perceberemos com esse movimento inglês é que há nessas conferências e

exposições uma aproximação entre a academia e os novos meios de

comunicação de massa. Segundo Osterwold: “O complexo técnico, meios

de comunicação e cultura de massas, constituía de certa forma o

programa, expondo a posição do indivíduo no seio da sociedade, definindo

assim um novo conceito artístico”.110 Segundo a crítica, a obra de Richard

Hamilton “O que será que torna os interiores das nossas casas de hoje tão

110 OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. São Paulo: Taschen, 1994, p. 71.

Page 89: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

88

diferentes, tão sedutoras?” é a obra inaugural da pop art, que traduz boa

parte da posição desse indivíduo, do pós-guerra, que agora convive com

uma complexa série de signos que fazem parte do interior das nossas

casas e, por consequência, das nossas vidas.

Figura 33: “O que será que torna os interiores das nossas casas de hoje tão diferentes,

tão sedutoras?”, 1956.

Fonte: HAMILTON, Richard. Disponível em: www.artfund.org. Acesso em: 19 ago.

2017

À questão que a obra nos coloca a própria tela nos responde: arte,

ou, se preferirmos, uma nova arte travestida de objetos de uso com

referências do cotidiano. Como a televisão, os quadrinhos, aspirador de

pó, outdoors, vitrines, um conjunto de imagens que, a partir dessa obra,

serviram de referência para o que denominamos de pop art. A técnica do

recorte e a sobreposição de imagens, também, são técnicas que serão

utilizadas por parte dos artistas pop. Para nossa dissertação, essa obra

tem ainda um interesse especial: o fato de Richard Hamilton lecionar na

universidade de design industrial, o que nos mostra a relevância desse

novo modo de pensar arte e objetos industrializados e a percepção de que

objetos que podem ser serializados pela indústria podem ganhar o

estatuto de obra de arte ou de pop art.

O movimento da pop art nasceu na Inglaterra, mas as condições

para seu desenvolvimento estavam nos Estados Unidos, pois é em

território americano que sua posição será marcada por uma contraposição

ao expressionismo abstrato, a arte estabelecida no pós-Segunda Guerra e

Page 90: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

89

que durou apenas duas décadas. Os artistas começam a olhar para si e a

sua volta e buscam demonstrar um novo período histórico. Para esse

grupo de artistas, o expressionismo abstrato fechava a arte para a maioria

das pessoas, já que cobrava do espectador um conhecimento prévio da

história da arte. Assim, começam a colocar nos seus trabalhos artísticos

elementos que todos conhecem, e estes acabam ganhando espaço dentro

das galerias, museus, nos circuitos de arte e em vitrines de lojas.

Começam, assim, a ganhar terreno no campo das artes imagens e objetos

que estão contidos no cotidiano do povo americano. O expressionismo

abstrato foi um movimento representativo na história da arte americana,

uma vez que marcou a passagem da arte da Europa, mais precisamente

de Paris, para Nova York. Era o movimento que representava a liberdade

e a impulsividade do pintor e que marcava o posicionamento político

americano. Por isso, uma das obras que marcam essa passagem do

expressionismo abstrato para a pop art é a tela de Robert Rauschenberg:

Figura 34: "Desenho apagado de De Kooning", 1953.

FONTE: RAUSCHENBERG, Robert. Disponível em: https://artmotiv.org. Acesso em 19

ago.2017.

Ao apagar a obra de um dos artistas mais representativos do

expressionismo abstrato americano, juntamente com Pollock e Rothko,

representantes da Escola de Nova York, Rauschenberg procura marcar o

início de um novo posicionamento da arte nos Estados Unidos. Vale

ressaltar que a obra de De Kooning foi doada pelo artista, que sabia que

sua obra seria apagada. Rauschenberg procurou trabalhar com objetos

Page 91: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

90

reais colados em suas telas. Essa técnica conhecida como combine

painting buscava confundir o espectador e levantar questões sobre o que

estava pintado e o que estava colado.

Figura 35: "Canyon", 1959.

Fonte: RAUSCHENBERG, Robert. Disponível em:https://www.metmuseum.org. Acesso

em 19 ago. 2017.

Procurava embaralhar objetos para desindividualizar a ideia que

buscava transmitir. Não existia uma mensagem única individualizada para

um espectador exclusivo, era uma mensagem que deveria ser captada por

qualquer um que se colocasse diante da obra. O acaso era o elemento que

norteava o processo criativo, juntamente com a tinta que colocava sobre

objetos ou animais empalhados. Como se a tinta fosse capaz de dar a

esses objetos validade artística.

Outro artista que está nas origens da pop art é Jasper Johns. Seu

trabalho gira em torno das experiências cotidianas, com as quais temos

contato ao longo do dia e passam despercebidas como: bandeiras, mapas,

números, alvos, letras e qualquer elemento que seja de rápido

entendimento. Segundo Danto: “Johns descobriu uma maneira de

transformar a realidade em arte, no sentido de que seus temas superaram

a diferença entre representação e realidade”111. A busca por um realismo

trivial que estivesse ao alcance de todos. Trivialidade é palavra corrente

111 DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 32.

Page 92: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

91

quando falamos de pop art e vemos no trabalho de Johns o esforço de

levar aquilo que é corriqueiro para a arte.

Figura 36: "Bandeira numa superfície alaranjada", 1957.

Fonte: RAUSCHENBERG, Robert. Disponível em: https://biblioklept.org. Acesso em 30

ago. 2017.

Os trabalhos de Rauschenberg e Johns construíram, nos Estados

Unidos, os elementos e forneceram as técnicas que formaram os alicerces

do que na década de 1960 seria conhecido fortemente como pop art e que

consolidou os Estados Unidos como sede da arte moderna no século XX,

tendo Nova York como sua capital e na figura de Andy Warhol sua mais

clara identificação.

3.1.2 Andy Warhol, repetição e máquina

O artista da pop art que tem sua imagem ligada diretamente a esse

universo é Andy Warhol. É como se sua vida fosse também uma obra do

movimento. Sua busca por representar a sociedade americana e sua

forma de vida fazem com que ele seja, também, material do que ele

próprio inventou. Assim, no início da década de 1960, vários artistas

americanos começaram a produzir seus trabalhos com elementos que

passamos a definir como pop art. Segundo Danto: ”A expressão ‘arte pop’

foi usada pela primeira vez em 1958 pelo crítico britânico Lawrence

Alloway para designar a cultura de massa dos Estados Unidos,

especialmente os filmes de Hollywood”112. Com o avanço da televisão, os

112 DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 49.

Page 93: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

92

filmes produzidos pelos estúdios localizados na cidade de Hollywood

buscavam novos atrativos, que fizessem as pessoas irem às salas de

cinema. Filmes como: o musical “Dançando na chuva”, os que tinham a

atriz Marilyn Monroe: “O pecado mora ao lado”, “Nunca fui Santa”, os de

Elvis Presley: “A mulher que eu amo” e “Prisioneiro do rock”, iniciam a era

das estrelas do cinema norte-americano. Com esse termo, o objetivo era

dar um estatuto de arte para os filmes produzidos comercialmente para a

indústria do entretenimento, mas continua Danto:

[...] por algum deslize, o termo passou a designar exclusivamente

pinturas – e esculturas – de objetos e imagens ligadas à cultura

comercial, ou a objetos fácil e amplamente reconhecíveis, cujo uso

ou significado não precisam ser explicados113.

É nesse contexto que Warhol inicia seu trabalho como artista pop.

Sua primeira exposição é na vitrine da loja de departamentos Bonwit

Teller, em Nova York. É importante ressaltar o fato de a primeira

exposição de Warhol ser em uma vitrine, já que, nas origens da

modernidade, Baudelaire demonstra como, após a reforma de Paris entre

1853 e 1870, andar pelas ruas e se ver nas vitrines mudaram a maneira

de passear, observar a multidão e fazer parte dela – a flânerie

transformou a vida na capital francesa e, por consequência, a Europa,

como vimos no capítulo I. O fato de utilizarmos a obra de Warhol para

demonstrar como as vanguardas chegaram ao seu ocaso se deve muito

por ele trabalhar artisticamente com elementos que estavam presentes

durante a modernidade, e seu ápice nas vanguardas, como os objetos de

uso, a vitrine, o vidro, a cidade, elementos do cotidiano e a indústria para

cumprir a missão que Rodtchenko atribuía às vanguardas: a de levar a

“arte para a vida”. Todos esses elementos estavam presentes na vida

urbana de Nova York e, já na sua primeira exposição, Warhol utilizou de

maneira insistente, repetitiva, até se desgastar com o uso e se

transformar em consumo. Segundo Baudrillard: “Os objetos apresentam-

113 Ibidem, p.49.

Page 94: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

93

se, pois, como poder apreendido e não como produtos trabalhados”114. Se

o objetivo das vanguardas, principalmente da Bauhaus, é mostrar o

trabalho e a construção do projeto a partir da forma do design, não é mais

dessa maneira que o objeto se apresenta; a pop art muda a percepção do

objeto que se apresenta como poder apreendido de quem o detém. Não

há mais a intenção de atribuir significado ao trabalho do objeto, mas de

trabalhar com significantes que estejam vinculados ao cotidiano das

pessoas, que elas entendam facilmente. Nessa exposição, Warhol

apresentou cinco trabalhos: Anúncio, Antes e Depois, pinturas com o

Popeye, Super-Homem e o Reizinho, que está sobre o cavalete na imagem

a seguir. O passo adiante, da vitrine Bonwit Teller, é que a partir dessa

exposição se transpõe a barreira entre objetos de uso e objetos de arte,

processo que se iniciou com a grande exposição Universal do Palácio de

Cristal em Londres em 1851, que agora chega ao seu ápice. Já que há

uma aproximação direta da arte com a vida cotidiana, as fronteiras que

demarcavam os espaços se embaralham na vitrine.

Figura 37: "Vitrine da Bonwit Teller", 1961

Fonte: WARHOL, Andy. Disponível em: http://walkowska.com. Acesso em: 12

set.2017.

Existe nesse espaço arte e objetos de uso para apreciação e

consumo imediato. Na década de 1960, os avanços da indústria e dos

meios de comunicação fazem com que o cotidiano das massas seja

permeado por objetos de uso e artísticos e, assim, embaralham suas

114 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 23.

Page 95: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

94

diferenças históricas, que estão cada vez mais reduzidas, mas seu uso

cada vez mais intensificado, seja para vender ou desejar a vida, como em

um cenário hollywoodiano, repleto de objetos. As imagens que compõem

a vitrine fazem parte do universo da publicidade, como no trabalho

Anúncio, que utiliza propagandas de refrigerante, produtos para pintar o

cabelo e dicas de como ficar com o corpo mais forte. Warhol utiliza

anúncios de jornais em preto e branco e faz essa montagem. O universo

popular das propagandas fez parte do esforço da pop art em trazer mais

pessoas para o universo da arte, mesmo que para muitos esses trabalhos

não fossem considerados obras de arte. A obra Antes e Depois mostra o

perfil de uma mulher, dando foco em seu nariz, na esquerda antes da

intervenção cirúrgica e na direita depois da cirurgia com seu nariz igual ao

das estrelas de cinema, reforçando as possibilidades de transformação do

corpo e a importância da aparência e da beleza como valores da cultura

de massa. Heiner Bastien, um curador de arte alemão, diz sobre Warhol:

Ele provavelmente fez um retrato de nosso presente, que reflete

mais sobre nossa época que qualquer outra arte. É como se ele

tivesse uma espécie de compreensão instintiva de para onde nossa

civilização está indo115.

A capacidade de representar o cotidiano e os anseios americanos de

sua época fez com que ele se comunicasse com um número maior de

pessoas, que provavelmente não teriam contato com obras de arte, se

não fosse pelo seu ímpeto de representar aquilo que nos cerca e cujo

valor não percebemos. Ao dar às obras de arte características que estão

presentes no cotidiano das massas, Warhol foi capaz de representar seu

tempo. Danto afirma que: “Ele se tornou um artista para pessoas que

sabiam muito pouco sobre arte. Warhol representava uma forma ideal de

vida, que tocava o mundo delas em muitos pontos”116. É como se ele

fosse capaz de cristalizar em seu trabalho a ideia de uma forma de vida

nova e que era a aspiração das massas. Nesse ponto, destaca-se a ideia

115 BASTIEN, Heiner. In: DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 42.

116 DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 24.

Page 96: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

95

de “vida nova” – insistimos na análise que Rosenberg fez das vanguardas

e que denominou de “tradição do novo” como legado desses movimentos.

Na pop art perceberemos que essa tradição vai se intensificar e ganhar

espaço central no cotidiano, na indústria e nas artes. Esse deslocamento

ocorre pela busca da repetição do novo. Para entendermos essa mudança,

é pertinente conceituar o que entendemos como: repetição do novo. Para

Rosenberg:

Em determinado instante para um pintor americano depois do

outro, a tela começou a afigurar-se como uma arena na qual se

age – mais do que um espaço no qual se reproduz, se reinventa,

se analisa ou se “expressa” um objeto, real ou imaginado. O que

se destinava às telas não era um quadro, mas um

acontecimento117.

A busca é por acontecimentos que atribuam valor de novidade aos

objetos industriais. Vemos como a pop art dá esse passo adiante nas artes

plásticas e que nos fornece elementos para dissertarmos sobre como esse

movimento artístico trabalha como valor de novidade: da busca por

acontecimentos repetitivos. Algumas obras de Warhol demonstram esse

processo da repetição de acontecimentos como valor de novidade. As

“Latas de sopa Campbell” são exemplos desse método.

Figura 38: "Latas de Sopa Campbell", 1962.

Fonte: WARHOL, Andy. Disponível em: https://www.moma.org. Acesso em: 12 set.

2017

117 ROSENBERG, Harold. A tradição do novo. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 12 e 13.

Page 97: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

96

A técnica utilizada foi a serigrafia, que dava a uniformidade desejada

pelo artista, para as trinta e duas telas que formam o painel. A busca do

artista era que o conjunto formasse a obra, mesmo que cada tela fosse de

um sabor diferente de sopa. Era como uma prateleira de supermercado,

que, segundo Danto, era: “uma estética que agradava muito a Warhol”118.

A insistência em buscar nos acontecimentos cotidianos elementos para

sua arte fez com que a arte passasse a observar e a estar presente o

tempo todo na vida das pessoas, mesmo que no supermercado. Há aqui

uma inversão: não é mais a arte forjando a vida, mas a vida forjando a

arte. As repetições das imagens fornecem o paralelo com a indústria, que

tem a uniformidade que atrai, esteticamente, Warhol. Essa uniformidade e

repetição, características da indústria, eram as aspirações para o tipo de

vida que Warhol encarnava, mas nesse ponto há uma diferença

importante em relação a indústria do período anterior a segunda-guerra

mundial, agora não há mais uma marcação evidente entre objeto série e

modelo, o objetivo é a novidade repetida para o consumo imediato. A

velocidade, com que o objeto modelo é transformado em objeto série, é

tão grande que é cada vez mais difícil determinar essa dicotomia. Duas

declarações do artista, nas diversas entrevistas que ele fornecia para as

televisões, marcam esse anseio. A primeira é a questão que já vimos, no

início desse capítulo: “A vida não é uma série de imagens que mudam na

medida em que se repetem?”119. O caminho que nos interessa é,

justamente, essa aproximação com as ideias industriais e sua capacidade

de estar presente no cotidiano. O que percebemos é que no pós-segunda

guerra esse processo ocorre por meio do consumo. Essa possibilidade de

presença contínua na vida das pessoas ocorreu em razão da capacidade

de produção que a indústria alcançou, ao longo do século XX, juntamente

com as novas máquinas mais tecnológicas que foram capazes de

substituir mão de obra e aumentar a produtividade e, assim, levar mais

118 DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 59.

119 WARHOL, Andy. In: GIANOTTI, Marco. Andy Warhol ou a sombra da imagem. ARS (São

Paulo), vol. 2, n. 4, 2004.

Page 98: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

97

produtos para mais pessoas. É nesse ponto que entra a outra afirmação

de Warhol: “Pinto assim porque quero ser uma máquina”120. A repetição,

desse modo, se torna elemento-chave para a realização dessa vontade de

ser “máquina”, de atingir a previsibilidade da indústria e, por isso, suas

telas eram repletas de objetos industriais, que estavam presentes no dia a

dia das massas e causavam o acontecimento desejado no campo das

artes. Segundo Danto: “A repetição é um dos principais elementos do que

se pode chamar de estética de Andy Warhol”121. Seu espaço de trabalho,

não por acaso, era conhecido e foi denominado pelo próprio artista de

Fábrica.

Outra série de trabalhos de Warhol que marca sua proximidade com

a vida cotidiana americana trata de acidentes publicados em tabloides e

que são transmitidos todos os dias nos noticiários da televisão. O tema da

morte está presente nas obras do artista. Ele fará serigrafias com

acidentes, desastres aéreos, suicídios, cadeira elétrica e catástrofes que

estão presentes nos meios de comunicação de massa e atraem a atenção

das pessoas. Mesmo seus trabalhos com artistas ícones da cultura pop,

como os já citados, Marilyn Monroe e Elvis Presley, foram feitos depois de

suas mortes, e não apenas porque morreram, mas também porque foram

capazes, ao longo de suas vidas, de causar acontecimentos. Para afirmar

a vida, o artista pintava a morte e a neutralizava; para isso, utilizou, mais

uma vez, a repetição, já que ninguém morre várias vezes. É como se

quem morresse fossem os outros, e nós, os vivos, assistíssemos a esse

“espetáculo”. Os noticiários da televisão e os jornais populares se

utilizavam das catástrofes para atrair mais espectadores e, com isso,

estavam presentes no cotidiano das pessoas. Andy Warhol busca o

mesmo para sua arte. Essa neutralidade da morte se dava com a

repetição, mas também com as cores vivas e os espaços vazios, como

observamos na obra a seguir, que retrata um acidente de carro repetido

120 WARHOL, Andy. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/especial-pop-de-Andy-Warhol.

Acesso em: 15 set. 2017.

121 DANTO, Arthur. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 59.

Page 99: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

98

quatorze vezes, pintado de laranja, e com um espaço vazio ao lado,

pintado da mesma cor. Se a morte é algo trivial que ocorre todos os dias

por motivos banais e inesperados, a vida, desse modo, não passa de uma

repetição cotidiana, uma espera tediosa com a qual temos que conviver.

Assim, prateleiras de supermercado, capas de jornais, acidentes e ícones

do cinema e da música pop nos fornecem significações prontas, formas de

vida capazes de nos atrair e fascinar esteticamente, mesmo que os

resultados desse processo nos façam nos sentir mais vazios.

Figura 39: “Acidente de automóvel Cor de Laranja, 14 vezes”, 1963.

Fonte: WARHOL, Andy. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works.

Acesso em: 09 jan. 2018

Uma das várias frases marcantes de Warhol era: ”Quanto mais você

olha para exatamente a mesma coisa, mais o significado se esvai, e

melhor e mais vazio você se sente”122. Esse processo de esvaziamento se

dá por outra característica do trabalho de Warhol. Nas suas obras, tudo

parece que já aconteceu, o presente está preso nesses acontecimentos

passados. A história já foi contada e o que nos resta é aceitar suas

significações prontas, como produtos industrializados e tediosos da vida

cotidiana. Para Argan, a posição do artista diante da história é: “Warhol

nega-a apresentando tudo como absolutamente passado. Para ele, é

apenas nesse passado absoluto que a imagem se dá como pura imagem,

122 WARHOL, Andy. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/especial-pop-de-Andy-Warhol.

Acesso em: 15 set. 2017.

Page 100: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

99

assim assumindo um valor estético”123. Por essa razão, seu trabalho

artístico é tão ligado a objetos industrializados, já que estes são sempre

iguais, têm a uniformidade desejada pelo artista, são capazes de levar o

mesmo tipo de produto para todos, suas imagens estão presentes no

cotidiano e todos conhecem. O acontecimento para Warhol é aproximar a

arte dessa nova maneira de viver, sabendo que a história já foi contada e,

assim, aproveitar esse conjunto de imagens previamente conhecidas para

perceber o valor estético daquilo que nos rodeia.

3.2 A estética do Design como a estética do Acontecimento

Segundo Lyotard, “o próprio conhecimento tende e tenderá a

assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias

têm com estas últimas, ou seja, a forma valor”124.

O encadeamento que se estabelece aqui é que, com o fim das

narrativas modernas, que buscavam construir novas formas de vida, o

que teremos são sujeitos transformados em consumidores, objetos em

mercadorias e, com isso, a consequência desse processo são as relações

do homem com o que o cerca, ou seja, o espaço a sua volta, conceitos,

conhecimentos, objetos, tudo se dará a partir do cálculo do valor

econômico; afinal, conhecimento e mercadorias passam a ter a forma

valor, não é mais necessário que os objetos carreguem consigo o processo

histórico pelo qual passaram e que representam. A capacidade do objeto

de representar e transmitir ideias, forjadas a partir de um projeto. Esse

passo foi fundamental para as vanguardas, mas o esgotamento de uma

narrativa capaz de aglutinar artistas em torno desse ideário fez com que

no pós-Segunda Guerra se iniciasse uma crise no design. A lógica do

objeto modelo e de série é substituída pela estética do acontecimento

vinculada diretamente ao consumo. Há uma dificuldade de chegarmos, a

partir desse momento, a consensos capazes de engajar pessoas em torno

123 ARGAN, Giulio. Arte moderna. . São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 647.

124 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2009, p. 5.

Page 101: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

100

de ideias que pretendessem ser universais. Argan explica o conceito de

design, deste modo:

Explica-se, assim, o design como processo da existência finalística

não apenas da sociedade, mas de toda a realidade; é o design que

promove uma coisa ao grau de objeto e coloca o objeto como

perfectível, ou seja, participante do finalismo da existência

humana125.

Em outras palavras, o autor entende o design como um modo de dar

sentido às coisas humanas, transformando-as em objetos que possuam

sentido e dão sentido à existência humana e acabam por construir a

realidade que nos cerca, e, ainda, que carregam consigo os processos

históricos que os moldaram. É, justamente, essa ideia de design que entra

em crise. Percebemos que a crise do design é a impossibilidade de contar

uma história que consiga dar aos sujeitos a percepção do todo o social, já

que o design é a maneira de construir e narrar a história através do

projeto e da programação da realidade. O entendimento é que no pós-

Segunda Guerra o que fica do design é a programação que está mais

alinhada com as perspectivas da indústria. O projeto, o campo

emancipatório que narra a existência humana, é deixado de lado, em

favor de uma busca por programar uma ordem social, que individualiza o

homem e que cumpre, assim, a função prioritária desse novo mecanismo,

que é o de tornar o sujeito parte do processo industrial.

Nesse contexto, analisamos esse período histórico a partir dos

conceitos centrais para o design; programação e projeto. Há uma

mudança nos processos de criação do design, que ocorre no cerne da

criação do design. Esses conceitos constituem a base do fazer do

designer, que orienta o processo de criação, confere as bases mecânicas

do modo de fazer e trabalha até a realização prática das intenções do

produto. Nesse ponto, é importante marcar os conceitos de programação

e de projeto. Para Argan, programação está ligada: “ao princípio da ordem

125 ARGAN, Giulio Carlo. A história da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes

1992, p. 252.

Page 102: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

101

da existência social”126 e em outro trecho afirma que: “A programação,

como preordenação calculada e quase mecânica, tende não mais a

preceder o projeto, mas substituí-lo”127. Já o projeto é: “um processo

integrado numa concepção do desenvolvimento da sociedade como devir

histórico”128. A partir desses conceitos, podemos perceber como o design

é fonte privilegiada de entendimento das mudanças ocorridas no pós-

Segunda Guerra, já que a economia mundial se volta para a criação de

valor não mais do produto; é necessário que se produza mais, mas não do

mesmo. A programação entra como o mecanismo que leva à “nova” forma

de criar objetos diferentes, mas separado do seu processo histórico, um

objeto para ser descartado e substituído. Seu objetivo é o consumo, é

nesse ponto que identificamos a crise do design, uma vez que a força do

design – e a Bauhaus é o exemplo privilegiado dessa força – é justamente

a criação de um projeto interligado com o contexto de quem o produz,

dentro de um contexto histórico e de interferência na vida de quem o

utiliza, no seu cotidiano. Se nesse novo contexto é a programação quem

ordena todo o processo de criação, temos uma nova forma de pensar o

design e, por consequência, uma nova forma de pensar os objetos. Se é

programado o uso dos objetos, a percepção, a maneira como utilizamos e

como interagimos com aquilo que nos cerca, assim, perdemos as

possibilidades de escolha, as decisões são preestabelecidas. É justamente

nesse ponto que Argan faz sua crítica à programação: “A programação tira

dos indivíduos toda escolha e decisão, conferindo-as ao poder. E, como

tende à repressão até mesmo violenta de qualquer contradição ao seu

sistema, nega à sociedade toda forma de existência histórica”129.

A crise do design é a crise da ideia de design como projeto e, por

consequência, a proeminência da programação. Com o avanço tecnológico

126 Ibidem, p. 251.

127 Idem.

128 Idem.

129 Idem, p. 252.

Page 103: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

102

que possibilitou a multiplicação de máquinas de transmissão de

informação, sejam rádio, telefone, televisão, cinema ou mesmo as

possibilidades da indústria de produzir em maior escala, o saber se torna

um elemento de alicerce para o poder. Observamos no design o saber da

programação dos mecanismos que preordenam, conformam as

possibilidades de uso dos objetos, e fazem com que quem detenha esse

conhecimento obtenha, assim, o poder de definir modos de vida. Ora, a

relação que se estabelece no campo cultural da dita pós-modernidade é

esta, segundo Lyotard:

A sociedade não existe e não progride a não ser que as mensagens

que nela circulem sejam ricas em informação e fáceis de

decodificar. O Estado começará a aparecer como um fator e

“ruído” para uma ideologia da “transparência comunicacional”, que

se relaciona estritamente com a comercialização dos saberes.130

O impasse que surge é que as relações sociais entre os sujeitos se

dá nas condições estabelecidas pela narrativa do interesse econômico, e

não mais por narrativas capazes de projetar novas formas de vida. Mesmo

a ideia de Estado como regulador da economia vai perder força ao longo

do século XX. Em nome de uma maior transparência, elimina-se qualquer

narrativa que busque construir uma ideia de todo, ou, se preferirmos,

qualquer ideia de sociedade. Já que a percepção do Estado não preenche

o requisito de fácil decodificação, ele passa a ser o ruído na comunicação

entre os produtores e consumidores. Assim, o conhecimento e as

mercadorias passam a ter seu valor na sua capacidade de trazer ganhos

materiais, para além do seu valor de uso. O conhecimento, como forma

valor, fez com que o design do pós-Segunda Guerra enfatizasse a

programação como elemento apropriado para aproximar o conhecimento

do campo do poder. Afinal, aquilo que nos cerca é capaz de nos fornecer

narrativas sobre nosso modo de vida, pois sujeito e objeto estabelecem

relações de mútua significação, ou seja, pensar objeto é pensar o sujeito.

Na história da filosofia, Husserl é responsável por edificar o método da

130 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2009, p. 6.

Page 104: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

103

fenomenologia, que estabelece que a consciência é a consciência de

alguma coisa.

Ao se perguntar o que fazem o “espírito”, a “mente”, o

“entendimento” com os dados das sensações, os únicos dados

imediatos da afecção, convencidos de início que os objetos

permanentes do mundo pré-científico e, assim, também científico

– como o mundo que nos é dado conscientemente, e que se

pretende para nós imediatamente existente131.

É dessa mútua dependência entre sujeito e objeto, submetida à

fenomenologia para se contrapor à metafísica clássica, que trabalhamos a

intencionalidade que se estabelece do sujeito para o objeto e é a partir

dessa relação que conscientemente se apresenta o mundo existente.

Argan segue essa mesma linha: “O sujeito é sujeito porque coloca a

realidade como outra e distinta de si; o objeto é objeto apenas porque é

assumido e pensado pelo sujeito”132. Assim, a questão é perceber como o

objeto é fonte privilegiada para analisar a realidade cotidiana dos sujeitos,

pois ela é alterada a partir da sua relação com aquilo que os próprios

sujeitos criam e assumem como objetos. Dessa relação de

intencionalidade, de criar aquilo que nos cerca e atribuir significado para

os objetos, é que constituímos nossa realidade. Essa ação do sujeito de

criar objetos e de se perceber sujeito diante dos objetos é que faz do

design: “processo da existência finalística não apenas da sociedade, mas

de toda a realidade; é o design que promove uma coisa ao grau de objeto

e coloca o objeto como perfectível, ou seja, participante do finalismo da

existência humana”133. O saber do design é voltado para a programação

da vida cotidiana a partir de informações facilmente decodificadas, longe

de qualquer interesse coletivo Ele é pensado para programar a vida e

comunicar de maneira transparente o seu fim, que é determinado

previamente pela programação do designer e tem prazo de validade. O 131 HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 357.

132 ARGAN, Giulio Carlo. A história da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes

1992, p. 252.

133 Idem.

Page 105: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

104

design passa a organizar as informações que o objeto transmitirá. Assim,

a estética do design passa a ser uma estética do acontecimento, já que

seu objetivo é programar objetos que transmitam informações

diretamente, de maneira clara, mas cujo significado se esgote

rapidamente. A programação desse objeto é pensada para que ele seja

um acontecimento estético, seu vínculo é com o efêmero, sua função é

administrar circuitos de informação. A partir dessas condições dadas, o

efêmero passa por uma mudança, que resulta em uma contradição; o

efêmero passa a ser o permanente. Mais do que programar objetos, é

necessário programar imagens efêmeras. A informação transmitida tem

vinculação direta com imagens, pois a associação dos objetos não é mais

pela busca do bem-estar das pessoas, mas um modo de participar do

ambiente no qual estamos inseridos. As imagens fazem, justamente, essa

interpretação massificada do mundo, padronizam e incorporam

acontecimentos banais da vida cotidiana e estabelecem a nova estética do

acontecimento. Não há narrativas de projeto de design alinhadas com a

perspectiva histórica do produto; o que se apresenta é a programação do

modo como o que nos cerca deve ser interpretado. Segundo Baudrillard, o

que temos no ambiente de consumo é: “A boa-fé no consumo surge como

elemento novo: as novas gerações são doravante os herdeiros, herdando

não só os bens, mas o direito natural à abundância134”. A ênfase que se

dá ao objeto de consumo não é a de perceber como fonte de trabalho,

mas como fonte do seu poder de apreender esse objeto, e de analisar

como esse é capaz de comunicar poder. Essa relação naturaliza o poder,

pois individualiza a relação sujeito–objeto. O sujeito se torna único diante

da relação com o objeto. A crise do design é, portanto, a sua incapacidade

de reverter essa naturalização do objeto como fonte de interpretação do

mundo; o design passa a ser o programador da maneira como

absorvemos o mundo. Esse processo faz com que a ideia de vida cotidiana

seja pautada por interesses preestabelecidos, a partir de uma cultura da

134 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 23.

Page 106: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

105

informação que é capaz de chegar a todos da mesma forma, que faz com

que os objetos sejam reduzidos a portadores de informação, fadados a

imagens de acontecimentos efêmeros afastadas de qualquer narrativa

aglutinadora. Segundo Argan: “O bombardeio de imagens a que as

pessoas estão expostas, principalmente nas cidades, tem por

consequência a paralisação da imaginação como faculdade produtora de

imagens135”. A consequência desse volume de imagens é que torna o

sujeito passivo diante dessa abundância, pois este não consegue

estabelecer critérios de análise que deem conta da quantidade de imagens

à qual ele é submetido. Assim, fica fácil a substituição da reflexão criativa

pela aceitação de acontecimentos efêmeros que o objeto transmite e que

fornece o poder apreendido, assim, distancia o homem do projeto

estrutural que está por trás do trabalho do design. Segundo Argan, esse:

“[...] design tradicional, criado pela Bauhaus no primeiro pós-

guerra, estava estritamente ligado à pesquisa dos artistas do

construtivismo, isto é, tinha em vista tornar melhor, mais racional,

mais eficiente, mais legível, mais agradável, o ambiente da vida

cotidiana”.136

O problema desse pensamento da Bauhaus é que ele se concentra

apenas no objeto, sem relacionar que as questões do objeto são também

as questões do sujeito. Como vimos no capítulo anterior, o outro

movimento que se debruçou sobre os objetos foi o Dadá, na figura de

Marcel Duchamp e seus ready-made, mas, diferentemente da Bauhaus, a

perspectiva é dada ao sujeito eliminado qualquer sentido estético ao

objeto, dando ao sujeito o desafio de indicar como arte aquilo que ele

desloca para o museu. Nesse cenário dadaísta, é tarefa da arte extrair do

cotidiano o seu valor estético, dando ênfase ao sujeito. Assim, no pós-

Segunda Guerra, a indústria encontra um campo privilegiado, já que havia

nas escolas de design material e conhecimento técnico sobre design e um

ambiente capaz de dar aos objetos racionalidade, funcionalidade e beleza.

135 ARGAN, Giulio Carlo. A história da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes

1992, p. 265.

136 Idem, p. 267.

Page 107: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

106

Tudo isso, com um alto índice de padronização dado pelos avanços

tecnológicos. Juntamente a esse processo, tinha-se a possibilidade dos

circuitos de comunicação e informação cada vez mais rápidos, que deram

aos sujeitos a posse dessa capacidade de atribuir ao objeto valor estético,

mas que se esgotam na mesma velocidade que surge. Segundo

Baudrillard:

Porque, apesar da abundância se tornar cotidiana e banal,

continua a viver-se como milagre diário, na medida em que se

revela, não como produzida, arrancada e conquistada, no termo de

um esforço histórico e social, mas como dispensada por uma

instância mitológica benéfica, de que somos herdeiros legítimos: a

Técnica, o Progresso, o Crescimento, etc.137

O design no pós-Segunda Guerra ainda tentou buscar um ideal de

bem-estar social, com a escola Hochschule für Gestaltung de Ulm, mais

conhecida como escola de Ulm. Seu revés ocorre, porque a indústria já

não buscava mais alinhar seu discurso com ideários coletivos, mas com a

busca por aumento de produção e aumento do lucro. A ideia da escola de

Ulm era resgatar a ideia da Bauhaus da “boa forma”, que, como vimos no

capítulo anterior, buscava através da forma dos objetos superar os

materiais ou ampliar as possibilidades da matéria. Nesse ponto, a

indústria do pós-Segunda Guerra consegue alinhar o aumento da sua

capacidade produtiva com os avanços da produção de materiais como:

plástico, tecidos sintéticos, novas cores, matérias mais leves e

descartáveis. O design passa, assim, a ter seu método associado à

programação da vida e não mais ao projeto, sua estética ao

acontecimento e não mais à boa forma, e seu objetivo desloca-se, mais do

que nunca, à indústria e seu alto nível de padronização. Dessa maneira,

exige “novos” acontecimentos estéticos, para que possa ampliar e criar

mecanismos para aumentar sua produção. E, para que isso ocorra, é

necessária a repetição do novo. O cotidiano, assim, é forjado para ser o

ambiente da constituição de imagens novas, permanentemente repetidas

para criar as condições, nas quais o sujeito possa constituir o objeto e

137 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 23.

Page 108: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

107

vice-versa, visto que se naturaliza a relação sujeito-objeto, incapaz de

imaginar outras possibilidades de formas de vida. As narrativas em torno

do objeto e do sujeito constituídas no pós-Primeira Guerra fracassaram,

como vimos, por darem ênfase a apenas um dos polos (ou o sujeito ou o

objeto). Com o fim das narrativas capazes de aglutinar pessoas ao redor

de uma causa, abre-se o campo para o sujeito individualizado incapaz de

se perceber como sujeito histórico, confinado no cotidiano.

3.3 Vanguardas italianas do Design

Esse processo de crise do design começa no final da década de

1940, com designers italianos que questionam as bases modernas que

davam sustentação teórica e estética para as atividades que exerciam.

Esses primeiros projetos foram denominados de antidesign. Uma das

inspirações para o que viria a ser o movimento de questionamento do

racionalismo moderno foi Carlo Mollino, que estudou engenharia, história

da arte e se formou em arquitetura em 1931 pela Universidade de Turim.

Seu trabalho tinha como base o Futurismo e o Surrealismo e ficou

conhecido como o “barroco de Turim”, por se empenhar em distorcer as

formas da natureza em busca de motivos meramente decorativos. Essa

característica é denominada de biomorfismo, encontrada em movimentos

anteriores, como o Rococó e o Barroco. Seu objetivo com o biomorfismo

era levar o potencial da madeira ao limite. Um dos exemplos desse

trabalho com a madeira é a mesa Arabesque:

Figura 40: "Mesa Arabesque", 1950.

Fonte: MOLLINO, Carlo. Disponível em: http://www.awmagazin.de/. Acesso em: 15 jan.

2018

Page 109: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

108

A partir desse questionamento da racionalidade do design, começam

a aparecer os primeiros trabalhos antidesign. Essa indagação em torno do

que é design e o fato de se colocar contra ele nos colocam diante de como

a modernidade definiu e entendeu o design. Essa construção conceitual

ocorreu por intermédio, principalmente, das vanguardas. Como vimos

anteriormente (capítulo II), com o fechamento da Bauhaus e a ida de seus

professores para os Estados Unidos, houve uma pulverização das ideias da

escola alemã, em território americano. A principal consequência dessa

transferência da Europa para os Estados Unidos é uma constituição, no

campo do design e da arquitetura, de uma ideia do que seria uma nova

maneira de projetar objetos de uso. Nas palavras de Raymond Barr,

curador do MoMa (Museum of Modern Art) e autor do prefácio do catálogo

da exposição, que ocorreu em 1938, essa nova maneira de projetar seria

“a única acertada”138. Assim, cria-se a ideia de good design ou a boa

forma, sobre a qual Souza afirma:

“[...] de que certos objetos produzidos pela indústria, por sua

particular qualidade formal, deveriam ser considerados como

exemplares. Há nesse conceito uma evidente ideia elitizante, na

medida em que a própria apreciação de tais qualidades formais

dependeria de um grau de conhecimento e de educação

específicos. Dessa forma começou-se também a associar a ideia de

design a um discurso formal”139.

Desse modo, constitui-se um modo de afirmar o que é design, como

sendo uma abordagem racional que cria produtos a partir de princípios

formais baseados na técnica e na estética moderna, principalmente da

Bauhaus. Outra nomenclatura que surge nos Estados Unidos, juntamente

com o good design, é o Estilo Internacional, que absorve o próprio good

design e parte do que se entende por estilo Bauhaus. Esse termo foi

usado pelo mesmo curador da exposição da Bauhaus, Raymond Barr.

138 BARR, Raymond. In: SOUZA, Pedro Luiz Pereira. Notas para uma história do design. Rio de

Janeiro: 2AB, 1998, p. 53.

139 SOUZA, Pedro Luiz Pereira. Notas para uma história do design. Rio de Janeiro: 2AB, 1998, p.

53.

Page 110: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

109

Segundo Charlotte e Peter Fill, o curador usou esse termo para definir os

trabalhos de:

“Le Corbusier, Jacobus Johannes Pieter Oud, Walter Gropius e

Ludwig Mies Van der Hohe. Barr identificou um estilo universal que

transcendia as fronteiras nacionais, [...] que combinavam função e

tecnologia com um vocabulário geométrico da forma, para produzir

uma estética moderna despojada”.140

Assim, criou-se um moralismo da forma que estabeleceu o que é ou

não design. É, justamente, contra essa edificação moderna que as

vanguardas italianas do design buscaram se colocar diante da história. A

partir do trabalho de Carlo Mollino, entre as décadas de 1940 e 1960,

constitui-se a base que deu sustentação para os questionamentos do que

vem a ser design. O resultado desse processo fica mais evidente no final

da década de 1960, com o radical design, com vários estúdios que

começam a criar objetos que iam de encontro ao que se entendia por

objetos de design. A diferença do antidesign para o radical design é que

este último, segundo Charlotte e Peter Fiel: “era mais politizado e

experimental e tentava alterar a percepção geral do Modernismo através

de propostas e projeções utópicas”141. Os principais estúdios desse

movimento foram o Superstudio, Arquizoom, Global Tools e o Grupo

Sturm. Eles consideravam que as vanguardas modernas se tornaram o

estabelecido e estavam a serviço do consumismo, para combater essas

definições estabelecidas pelo good design ou boa forma e Estilo

Internacional. Era necessário buscar um outro caminho que aproximasse o

design, novamente, das pessoas comuns e que afrontasse a noção

estabelecida de funcionalismo e bom gosto. Para isso, começaram a usar

os novos materiais disponíveis pela indústria como: o plástico, espuma,

revestimentos de borracha e acrílico. Acabaram, assim, trazendo

elementos trabalhados na pop art para dentro dos objetos de uso. As

140 FIEL, Peter & Charlotte. Design do século XX. Lisboa: Taschen, 2015, p. 344.

141 Idem, p. 589.

Page 111: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

110

cores e as formas que faziam parte do cotidiano começam a entrar no

design dos objetos para potencializar seu uso.

Figura 41: "Luminária Pílula", 1968.

Fonte: CASATI, Cesare e PONZIO, Emanuele. Disponível em:

https://www.architonic.com/. Acesso em: 20 jan.2018.

Nesse trabalho dos designers Casati e Ponzio, percebemos a

referência a questões do cotidiano, como as pílulas. Uma das maneiras de

contrapor o Modernismo e ficar mais próximo das pessoas era projetar

peças que divertissem e zombassem da funcionalidade e do bom gosto.

Figura 42: “Mesa Quaderna”, 1971.

Fonte: Superstudio. Disponível em: https://www.pinterest.pt/. Acesso em: 09 fev. 2018.

O Superstudio foi fundado em 1966, em Florença, por Adolfo

Natalini e Cristiano Francia, que buscavam em seus projetos questionar a

validade do Racionalismo no design, construir um mundo utópico, sem

produtos de consumo e onde o design e a arquitetura fossem infuncionais

e autodestruidores e simbólicos, tudo isso ao mesmo tempo.

A Arquizoom Associati foi outro grupo que levou as ideias do radical

design para além das fronteiras italianas. Foi fundada por Andrea Branzi,

Page 112: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

111

Paolo Deganello, Gilberto Corretti e Massimo Morozzi, em Florença, 1966.

Seus trabalhos procuravam demostrar que: se o racionalismo fosse levado

ao seu extremo, ele seria irracional. A Arquizoom dizia que “A principal

finalidade da arquitetura moderna é a eliminação da própria

arquitetura”142. Já a Arquizoom e o Superstudio organizaram duas

exposições entre 1966 e 1967, onde apresentaram trabalhos alinhados ao

radical design com obras de “superarquitetura”. Em 1969, criaram a

cadeira Mies em “homenagem” a Mies Van der Rohe. Nesse trabalho,

usaram referências da cultura popular e do kitsch para ridicularizar as

pretensões do que se entendia como a boa forma do design e o Estilo

Internacional.

Figura 43: Cadeira Mies”, 1969.

Fonte: Arquizoom. Disponível em: http://www.archiexpo.com/pt. Acesso em: 23 fev.

2018.

O Grupo Sturm fez parte, também, do que se entendia por

vanguarda italiana. Sua contribuição foi buscar na pop art inspiração para

criar seus projetos que tinham tamanhos exagerados e seu uso fora de

contexto. Seus fundadores foram Giorgio Geretti, Pietro Derossi, Carla

Giammarco, Ricardo Rosso e Maurizio Vogliazzo, que participaram

intensamente na organização de seminários, escreveram artigos e teorias

do design para promover as ideias do antidesign e do radical design. O

nome do grupo faz referência ao objetivo de criar uma arquitetura

instrumental capaz de fazer parte da vida das pessoas. Um dos exemplos

142 ARQUIZOOM, Associati. In: FIEL, Charlotte & Peter. Design do século XX. Lisboa: Taschen, 2015, p. 47.

Page 113: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

112

desses projetos é o “Grande Prato”, um dos poucos projetos de antidesign

que saíram do papel. É uma poltrona não muito convencional.

Figura 44: “Poltrona Pratone”, 1966

Fonte: Grupo Sturm. Disponível em: https://br.pinterest.com/. Acesso em 26 fev. 2018.

Para Argan, o fato de o design italiano ter ganhado relevância

internacional e de se tornar referência para a teoria do design diz muito

sobre a função do objeto no cotidiano da sociedade. A Itália do pós-

Segunda Guerra estava fragmentada e envelhecida, já que o fascismo

dividira as opiniões sobre política dentro do país e muitos de seus jovens

morreram na guerra. “O design italiano, [...] não foi um fator de

nivelamento, mas de agregação social. Cria uma solidariedade entre quem

pratica as mesmas tipologias de objetos auxiliares. Adere à ritualidade

geral da vida cotidiana”143. Mas a consequência desse processo é que ele

ocorre criando espaços artificiais: os das lojas de departamento. Há uma

agregação social em torno dos objetos que criam as condições materiais

para a vida. O autor continua: “À atração visual dos objetos corresponde à

mão estendida do usuário, que pega o objeto da prateleira como colheria

uma fruta madura da árvore”144. As vanguardas italianas, ao combater o

distanciamento dos objetos ditos de design, acabam por criar as condições

narrativas que colocam um ponto final no discurso moderno, já que este é

o estabelecido. O novo se coloca contra o estabelecido, também, no

design. As vanguardas italianas com materiais de fácil adesão pela

indústria, uma narrativa efêmera de celebração da diversão e do deboche 143 ARGAN, Giulio. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.

279.

144 Idem.

Page 114: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

113

e com referências que estavam contidas na vida cotidiana das pessoas.

Desse modo, acabou por ser o elemento novo, com a capacidade de

atender as demandas das novas condições da dita pós-modernidade e sua

busca pela programação da vida. Assim, será constituído o cenário que

celebra o naturalmente artificial; os objetos não escondem mais a sua

capacidade de constituir a vida cotidiana como cenário da espera contínua

por acontecimentos efêmeros que tornam a vida dominada pelo artificial.

O design italiano deu ao objeto a atração que faltava para sua eficiência

visual. Ele agora é acessível e alinhado às condições pós-modernas, uma

vez que gratifica, fascina e agrega, tudo isso, sem cobrar do receptor

nenhum conhecimento prévio. Ele é puro acontecimento programado, sem

fazer nenhuma referência história do seu projeto. Assim, segundo Argan,

a Itália: “Caracterizou um período de juventude recuperada por um país

que se jugava velho. Foi um sinal e um ato de confiança da sociedade

italiana dirigido aos países europeus e americanos de progresso mais

avançado”145.

3.4 Cotidiano, arte e objetos: O kitsch e o ocaso das vanguardas

O desenvolvimento das vanguardas, desde seu início no final do

século XIX até meados da década de 1960, constituiu uma cultura de

vanguarda, que foi capaz de permear toda a história da arte e que estava

em profunda sintonia com a história da humanidade. Esse sincronismo foi

capaz de criar uma nova maneira de analisar a história e a sociedade,

tendo como resultado o nascimento de novas formas de forjar a vida, a

partir de critérios que ainda não tinham sido elaborados pela arte.

Palavras como história, utopias, projeto, vida cotidiana e ordem social

fizeram parte do vocabulário artístico das vanguardas. A crítica elaborada,

a partir desses movimentos vanguardistas, levavam em conta condições

históricas, suas causas e seus efeitos. Temos vários exemplos desse

145 Ibidem, p. 280.

Page 115: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

114

processo, como a influência da Primeira Guerra nos primeiros movimentos

de vanguarda (como vimos no capítulo II), a ação da Revolução Russa

para os construtivistas e as consequências da Segunda Guerra para a

Bauhaus. O novo, nesse momento, foi mostrar por meio da arte que nosso

cotidiano é forjado por uma ordem social que naturaliza modos de vida. A

tarefa da arte, assim, é desnaturalizar, demonstrando que a vida

burguesa é apenas o último estágio de uma repetição de ordens sociais

constituídas historicamente. É desse modo que as vanguardas se

estabelecem como cultura, já que buscam na ordem social estabelecida

elementos para questionar a vida. Temos um processo de criação que não

se limita a examinar apenas questões que até então estavam relacionadas

com a arte, como o belo, o gosto e o sublime, mas procura relacionar a

arte com a vida, por meio da aproximação com questões históricas e

cotidianas como a industrialização, o modo de trabalho, nossa relação com

os objetos para entender nossa ordem social e questioná-la.

Na condição de cultura, as vanguardas sofreram também processos

de questionamentos, já que se colocam e se constituem, também, como

um conjunto de técnicas e métodos de criação, estabelecem

procedimentos para validação da arte e acabam por delimitar, por mais

contraditório que possa parecer, o que é a arte e por consequência

estabelecer o modo de vida moderno, pois não há mais barreiras entre

arte e vida. A essa retaguarda que surge, para contrabalancear as

vanguardas, é o que os alemães dão o nome de kitsch. Nas palavras do

crítico de arte Clement Greenberg:

A arte e a literatura popular e comercial com seus cromotipos,

capas de revista, ilustrações, anúncios, subliteratura, histórias em

quadrinhos, a música de Tin Pan Alley, sapateado, filmes de

Hollywood etc. O kitsch é um produto da revolução industrial que

urbanizou as massas da Europa ocidental e da América e

estabeleceu o que se chama de alfabetização universal146.

Essa alfabetização universal foi o ponto de partida da pop art, para

levar a arte para a vida de mais pessoas, ao usar elementos que faziam

146 GREENBERG, Clement. Arte e cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 33.

Page 116: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

115

parte desse alfabeto de imagens. Esse processo ocorreu também no

campo das artes aplicadas, aproximadamente no mesmo período

histórico, como vimos com as vanguardas italianas do design. É nesse

ponto que percebemos a aproximação entre as ideias vanguardistas e a

outra ponta da revolução industrial, o Kitsch. Nosso intuito, neste capítulo,

com a pop art e as vanguardas italianas do design, foi o de colocar o

ponto final no discurso moderno das vanguardas, justamente porque

esses movimentos artísticos foram capazes de fazer a leitura dessa

alfabetização universal e estabelecer a relação entre o Kitsch e as

vanguardas. Após esse passo na história da arte e do design, demarcar as

fronteiras entre arte, objetos e vida cotidiana ficou mais difícil. Assim, o

Kitsch ganha espaço por conseguir estabelecer uma comunicação com a

parcela da sociedade que se via fora dos espaços destinados à cultura – os

museus, as salas de espetáculo, as galerias de arte – e que não teve

acesso ao repertório cultural fornecido pelas universidades através da

história da arte. Houve uma mudança no pós-Segunda Guerra, com o

crescimento econômico e a urbanização, que criou as condições para a

ascensão de uma parcela da sociedade que não tinha repertório cultural

daquilo que se estabelecia como cultura genuína e que, no entanto,

estava ávida por consumir diversidade. Para operar esse novo desejo por

objetos que carregassem consigo algo que demonstrasse essa mudança

de patamar econômico, esse “algo” somente uma cultura poderia

fornecer. Desse modo, o Kitsch se constitui como cultura, pois provê

codificações sociais que fornecem hábitos para o cotidiano de mais

pessoas, criando, assim, uma rotina, um modo de vida, que comunica um

estilo, uma maneira de marcar a conduta dos indivíduos, de modo que a

participação no conjunto social ocorra por meio do consumo de objetos

que têm algum signo estético. O Kitsch forneceu para a indústria o

caminho para chegar ao cotidiano das pessoas. Segundo Greenberg: “O

Kitsch é mecânico e opera por fórmulas. É experiência vicária e sensações

falsas. Muda de acordo com o estilo, mas permanece sempre o mesmo.

Page 117: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

116

Finge não exigir nada de seus clientes, a não ser seu dinheiro – nem

mesmo seu tempo”147.

Três características do Kitsch fazem com que ele esteja presente

cada vez mais, ao longo do século XX, no repertório de objetos e na arte a

partir da década de 1960. Uma dessas características é a de se constituir

como uma fórmula estética; a repetição é uma das estratégias. Andy

Warhol percebeu essa marca da indústria e a usou com profusão. A

adaptabilidade a novas demandas é outro aspecto que faz com que o

Kitsch ganhe papel central, ao se estabelecer como valor de novidade.

Não teremos mais novos projetos aglutinadores em torno de ideais de

vida. O que ocorre nesse momento do século XX, com a ascensão do

Kitsch, é que cada lançamento de uma nova exposição ou de um produto

precisa estar marcado pelo novo atravessado pelo estilo; é ele que define

esse valor de novidade, que não muda nada. Desse modo, acaba por fingir

uma falta de exigência. Não é necessário conhecer a história da arte, para

ser ter um estilo, não é necessário relacionar o contexto social dos objetos

para possuí-los, mas, principalmente, não é necessário ter tempo livre

para pensar sobre esse novo contexto em que se está inserido. Não há

mais consenso sobre o que é arte ruim, por exemplo. Essa incapacidade

de construir consensos e constituir projetos de vida comum resulta nas

condições da pós-modernidade, segundo Lyotard: “Desta decomposição

dos grandes relatos, segue-se o que alguns analisam como a dissolução

do vínculo social e a passagem das coletividades sociais ao estado de uma

massa composta de átomos individuais lançados num absurdo movimento

browniano*”148.

O Kitsch demarca esse cenário de uma nova tradição que se impõe

sobre o moderno, já que consegue estabelecer uma nova narrativa, por

147 GREENBERG, Clement. Arte e cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 37

* O movimento browniano pode ser definido como movimento aleatório de partículas microscópicas

imersas em fluido. Esse movimento provém dos choques das moléculas do fluido nessas partículas.

148 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2009, p. 28.

Page 118: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

117

meio de fórmulas baseadas em estudos sobre o comportamento humano e

avanços tecnológicos da indústria, capaz de romper qualquer distinção

entre arte, objetos e vida cotidiana. Não há narrativa apropriada que

chegue a indivíduos atomizados em permanente movimento sem qualquer

projeto unificador. A consequência desse novo panorama é a dificuldade

do público em geral de concluir o que é arte de qualidade. Essa mesma

dificuldade foi, também, enfrentada nas artes aplicadas. Greenberg marca

o Kitsch nesse processo como a cultura que teve a eficiência de apagar

qualquer distinção entre os valores da arte considerada de qualidade e a

de má qualidade: “O Kitsch, em virtude de uma técnica racionalizada que

se baseia na ciência e na indústria, apagou na prática essa distinção”149.

Esse processo ocorre quando as camadas sociais menos escolarizadas

percebem que a arte não corresponde à realidade vivida no seu cotidiano.

Se nesse contexto houver insatisfação social contra aqueles que,

historicamente, demarcaram os limites da arte, sejam as universidades,

as galerias, os museus, que são na verdade as camadas sociais

minoritárias que detêm o poder e o conhecimento, o que se atinge são as

condições para questionar a arte estabelecida, que, nesse contexto

histórico que estamos analisando, foi a última etapa do Modernismo: as

vanguardas. Essa insatisfação com a ordem social levou o homem comum

a questionar também a cultura. É evidente que esse processo de

questionamento da arte ocorreu, também, em outros momentos da

história da arte; a diferença aqui é que essa energia social captada foi de

ressentimento em relação à cultura voltando suas forças para uma

insatisfação reacionária, que buscou expor suas ideias por meio da volta

ao passado sem história, da valorização do presente e de sua

simplificação virtuosa. O Kitsch é a cultura para os que não possuíam

tempo livre, conforto e conhecimento histórico, mas buscavam participar

de alguma forma do universo cultural. O passo adiante que a indústria

deu foi o de estabelecer a cultura Kitsch, pois para apreciar essa estética

149 GREENBERG, Clement. Arte e cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 37.

Page 119: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

118

não é necessário esforço, já que se desfruta da familiaridade, da imitação

e da repetição de estilemas construídos pela modernidade. O uso da

história da arte como um depositório de imagens e o contexto histórico

são descartados; o que está em jogo é a percepção social de algum valor

nessa imagem e a busca por imitar seus efeitos de novidade por meio da

repetição.

Page 120: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

119

Capítulo IV: O embaralhamento entre arte, objetos e vida

cotidiana.

4.1 O projeto moderno: do palácio de Cristal à implosão do Pruitt-

Igoe

Há uma dificuldade em utilizar as palavras “modernidade” e ou

“moderno”, pois na história, na história da arte, na filosofia e entre as

ciências humanas existe uma diversidade de significados de uso. Cada

uma dessas áreas do conhecimento usa essas palavras para marcar

períodos diferentes da experiência humana. “As pessoas também se

achavam modernas no tempo de Carlos Magno, no século XII, e no

período das luzes”150. Por isso, a importância de fixar os limites de uso das

palavras e quais são os nossos referenciais teóricos para o tema.

Baudelaire é o primeiro, já que é ele que recoloca a palavra em circulação

no século XIX.

Assim ele vai, corre, procura. O quê? Certamente esse homem, tal

como o descrevi, esse solitário dotado de uma imaginação ativa,

sempre viajando através do grande deserto de homens, tem um

objetivo mais elevado do que o de um simples flâneur, um objetivo

mais geral, diverso do prazer efêmero da circunstância. Ele busca

esse algo, ao qual se permitirá chamar de Modernidade”.151

Essa busca por algo desconhecido para encontrar o novo acaba por

estabelecer uma nova maneira de se relacionar com o tempo presente, e

é essa nova atitude em relação ao agora, ao hoje, que chamamos de

modernidade. Se buscarmos a etimologia da palavra, encontraremos:

moderno, o que pertence ao seu tempo. No que Harold Rosenberg

chamou de “A tradição do novo” e que Octavio Paz denominou de “A

tradição da ruptura”, esse novo e essa ruptura é com o passado, que se

coloca como aquilo que deve ser combatido para dar lugar, no hoje, ao

desconhecido ou, nas palavras de Baudelaire, ao moderno. Esse é um dos

150 HABERMAS, Jurgen. In: BOURRIAUD, Nicolas. Formas de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2011,

p. 22.

151 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 24.

Page 121: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

120

indicativos para entendermos o conceito de modernidade, mas

percebemos também que o ambiente e as circunstâncias em que esse

homem procura “o novo” também são novos. Há um “deserto de homens”

em decorrência da urbanização. Um exemplo desse ambiente é que o

número de cidades com população acima de cinquenta mil habitantes

dobrou na França entre 1847 e 1880152. Entraram em cena a máquina a

vapor, o trem e a industrialização. Como vimos, no capítulo I, a

capacidade de produção industrial se amplia e possibilita que mais

pessoas tenham acesso a bens materiais. A consequência desse processo

para a cultura é que características burguesas acabam por ganhar

centralidade e, na arquitetura, podemos perceber algumas dessas marcas.

Há uma ampliação da arquitetura para outros espaços que não apenas dos

palácios e das igrejas. Segundo Habermas: “Com o capitalismo industrial

surgem novas esferas da vida, que se furtam à arquitetura palaciana e

eclesiástica, bem como à antiga cultura arquitetônica da Europa urbana ou

rural”153. Assim, foi necessário que a arquitetura projetasse novos espaços

para mais pessoas e buscasse soluções para novas escolas, fábricas,

rodovias e principalmente as estações ferroviárias que, com o avanço da

tecnologia, proporcionaram com que mais passageiros pudessem se

movimentar. Esse novo espaço onde há aproximação, mas também um

anonimato, produz uma nova percepção da vida nos grandes centros

urbanos. A literatura foi capaz de captar essa nova forma de vida. Edgar

Allan Poe154, no seu conto “O homem da multidão”, retrata essa nova

perspectiva de vida na Londres da década de 1840, maior centro urbano

da Europa, e a alternativa de aparecer no meio de muitos e ao mesmo

tempo se perder na multidão. As estações ferroviárias se transformaram

152 Tabela 1: A Europa e os Estados Unidos: países e recursos. In: HOBSBAWM, Eric. A era do

capital. São Paulo: Paz e Terra, 2014, p. 461.

153 HABERMAS, Jungen. Arquitetura moderna e pós-moderna. Novos Estudos Cebrap, nº 18, 1987,

p. 118.

154 Escritor americano que viveu entre 1809 e 1849, considerado um dos criadores do conto

policial.

Page 122: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

121

em símbolo dessa nova forma de vida, do dinamismo e dos avanços do

homem. Nas artes plásticas, vimos, também no capítulo I, a obra de

Daumier como a representação desse novo processo. Essa maneira mais

rápida e fácil de se locomover também fez com que mercadorias

chegassem a lugares mais remotos e a públicos diversos. A arquitetura

teve que dar conta de projetar armazéns, mercados e novos centros de

compra que pudessem absorver um número maior de pessoas e que

também facilitassem o acesso a mercadorias.

4.1.1 Da Exposição Universal de Londres às lojas de

departamento: a tradição e a ruptura moderna

A Exposição Universal de Londres de 1851 é o exemplo privilegiado

desse processo, já que a arquitetura do local em ferro e vidro trouxe

novas possibilidades para pensar espaços capazes de absorver tanto

pessoas como mercadorias, máquinas, artefatos da indústria e a produção

artística da época. Para Cardoso: “A grande exposição de 1851 representa

uma ruptura com toda a tradição mercantilista de isolamento comercial e

constitui-se em um dos grandes marcos na formação de um sistema

econômico global”155. O grande sucesso da exposição por parte do público

e da crítica e o retorno financeiro que o evento proporcionou permitiram

uma nova percepção comercial, uma ruptura, de busca por consumidores

para além das fronteiras nacionais. Isso fez com que industriais

conhecessem novas máquinas e produtos e estimulou a concorrência. As

exposições universais se espalhara m inicialmente pelo mundo europeu e

na América do Norte. A partir desse novo espaço projetado para as

mercadorias e para o grande fluxo de pessoas, a arquitetura tem um novo

desafio: organizar as cidades e esses novos centros de compra, de lojas

de departamento a shopping centers, essas cidades dentro da cidade.

Uma das primeiras lojas de departamento que percebeu as possibilidades

de usar os elementos arquitetônicos das grandes exposições universais

155 CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Blucher, 2008, p. 90.

Page 123: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

122

para construir um ambiente voltado para a exposição privilegiada dos

produtos, juntamente com a capacidade de receber um grande fluxo de

pessoas, foi o Le Bon Marché, em Paris. Em 1869, iniciou-se a construção

do edifício que abrigaria a loja, com 50 mil metros quadrados e projetado

pelo arquiteto Louis-Charles Boileau e pelo engenheiro Gustave Eiffel, que

foi um dos responsáveis pela construção da Estátua da Liberdade e da

Torre Eiffel. Os dois eram os pioneiros no uso dos materiais ferro e vidro.

Segundo Lipovetsky: “Como nas igrejas barrocas, cuja fachada tinha por

vocação explícita atrair os fiéis com suas formas surpreendentes e

sedutoras, a espetacularização do exterior das lojas de departamentos

persegue o mesmo objetivo, bem concreto: fazer o cliente entrar”156.

Como nas grandes exposições, esses materiais permitiam a entrada

da luz e permitiam que os produtos fossem mais bem visualizados, e o

ferro dava ao local o aspecto de estar alinhado às tendências do progresso

e da indústria. A espetacularização se dava pela fachada, que buscava

chamar os clientes para dentro da loja. A parte interna tinha o objetivo de

manter o cliente o máximo de tempo possível, por meio das técnicas de

cenário para despertar o fascínio e estimular o consumo. Já em 1895, a

loja vendia mais de duzentos produtos dos mais diversos tipos, o que

atraia ainda mais pessoas para o local. A loja virou um ponto turístico da

cidade com visitas monitoradas e explicações, do mesmo modo que ocorre

nos museus.

Figura 45: Área externa e interna do Le Bon Marché, 1895.

Fonte: Disponível em:https://www.cnews.fr/france/le-bon-marche-celebre-ses-160-ans.

Acesso em: 23 mai. 2018.

156 LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 139.

Page 124: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

123

As lojas de departamento se espalham pela Europa e Estados Unidos

e alinhavam arquitetura, indústria, design e consumo. As condições

estabelecidas por esses novos agentes econômicos fizeram com que a

vida cotidiana ganhasse novos aspectos até então desconhecidos, já que,

para boa parte dos trabalhadores, ter a possibilidade de comprar produtos

que não eram de primeira necessidade ocorreu pela primeira vez na

história. Segundo Hobsbawm: “Até as massas trabalhadoras se

beneficiaram com essa expansão, ao menos na medida em que a

economia industrial de 1875-1914 era predominantemente do tipo mão de

obra intensiva”157. Esse processo de estetização das lojas de

departamento, em busca de atrair novos clientes, fez surgir um novo

estilo de vida que se configura a partir da estetização da vida cotidiana

por meio da mercadoria. A sociedade de consumo é o resultado dessa

nova conduta de compra como evento capaz de preencher o tempo livre e

se constituir no cotidiano como lazer. O indivíduo é “convidado” a entrar

em espaços privados, e neste, passar algumas horas. Este é o espaço em

que o mundo se resume: a sua capacidade de compra e o significado

estético de cada item já são determinados de antemão. Nesses espaços

projetados para o consumo, a interpretação desse “mundo das

possibilidades” é padronizado. É nesse ponto que podemos perceber o

papel do cotidiano na sociedade de consumo. Ele não é apenas, como

afirma Baudrillard: “a soma dos fatos e gestos diários, a dimensão da

banalidade e da repetição; é um sistema de interpretação”158. É,

justamente, essa interpretação prévia do que é dado pelos objetos e pelo

espaço que constitui essa nova relação entre o indivíduo e o ambiente

cultural, social e político. A sua interpretação do mundo é fornecida por

aquilo que ele absorve esteticamente desses novos espaços e interações

com essas novas mercadorias; não há mais uma relação com um todo do

157 HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 90.

158 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 26.

Page 125: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

124

qual se participa e se formula, mas sim uma configuração interna e

fechada do privado.

A modernidade responde a esse andamento da história com as

vanguardas, buscando criticar o passado e romper com o que é

estabelecido, como vimos no capítulo II. É, justamente, esse ímpeto por

tentar interromper e começar o novo que chamamos de tradição moderna.

Nas palavras de Octavio Paz: “Uma tradição feita de interrupções e na

qual cada ruptura é um começo”159. As vanguardas artísticas foram as

tentativas de interromper o passado que estava contido no presente e

abrir as possibilidades do futuro, cada uma a sua maneira. Essa

pluralidade de ideias e sua capacidade de produzir sua própria autocrítica

foram e são o que mantém a tradição moderna presente no espectro

estético e crítico da sociedade, mas, como alerta Rosenberg, ao se tornar

tradição, surgem contradições: “O novo não pode tornar-se tradição sem

dar lugar a contradições singulares, mitos, disparates – criativos, mesmo,

amiúdes”160. A valorização e a busca constante pelo novo e por rupturas

com o passado geram paradoxos que fazem com que estejamos

discutindo a modernidade mesmo quando desejamos escapar dela. Com

as vanguardas, procuramos, ao longo da dissertação, demonstrar essa

busca pelo novo e pela ruptura, principalmente, com a Bauhaus de

Gropius e o Dadá de Duchamp e seus ready-made. Nessa relação entre os

dois movimentos, podemos observar essa autocrítica que a tradição

moderna se impôs pela diversidade de possibilidades, já que cada uma

buscou questionar o avanço da indústria e dos objetos de consumo a sua

maneira. Para os dadaístas havia uma crença na obstrução do sentido dos

objetos; o que se buscava era a inutilização, para dar ao espectador uma

nova possibilidade de fruição estética sobre os produtos industrializados

contidos no seu cotidiano. Já com a Bauhaus, o que ocorre é o contrário:

não se busca a obstrução dos significados dos objetos, mas, sim, uma

159 PAZ, Octavio. Os filhos do barro. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 15.

160 ROSENBERG, Harold. A tradição do novo. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. XV.

Page 126: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

125

nova maneira de criar objetos úteis e belos capazes de, a partir do seu

uso cotidiano, fazer com que se tenha uma nova percepção do fazer

artístico e do seu uso social.

4.1.2 A arquitetura Moderna e o Shopping center

A Bauhaus buscava além de pensar o objeto de uso, como insistimos

ao longo do trabalho, mas também a arquitetura, contribuindo com um

novo olhar e com uma novarquitetura, no vocabulário de Gropius.

Perceberemos esse esforço moderno de produzir crítica sobre si mesma

também na arquitetura, como afirma Habermas:

“Seja como for, a arquitetura moderna, que nos seus inícios se

desenvolvia a partir do organicismo bem como no racionalismo foi o

primeiro e único estilo, desde os dias do classicismo, capaz de se

impor deveras e até impregnar o cotidiano”.161

Essa arquitetura buscou, a partir do racionalismo, se contrapor a

uma arquitetura palaciana e eclesiástica que se desenvolvia e marcava a

estética das cidades, como vimos com as grandes exposições universais e

as lojas de departamento. A partir do empenho de arquitetos como Frank

Lloyd, Adolf Loos, Gropius, Mies Van der Rohe, Le Corbusier e Alvar Aalto,

a modernidade conseguiu produzir uma estética capaz de superar uma

pulverização de estilos que dominou o século XIX — chegar à vida das

pessoas e, assim, cumprir a missão vanguardista de aproximar a arte da

vida. A arquitetura se afasta das limitações de ser a representação da

ostentação e do exagero presentes nas fachadas e na disposição interna

para acomodar o maior número possível de pessoas. Com as vanguardas,

a arquitetura buscou se aproximar da vida e projetar um novo modo de

viver nas cidades próximo da prática cotidiana. A arquitetura moderna

ganha centralidade e passa a fazer conexões com o design, a decoração e

o planejamento urbano. Durante e após a Segunda Guerra Mundial,

intelectuais, artistas e arquitetos modernos migraram para os Estados

Unidos, como vimos no capítulo II, e fizeram com que a arquitetura

161 HABERMAS, Jungen. Arquitetura moderna e pós-moderna. Novos Estudos Cebrap nº 18, 1987,

p. 118.

Page 127: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

126

moderna ganhasse visibilidade nas universidades e projetasse cada vez

mais o espaço urbano. A mostra International Style, no museu de arte

moderna de Nova York em 1932, demonstra a força da arquitetura

moderna, que a partir desse momento também ficou conhecida com estilo

internacional. A reconstrução da Europa e o crescimento americano do

pós-Segunda Guerra deixaram a arquitetura moderna em uma situação

difícil. A demanda por novos investimentos e o crescimento desordenado

acabaram por sobrecarregar as possibilidades da modernidade

arquitetônica. A busca por uma utopia projetada por um arquiteto, que

seria capaz de atender as solicitações da vida cotidiana, fez com que se

acreditasse que o projeto conseguiria abarcar toda a complexidade e

variação da vida nos grandes centros urbanos. A arquitetura se

sobrecarregou, segundo Habermas, também porque:

“E os êxitos do movimento moderno induziram os pioneiros à

infundada expectativa de que a ‘unidade de cultura e produção’ se

pudesse estabelecer também num outro sentido: as limitações

econômicas e político-administrativas a que a remodelação do meio

ambiente está sujeita aparecem, por esse prisma idealizante, como

mera questão de organização”162.

Essa crença fez com que os arquitetos modernos acreditassem que,

por meio do projeto, eles seriam não só capazes de organizar a cidade,

como também de formular uma nova cultura, organizando todo o aparato

da produção e da vida em sociedade. Os sintomas desse peso, que a

arquitetura moderna colocou sobre si mesma, começam a ser percebidos

com as críticas que se iniciam já na década de 1950, com mais força, nas

questões relacionadas a um “totalitarismo” da arquitetura moderna, que

buscava planejar e projetar a cidade embaralhando a arquitetura com a

indústria, o transporte, a política, a cultura e a administração. E com esse

embaralhamento acreditou-se que fosse possível, por meio da organização

da cidade, abarcar toda a vida cotidiana. Essa crítica traz à tona um

elemento que escapou à modernidade e aos seus “slogans”: menos é

mais, de Mies Van De Rohe, e a forma segue a função, de Louis Sullivan;

162 Ibidem, p. 122.

Page 128: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

127

foi o objeto de consumo. Nesse ponto é importante conceituar o que vem

a ser o objeto de consumo e suas diferenças para os outros objetos,

segundo Baudrillard:

“Este objeto não ganha sentido, nem numa relação simbólica com o

sujeito, nem numa relação operatória com o mundo; só ganha

sentido na diferença com outros objetos, segundo um código de

significações hierarquizadas. Só isto, sob pena das piores confusões,

define o objeto de consumo”.163

No final da década de 1950 com a pop art que analisamos esse novo

objeto, segundo Foster: “a pop foi uma reconfiguração gradual do espaço

cultural, exigida pelo capitalismo consumista, em que a superfície e o

símbolo eram combinados de novas maneiras”164. Essa nova maneira da

arte de perceber como o objeto de consumo reconfigura o espaço da vida,

o seu poder de dar a aparência das coisas a nossa volta e, principalmente,

sua capacidade de fornecer aos objetos características visuais repletas de

informações já programadas para se esgotar são os pontos centrais que

levaram a pop art para o centro do debate nas artes plásticas e aplicadas.

Para Foster: “A superficialidade consumista dos signos e a serialidade dos

objetos afetou a arquitetura e o urbanismo tanto quanto a pintura e a

escultura”165. Como vimos no capítulo III, foi em 1956 que o termo “pop”

foi utilizado pela primeira vez na exposição, em Londres, This is

Tomorrow. É nesse mesmo ano que é inaugurado o primeiro shopping

center dos Estados Unidos, o Southdale, em Minneapolis. Nesse espaço

comercial, o que se pretende é criar uma cidade dentro da cidade, mas

que não tenha contato com o mundo exterior. A busca é construir um

ambiente no qual não se tenha a percepção do lugar — a artificialidade da

arquitetura dá a sensação de que podemos estar em qualquer lugar. A

grandiosidade do espaço fez com que, desde o início, as construções dos

shopping centers buscassem terrenos nas periferias das cidades, já que

163 BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Rio de Janeiro: Elfos,

1995, p. 53.

164 FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p. 19.

165 Idem, p. 21.

Page 129: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

128

não era necessária nenhuma infraestrutura urbana, pois o objetivo era

construir dentro desse espaço uma infraestrutura própria descolada da

cidade. Por isso, a importância dos estacionamentos nessa construção,

pois, para se chegar a esse espaço seguro, climatizado e repleto de coisas

para se ver e comprar, é necessário o automóvel.

Figura 46: Southdale Mall, Minneapolis, 1956.

Fonte: Disponível em: http://www.aiacc.org/tag/victor-gruen/. Acesso em: 07 jun. 2018.

Não é apenas um espaço de compra, é um novo projeto de cidade, no

qual lazer, gastronomia e compras se encontram em um único lugar, e

com vantagens sobre as antigas lojas de departamento que costumavam

estar no centro das cidades e cheias de obstáculos para quem utilizasse o

transporte individual motorizado. Nos shoppings não é necessário pensar

na cidade, muito menos interagir e participar da sua rotina. O papel da

arquitetura, segundo Lipovetsky: “E a arquitetura, assim como a

decoração, está em uníssono com esse gigantismo”166. O Kitsch é o

elemento estético que busca dar a esse espaço características da vida

privada, utilizando o pastiche para criar uma miniatura de uma cidade

“perfeita” com seus chafarizes, cópias de estátuas gregas, cópias de obras

de arte, jardins e toda a sua iluminação em volta para que não se perceba

se é dia ou noite. Nas décadas seguintes, houve uma explosão de

shopping centers pelo mundo. Na década de 1960, já havia nos Estados

Unidos 3.680 espaços comerciais em funcionamento e, na década

seguinte, o número já era de 12.170 shopping centers em território norte-

166 LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 191.

Page 130: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

129

americano, segundo dados do International Council of Shopping Centers

(ICSC)167. Dentro dessa lógica do shopping center, percebemos que o

passo adiante, na arquitetura dita pós-moderna, será a cidade de Las

Vegas, também nos Estados Unidos, como o novo centro da cultura de

massa no pós-Segunda Guerra. Assim, segundo Lipovetsky:

O Mall à americana encontra, aliás, sua expressão superlativa em

Las Vegas, cidade artificial, imensa galeria de compras estendida

ao longo de um strip central, com seus cenários de estuque e

mármore, seus neons e seus repuxos, suas arquiteturas delirantes

e espetaculares, onde se passa das pirâmides egípcias aos canais

de Veneza ou à Torre Eiffel168.

4.1.3 Aprendendo com Las Vegas e a implosão do Pruitt-Igoe

em 1972

É nesse contexto que o ano de 1972 ganha centralidade para nossa

dissertação, já que é nesse ano que temos a publicação do livro

“Aprendendo com Las Vegas” dos arquitetos Robert Venturi, Denise Scott

Brown e Steven Izenour e a implosão do conjunto habitacional Pruitt-Igoe.

Esses dois fatos ganham relevância, pois mostram o avanço do discurso

pós-moderno na academia e na vida cotidiana das cidades. Em

“Aprendendo com Las Vegas” vemos a aproximação da arquitetura da pop

art, a busca por embaralhar elementos e tornar a arquitetura um símbolo

no espaço e, desse modo, se contrapor ao Modernismo, que buscava ser a

forma no espaço. A crítica que os autores fazem ao Modernismo é que, ao

eliminarem a decoração, acabam por tornar a própria arquitetura em

decoração. Para atingir esse objetivo, a arquitetura pós-moderna teria que

se voltar para os subúrbios americanos e para a ironia, como mecanismos

para embaralhar os valores diversos da arquitetura popular e erudita com

uma sociedade cada vez mais plural, para que, assim, fosse capaz de

conciliar as diferenças entre os valores dos arquitetos e dos seus clientes.

167 Conselho Internacional de shopping centers: https://www.icsc.org/.

168 LIPOVETSKY, op. cit., p. 193.

Page 131: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

130

Para elaborar a crítica à modernidade, Venturi, Brown e Izinour

argumentavam que: “Ao promover o Espaço e a Articulação em

detrimento do simbolismo e do ornamento, distorceram todo o edifício,

fazendo dele um pato”169. Para eles a modernidade tinha, em nome da

forma, se transformado em decoração, ou seja, em um “pato”, e esse

caminho seria corrigido ao assumir que a tarefa da arquitetura não era

começar a estabelecer uma nova cidade do zero, mas a de mudar a

maneira como vemos o ambiente, principalmente, sem julgamento. O

novo seria realçar as condições já existentes. Esse foi o esforço teórico

desses arquitetos ao analisarem Las Vegas sem julgamento, tentando

perceber na cidade todas as possibilidades de ver como se conseguiram

transformar galpões em símbolos a partir de fachadas, luminosos de neon,

letreiros, outdoors e todas as possibilidades da ironia do Kitsch. O passado

é revisitado para, por meio dele, criar de maneira irônica outros modos de

ver a cidade e suas possibilidades de organizar a vida das pessoas. Esse é

a novidade, olhar para a cidade de modo que possamos ver no banal e no

feio possibilidades para a arquitetura, que escapassem ao olhar da

arquitetura moderna.

Figura 47: Ilustração “Pato”, 1972.

Fonte: VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las

Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 118.

A análise do corredor comercial de Las Vegas traz um ponto

importante dessa busca por um “novo” modo de ver a arquitetura: o

carro. O ponto de vista do observador do edifício não é mais o pedestre ou

169 VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo:

Cosac Naify, 2003, p. 203.

Page 132: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

131

o da pessoa que frequenta o estabelecimento, mas sim o automóvel que

passa na rua. Como vemos na imagem anterior, nas duas ilustrações, o

ponto de vista é o da pessoa que está dentro do carro. Nesse contexto,

Las Vegas tem muito a ensinar, já que é uma cidade de difícil acesso e

que, para atrair o público para seus cassinos, a maneira mais rápida de

chegar é por meio do automóvel. É nesse ponto que os autores afirmam:

Chegamos à conclusão de que a arquitetura comercial e orientada

para o carro, típica do espraiamento urbano, é nossa fonte para

uma arquitetura cívica e residencial com significado, tão viável

agora quanto o vocabulário industrial do começo do século XX foi

há quarenta anos para uma arquitetura moderna do espaço e da

tecnologia industrial170.

A fonte para se projetar, a partir dessa análise de Las Vegas, é uma

arquitetura comercial voltada para o carro. Esse será o novo parâmetro da

chamada arquitetura pós-moderna. Las Vegas será o exemplo a ser

seguido. A busca por naturalizar os galpões comerciais de estrada e sua

decoração é uma das possibilidades que são colocadas em questão por

“Aprendendo com Las Vegas”.

Figura 48: News Bureau, Alta Strip, com vista para o Norte, 1972.

Fonte: VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las

Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 68.

Para esse novo ponto de vista, é necessário atrair a atenção de

quem passa a uma velocidade maior, por isso a importância dos

170 VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo:

Cosac Naify, 2003, p. 119.

Page 133: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

132

luminosos, dos letreiros e do embaralhamento de signos, tudo para

chamar a atenção de quem passa de carro, pelo corredor comercial

denominado de strip. Nessa situação, o feio e o banal ganham espaço, já

que o importante é fazer o carro parar em um dos estabelecimentos

comerciais e, para isso, as decorações de galpões, juntamente, com as

placas de publicidade, já servem muito bem, devido à sua escala e sua

capacidade de se adaptar rapidamente a novas demandas, uma vez que a

sua fachada decorativa pode ser facilmente alterada. Segundo os autores:

“Por que defendemos o simbolismo do banal via galpão decorado, contra o

simbolismo do heroico via pato estrutural? Porque esta não é a época,

nem o ambiente propício para a comunicação heroica via arquitetura

pura”171. A consequência desse processo, para Foster, foi:

“Aprendendo com Las Vegas pôde então combinar as marcas

comerciais com os símbolos públicos. [...] Pôde também concluir

que só uma arquitetura cenográfica (isto é, que prioriza uma

fachada de letreiros) poderia fazer ‘conexões entre muitos

elementos, bem distantes e vistos depressa’”172.

É desse modo que se inicia o debate na década de 1970, com

“Aprendendo com Las Vegas”, formulando uma crítica à arquitetura

moderna, a partir de uma nova maneira de ver o legado da modernidade,

chegando até a formular um outro modo de pensar a frase clássica da

modernidade arquitetônica: “menos é mais”, de Mies Van de Rohe; agora,

segundo Robert Venturi: “Menos é uma chatice”173.

O outro evento importante no ano de 1972, para nossa dissertação,

é a implosão do conjunto habitacional Pruitt-Igoe. Construído em St.

Louis, no estado de Missouri, nos Estados Unidos, entre os anos de 1954 e

171 VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo:

Cosac Naify, 2003, p. 168.

172 FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p. 26.

173 VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,

2004, p. 6.

Page 134: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

133

1955, foi projetado pelo arquiteto Minoru Yamasaki174, como parte de um

programa habitacional do governo federal do pós-Segunda Guerra, com o

objetivo de resolver o problema da habitação urbana nos grandes centros.

A base para o projeto do complexo de edifícios foi o trabalho de Le

Corbusier: Ville Radieuse, que nunca chegou a ser construído. Assim, os

edifícios residenciais eram altos e erguidos sobre praças. Os prédios

individualmente, também, tinham características de outro projeto de Le

Corbusier: Unite d’habitation; este, construído em Marselha, na França,

tinha por características estruturas longas e estreitas.

Figura 49: Pruitt-Igoe, 1955.

Fonte: YAMASAKI, Minoru. Disponível em:https://www.archdaily.com.br-habitacional-

pruitt-igoe-minoru-yamasaki. Acesso em 3 ago. 2018.

Desse modo, buscou-se resolver problemas estruturais da cidade via

projeto arquitetônico, seguindo a cartilha moderna. Entretanto, o projeto

inicial previa a segregação racial. No conjunto Pruitt ficariam os negros —

o próprio nome do conjunto é em homenagem ao piloto afro-americano

Wendell Olliver Pruitt, que lutou na Segunda Guerra Mundial. Já o

complexo Igoe ficaria com os brancos; o nome é em homenagem ao

congressista americano e branco, William L. Igoe. Para entendermos o

fracasso do projeto, temos que considerar a complexidade social e não

apenas as características arquitetônicas da modernidade. Um desses

174 Arquiteto americano, que nasceu em 1912, em Seattle, e morreu em 1986, em Bloomfield Hills.

Seus projetos mais famosos são o Pruitt-Igoe e as torres do World Trade Center em Nova York,

que foram destruídas nos ataques de 11 de setembro de 2001.

Page 135: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

134

fatores é a questão da segregação racial, que o supremo tribunal

americano começa a tornar crime a partir de 1954 e, com isso, o

complexo habitacional ganha o nome de Pruitt-Igoe para integrar brancos

e negros. Outro problema que explica a implosão do complexo é que

alguns itens do projeto inicial não foram implementados para baratear os

custos da construção, como o paisagismo, os banheiros no térreo e

parques infantis. A questão da segregação racial nos Estados Unidos não

terminou com a lei que a tornava crime e, com isso, para muitos

moradores de St. Louis, morar no mesmo prédio entre brancos e negros

era uma situação que fugia das expectativas sociais. A consequência foi

que já em 1960 muitos moradores brancos e negros que tinham condições

de pagar moradia em outro lugar saíram dos edifícios do Pruitt-Igoe.

Mesmo na sua ocupação máxima em 1957, 9% dos apartamentos

estavam vazios; em 1960 esse número já chegava a 16% e, na década de

1970, chegou a 65% de ociosidade. Os habitantes que continuaram no

conjunto Pruitt-Igoe eram aqueles que não tinham condições de pagar por

moradia em outro local. Assim, como a manutenção do prédio era de

responsabilidade dos moradores, que com o valor pago mensalmente do

aluguel arcariam com os custos do edifício, ficou inviável custear a

preservação do complexo habitacional, o que repelia, ainda mais, novos e

atuais moradores. Houve o aumento da criminalidade e se construiu o

estigma social do conjunto residencial. Dessa forma, em 1972, o governo

federal determina que o Pruitt-Igoe não tem mais recuperação, e assim

começam as implosões das trinta e três torres do conjunto habitacional.

Aqui nesse ponto podemos entender quando Habermas afirma:

A utopia de uma forma de vida pré-concebida não se pôde encher

de vida. E isto não apenas por causa da apreciação irremediável

subestimada da multiplicidade, complexidade e mutabilidade dos

modernos mundos da vida, mas também porque as sociedades

modernizadas, com suas conexões sistêmicas, excedem a

dimensão que a fantasia do planejador acaso pudesse medir.175

175 HABERMAS, Jungen. Arquitetura moderna e pós-moderna. Novos Estudos CEBRAP nº18, 1987,

p. 122.

Page 136: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

135

É justamente esse o ponto da sobrecarga da arquitetura moderna:

alçar a arquitetura para campos em que não se pode controlar por meio

de projetos aquilo que escapa e faz parte do campo das relações

humanas. O fracasso do Pruitt-Igoe não se deve apenas ao projeto

arquitetônico, mas não podemos deixar de perceber que ele foi concebido

para resolver problemas que não estão no campo de atuação do arquiteto,

mas que se fez acreditar que se resolveriam a partir do ideário moderno

arquitetônico. Em 1951, por exemplo, uma revista renomada de

arquitetura, a Architectural Forum, elogiou o projeto do Pruitt-Igoe. Enfim,

em 15 de julho de 1972, às 15h32min, vários edifícios do Pruitt-Igoe

foram implodidos.

Figura 50: Implosão do Pruitt-Igoe, 1972.

Fonte: Disponível em: https://www.hpssociety.info/news/public-projects. Acesso em: 18

ago.2018.

Toda a dimensão do planejamento urbano elaborado pelo arquiteto

foi destruída em alguns minutos. A complexidade e a capacidade de

mudança que a vida moderna carrega tinham escapado a qualquer

fantasia que o arquiteto, nas palavras de Habermas, pudesse mensurar.

Foi dessa maneira que a arquitetura moderna foi decretada ultrapassada,

segundo Hansen: “Charles Jencks, defensor da arquitetura pós-moderna,

data a morte da arquitetura modernista, que teria ficado totalmente

obsoleta, de 15 de julho de 1972 às 15h32min da tarde”176. Nesse

176 HANSEN, João Adolfo. Pós-moderno e cultura. In: CHALHUB, Samira (Org.). Pós-moderno e

semiótica, cultura, psicanálise, literatura, artes plásticas. São Paulo: Imago, 1994, p. 66.

Page 137: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

136

contexto, toda a complexidade do fracasso do Pruitt-Igoe é colocada sobre

a arquitetura moderna. Seus detratores se utilizaram desse evento para

decretar seu fim. Para os arquitetos ditos pós-modernos: “Os modelos

para os edifícios modestos e imagens com propósito social não virão do

passado industrial, mas da cidade cotidiana que nos cerca, de prédios e

espaços modestos com apêndices simbólicos”177. Para a tradição moderna,

a arquitetura foi um dos pilares para resolver, por meio das artes

aplicadas, problemas de ordem social. Todo o esforço de buscar constituir

um projeto capaz de aproximar arte e vida fica sobrecarregado e acaba

por dar elementos para a elaboração de uma outra tradição que busca nos

elementos do cotidiano maneiras de conceber uma nova arquitetura que

não tenha valores preestabelecidos e que aceita com bom humor e ironia

as condições dadas pela sociedade de consumo com suas fachadas

luminosas, decoração Kitsch e sobrepondo elementos do passado.

Figura 51: Las Vegas, 1972.

Fonte: VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las

Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 86.

4.2 O ready-made em toda parte

Chegamos ao ponto em que os objetos não colocam mais a arte em

questão. Se Duchamp foi capaz de questionar os princípios norteadores do

fazer artístico com seus objetos deslocados de seu significado original, a

partir da década de 1960, esse questionamento perde sua potência.

177 VENTURI, Robert; BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo:

Cosac Naify, 2003, p. 200..

Page 138: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

137

Duchamp dizia que: “Um quadro que não choca não vale a pena”178.

Assim, os ready-made eram os antídotos contra os quadros e sua falta de

mobilização contra o estabelecido. Desse modo, o artista buscou inutilizar

objetos que fossem os mais insignificantes. Existia uma complexidade em

torno das ideias que os ready-made mobilizavam, principalmente, para

negar a arte e devolver para as pessoas a possibilidade de questionar a

realidade por meio da apreciação de coisas que, aparentemente, não

possuíam nenhum valor. Esse grande “não” era a maneira de pensar e

fazer arte e que, ao longo da década de 1960, foi transformado em “sim”.

Os ready-made se espalharam com a pop art, como já vimos no capítulo

III, mas também por outras vertentes e artistas, como o artista americano

Edward Kienholz. Uma frase do artista representa esse momento de

passagem do “não” ao “sim”: “Eu, na verdade, começo a compreender

uma sociedade quando passeio pelas suas feiras da ladra e lojas de

velharias. Para mim, é um modo de aprendizagem e de orientação

histórica”179. A busca não é por objetos que não tenham nenhum

significado, que não representem nada, mas por objetos que possuam

algum tipo de história e que sejam capazes de representar a sociedade.

Desse modo, o ready-made busca representar a realidade e para isso

busca realizar a fruição imediata com o espectador da obra, já que são os

próprios objetos os representantes da sociedade. É o que podemos

perceber na obra intitulada “Espera”. Nesse trabalho, o artista utiliza

materiais que circundam o cotidiano das casas americanas, para

representar o ambiente decadente do cotidiano, repleto de objetos que

representam a vida da pessoa morta na cadeira, que passou a esperar

esse momento no qual o tempo para, na sua fotografia jovem,

representada pelo porta-retrato colocado na sua cabeça. Os objetos

tornam a obra familiar e trazem o espectador para essa percepção da

178 DUCHAMP, Marcel. In: CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: o engenheiro do tempo perdido. São

Paulo: Perspectiva, 1987, p. 121.

179 KIENHOLZ, Edward. In: SCHNECKENBURGER, Manfred. Arte do século XX. Lisboa: Taschen,

2012, p. 509.

Page 139: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

138

passagem do tempo e da decadência, como se cada um dos objetos

fossem os porta-vozes da história. Segundo o crítico de arte

Schneckenburger: “O idílio aconchegante e a figura desumanizada e

artificialmente montada estão mergulhados numa paragem do tempo”180.

Figura 52: “Espera”, 1964/65.

Fonte: KIENHOLZ, Edward. Disponível em: http://collection.whitney.org/object/822.

Acesso em: 25 ago.2018.

Esse esforço da arte por realidade foi a maneira de encontrar uma

comunicação imediata com o espectador. Assim, enchem-se salas de

senso-comum, daquilo que já se conhece e se experimenta todo dia, ou

seja, de vida cotidiana. É nesse ponto que se cruza a aproximação das

artes com o consumo. Segundo Baudrillard: “A propósito, também

podemos já definir o lugar do consumo: é a vida cotidiana”181. O título da

obra “A Espera” demonstra esse modo de vida que aguarda por

acontecimentos, que a repetição dos objetos de consumo procura nos

vender. A vida cotidiana como esse lugar que busca por novidades, mas

que está inundado de acontecimentos repetidos, a espera dessa novidade

“prometida”, esperamos.

Procuramos, ao longo da dissertação, demonstrar como arte e

objeto foram se aproximando, desde a revolução industrial inglesa, com

seu ápice na exposição universal da indústria e da arte de 1851 e em que,

180 SCHNECKENBURGER, Manfred. Arte do século XX. Lisboa: Taschen, 2012, p. 511.

181 BAUDRILLARD, Jean. Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 26.

Page 140: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

139

pela primeira vez na história, arte e objetos industriais foram

apresentados juntos. Com as vanguardas artísticas, percebemos a tensão

em torno do debate sobre objetos e o papel da indústria; demarcamos de

maneira mais forte o debate entre a Bauhaus e o Dadaísmo,

principalmente nas figuras de Walter Gropius e Marcel Duchamp. Com

isso, examinamos como as vanguardas artísticas pensaram em como a

arte poderia se aproximar da vida. Com a Bauhaus, o caminho foi o de

perceber como os objetos úteis e belos poderiam ser portadores de um

projeto de uma nova vida em sociedade, já com os ready-made, de

Duchamp, como a inutilização dos objetos industriais poderiam fazer com

que a vida se transformasse em arte. Com o fim da Segunda Guerra

Mundial, examinamos a migração da arte da Europa para os Estados

Unidos. Com isso, ocorre uma mudança na história da arte. A pop art

surge aproximando arte, objetos e vida cotidiana. Essa aproximação

ocorre por meio do uso de objetos que estão contidos na vida dos

americanos. Analisamos, assim, o último passo das vanguardas, para a

construção de um projeto capaz de aproximar arte e vida. No campo do

design, examinamos as vanguardas italianas na tentativa de buscar um

projeto para as artes aplicadas que fosse para além do estabelecido pelo

estilo internacional. Após esse último esforço coletivo, percebemos uma

pulverização do campo das artes e o avanço da cultura Kitsch. Assim,

chegamos ao ponto em que a arte não busca mais um projeto coletivo

para a vida, mas a vida cotidiana é a fonte de constituição do projeto da

arte. Como vimos, o espaço da vida cotidiana é o espaço privilegiado de

consumo. O que veremos a partir daqui é a estetização da vida, os ready-

made em toda parte e o design como valor de novidade para uma estética

Kitsch. Desse modo, entra em cena o consumo. É importante salientar

que não pretendemos aqui fazer afirmações categóricas de que toda a

arte e o design se converteram em consumo, mas nosso esforço será o de

problematizar e demonstrar como, ao final da década de 1960 e no início

da de 1970, temos acontecimentos importantes que demonstram a

relevância que o consumo teve no campo das artes plásticas, das artes

Page 141: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

140

aplicadas e seus reflexos na vida cotidiana. Esse processo ocorre, pois há

uma crescente demanda por novidade, já que, segundo Hobsbawm:

A economia mundial crescia a uma taxa explosiva. Na década de

1960, era claro que jamais houvera algo assim. A produção

mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de

1950 e o início da década de 1970, e, o que é ainda mais

impressionante, o comércio mundial de produtos manufaturados

aumentou dez vezes182.

Assim, a indústria recorre à arte e ao design para fazer com que

seus clientes percebam valor de novidade em seus produtos e os

consumam cada vez mais. A tecnologia foi capaz de encher de valores

relacionados, outrora, as artes, como: a curiosidade pelo novo, o prazer, o

belo, a alegria em objetos que faziam parte da vida cotidiana. O resultado

foi que, a todo momento, os objetos buscavam essas experiências

estéticas. Assim, a partir desse momento histórico, é como se os produtos

da indústria se transformassem em ready-made. Para a maioria das

pessoas que moravam nos grandes centros urbanos ficou mais difícil

distinguir o que era arte, objeto e vida cotidiana.

A obra “A base do mundo”, de Piero Manzoni (1961), expressa essa

percepção de inversão da modernidade, pensada segundo a expressão de

Baudelaire: ”Heroicização da vida cotidiana”183. Assim, podemos pensar

que o ocaso das vanguardas foi a inversão ocorrida no pós-Segunda

Guerra, que se intensificou nas décadas de 1960 e início da década de

1970 e gerou o fato de não mais pensarmos a experiência estética como

uma ação presente capaz de tornar a arte parte da vida. Essa ação

heroica de paixão pela sua época, no vocabulário de Baudelaire, é posta

em sentido trocado, é a repetição da vida cotidiana que impõe para as

artes o seu alcance diante das pessoas.

182 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 257.

183 BAUDELAIRE, Charles. In: BOURRIAUD, Nicolas. Formas de Vida. São Paulo: Martins Fontes,

2011, p. 29.

Page 142: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

141

Figura 53: "A base do mundo", 1961.

Fonte: MANZONI, Piero. Disponível em: http://channel.louisiana.dk. Acesso em: 9 set.

2018.

O sentido que podemos atribuir a esse mundo posto ao contrário é

do “mundo” das artes colocado de ponta-cabeça. Não é mais a ação

heroica do artista de transformar arte em vida, mas a vida se transformou

em um modo de fazer arte. Podemos estabelecer uma relação entre a

obra “A base do mundo”, de Piero Manzoni, com o trabalho em fibra de

vidro pintada do americano Hansen Duane, intitulado: “Senhora no

Supermercado”. Essa relação se estabelece, já que podemos perceber

essa inversão de que não é mais a arte que pauta a vida, mas a vida

naquilo que tem de mais ordinário pautando a arte. Esses dois trabalhos

nos fornecem elementos para pensarmos no esgotamento da narrativa

das vanguardas, que buscavam com seus trabalhos novas possibilidades

de aproximar objetos cotidianos de obras de arte e da arte aproximada

dos objetos para, assim, nos conduzir a novas formas de vida, pensar em

como as artes plásticas, sendo o ready-made, de Duchamp, seu porta-voz

mais direto, buscavam o embaralhamento da arte com a vida por meio do

esgotamento das possibilidades da indústria, utilizando os objetos

fabricados pelas máquinas deslocados do seu sentido para, assim,

poetizar a vida e dar ao espectador o poder de atribuir sentido à obra. O

que percebemos nesses trabalhos é a inversão desse propósito, já que

agora os objetos não estão deslocados do seu sentido dado previamente

pelo uso; eles representam a si mesmos, não estão a serviço da

Page 143: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

142

transformação da realidade, mas representam a própria realidade,

autorreferentes de um presente fugaz.

Figura 54: “Senhora no Supermercado”, 1969.

Fonte: HANSON, Duane. Disponível em: http://www.inhalemag.com/duane-hanson-

gagosian/. Acesso em:15 dez.2017.

É como se tudo fosse ready-made, até mesmo as pessoas. Não há

mais limite para a artificialidade estética. A senhora dentro do

supermercado é, também, um objeto fabricado deslocado de seu sentido.

A arte é uma forma de vida rodeada de objetos e buscando significado

naquilo que consome. É necessário que essa busca aconteça no espaço

externo e desumanizado dos objetos, para que, assim, se faça a escolha

de si mesmo a todo momento. Nada mais representativo do que a ida ao

supermercado, nesse espaço que nos fornece a sensação de que estamos

fazendo escolhas, mas estamos passivos a um processo de sujeição que

nos retira da história, já que estamos ensimesmados com a sensação da

escolha de um mundo repleto de objetos que nos atraem esteticamente.

Para Baudrillard, esse modo de sujeição do indivíduo:

“Reorganiza o trabalho, o lazer, a família, as relações, de modo

involutivo, aquém do mundo e da história, num sistema coerente

fundado no segredo do privado, na liberdade formal do indivíduo, na

apropriação protetora do ambiente e no desconhecimento”184.

Os objetos de consumo são, assim, o modo de contato com o mundo

exterior e que nos faz escolher a nós mesmos, em uma ação de se

proteger no espaço privado daquilo que desconhecemos. Desse modo, o

184 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 70.

Page 144: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

143

cotidiano é a nossa escolha do enclausuramento, mas, conforme afirma

Baudrillard: “O cotidiano como enclausuramento seria insuportável sem o

simulacro do mundo, sem o álibi de uma participação no mundo”185.

Podemos, assim, entender a obra “A senhora no supermercado” como a

representação desse modo de participação no mundo, no qual o cotidiano

se impõe por meio de uma experiência do consumo de objetos. O

cotidiano é importante nesse contexto, pois é nele que ocorrem os

pequenos atos repetitivos da vida, as necessidades mais corriqueiras, o

espaço temporal em que fazemos a interpretação do mundo e que, por

isso, o consumo se impõe. Pensar, dessa maneira, os objetos de consumo

como ready-mades espalhados por toda parte, nos ajuda a entender o

conceito de simulacro, como aquilo que não tem relação com qualquer

realidade; não há juízo para distinguir o verdadeiro do falso, o que nos

resta é o esteticamente artificial, por consequência, não há mais

separação entre os objetos de consumo e os ready-mades. Nessa

afirmação é central a concepção de história. Como vimos, nas décadas

posteriores à Segunda Guerra Mundial, houve um grande crescimento da

economia, um avanço na fabricação de objetos manufaturados. A

possibilidade econômica de comprar alimentos, roupas, objetos e tudo o

que a indústria fosse capaz de produzir, para além dos itens de primeira

necessidade, fez com que muitos trabalhadores migrassem do campo para

os centros urbanos. Na história do pós-Guerra, entram em jogo novos

agentes:

O acesso às informações é e será da alçada dos experts de todos

os tipos. A classe dirigente é e será a dos decisores. Ela já não é

mais constituída pela classe política tradicional, mas por uma

camada formada por dirigentes de empresas, altos funcionários,

dirigentes de grandes órgãos profissionais, sindicais, políticos,

confessionais186.

Assim, os relatos históricos coletivos tradicionais perdem força, já

que os processos decisórios passam, agora, por vários agentes e a ideia

185 Ibidem p. 27.

186 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 27.

Page 145: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

144

de um Estado representante de uma coletividade capaz de ser o provedor

de uma finalidade de vida esgota seu poder de atração. Cada indivíduo é

confinado a si mesmo e, conforme afirma Lyotard: “E cada qual sabe que

si mesmo é muito pouco”187. Assim, a concepção de história fica

fragmentada em pequenos relatos incapazes de constituir um vínculo

social. Nesse contexto, a arte também está inserida e é um exemplo

privilegiado desse processo, de afastamento a qualquer discurso que

remeta a uma ideia de coletivo, que seja maior do que seu eu. O que

percebemos no vocabulário artístico, depois do fim das vanguardas, é a

construção de pequenos relatos que buscam dar conta de uma história

individualizada e remetam a uma espontaneidade vinculada à ideia de

liberdade criativa. A arte nesse processo é um elemento capaz de fornecer

os elementos estéticos e torná-los visíveis, não só por meio das obras de

arte, mas também por intermédio dos discursos e da vida dos artistas,

que são transformados em figuras pop, como já vimos no capítulo III,

com Andy Warhol. Há uma narrativa que se constrói a partir do processo

artístico. No ato de criar, os artistas buscam introspecção, liberdade e o

desconhecido como características da modernidade. Os movimentos

artísticos vêm posteriormente, buscando padrões e engajamentos em

comum, para que os artistas possam se aproximar. O que percebemos é

que essas experiências criadoras foram utilizadas para construir a crença

em uma personalidade dominante, de artista único, voltado apenas para si

mesmo, fortalecendo, assim, os relatos individuais da história, de cada

personagem e da história da arte, dificultando as narrativas coletivas. No

catálogo da exposição “Americans, 1963”, no Museu de Arte Moderna de

Nova York, Rosenberg nos traz que:

“Nenhum dos pintores e escultores cujas declarações foram

incluídas no catálogo reconheceu ter ligações com uma ‘escola’ e,

nos três ou quatro casos em que o construtivismo, expressionismo

ou a arte pop foram mencionados, a intenção era a de repudiar

conexões óbvias com esses movimentos”188.

187 Ibidem, p. 28.

188 ROSENBERG, Harold. Objeto ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 244.

Page 146: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

145

Na era da produção de massa, o papel do artista é, também, o de

demonstrar a capacidade de criação individual de cada um. O culto à

personalização do artista nos faz acreditar que estamos protegidos no

nosso cotidiano, já que podemos ter acesso ao mundo e criar, mesmo que

estejamos confinados dentro de nós mesmos.

4.3 Alessi: o design se rende ao Kitsch

Se o ready-made foi o objeto artístico que encontramos para

analisar as artes plásticas no pós-Segunda Guerra, a fábrica italiana Alessi

será o nosso espaço para entendermos os efeitos sobre as artes aplicadas

e como as vanguardas italianas do design criaram novas possibilidades

para a indústria. Perceberemos na Alessi o exemplo privilegiado de como

ocorreu o afastamento do ideário vanguardista, dos fundamentos estéticos

e do papel social que a Bauhaus buscava para seus projetos — pelo

caminho do design se poderia desenhar a vida; havia uma crença nas

máquinas de que seriam capazes de democratizar o acesso a objetos de

uso úteis e belos, transformando o cotidiano em obra de arte e por

consequência a vida. Não foi esse o percurso que a Alessi escolheu. A

fábrica italiana foi fundada em 1921 por Giovanni Alessi, na cidade de

Omegna. Seus primeiros trabalhos foram feitos com metais, bronze,

metais galvanizados e prata. Em 1928, a fábrica vai para Crusinallo,

também no norte da Itália. Em 1945, a empresa lança o seu primeiro

clássico: o jogo de chá e café Bombé, de aço inoxidável.

Figura 55: “Serviço de Chá e Café Bombé”, 1945.

Fonte: ALESSI, Carlo. Disponível em: https://www.alessi.com/catalogsearch/bombe.

Acesso em: 05 out.2018.

Page 147: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

146

O projeto é de Carlo Alessi, filho mais velho do fundador, que estudou

design industrial. Produzido, em um primeiro momento, em prata alemã

com as asas em resina sintética, que é quimicamente estável e resistente

ao calor, foi um dos primeiros itens de plástico a ser usado na indústria.

Apesar de, entre as décadas de 1950 e 1960, a empresa já ser

reconhecida, ela ainda não era sinônimo de design de qualidade; seu

mercado era restrito ao seguimento de hotelaria e bufê. Na década de

1970 é que seu perfil mudou com a assessoria de designers como Achille

Castiglioni e Ettore Sottsass, começando a a construir a imagem de uma

empresa que tinha design de qualidade para itens de cozinha e peças

metálicas. É, justamente, esse processo de atração de designers que

estavam ligados às vanguardas italianas que analisaremos. Como vimos

no capítulo III, as vanguardas italianas do design buscavam se contrapor

ao estabelecido pela modernidade como a funcionalidade e o bom gosto.

Nas décadas de 1960 e 1970, as vanguardas italianas do design criam

uma narrativa no campo das artes aplicadas a partir de novos

parâmetros: a busca por ridicularizar a racionalidade científica da

modernidade, a ironia, a interação do usuário com o objeto e a inspiração

na cultura de massas moldada pelo advento do rádio, da televisão, do

cinema e da publicidade, o que aproxima, assim, o design do Kitsch. Um

exemplo desse processo são as coleções do estúdio Alchimia,

denominadas Bau.haus 1 e Bau.haus 2, que demonstram como as

vanguardas italianas se levantaram contra o ideário erguido pela Bauhaus.

Um dos trabalhos mais marcantes dessas coleções e que reforça a relação

que estabelecemos entre Bauhaus, vanguardas italianas e o Kitsch é o

sofá Kandissi, do arquiteto Alessandro Mendini. Esse trabalho é

importante, pois busca demarcar uma nova visão sobre a Bauhaus e

como, a partir desse momento, se trabalhará com a história. Mendini,

como veremos no decorrer deste capítulo, foi também diretor de design e

comunicação da Alessi, o que denota seu papel-chave na relação das

vanguardas italianas do design com a indústria. A referência histórica, a

Page 148: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

147

obra de Kandinsky189, busca posicionar o trabalho do arquiteto de maneira

contrária aos objetivos abstratos e espirituais do artista russo. Embaralhar

os estilemas artísticos, com um objeto cotidiano presente em boa parte

das residências, é o modo de satirizar a Bauhaus e erguer uma nova

maneira de pensar o objeto como elemento de decoração, que tem no

passado uma fonte de inspiração, mas sem sua busca por uma nova

forma de viver em sociedade, é a decoração pela decoração.

Figura 56: "Sofá Kandissi", 1978.

Fonte: MENDINI, Alessandro. Disponível em:

https://www.pamono.com/makers/alchimia. Acesso em: 5 out.2018.

A “brincadeira” com o nome de Kandinsky é, também, porque

Marcel Breuer, um dos pioneiros da Bauhaus, fez uma cadeira em

homenagem ao colega de escola e nomeou de “Poltrona Wassily”, que se

transformou em um clássico moderno, um exemplo de bom design.

Figura 57: "Poltrona Wassily", 1925.

Fonte: BREUER, Marcel. Disponível em: https://www.bauhaus.de/en/. Acesso em 10 out.2018.

189 Wassily Kandinsky foi um artista plástico russo que inaugurou o abstracionismo com sua tela

denominada de Primeira Aquarela abstrata de 1910. Na Bauhaus lecionou de 1921 até o seu

fechamento pela Alemanha nazista em 1933.

Page 149: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

148

A Alessi é a pioneira nessa percepção de que ocorreu uma mudança

nas condições da criação e do fazer design e, com isso, a indústria pôde

buscar alternativas para diferenciar seus produtos a partir dessa nova

estética e, assim, aumentar sua produção em larga escala. O contraditório

nessa história é que ela busca designers que estão alinhados com um

discurso contra o bom gosto e o funcionalismo que estavam, segundo as

vanguardas italianas do design, a serviço do consumismo. Um desses

designers é Achille Castiglioni, que foi professor e trabalhou no estúdio do

irmão, também designer. Tinha como principal característica a

racionalidade no uso dos materiais e o humor irônico nas formas das

estruturas do seu trabalho, buscando aproximar os objetos de esculturas.

Essa busca por zombar do que foi estabelecido como bom gosto é uma

das chaves para a leitura das condições criadas pelas vanguardas italianas

do antidesign e do radical design. Essa narrativa agora se encontra no

centro da indústria, tendo a Alessi como uma das suas principais vozes.

Figura 58: "Aparelho de rádio para a Brionvega", 1966.

Fonte: CASTIGLIONI, Achille & Pier. Disponível em:https://br.pinterest.com/pin/. Acesso

em: 10 out. 2018

Outro expoente das vanguardas italianas foi Ettore Sottsass, que

teve participação mais ativa nos movimentos antidesign e no radical

design, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970,

sendo um dos fundadores da Global Tools, uma “escola” de contra-

arquitetura e design. Durante seu funcionamento, foi um polo da

disseminação das ideias do “faça você mesmo” e buscava aproximar o

design do homem comum, mas já ao final da década de 1970 Sottsass já

era um dos expoentes do chamado Pós-modernismo no design e estava

integrado às novas diretrizes da indústria. Trabalhou para fazer com que o

Page 150: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

149

design fosse menos racional e mais excitante, sensual e divertido. Ideias

que foram absorvidas pela indústria e acabaram por se tornar as novas

diretrizes do design. Ettore Sottsass, também, foi consultor da Poltronova

e desenhou uma série de móveis que até hoje fazem parte do catálogo da

empresa.

Figura 59: "Mobili Grigi para a Poltronova", 1970.

Fonte: SOTTSASS, Ettore. Disponível em: http://trends.archiexpo.it/centro-studi-

poltronova/. Acesso em 15 out.2018.

Nesses dois trabalhos, podemos identificar como a quantidade de

elementos visuais busca estimular os consumidores a enxergar nesses

objetos aspectos que demarcam a diferença entre aquilo que é novo e o

que é antigo. Isso ocorreu, pois, ao trazer para o mobiliário luzes, cores e

elementos da cultura de massa. Esses objetos se comunicam com

consumidores ávidos por novidade e que não cobram nenhum

conhecimento prévio, diferentemente da Bauhaus, que buscava por meio

dos objetos de uso transmitir ideias capazes de trazer consigo significados

de racionalidade, funcionalidade e beleza, mas para isso era necessário ter

acesso ao conjunto de ideias modernas com as quais seus autores

estavam em contato. Segundo Baudrillard: “Se nossa época, apesar da

revolução da Bauhaus, recupera com nostalgia todo o Kitsch do século

XIX, é porque, na realidade, já lhe pertence”190. Essa capacidade de

satisfazer a nostalgia estética travestida de novo é o passo adiante da

Alessi e sua ideia de design, mas ela consegue não apenas agradar as

190 BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Rio de Janeiro: Elfos,

1995, p. 206.

Page 151: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

150

camadas mais populares com o Kitsch, a partir dos seus designers, como

atinge também um impreciso ideal de beleza que uma classe média

emergente do pós-Segunda Guerra percebe como fundamental para o

consumo estético. Este é o papel dos designers na Alessi: criar objetos

que sejam os significantes de sua época. É nesse contexto que Alessandro

Mendini se torna o consultor, conselheiro e historiador da empresa em

1977. Ele afirma: “Quando eu comecei como consultor da firma, as formas

do passado estavam sendo revistas para criar um vocabulário de base

[...] antes dessa revisão histórica, o estilo Alessi era extremamente

fragmentário e, em certos aspectos, inferior...”191

Como já vimos, Mendini participou intensamente das atividades do

antidesign. Ele gostava de enunciar o fim das proibições impostas pelo

Modernismo e do renascimento da linguagem simbólica do design. Para

isso, a banalidade de seus objetos precisava ser enfatizada utilizando as

cores vibrantes e ornamentos que remetiam ao Modernismo, utilizados de

maneira sarcástica. Nesse contexto do design italiano, entre as décadas

de 1960 e 1970, o ano de 1972 é importante na ascensão teórica e

prática do movimento, já que é quando ocorre a exposição no Museu de

Arte Moderna de Nova York, “Itália: A nova paisagem doméstica”. A partir

dessa exposição, podemos demarcar essa passagem das vanguardas

italianas do design como o novo estabelecido, e que vai guiar os

procedimentos estéticos do design nas próximas décadas. É a ruptura no

campo das artes aplicadas com o conjunto de ideias levantas na

modernidade, segundo Lipovetsky: “todo um design reata com as formas

sinuosas, as cores quentes, a fantasia em oposição ao funcionalismo frio,

tão caro à Bauhaus”192. Esses grupos se levantaram contra o Estilo

Internacional, que se convencionou para o design na exposição “Bauhaus

-1919-1928”, no mesmo museu no ano de 1938. Nessa mostra, o público

americano teve acesso a uma parte das ideais da escola, principalmente

191 MENDINI, Alessandro. In: COLINS, Michael. Alessi. São Paulo: Cosac Naify, 2000, p. 13.

192 LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 251.

Page 152: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

151

do período em que foi dirigida por Gropius. Foi nessa exposição que se

constituiu um ideário “Bauhaus” nos Estados Unidos, como sendo uma

comunidade artística de docentes em harmonia com uma nova didática

para projetar objetos de uso, em que havia a combinação de função com

tecnologia e um vocabulário geométrico, elaborando, assim, uma estética

moderna capaz de romper as fronteiras nacionais e que tivesse um caráter

universal. Trinta e quatro anos depois, seus detratores estavam no

mesmo local, sendo apresentados como os novos forjadores da paisagem

doméstica, e passam a definir os próximos passos do design.

Figura 60: Máquina de Escrever e Sofá Joe na exposição no MoMa, 1972

Fonte: SOTTSASS, E.; LOMAZZI P.; D’URBINO D.; DE PAZ J., Disponível em:

https://www.moma.org/documents/moma_catalogue_1783. Acesso em: 19 out.2018.

A máquina de escrever “Valentine”, desenhada por Sottsass em

1969 para a fábrica Olivetti, é um dos exemplos do novo modo de pensar

o design, e não mais a busca por objetos silenciosos que cumprissem sua

função. Ele dizia: “não estar minimamente interessado em objetos

graciosos e elegantes e menos ainda em desenhar coisas silenciosas que

deixassem o espectador seguro e tranquilo em seu status quo psíquico e

cultural”193. O sofá Joe, projetado por Paolo Lomazzi, Donato D’Urbino e

Jonathan De Pas, em 1970, para a Poltronova, procura utilizar de um

material tradicional o couro, mas com uma forma irônica que faz

referência àquilo que boa parte dos consumidores reconhece do beisebol,

esporte muito praticado nos Estados Unidos. Esses dois trabalhos nos

193 SOTTSASS, Ettore. Disponível em: https://emais.estadao.com.br/noticias/casa-e-

decoracao,design-que-desafia-o-design. Acesso em: 19 out.2018.

Page 153: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

152

permitem perceber um dos pontos principais dessa ruptura, o modo como

se revisita livremente a história e sua produção estética. Não se busca

mais o afastamento do passado, mesmo da decoração e de um

subjetivismo elaborado a partir da recuperação de elementos não mais

utilizados. O que se faz é embaralhá-los, o que resulta em uma profusão

de códigos. Coabitam o mesmo espaço quaisquer elementos estéticos que

tenham vínculo com o passado, que formam um novo conjunto

diversificado capaz de relacionar o Kitsch com o passado vanguardista

usando a ironia para constituir essa nova etapa no campo das artes

aplicadas. É importante demarcar a diferença entre a crítica à Bauhaus

elaborada por Duchamp, por exemplo, e a crítica das vanguardas italianas

— a principal, para nossa dissertação, é a questão de como se entendia o

papel da história nesse processo. Para constituir sua crítica aos objetos de

uso, Duchamp, os inutilizavam. Estes tinham que ser insignificantes para,

justamente, buscar uma ruptura com a história da arte. Já para os

designers italianos, e sua nova vanguarda, essa relação com o passado

não é de ruptura, muito pelo contrário, o que vemos é uma volta ao

passado para buscar estilemas e ter acesso àquilo que já se conhece. A

crítica se constrói a partir de um passado esvaziado de seu significado, o

que se procura é a repetição, a novidade que já se conhece. É, desse

modo, que as ideias das vanguardas italianas do design ganham

centralidade no campo das artes aplicadas. O que se busca no pós-

Segunda Guerra, intensificada nas décadas de 1960 e 1970 com a crise

dos grandes relatos, é uma finalidade de vida alinhada à individualidade,

segundo Lyotard: “A finalidade de vida é deixada à diligência de cada

cidadão. Cada qual é entregue a si mesmo”194. Desse modo, o design

ocupa a função de entregar uma narrativa ao seu consumidor, que conta

uma história usando o passado e acaba entregando ao seu portador uma

narrativa capaz de atribuir, mesmo que de maneira fugaz, uma finalidade

de vida, pois é a maneira de constituir um vínculo social que se estabelece

194 LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2009, p. 28.

Page 154: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

153

a partir da experiência com o objeto de consumo, segundo Lipovetsky:

“Com isso, se oferece a experiência fugidia do Paraíso, de um universo

sem conflito, sem sofrimento, sem ódio nem trágico”195. Se entendermos

que o vínculo social se estabelece por meio da linguagem e que cada

sujeito, a partir dessa nova condição pós-moderna, precisa construir sua

própria narrativa, não será mais necessária nenhuma forma de elaboração

coletiva de ideias capazes de buscar consensos universais. É nesse ponto

que o design, utilizando o vocabulário das vanguardas italianas, entra

alinhado com a indústria. Ele constrói essa linguagem, diretamente, para

o usuário que compra o produto. Assim, ornamenta-se o sujeito com

objetos que possuem uma capacidade única de produzir narrativas e,

desse modo, é capaz de traduzir suas aspirações individualistas e sua

busca por bem-estar. Segundo o design francês Christophe Pillet: “Conto

histórias, não com imagens ou palavras, mas com móveis e objetos”196. É

desse modo que as vanguardas italianas do design ganham espaço no

debate das artes aplicadas. Ela é capaz de pulverizar narrativas e, ao se

aproximar do Kitsch, dá um passo adiante, já que o ideal vanguardista

cobrava do sujeito uma série de conhecimentos prévios para a análise do

objeto. Com o esfacelamento das hierarquias culturais, todas as estéticas

ganham espaço e o direito de circularem, os objetos não têm mais

nenhuma pretensão, não é necessário “pensar” sobre seu uso e sua

estética, seu objetivo é satisfazer prazeres hedonistas de posse e contar

histórias sem sentir vergonha cultural. O design está alinhado com “um

Kitsch pós-conformista, descolado, expressivo da singularidade de si”197.

O que se apresenta é que os objetos que parecem desprovidos de valor

acabam sendo os portadores da singularidade de quem os utiliza. Ele é

capaz de demonstrar a liberdade, o afastamento das normas sociais e

constituir a narrativa que faltava para o sujeito. Acaba por entregar a 195 LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 307.

196 PILLET, Christophe. In: LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia

das Letras, 2015, p. 250.

197 LIPOVETSKY, Gilles. A estetização do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 310.

Page 155: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

154

finalidade de vida por meio da estética de si. A história é contada por

intermédio dos objetos que se utilizam e, quanto mais embaralhados

forem esses códigos, mais informações são transmitidas e menor é a

sensação de confinamento em si mesmo. Cabe a cada um se reinventar

permanentemente, o que traz a incerteza do futuro; para isso, o Kitsch

procura trazer o prazer da descontração, daquilo que não se submete ao

gosto e às normas sociais. Já que não temos mais controle devido à

complexidade do mundo, podemos, pelo menos, nos divertir no presente

que nos escapa a cada momento, diante de um passado que se apresenta

como incapaz de nos fornecer qualquer tipo de base reguladora e um

futuro cada vez mais inatingível.

4.4 O fim da história da arte

Com a sobrecarga do Modernismo e o avanço do que Habermas

definiu como: “a outra tradição”198, para se referir ao que muitos

chamaram de pós-modernidade, o que percebemos é que há uma

narrativa que estabelece uma outra relação com o passado ou, se

preferirmos, com a história. Não são as mesmas relações que o

Modernismo — nas suas mais variadas formas de expressão e no qual as

vanguardas artísticas representam a manifestação mais dedicada —

buscou e que tinham como objetivo aproximar arte e vida para, assim,

romper com o passado e constituir uma nova história. A partir das

décadas de 1960 e 1970, o que percebemos foi um retorno ao passado

para estabelecer uma relação de familiaridade entre arte e objetos com a

vida cotidiana. Como vimos no pós-Segunda Guerra, houve avanços

econômicos que possibilitaram que uma maior parte da população tivesse

acesso a bens e serviços que até então eram restritos a camadas sociais

com maior poder aquisitivo. Com isso, a indústria se empenhou em buscar

novos mercados. No campo das artes plásticas e aplicadas, esse processo

foi absorvido pela pop art, nas vanguardas italianas do design e que

198 HABERMAS, Jungen. Arquitetura moderna e pós-moderna. Novos Estudos CEBRAP nº 18, 1987,

p. 124.

Page 156: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

155

deram origem a variadas formas de interpretação. O que identificamos

nesse processo é que a perspectiva de como nos relacionamos com o

nosso passado sofreu uma mudança; a história passa a ser instrumento

de aproximação entre os objetos que possuem valor artístico ou de uso e

os respectivos consumidores, uma vez que se busca para os objetos o

valor de novidade, mas que possua algum tipo de reconhecimento prévio

por quem os consuma. Assim, o passado é resgatado a todo momento

para que se estabeleça uma relação de proximidade com o consumidor;

ele precisa reconhecer algum código do seu cotidiano e contar para si uma

novidade no modo de interpretar a vida — a repetição de elementos do

passado de modo embaralhado e capaz de contar histórias. É dessa

maneira que, na indústria e na arte, os objetos se colocam como pastiche

que se utilizam da ironia, do humor e do retorno ao passado para se

colocar como novidade, mas novidade não é neste momento a qualidade

daquilo que é novo, não é a busca por inventar novos mundos, pelo

desconhecido; a novidade é “a aceleração da repetição”199, segundo

Octavio Paz. A busca dos artistas para reinventar a arte não se faz mais

necessária, já que, com o avanço da cultura de massa, a arte fixa sua

posição diante da vida, ela passa a contar várias histórias. Nesse ponto, é

importante conceituar a história da arte, segundo Belting: “O ideal contido

no conceito de história da arte era a narrativa válida do sentido e do

decurso de uma história universal da arte”.200 O que percebemos ao longo

do capítulo IV foi que a relação que a modernidade artística estabelecia

com o passado e sua capacidade de narrar uma história linear se perdem.

Os objetos artísticos ou de uso passam a contar pequenos relatos

cotidianos que buscam entregar interpretações que não cobram nenhum

conhecimento prévio para seu entendimento; para tanto, a repetição é

peça-chave e traz consigo o potencial da descontinuidade, o que dá para

os objetos em geral, artísticos ou não, a capacidade de se vender como

199 PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 135.

200 BELTING, Hans. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 35.

Page 157: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

156

únicos e dificultar qualquer tentativa de discurso histórico universal. O que

veremos são vários estereótipos do próprio cotidiano, uma sucessão de

imagens que trazem o homem para si mesmo. É como se as

possibilidades de interpretação do mundo fossem limitadas pelas

circunstâncias da vida banal. A repetição constante e o uso demasiado das

estratégias Dadá levaram ao esgotamento da narrativa dos ready-made; a

pop art foi seu último suspiro. Nas décadas de 1960 e 1970, o que vimos

foi uma infinidade de repetições de elementos do cotidiano transformados

em pop e a ascensão do Kitsch. Para Belting, uma das melhores definições

de Kitsch é a de que “imitava a arte sem ser arte”201. A questão que se

coloca a partir dessa ascensão é que há consequências para a arte nesse

processo. A principal delas é a dificuldade de se narrar uma história da

arte, como o próprio Belting afirma:

“Hoje, porém, parece predominar o contrário: a arte

(aparentemente) imita o Kitsch para convencer a si mesma (e aos

outros) de que, não obstante e por isso mesmo, é arte e permanece

arte, ou seja, uma manobra arriscada que exige muita perspicácia

do cronista que a acompanha”202.

Com o avanço da cultura de massa, e o Kitsch é um exemplo

privilegiado, o que percebemos foi a dificuldade em criar uma narrativa

crítica para o que a arte produz. Contar uma história que seja capaz de

marcar a posição artística e, ao mesmo tempo, articule o passado com o

presente e o futuro. Essa articulação passa a ser mais difícil, já que exige

do cronista uma capacidade que não pertence mais ao seu tempo; em vez

de ser crítico, o que vemos é a produção de notícias que acabam por

tornar a arte um evento midiático. Para Octavio Paz: “O que distingue a

arte da modernidade da arte de outras épocas é a crítica. Sua negação se

neutraliza ao ingressar no circuito de produção e consumo da sociedade

industrial, seja como objeto, seja como notícia”203. Essa passagem da

201 Ibidem, p. 140.

202 Idem.

203 PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 136.

Page 158: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

157

crítica para a notícia é o passo adiante para constituir histórias no plural,

já que haverá uma enxurrada de notícias travestidas de informação. A

crítica perde espaço para o embaralhamento de informações. A arte no

contexto da cultura de massa é incapaz de diferenciar o que é autêntico

do que é apenas estereótipo. Esse enquadramento da arte pela cultura de

massa se deve ao fato de que é a arte que possui a capacidade de levar o

espectador para outras possibilidades de vida e a pensar novas formas de

estar no mundo. Desse modo, ao captar a arte para dentro dos mesmos

questionamentos cotidianos da cultura de massa, a arte deixa de ampliar

sua crítica para novas possibilidades e acaba por repetir a lógica da

novidade.

Page 159: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

158

Conclusão

Do novo ao de novo

Buscamos ao longo da dissertação responder à questão de como a arte e

os objetos permeiam e moldam nosso cotidiano, perceber como ao longo

do século XX esse debate foi importante para as vanguardas artísticas e, a

partir desses questionamentos, compreender as mudanças que ocorreram

no nosso modo de vida no pós-Segunda Guerra até o início da década de

1970. Nossa estratégia para enfrentar esse desafio foi perceber

aproximações, distanciamentos e contradições no debate estético entre o

campo das artes plásticas e o das artes aplicadas. Para isso, recorremos à

história como elemento-chave, que nos possibilitou fazer nosso recorte

entre a primeira exposição universal da arte e da indústria em 1851 até a

implosão do Pruitt-Igoe em 1972. Dentro desse contexto histórico,

procuramos estabelecer dicotomias possíveis entre arte e indústria,

Bauhaus e ready-made, e por último entre vanguarda e Kitsch.

Nosso primeiro passo foi compreender como a primeira exposição

universal que ocorreu em Londres (1851) marca a aproximação entre arte

e indústria, pois é a primeira vez que objetos industriais e artísticos são

apresentados juntos. Essa exposição é um marco para a nossa

dissertação, porque possibilita a percepção de elementos novos no modo

de compreender a arte e os objetos industriais. Visto que com a revolução

industrial há novas possibilidades para que o homem possa aumentar sua

capacidade produtiva, o resultado é uma reorganização nos modos de

trabalho e o aumento na quantidade de produtos disponíveis, que a partir

desse momento começam a chegar às camadas sociais que,

anteriormente, não tinham acesso a esses intens. Esse novo patamar que

os objetos ganham na vida cotidiana exige novas formas de pensar o

modo como os vemos e os utilizamos. A exposição de Londres em 1851

abre os caminhos para a aproximação da arte da indústria ao dar a

visibilidade e a embalagem para esse novo modo de ver os objetos de

uso. Para entendermos essa mudança nas formas de ver e pensar os

Page 160: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

159

objetos, utilizamos os conceitos de série e modelo de Jean Baudrillard,

que identificam na era industrial a possibilidade de serialização do objeto.

Porém, para que esse objeto possa ser serializado, é necessário que se

tenha uma nova visão sobre ele; é nesse ponto que o objeto modelo entra

em cena, já que é preciso que os objetos comuniquem o tempo inteiro as

formas de vida de quem os possui. O objeto modelo fica com uma parte

privilegiada da sociedade e faz com que a outra parcela, mais numerosa,

se contente com os objetos serializados, já que estes permitem que se

tenha a sensação de fazer parte desse novo modo de se relacionar com os

objetos. A fábrica de louças Wedgwood é o exemplo privilegiado para

nossa dissertação desse processo. Ao contratar artistas, Flaxman foi o

mais bem-sucedido. Para fazer o projeto das suas louças, foi pioneiro na

aproximação entre arte e indústria e, com isso, criava objetos modelos

que marcavam as diferenças sociais de quem os detinha e ao mesmo

tempo fazia com que mais pessoas desejassem participar desse processo,

para as quais havia os objetos serializados. A embalagem que acondiciona

esse ambiente novo e foi capaz de captar o espírito da época foi o Palácio

de Cristal, em 1851. Ele é um marco do progresso, da mudança e

representa as novas capacidades do homem. Como escreveu uma revista

francesa da época, o mundo tinha febre e se metamorfoseava. A

grandiosidade do palácio traz a ideia do sublime, essa forte emoção que o

espírito é capaz de aguentar. Os objetos não se limitam apenas a seu uso

prático, mas, também, começam a se aproximar das paixões humanas. O

elemento vidro nos ajuda a entender esse novo patamar dos objetos, e

como eles acondicionam o ambiente da vida. Esse novo ambiente ocupado

por objetos que fazem parte do nosso dia a dia e que comunicam e fazem

a mediação entre os homens é denominado, por Baudrillard, de

ambiência, ou seja, o meio ambiente moderno, em que os objetos

mediam relações, pois comunicam o tempo todo alguma coisa, que é

interpretada pelos homens. Esse espaço em que os objetos estão

naturalizados na sua relação com os homens e o novo meio ambiente

moderno construído pela força do progresso. O vidro é o exemplo principal

Page 161: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

160

desse processo mediador, já que ele aproxima e afasta ao mesmo tempo,

deixa ver e impede o toque. É a comunicação abstrata e universal, nas

palavras de Baudrillard.

E nesse novo ambiente moderno é necessário que se leiam os

significados dos objetos, há um novo modo de ver as coisas ao nosso

redor. Há uma curiosidade pelas coisas que nos rodeiam, o que, nas

palavras de Baudelaire, seria: “olhar animalmente estático da criança

diante do novo”204. Desse modo, passamos a ver e perceber aquilo que

não é humano e nos satisfazer em estabelecer um tipo de relação com um

fim em si mesmo, com os objetos estéticos. O cotidiano, assim, se

transforma no espaço em que se constitui a forma de vida moderna, já

que é nele que experimentamos nossa curiosidade para o novo que se

abre com o progresso da indústria. Esse processo é constante e se esgota

no tempo presente. Há uma vontade pelo novo; essa seria uma das

características fundamentais das vanguardas. Segundo Rosenberg, elas

criam uma tradição do novo.

Analisamos o nascimento desses movimentos de vanguarda com os

movimentos Arts and crafts e Art Nouveau, que são críticos a esse

processo de serialização dos objetos. Com esses movimentos, procuramos

demonstrar como as artes aplicadas elaboram as críticas à aproximação

da arte com a indústria e começam a gerar novas formas de pensar a

organização do trabalho e o modo como nos relacionamos com os objetos.

Vimos que Ruskin e Morris são os pioneiros dessa crítica ao modo de

produção e dos seus resultados sociais, mas que não tiveram êxito nessas

mudanças. O legado de ambos acabou sendo absorvido pela indústria,

mas teve efeito nas gerações seguintes, principalmente com a Bauhaus.

No campo das artes plásticas, o Realismo e o Impressionismo são os

trabalhos que, para nós, captam a mudança no fazer artístico. O Realismo

muda o modo como e o que os artistas pintavam; há uma preocupação

com questões sociais e se busca na realidade o que se deve representar.

204 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 18.

Page 162: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

161

O maior expoente é Courbet, com suas preocupações de intervir na

sociedade, de buscar como artista a unidade entre seus pares e de

participar ativamente das movimentações sociais que ocorreram no final

do Século XIX. Daumier começa a pintar o novo cotidiano que surge nas

estações de trens nos grandes centros urbanos. O Realismo deixa como

legado esse ímpeto por mudanças sociais e pela busca, no novo cotidiano,

por elementos para a representação. O que fica pelo caminho é a busca

por unidade entre os artistas. O que vimos foi uma pulverização de modos

de entender e participar como artista da sociedade, que deram origem aos

movimentos de vanguarda.

Com a criação da máquina fotográfica, muitos artistas tiveram que

representar a realidade abandonando os códigos convencionais da pintura.

Para nossa dissertação, esse processo é importante, pois é dele que

surgem novas formas de pensar o fazer artístico. Os impressionistas

marcam essa passagem do século XIX para o século XX. Nascem as

vanguardas. Enquanto Ruskin e Morris, nas artes aplicadas, buscavam nos

processos artísticos elementos que levassem a arte para o cotidiano das

pessoas e acreditavam que desse modo mudariam o contexto social, os

impressionistas consideravam necessário alterar a forma como se

representa a realidade para mudá-la. Esses dois caminhos se

desenvolveram ao longo do século XX e demonstraram como o debate

estético seguiu por diversos caminhos, mas com o mesmo objetivo de

aproximar arte e vida.

Os cubistas buscaram criar o quadro-objeto que fosse capaz de

comunicar sua estrutura e sua forma sem buscar sua legitimidade a partir

da analogia com outro objeto. Percebemos, ao longo da dissertação, que

os objetos industrializados permearam o fazer artístico. Mesmo no campo

das artes plásticas, tinha-se a percepção de como eles faziam parte da

vida cotidiana e eram uma nova possibilidade de fazer arte e,

consequentemente, do modo de pensar a vida. Essa relação entre arte e

indústria ou, se preferirmos, entre objetos artísticos e objetos

industrializados permeou as vanguardas. Nos futuristas, o que

Page 163: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

162

percebemos é a apologia direta à indústria. Há uma crença nas máquinas

e um engajamento radical nas possibilidades da indústria. Os futuristas

depositavam no dinamismo das máquinas a crença de que esse seria o

novo modo de se relacionar com os objetos e o ambiente da vida. É desse

modo que se cria a produção material que nos cerca e, assim, podíamos

estabelecer a relação deles com o ambiente, no qual estamos inseridos.

Os futuristas foram o grito de radicalidade dessa relação arte e indústria e

reverberaram por todo o continente europeu.

Vimos como o Construtivismo buscou levar a arte para as massas e

é fruto, também, da Revolução Russa. Para levar a arte para as massas,

seria necessário estar próximo de quem tinha a capacidade de produzir

em grande escala, neste caso a indústria e o Estado. O passo adiante do

Construtivismo foi sua relação com o governo que se estabeleceu no

poder após a revolução. Para interferir artisticamente na vida das

pessoas, era necessário que essas ações fossem governamentais para que

todos tivessem acesso. Malevitch foi o mais crítico desse processo, no seu

período suprematista, em que pensava o quadro não como o objeto, e sim

como uma estrutura mental capaz de resolver a equação “mundo interior

e mundo exterior”. Essa crítica ao objeto foi importante para os dadaístas

e também para a Bauhaus. A ponte entre Malevitch e a Bauhaus, como

vimos, foi o De Stijl. Mondrian foi a pessoa responsável por essa

aproximação de crítica do objeto e por, assim, pensar novas formas para

o próprio objeto, pois ele procura tirar daquilo que pinta toda

característica ou particularidade até reduzir o objeto ao seu esqueleto e,

assim, desaparecer com ele. Essa contradição de utilizar o objeto e

procurar fazê-lo desaparecer foi importante para a constituição da Escola

da Bauhaus. Percebemos nessas vanguardas do início do século XX uma

aproximação da arte das ideias da indústria; cada uma a seu modo

buscou alguma referência nos objetos para criar novas formas de pensar a

arte e consequentemente a vida. Vimos essa relação entre objetos

artísticos e objetos industriais construir um novo modo de a arte estar

presente na vida das pessoas. A crença nos objetos como mecanismo de

Page 164: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

163

levar arte para mais pessoas. O resultado dessa dicotomia arte e indústria

muitas vezes tem aproximações e gera também contradições. As

consequências desse debate entre esses dois polos para nossa dissertação

são os ready-made e os objetos da Bauhaus. Eles atribuíram para os

objetos que estão contidos no nosso cotidiano, novos significados de uso.

Nosso empenho foi o de mostrar como Walter Gropius e Marcel

Duchamp fizeram da arte o mecanismo para mudar nossa relação com os

objetos e, principalmente, constituir um novo modo de vida, um estado de

atenção reflexiva diante da vida que passasse por essa repetição cotidiana

e em que os objetos procurassem se apresentar de modo novo e tirassem

o homem dessa relação naturalizada como se os objetos fossem dados.

Todo esse esforço era feito para que os objetos cobrassem do espectador

e que ele percebesse as coisas ao seu redor de uma outra maneira. Essa é

uma das aproximações entre a Bauhaus e os ready-made. Para os dois

há, também, a centralidade do cotidiano, o que para nossa dissertação é

fundamental, já que nossa tarefa é demonstrar como os objetos

participam e forjam nossos modos de vida. Reconduzir a arte para a vida

cotidiana é uma das interpretações para os objetivos das vanguardas.

Nossa insistência nessa relação e divisão paradoxal entre ready-made e

Bauhaus se deve justamente a essa relação direta com o cotidiano e a

esse modo diferente que cada um teve ao buscar essa aproximação. Se

um inutiliza o objeto, o outro dá utilidade; é nesse ponto que marcamos a

dicotomia. O contexto histórico marcou essa dualidade em torno do objeto

do entre guerras até o pós-Segunda Guerra. A Bauhaus, por meio da sua

pedagogia, pensava o objeto para que ele fosse portador de um novo

modo de vida em que o homem fosse instigado a construir, percebesse o

trabalho por trás do objeto e que esse não estivesse marcado por um

estilo, assim como Mondrian desejava. A utilidade do objeto era a marca

da racionalidade da escola e orientava o fazer artístico; o projeto definia

essa estrutura. Se a racionalidade é uma das marcas do objeto útil no

objeto inútil, o que temos é a ironia, o gesto poético. O que marca a

diferença entre Duchamp e Gropius é justamente esse sinal trocado: um

Page 165: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

164

deles busca que o espectador diante do objeto cotidiano perceba o

trabalho, o projeto e a partir da utilidade percebesse a beleza e atribua

um novo significado para a vida, que é esse modo de ler os objetos, capaz

de fazer com que o homem leia o mundo que o cerca e, com isso, é

impulsionado a construir. Já o outro busca, no objeto deslocado do seu

significado, romper com a utilidade, ou seja, com a racionalidade por trás

dos objetos. Ao inutilizar o objeto e colocá-lo em um museu, o artista faz

um gesto para o espectador ao dar a ele a possibilidade de significar o

mundo e assim devolver sua liberdade. Dar ao espectador a possibilidade

de atribuir o significado das coisas ao seu redor. Para Duchamp, os ready-

made eram máquinas de significar, assim o homem poderia alcançar

novas formas de vida, em que o significado fosse dado exclusivamente

por ele.

Com a Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma mudança no campo

das artes que interferiu na vida e na obra dos artistas. Como vimos, o

polo das artes mudou de Paris para Nova York, o que marca também a

passagem das vanguardas heroicas para as vanguardas tardias, já que

não se têm mais ímpetos utópicos mobilizadores. O expressionismo

abstrato ganha força nos Estados Unidos e passa a ser o cartão-postal do

país, que vendia a ideia de liberdade com o gesto livre dos artistas. Há

aqui, ainda, uma busca pelo novo, mas no modo do fazer artístico; o que

se procura são outras formas de expressão artística, não novas formas de

vida.

A pop art vem em seguida e reforça nossa questão em torno do

objeto de uso. Marca a continuidade das dicotomias arte e indústria,

ready-made e Bauhaus, e acrescenta outra possibilidade de marcação

entre vanguarda e Kitsch. Se percebíamos uma aproximação entre arte e

vida cotidiana por meio dos objetos, o que vimos com a pop art foi o

embaralhamento. Essa dicotomia entre arte e indústria é embaralhada de

tal forma que fica difícil distinguir arte de simples objetos de consumo.

Nas décadas de 1950 e 1960, há uma pulverização de objetos artísticos e

objetos industriais. No campo das artes plásticas, marcamos a pop art

Page 166: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

165

como herdeira dos ready-made e as vanguardas italianas nas artes

aplicadas construindo sua narrativa a partir da crítica à Bauhaus, mas é

importante salientar que nas duas ocorre o embaralhamento entre arte e

indústria. A pop art nos fornece a possibilidade de ver como todas essas

aproximações e contradições são possíveis a partir das dicotomias

estabelecidas pela dissertação, já que se transformaram em arte nas

décadas de 1950 e 1960. Andy Warhol é peça-chave para entendermos as

mudanças ocorridas no pós-Segunda Guerra, já que em muitas de suas

obras e em suas entrevistas, ele faz referência a máquinas, prateleiras de

supermercado, serialização e a valorização do banal. A inversão que

analisamos foi que a partir da pop art não é mais arte que busca

mecanismo para se aproximar da vida cotidiana, mas o contrário: é a

vida, naquilo que tem de mais ordinário, que se embaralha com a arte. A

arte não procura mais romper com o passado; o que é familiar, o que já é

de conhecimento de todos, ganha centralidade. A repetição é um dos

fundamentos dessa mudança de direção nas artes plásticas com a pop art.

É certo que podemos falar que a ideia de novo ainda está presente, mas

de outro modo. O que se trabalha é a procura incessante pelo valor de

novidade; repetem-se fórmulas para que se busque o acontecimento. É no

espaço do cotidiano que é possível perceber valor nos acontecimentos, já

que se dá valor para aquilo que todos vemos. Cria-se a oportunidade de

perceber valor no que temos de mais banal a nossa volta, há nesse ponto

a mudança do objeto série-modelo para o objeto de consumo. Assim,

passivo, podemos aceitar e nos conformar com o mundo a nossa volta. Se

os ready-made eram feitos contra o público, pois o espectador era

cobrado a significar e criar a partir da sua liberdade dentro de um

contexto histórico, na pop art seus objetos eram feitos para o público,

pois nada é cobrado, nem mesmo seu contexto histórico; o que se procura

são imagens que pertencem ao cotidiano das pessoas, a história é usada

para dar ao espectador a sensação daquilo que já se conhece para, assim,

conviver com objetos sem reflexão, já que os seus significados estão

dados.

Page 167: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

166

No pós-Segunda Guerra, entre as décadas de 1950 e 1960, Lyotard

analisa o esgotamento das grandes metanarrativas que eram capazes de

aglutinar e construir consensos. O autor percebe a constituição das

condições pós-modernas. Nesse contexto de esgotamento de uma

narrativa, percebemos como o design passa também por uma mudança.

Se nas artes plásticas a pop art acaba sendo o portador desse novo modo

de se relacionar com os objetos estéticos, nas artes aplicadas o design foi

um dos elementos-chave para entendermos o moderno, já que a ideia de

projeto está fortemente ligada a ele. A crise da modernidade é também a

crise do design, pois se para o objeto industrial as ideias de série e

modelo eram o fundamento para entender o projeto, essa narrativa se

esgota. O que entra em cena é a estética do acontecimento, muito mais

rápido e fugaz, ou seja, o objeto de consumo. Não há grandes

expectativas em torno do objeto; ele é programado para ser um

acontecimento, não tem nenhum vínculo com a história, muito pelo

contrário, ele precisa apenas ser esteticamente chamativo e se esgotar

rapidamente. Não há espaço para mensagens que não sejam fáceis de

decodificar. É necessário que seu significado seja dado e, ao mesmo

tempo, efêmero. O que analisamos é que essa programação está contida

em um circuito de informação. Para que as pessoas percebam valor

estético nesse acontecimento, é importante que elas pertençam a esse

circuito preestabelecido. É desse contexto de crise que nascem as

vanguardas italianas do design. Elas são o ponto de crítica e de mudança

nos consensos construídos no design principalmente naquilo que se

acredita ser um bom design. Para nós, as vanguardas italianas cumprem a

função de mostrar no polo das artes aplicadas o contexto das condições

pós-modernas, já que elas se colocam contra as narrativas consensuais do

design e adotam os prefixos antidesign, radical design, para marcar suas

posições. Para essas novas vanguardas o design tinha se afastado das

pessoas, tinha se tornado o estabelecido e precisava ser combatido, pois

estava a serviço do funcionalismo e do bom gosto que atendiam as

necessidades do consumo. Para isso, era necessário usar do deboche, da

Page 168: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

167

ironia e de materiais mais simples e baratos que embaralham códigos

para se aproximar novamente do público, assim como a pop art buscava o

valor da novidade efêmera, o mais passageiro e divertido possível. As

condições pós-modernas estavam dadas; com a pop art os ready-made

mudam suas características poéticas de gesto para a liberdade de

significar a vida e a partir desse momento está associado com objetos

familiarizados com o cotidiano que estavam alinhados à conformidade da

vida. Com as vanguardas italianas, a Bauhaus perde espaço e o design

perde sua tarefa de projetar a vida dentro de um contexto histórico que

fosse capaz de demonstrar o trabalho por trás dos objetos que fizessem

com que o homem se relacionasse com a vida a partir dessa leitura de seu

significado. O que vemos são objetos que gratificam, fascinam e agregam,

tudo isso, sem cobrar do receptor nenhum conhecimento prévio; ele é

puro acontecimento programado. Sem fazer nenhuma referência história

do seu projeto, perde seu valor de uso e passa a contribuir com a

aceitação da vida cotidiana, já que temos que aceitar que essa é a forma

de vida que nos dá pelo menos segurança do seu significado e diversão

com sua capacidade de zombar de um passado que cobrava participação.

Dentro desse cenário é que colocamos nossa última marcação:

vanguarda e Kitsch. Com a pulverização de objetos estéticos, sejam

artísticos ou industrializados, ficou cada vez mais difícil fazer marcações

claras do que seriam arte e indústria, ready-made e Bauhaus. Esse é o

campo fértil para o Kitsch, que se coloca na direção contrária a uma

vanguarda que se estabeleceu como cultura, já que buscou na ordem

social estabelecida elementos para questionar a vida. Vimos como as

vanguardas heroicas procuraram processos de criação que não se

limitassem apenas a questões que até então estavam relacionadas com a

arte, como o belo, o gosto e o sublime, mas que buscassem relacionar a

arte com a vida, por meio da aproximação com questões históricas e

cotidianas, como a industrialização, o modo de trabalho, nossa relação

com os objetos para entender nossa ordem social e questioná-la. Esse

processo cultural se esgota. Com a urbanização das cidades, mais pessoas

Page 169: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

168

têm acesso a bens materiais e estão alfabetizadas nos códigos culturais,

mas não familiarizadas com a história da arte, com museus, galerias de

arte e espetáculos. A consequência desse processo é o desejo de possuir

esses bens culturais e o modo mais rápido é por meio do consumo. É

nesse ambiente de consumo que o Kitsch ganha espaço de destaque. A

participação no conjunto social se dá por meio de signos estéticos

embaralhados que se repetem a todo momento, mas que possuem a

capacidade de se adaptar a novas situações e ter um estilo capaz de

atribuir valor de novidade. A ascensão do Kitsch é que marca o ocaso das

vanguardas, já que rompe com as definições de arte e sua tarefa de se

aproximar da vida, pois a partir desse embaralhamento promovido pela

pop art, pelas vanguardas italianas do design, o Kitsch também adentra

os museus e espaços destinados às artes plásticas e aplicadas. Marcar o

que é arte ou não é cada vez mais difícil, é como se o desejo das

vanguardas se concretizasse, mas com seu sinal trocado, não a arte

modificando a vida; o que vemos é a vida naquilo que possui de mais

banal alterando a arte. Nesse contexto, a repetição é o mecanismo

central; não mais o novo como tradição, mas o “de novo”, o “novamente”,

a busca por uma percepção social de valor. O passado reaparece como

familiar, atribui valor de novo, está presente para ser lido como novidade

por aqueles que não participaram desse universo cultural, mas agora têm

a chance de imitar por meio do embaralhamento das distinções estéticas

e, assim, criar falsas sensações de pertencimento.

O que percebemos foi uma sobrecarga da narrativa moderna que

tem um marco histórico importante, a implosão do Pruitt-Igoe em 1972.

Durante esse recorte que estamos utilizando, do Palácio de Cristal ao

Pruitt-Igoe, há momentos que demonstram como a arquitetura contribuiu

para criar o ambiente moderno e sua busca pelo novo. As lojas de

departamento são o primeiro sinal da elaboração do ambiente para

receber um grande volume de pessoas e acondicionar os produtos da

indústria seguindo a lógica das grandes exposições. O Le Bon Marché foi o

exemplo utilizado para mostrar como a iniciativa privada começa a

Page 170: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

169

perceber nas grandes exposições uma oportunidade para seus negócios. O

crescimento econômico chegou a mais camadas da sociedade, o que

possibilitou a aquisição de objetos de consumo, que até então eram

privilégios de classe. Nosso esforço é demonstrar que é nesse espaço

novo que ocorrem os gestos diários da vida, naquilo que ela tem de mais

banal, mas que por meio da repetição acaba por constituir um novo modo

de interpretação. As lojas de departamento constituem o espaço privado e

fechado em si, a arquitetura funciona para distanciar o sujeito do todo, da

cidade, de qualquer ideia que o vincule à percepção de participação e

construção social por parte do indivíduo. A relação é com os objetos

estéticos. Uma das respostas para esse processo veio das vanguardas,

principalmente, da Bauhaus e dos ready-made. Os dois, ao procurarem

silenciar os objetos, estavam de acordo de que, para devolver ao homem

a possibilidade de interpretar o mundo a nossa volta, precisávamos

estabelecer uma outra relação com os objetos. A Bauhaus, ao procurar

constituir nas artes aplicadas um projeto racional capaz de silenciar

qualquer tipo de estilo do artista ou inspiração, buscava estabelecer uma

nova relação com os objetos. A finalidade era que, dessa relação, o que

ficasse com o sujeito fossem a funcionalidade e a percepção da

racionalidade do trabalho do artista-artesão, para que, com isso, ele fosse

impelido a construir; essa era a beleza do objeto. Já para Duchamp e seus

ready-made, o silêncio dos objetos se dava por meio do gesto de seu

deslocamento para espaços institucionalizados de arte. Uma das

finalidades era devolver ao sujeito a capacidade de interpretar a vida, por

meio de uma nova interpretação dos objetos. A ideia era romper com os

significados dados previamente pela indústria e do seu uso prático. Essa é

uma das contradições da modernidade, já que há um avanço da indústria

e por consequência uma maior circulação de objetos de uso cotidiano,

mas ao mesmo tempo se busca romper com esse novo cenário, utilizando

o próprio objeto para fazer a crítica e levar o homem a novas

interpretações da vida. A arquitetura moderna é um exemplo privilegiado

desse processo de elaboração e participação crítica, dos avanços e recuos

Page 171: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

170

da modernidade durante o século XX. É justamente por ter a capacidade

de participar de modo ativo na construção do ambiente moderno que a

arquitetura acaba por se sobrecarregar, uma vez que ela é capaz de

projetar cidades, edifícios, objetos e, assim, constituir uma forma de vida,

pois resulta em uma aproximação entre um projeto artístico e um projeto

de vida. A arquitetura se sobrecarrega por acreditar que pode, por meio

do projeto, subordinar toda a complexidade e as contradições da vida.

Esse é o ponto que fornece os elementos para a crítica à modernidade,

sua força de projetar se torna, para essa outra tradição que começa a se

constituir no pós-Segunda Guerra, em totalitarismo. O crescimento

econômico e das cidades de forma desordenada cria novas demandas.

Com o avanço da pop art, criou-se o elemento estético que aproxima a

arte das pessoas por intermédio do consumo. Para essas novas demandas

sociais e estéticas, o shopping center se coloca como o espaço capaz de

atender a todos e atrair cidade para dentro desse espaço. O que temos é

um espaço fora da cidade, climatizado, organizado, com restaurantes,

lojas e lazer, sem a necessidade de pensar a vida em sociedade. Não há

um projeto aglutinador dos modernistas, mas uma programação da vida

para as demandas mais banais do cotidiano, que se impõe sobre a arte. O

Kitsch da decoração vai de encontro a todo ideário moderno, torna o

espaço com características da vida privada, que acolhe e ao mesmo tempo

banaliza o olhar, pois o que temos é uma abundância de objetos estéticos

que resulta na interdição da possibilidade de interpretação do ambiente.

Las Vegas é o ápice desse processo, pois é a representação de um tipo de

arquitetura que se contrapõe ao ideário moderno. Com Aprendendo com

Las Vegas vimos que a arquitetura se volta para o gosto do cliente, não há

qualquer ideia que não possa ser colocada em prática; buscam-se o

pluralismo, a ironia e, com isso, a decoração ganha centralidade. Se no

modernismo a arquitetura era a forma no espaço, a mudança a partir do

que se aprendeu com Las Vegas é que a arquitetura é o simbolismo no

espaço. Analisar a arquitetura sem julgamento, perceber na cidade todas

as possibilidades de ver como se conseguem transformar galpões em

Page 172: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

171

símbolos a partir de fachadas, luminosos de neon, letreiros, outdoors e

todas as possibilidades da ironia do Kitsch. O embaralhamento das artes

com a cultura Kitsch, a vida cotidiana repleta de signos que se sucedem

de maneira repetida sem deixar espaço para novas possibilidades de vida,

já que seu significado já é de conhecimento de todos, o consumo. A

dicotomia vanguardas e Kitsch se faz presente a partir desse momento,

visto que há um avanço sobre as conquistas modernas no campo teórico,

e a implosão do Pruitt-Igoe demonstra como esse ideário de cidade

projetado para o convívio social perde força e a pluralidade decorativa

está cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, e é justamente

nesse cotidiano que se buscam maneiras de conceber uma arquitetura que

não tenha valores preestabelecidos – como nas vanguardas, sendo a

Bauhaus sua principal porta-voz – e que aceite com bom humor e ironia

as condições dadas pela sociedade de consumo, com suas fachadas

luminosas, decoração Kitsch e usando de novo os elementos do passado.

Se no campo das artes aplicadas a implosão do Pruitt-Igoe cede espaço

para uma arquitetura voltada para a decoração, nas artes plásticas

percebemos que o ready-made se espalha por toda parte e está cada vez

mais embaralhado com objetos de consumo; assim podemos perceber

como a cultura Kitsch se impõe sobre as artes e põe em prática o desafio

moderno, mas se coloca com os sinais trocados, não é a aproximação arte

e vida. O que temos é a vida cotidiana se impondo, por meio do consumo

Kitsch, as artes. A estratégia é de impor a arte e a lógica do consumo; a

todo momento, temos que escolher a nós mesmos, seja no supermercado,

seja no museu. As condições pós-modernas analisadas por Lyotard nos

levam a perceber que com a crise das metanarrativas históricas o que

temos são sujeitos incapazes de constituir vínculos sociais, de se perceber

como agentes históricos. O que vemos são sujeitos consumidores de

produtos que contam histórias, em vez de escrever sua própria história;

podemos comprar objetos que as contam por nós. A Alessi é o exemplo

mais evidente desse processo de mudança nas artes, de como a vida

cotidiana se impôs por meio do consumo tendo o Kitsch como seu aliado.

Page 173: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

172

Marcar a diferença de um objeto industrial da Alessi para um ready-made

se torna difícil, é como se todos os objetos estéticos fossem ready-made.

A Alessi busca se aproximar das vanguardas italianas do design e, com

isso, ridicularizar a racionalidade científica da modernidade, a ironia, a

interação do usuário com o objeto e a inspiração na cultura de massas

moldada pelo advento do rádio, da televisão, do cinema e da publicidade,

o que aproxima, assim, o design do Kitsch. Para atingir esse objetivo, a

Alessi recorre livremente à repetição estética do passado, é como se a

história fosse um banco de dados de imagens que podem se repetir, sem

trazer consigo nenhum caráter de relevância histórica. Os objetos

estéticos são agora portadores de formas de vida dadas previamente por

artistas e designers que contam histórias capazes de apaziguar

contradições e dar a artificialidade necessária para que o indivíduo suporte

sua atomização social sem vínculo histórico. Assim, os objetos cumprem a

função de confinar os indivíduos em si mesmo, dentro de sua história

comprada no supermercado. Viver o mundo exterior como uma

experiência violenta e estabelecer relações com aquilo que não é humano,

esse é o passo decisivo para que o espaço privado das lojas de

departamento, supermercado ou shopping centers seja o habitat social.

Baudrillard argumenta que: “É preciso a violência e a inumanidade do

mundo exterior para que a segurança não só se experimente como tal

com maior profundidade, mas também para que se sinta justificada em

escolher-se a si mesma a cada momento205”.

Escolhemos a segurança dos objetos que contêm histórias dadas e

que nos distanciam das tensões inerentes à vida. Baudrillard continua:

“Ao nível do vivido, o consumo faz da exclusão maximal do mundo (real,

social e histórico) o índice máximo de segurança”206. Quando escolhemos

a nós mesmos, escolhemos a segurança de um mundo artificial, mas que

nos dá a sensação de ter feito a escolha certa, já que o mundo exterior é

205 BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 28.

206 Idem, p. 27.

Page 174: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

173

violento e exige participação ativa na sua constituição social e histórica. A

passividade dessa escolha deve ser desculpabilizada. É nessa série de

interpretações do conjunto de todos os acontecimentos diários, banais e

repetitivos que buscamos essa segurança, esse conjunto é o nosso

cotidiano. É nessa série de interpretações diárias que buscamos, por meio

dos objetos estéticos, sejam objetos artísticos ou industrializados,

desculpabilizar nossa passividade diante da vida e encontrar a segurança

de um modo de vida preestabelecido, dado ou, melhor, comprado. “Para

milhões de pessoas sem história e felizes de o serem, é de toda a

necessidade desculpabilizar a passividade”207.

A conclusão a que chegamos para o campo da estética é que com os

avanços econômicos do pós-Segunda Guerra há uma nova demanda por

arte, objetos industrializados e serviços, que exigiram das vanguardas

novos posicionamentos. A resposta inicial foi a pop art e as vanguardas

italianas do design. Com esses dois movimentos artísticos, percebemos

uma repetição de objetos que já faziam parte do cotidiano das pessoas,

mas que agora estavam presentes nas galerias, museus e nos

supermercados. Racionalidade e liberdade, bandeiras da Bauhaus e dos

ready-made de Duchamp, são substituídas por: pluralidade e

familiaridade, pelas vanguardas italianas do design e pelos ready-made da

pop art. O resultado desse processo é uma outra relação com as

narrativas históricas. Percebemos que o passado é revisitado como banco

de imagens para tornar os produtos divertidos e plurais e para que a arte

tenha algo de familiar com o espectador. A história da arte, assim, chega

ao seu final, já que há uma aceleração de imagens do passado em busca

de novidade, mas sem seu contexto histórico. Essa aceleração ocorre

devido à ampliação dos mecanismos de cultura de massa. A arte passa

agora a ocupar o espaço de comunicar várias histórias, não uma história

universal que exige relação ativa com questões sociais, mas múltiplas

histórias que estabeleçam relações com indivíduos. A repetição constante

207 Ibidem, p.27

Page 175: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

174

de objetos e imagens faz com que a descontinuidade esteja presente no

cotidiano e tem o potencial de fazer com que o mundo exterior seja

vivenciado como violento e que a segurança esteja em não participar

desse processo. Mas essa passividade não seria possível sem uma

recompensa: os objetos, sejam de arte ou de uso, que entregam uma

história pronta e familiar. O Kitsch é esse objeto que imita a arte sem ser

arte. Incapaz de produzir sua própria crítica, ele produz histórias sobre si

mesmo, mas sem ter conexão com questões sociais e históricas – ele se

retroalimenta de si mesmo sucessivamente, de novo e de novo.

Page 176: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

175

Referências:

ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1999.

ARGAN, Giulio. Arte Moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

______, ______. Arte Moderna na Europa. São Paulo: Cia das

Letras.2010.

______, _______. História da Arte como História da cidade. São Paulo:

Martins Fontes, 1993.

______, _______. Walter Gropius e a Bauhaus. Rio de Janeiro: José

Olympio, 2005.

BATTCOCK, Gregory. A nova arte. São Paulo: Perspectiva, 2013.

BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Paz e Terra,

1996.

BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade do Consumo. Lisboa: Edições 70, 2011.

___________, _____. Crítica da economia política dos signos. Rio de

Janeiro: Elfos, 1995.

___________, _____. De um fragmento ao outro. São Paulo: Zouk, 2003.

___________, ______. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva,

1993.

__________, _______. Le système des objets. Paris: Gallimard, 2016.

___________, _____. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio d’Água,

1991.

BEIGUELMAN, Gisele. Um museu de grandes novidades velha. Disponível

em: http://www.select.art.br/article/reportagens_e_artigos/um-museu-

de-grandes-novidades-velhas?page=unic#.UR0tX90tjKk.email. Acesso

em: 20 de out. 2013.

BELTING, Hans. O fim da história da arte. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

BONSIEPE, Gui. Design, sociedade e cultura. São Paulo: Blucher, 2013.

________, ___. Design: Como prática de projeto. São Paulo: Blucher,

2012.

Page 177: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

176

BOURRIAUD, Nicolas, Formas de vida: A arte moderna e a invenção de si.

São Paulo: Martins Fontes, 2011.

BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo – o novo e o outro novo.

In: Experiência crítica. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

BÜRGER, Peter. O Declínio da Era Moderna. IN Novos Estudos CEBRAP, nº

20, São Paulo: março 1988.

_______, ______. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas

ideias do sublime e do belo. Campinas: Papirus, 1993.

CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São

Paulo: Perspectiva, 1987.

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac

Naify, 2013.

________, _____. Uma introdução a História do Design. São Paulo:

Blucher, 2008.

CERTEAU, Michel, A invenção do cotidiano: Artes do fazer. Petrópolis:

Vozes, 2014.

CHIPP, Herschel. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes,

1988;

CLARK, Timothy J. Modernismos. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

COLLINS, Michael. Alessi. São Paulo: Cosac Naify, 2000.

CRARY, Jonathan. Suspensões da percepção. São Paulo: Cosac Naify,

2013.

DANTO, Arthur. A transfiguração do lugar-comum. São Paulo: Cosac

Naify, 2005.

______, _____. Andy Warhol. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

______, _____. Após o fim da arte: A arte contemporânea e os limites da

história. São Paulo: Edusp, 2006.

_______, ______. O abuso da beleza. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997.

Page 178: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

177

DEICHER, Susanne. Mondrian: A construção sobre o vazio. Lisboa:

Taschen, 1994.

DUCHAMP, Marcel. O ato criador. In: Battcock k, Gregory. A nova arte.

São Paulo: Perspectiva, 1975.

DROSTE, Magdalena. Bauhaus. Lisboa: Taschen, 2013.

FABBRINI, Ricardo. A Apropriação da Tradição Moderna. In. São Paulo, O

Pós-modernismo, org. Barbosa, Ana Mae e Guinsburg, J. Perspectiva,

2008.

_________, _____. O Fim das Vanguardas. Acessado em 15 de set.

12.http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/ricardo_fabrini.

pdf

FAVARETTO, Celso. Deslocamentos: entre a arte e a vida. In. Conferência

proferida no congresso internacional “Deslocamentos na Arte” promovido

pela UFMG/ UFOP, 2009.

FERREIRA, Gloria; COTRIM, Cecilia, Orgs. Clement Greenberg e o debate

crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

FIEL, Charlotte e Peter. Design do século XX. São Paulo: Taschen, 2015.

FORTY, Adrian. Objetos de desejo. Design e sociedade desde 1750. São

Paulo: Cosac Naify, 2013.

FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

______,____. O retorno do real. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

______, ____. Recodificação: Arte, Espetáculo, Política Cultural. São

Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996.

GIANOTTI, Marco. Andy Warhol ou a sombra da imagem. São Paulo:

Revista Ars vol. 2 n 4, 2004.

GREENBERG, Clement. Arte e cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

__________, _______. Estética Doméstica. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

GROPIUS, Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva,

2013.

HABERMAS, Jürgen. Arquitetura e Dimensão Estética depois das

vanguardas. São Paulo: Brasiliense, 1992.

Page 179: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

178

__________, ______. In São Paulo, Novos Estudos CEBRAP nº. 12, junho

de 1985.

HANSEN, João Adolfo. Pós-moderno e Cultura. IN: CHALHUB, Samira

(Org.). Pós-moderno e semiótica, cultura, psicanálise, literatura, artes

plásticas. São Paulo: Imago, 1994.

HOBSBAWM, Eric. A era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

__________, ___. A era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

__________, ___. A era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras, 2015.

HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia

transcendental: Uma introdução à Filosofia Fenomenológica. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2012.

HUYSSEN, Andreas. Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro: UFRJ,

1997.

JAMESON, Fredric. A Virada Cultural. São Paulo: Civilização Brasileira,

2006.

________, ________. Pós-Modernidade e Sociedade de Consumo. In São

Paulo, Novos Estudos CEBRAP nº. 12, junho de 1985.

LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática,

1991.

LEITÃO N. Andresen. Londres 1851. Lisboa: Fernandes e Terceiro, 1994.

LICHTENSTEIN, Jaqueline. A pintura: Vanguardas e rupturas. São Paulo:

34, 2014.

LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A estetização do Mundo: Viver na era do

capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José

Olympio, 1986.

LUPTON, Ellen; MILLER, Abbott (Orgs.). ABC da Bauhaus. São Paulo:

Cosac Naify, 2008.

______, _____; PHILLIPS, Jennifer. Novos Fundamentos do Design. São

Paulo: Cosac Naify, 2008.

MICHELI, Mario. As vanguardas artísticas. São Paulo: Martins Fontes,

2004.

Page 180: ARTHUR WALESKO VERAS DE OLIVEIRA Arte, objetos e vida ...filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp... · artes aplicadas percorreram ao longo do século XX. No campo das artes

179

MINK, Janis. Duchamp: A Arte como Contra-Arte. Lisboa: Taschen, 1996.

OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Lisboa: Taschen, 1994.

PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. São Paulo:

Perspectiva, 2002.

___, _______. Os filhos do Barro. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

___, _______. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 1996.

PESAVENTO, Sandra. Exposições Universais. São Paulo: Hucitec, 1997.

PEVSNER, Nikolaus. Origens da arquitetura moderna e do design. São

Paulo: Martins Fontes, 1981.

_______, _______. Os pioneiros do desenho moderno: de Willians Morris

a Walter Gropius. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

RECAMÁN, Luiz. Bauhaus: Vanguarda e mal-estar da metrópole In:

Pensamento Alemão do Século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

ROSENBERG, Harold. A tradição do novo. São Paulo: Perspectiva, 1974.

__________, ______. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

RICKEY, George. Construtivismo. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

RUHRBERG, K.; SCHNECKENBURGER, M.; FRICKE, C.; HONNEF, K. Arte

do século XX. Lisboa: Taschen, 2012.

SENNETT, Richard. O declínio do homem público: As tiranias da

intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SOUZA, Pedro Luiz Pereira de. Notas para uma história do design. Rio de

Janeiro: 2AB, 1998.

SUDJIC, Deyan. A linguagem das coisas. São Paulo: Intrínseca, 2010.

VENTURI, R.; BROWN, D.S.; IZENOUR, S. Aprendendo com Las Vegas.

São Paulo: Cosac Naify, 2003.

WARHOL, Andy. América. São Paulo: LP&M, 2015.