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Organizadoras Ana Cléa Moreira Ayres Glaucia Guimarães Regina Mendes Rosimeri de Oliveira Dias Articulando a Universidade e a Escola Básica no Leste Fluminense Rio de Janeiro 2010 H. P. Comunicação Editora

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Organizadoras

Ana Cléa Moreira AyresGlaucia Guimarães

Regina MendesRosimeri de Oliveira Dias

Articulando a Universidade

e a Escola Básica

no Leste Fluminense

Rio de Janeiro2010

H. P. ComunicaçãoEditora

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Articulando a Universidade e a Escola Básica no Leste Fluminense.

Rio de Janeiro, novembro de 2010.

204 ps.

1. Educação - Rio de Janeiro - 2. Educação - Pedagogia - Resumos. Facul-dade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio deJaneiro. Título.

Organizadoras: AYRES, Ana Cléa Moreira; GUIMARÃES, Glaucia;MENDES, Regina e DIAS, Rosimeri de Oliveira.

H. P. Comunicação Associados 7576 CDD - 370.7

ARTICULANDO A UNIVERSIDADE E

A ESCOLA BÁSICA NO LESTE FLUMINENSE

ISBN

978-85-7576-149-6

Novembro de 2010

Direitos reservados aos autores dos textosContato: [email protected]

Editor: Paulo França

H.P. Comunicação AssociadosTels.: 21 3393-4212 - 9889-8530

[email protected]

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

PARTE IDAS MEMÓRIAS DE QUEM ENSINA À CONSOLIDAÇÃO DAS PARCERIAS:PARA MUITO ALÉM DO VELHO SCRIPT

Memórias de quem ensina história: reflexões acercada formação de professores e a prática docente 17Thiago Rodrigues Nascimento

A parte que me cabe neste latifúndio 25Maicon Azevedo

Consolidando parcerias na E. M. Raul Veiga 34Mairce da Silva Araújo e Reinaldo Henrique Salvino

A relação aluno-escola e o ensino de geografia na rede pública 41Jorge Luiz Moreira Rodrigues e Raquel Carneiro de Araujo

A avaliação no ensino da matemática 50Andreia Carvalho Maciel Barbosa e Luana Figueiredo de Barros

Experimentando a Ciência: a visão dos alunos do ensino médio 63Anderson Alves Moura; Luana das N. de S. de Lima; Ricardo Tadeu Santori;Glaucia Guimarães, Luís Fernando Dorvillé e Ana Cléa Moreira Ayres

Aprimorando nossa prática docente: um projeto de capacitaçãode professores em São Gonçalo 69Helena Amaral da Fontoura; Alessandra da Costa Cordeiro; BarbaraCampina; Sandro Tiago da Silva Figueira; Vanda Beatriz Galdina dos Santos,Vaneiva Andréa de Castro Castilho e Viviane Sepúlveda Saraiva

Escola de ensino fundamental na era dos direitos 80Estela Scheinvar

Práticas pedagógicas reafirmar identidades no cotidiano escolar 90Regina de Fátima Jesus e Luciana Santiago da Silva

Atividades lúdicas no ensino de Geografia: experiências noestágio supervisionado 97Luana Maria de Aguiar Silva, Gilmara Rodrigues e Alice Konstand

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PARTE IIEXPERIÊNCIAS E POSSIBILIDADES NA PARCERIA ESCOLA

BÁSICA E UNIVERSIDADE

Gêneros textuais na prática docente 109Maria Betânia Almeida Pereira

Leituras e linguagens no estágio supervisionado: práticade ensino, extensão e pesquisa 115Glaucia Guimarães

Interações ecológicas através do jogo ‘Memórias das relações’:produção e realização de uma oficina pedagógica para alunosdo ensino médio 130Gabriela Rodrigues; Jonathan Ruan; Rafaela Mulato; RebecaCastro e Regina Mendes

A recepção das crianças na Educação Infantil: um relatode experiência 138Giselle Mendes dos Santos

Sobre uma aula chamada ‘silêncio’ e a constituição de umaformação inventiva de professores 144Bruno da S. R. Macedo e Rosimeri de Oliveira Dias

Tape Nhemoexakã: Universidade, Escola Indígena,Currículo e Cinema 156Domingos Nobre e Michelle Puente

Curso de pedagogia da FFP/UERJ e Instituto de EducaçãoClélia Nanci: diálogos entre universidade e escola 166Inês Bragança

Possibilidades de encontros entre escola básica euniversidade: relato de uma experiência 171Rosângela Maria Pereira e Souza

Ação Formativa em espaço escolar: a articulação universidadee escola 183Fernando Fortunato Faria Ferraz

Experiência e alteridade na formação de professores: oprojeto “Narrando a potência da escola pública” 191Anelice Ribetto

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APRESENTAÇÃO

Este livro acontece no percurso de produção do projeto ArticulandoUniversidade e a Escola Básica no Leste Fluminense: investigando oestágio docente como política de formação inicial de professoresPRODOCÊNCIA/CAPES desenvolvido na Faculdade de Formação deProfessores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A propostadeste projeto é investigar as relações entre docência e pesquisa naarticulação entre universidade e escola básica, questão bastante presentena academia e na escola, considerada por muitos como uma exigênciapara o exercício da autonomia e de um trabalho crítico do professor e,por outros, como impossível devido às características e/ou as condiçõesda educação na nossa realidade.

Neste contexto de investigação e análises nos colocamos naempreitada de dar visibilidade às múltiplas configurações que vêm seconstituindo em torno das práticas dos licenciandos e das atividades eações cotidianas de professores do Leste Fluminense. Pensamos emproduzir, com estes textos, ferramentas de trabalho que expressam aimportância da parceria entre escola básica e universidade e, inclusive,como esta possibilita a melhoria do ensino nos cursos da FFP/UERJ e daescola básica na região.

Investigando experiências que tratam da articulação escola básica euniversidade, tecemos um debate que tradicionalmente se organiza a partirda oposição entre escola que pratica e universidade que teoriza oconhecimento. Durante a articulação das instituições, vislumbramos epudemos experimentar práticas produções acadêmicas que tendemromper com a tradicional oposição.

Os impasses são muitas vezes atribuídos à natureza dialética da formaçãode professores, que reúne grande parte das investigações no campo dosestudos da docência. Argumentamos e, neste livro, apresentamos a riquezae a potencialidade própria da natureza da formação de professores naarticulação universidade e escola, recusando a formação que se adéqua ascripts preexistentes de transmissão de conhecimentos, como modelos edidáticas padronizados. Portanto, pudemos experimentar a formação deprofessores que requer procedimentos mais abertos e ao mesmo tempomais inventivos, pois os processos de produção da vida se expressam demúltiplas maneiras, cabendo a inclusão de formas dadas e outras a seconstituírem no percurso de produção. Afinal, como alerta Mário Quintana(2007, p.36), “quem inventa fica mais próximo da realidade”.

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Formação, escola básica e universidade podem constituir práticasexperienciais, desde que se proponham ao acompanhamento dosprocessos em curso. Aquilo que se dá, do modo como acontece. Paraalém da separação dos territórios da escola básica e da universidade restamem aberto impasses relativos à adequação entre o problema do cotidianointenso e vivo da formação de alunos e de professores e as exigências daaprendizagem de viver num território que está sempre em movimento. Aquestão neste contexto movente é como dar visibilidade a processos semdeixá-los escapar por entre os dedos.

Com este desafio à frente, nos deslocamos com a perspectiva decontribuir para a construção de uma política na formação de professorescomo um permanente território em movimento, levando em conta ainvestigação dos modos de estágio docente que ganham relevo quando adiscussão é a pesquisa na formação e caminhos possíveis para as mudançasno trabalho e na vida educacional. É assim que este livro se compõe, em vezde regras para serem aplicadas, os textos propõem experiências para seremcompartilhadas. Apresentamos experiências, na escola básica e nauniversidade, para nos auxiliar no trabalho da formação de professores,sabendo que para dar visibilidade aos processos em curso não podemoster predeterminada de antemão a totalidade dos procedimentos de formação,de ensino e de aprendizagem. As experiências que compõem este livro sãocomo referências que concorrem para a composição de uma atitude deabertura ao que vai se produzindo e, ao mesmo tempo, de calibragem docaminhar no próprio percurso da pesquisa e da formação de professores.

Neste livro apresentamos experiências para uma prática na escolabásica e na universidade. No século passado, Paulo Freire em conversacom Miles Horton nos ensinou que o “caminho se faz caminhando”. Poristo, mantemos o princípio de não impedir e, nem atrapalhar os processosem curso, no decorrer da pesquisa referida. Nosso princípio, então, é deabertura para uma experiência no sentido benjaminiano. Como o que nospassa, nos acontece e nos transforma. Deste modo, a aposta é nacomposição escrita dos acontecimentos que potencializam outros modosde viver e fazer formação de professores, escola básica e universidade.

Portanto, como “são os passos que fazem os caminhos” (MárioQuintana, 2007, p.77), orgulhosamente os apresentamos neste livro,agrupando os textos em duas partes. Na primeira parte agrupamos textosque vão “Das memórias de quem ensina à consolidação dasparcerias: para muito além do velho script”

Compondo esta parte do livro apresentamos os três primeiros artigosque focalizam as memórias de quem ensina como ponto de partida paraarticular ensino e pesquisa, na escola e na universidade. Thiago Rodrigues

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Nascimento, aluno de história da FFP, em “Memórias de quem ensinahistória: reflexões acerca da formação de professores e a práticadocente”, busca dialogar com as pesquisas em torno da memória docentee formação de professores e tem como objetivo principal compreenderas relações que três professores de História do município de São Gonçaloestabelecem entre a sua formação universitária e sua prática docente.

Temos também o texto “A parte que me cabe neste latifúndio” deMaicon Azevedo, professor da formação de docentes do CEFET/RJ. Elelembra o trecho “a parte que te cabe neste latifúndio”, de uma das músicasdo clássico Morte e Vida Severina na TV, para discutir o papel cabe aoprofessor formador na ação, na formação inicial de professores. Relatasua experiência no projeto Interação entre pares na formação deprofessores. A partir daí reflete sobre sua atuação em sala de aula e suaparticipação na formação de novos profissionais e, ainda, conjetura sobreo modelo de professor que considera ideal para atuar em nossas escolasde educação básica.

Mairce da Silva Araújo, professora da FFP da UERJ, e ReinaldoHenrique Salvino, professor da Escola Municipal Raul Veiga, em SãoGonçalo, apresentam o texto “Consolidando parcerias na E. M. RaulVeiga”. Este reafirma o espaço escolar como lócus privilegiado decirculação e resgate de saberes e como “ambiente alfabetizador potente”,com base em novas práticas de leitura e escrita, a partir da reconstrução/resgate da memória e história de seus sujeitos.

Ainda na primeira parte do livro, também reunimos textos que examinamos resquícios do “velho scritpt de ensino” e propõem ações alternativasproduzidas na tensão e na tessitura das práticas escolares e universitárias.

Nesta parte do livro, além dos textos já descritos acima, temos maisseis. O primeiro “A avaliação no ensino da matemática”, da professorada FFP-UERJ Andreia Carvalho Maciel Barbosa e da aluna Luana deFigueiredo e Silvia de Castro de Barros, relata a pesquisa que é desenvolvidaacerca dos meios de avaliação no ensino da matemática nas escolas de SãoGonçalo. As autoras constatam que as avaliações de Matemática aplicadasaos estudantes das unidades escolares analisadas são, ainda hoje, como háalguns anos atrás. Apontam a necessidade de que seja desconstruído oparadigma de que a avaliação está restrita à classificação, à exclusão e àseleção de alunos e ressaltam a importância da utilização de múltiplosinstrumentos de avaliação como subsídio para saber em que momento doprocesso ensino-aprendizagem o professor precisa intervir e para avaliar,não somente o aluno, mas também a escola e o ensino.

Outro texto discute o que se pensa sobre ciência e sobre o cientista:“Experimentando a Ciência: a visão dos alunos do ensino médio”,

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realizado por alunos e professores do Núcleo de Pesquisas e Ensino deCiências (NUPEC/UERJ/FFP), relata a investigação acerca dasconcepções de Ciência e Cientista de alunos do Ensino Médio, de alunosque participam do projeto de Iniciação Científica Júnior na área de Biologia.Os dados obtidos indicam uma mudança nas formas de conceber a Ciênciae o Cientista, pois o que antes era visto por alguns como algo distante eperfeito agora é posto em prova quando lêem artigos e fazem suas própriascríticas e comparações.

“Aprimorando nossa prática docente: um projeto de capacitaçãode professores em São Gonçalo” é o artigo de Helena Amaral daFontoura, professora da FFP/UERJ e as professoras do CIEPMunicipalizado 045 Porto do Rosa, em São Gonçalo Alessandra da CostaCordeiro, Barbara Campina, Sandro Tiago da Silva Figueira, Vanda BeatrizGaldina dos Santos, Vaneiva Andréa de Castro Castilho e Viviane SepúlvedaSaraiva. O artigo traz reflexões sobre um projeto que possibilitou a construçãode um espaço de inserção para professores interessados em aprimorar suaprática docente, através de atividades conjuntas promovidas pela Faculdadede Formação de Professores (FFP/UERJ), atendendo à solicitação deprofessores e da coordenação do referido CIEP. A experiência se configuroucomo um espaço de reflexão para que os professores desta escola, em umcurso de extensão de 120 h, cuja abordagem superasse o caráter meramenteinformativo, ampliando os momentos de reflexão e de questionamento dascondições de vida em todos os seus prismas. Através de uma óticainterdisciplinar, foi possível vislumbrar ação transformadora para a melhoriadas condições de trabalho dos professores do município de São Gonçalo ea ampliação da parceria universidade-escola.

Estela Scheinvar analisa a tensão presente na relação entre o conselhotutelar e a escola em seu texto “Escola de ensino fundamental na era dosdireitos”. Com base em entrevistas a estudantes e de profissionais de escolasde Ensino Fundamental do município de São Gonçalo conclui que a escola,como um espaço de governo, apresenta efeitos de ordens legais impostassem um trabalho cotidiano, singular, entre trabalhadores e usuários do serviçoescolar. Inclusive, pontua que a sanção legal tem contribuído para a ampliaçãodas tensões e enquadramentos normativos. Com isto, afirma que “as tensõespresentes na escola têm que ser discutidas e abordadas por dentro da escola.Não por cima, nem apesar dela, mas com ela”.

Regina de Fátima Jesus, professora da FFP-UERJ, e sua aluna ebolsista de iniciação Científica Luciana Santiago da Silva, em “Práticaspedagógicas reafirmar identidades no cotidiano escolar”, buscamvisibilizar práticas pedagógicas de professores a partir da pesquisa Micro-ações afirmativas no cotidiano de escolas públicas do município de

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São Gonçalo. No processo da pesquisa vem sendo coletadas narrativasorais acerca de práticas pedagógicas voltadas à transformação da realidadede racismo com a qual ainda convivem os educandos afrodescendentes.

Fechando esta parte do livro, o artigo “Atividades lúdicas no ensinode geografia: experiências no estágio supervisionado”, elaboradopelas alunas da FFP-UERJ Luana Maria de Aguiar Silva, GilmaraRodrigues e Alice Konstand, relata a experiência que desenvolveram emescola pública de São Gonçalo, orientadas pela professora de estágiosupervisionado na FFP-UERJ.

Abrindo a segunda parte do livro “Experiências e possibilidadesna parceria escola básica e universidade”, reunimos três textos querelatam pesquisas que partem de gêneros textuais, literatura e jogos etecem ensino, pesquisa e extensão, envolvendo escolas e universidade.

Um destes textos – “Gêneros textuais na prática docente” –,escrito por Maria Betânia Almeida Pereira, parte de uma reflexão acercado ensino de língua portuguesa, considerando os relatos de experiênciade estagiários em Letras da FFP da UERJ, buscando estabelecer o contatoentre teoria e prática e perceber a importância desta junção no processodo estágio e na formação de um profissional atento a novas perspectivasde prática docente.

Outro artigo que compõe esta parte do livro é o de Glaucia GuimarãesLeituras e linguagens no estágio supervisionado: prática de ensino,extensão e pesquisa, que relata como a literatura pôde ser o ponto departida para a articulação entre ensino, pesquisa e extensão.

“Interações ecológicas através do jogo ‘Memórias dasrelações’: produção e realização de uma oficina pedagógica paraalunos do ensino médio” é o artigo, produzido pela professora da FFP/UERJ Regina Mendes e seus alunos. Nele eles relatam a experiência deprodução e realização de uma oficina por alunos da disciplina “Laboratóriode Ensino III”, do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da FFP/UERJ. A oficina foi realizada com alunos de ensino médio da EscolaEstadual Francisco Lima, localizada no município de São Gonçalo, RJ. Atemática principal da oficina girou em torno das relações ecológicas,abordadas através de um jogo, de imagens e de conceitos complementares.Após essa apresentação, o material da oficina entrou para o acervo doLaboratório de Ensino de Ciências e Biologia de nossa universidade, etem sido utilizado por outros licenciandos em atividades de ensino nasescolas da região.

Há mais artigos que relatam e refletem sobre experiências inovadorasna relação entre universidade e escola. Um deles “A Recepção dascrianças na Educação Infantil: um relato de experiência” de Giselle

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Mendes dos Santos, aluna de Pedagogia, que, com base em sua experiênciacomo professora de uma escola pública do município de Niterói, discutea entrada da criança na educação infantil, confrontando o conceitotradicionalmente conhecido como adaptação – período de ajustamentoda criança na escola – e uma nova perspectiva acerca deste mesmo períodode entrada da criança na escola, chamando-o de inserimento ou inserção,que significa o momento de acolhimento das crianças na escola criando“novas” diretrizes e rumos.

Bruno da S. R. Macedo e Rosimeri de Oliveira Dias conversam notexto “Sobre uma aula chamada ‘silêncio’ e a constituição de umaformação inventiva de professores”. Tal conversa acontece no contextoda experiência desenvolvida em uma aula, intitulada silêncio, ministradapor Bruno enquanto estagiário de Letras da FFP/UERJ no ColégioEstadual Conselheiro Macedo Soares. Os autores tecem consideraçõesacerca da importância da formação inventiva de professores. Nesta escritaacentuam que a atividade científica de uma formação inventiva integrauma forma de problematização permanente e de rivalidade, promovendouma estética da existência que liga produção de subjetividade, políticasde cognição, experiência e práticas de um modo que não é nem o dossaberes ditos tradicionais, nem aquele vinculado à uma prontidão paraação construtiva. Suas estratégias abrem-se à desnaturalização e àarticulação do improviso com a invenção. Concluem apresentando algumaspistas para habitar o território da escola e inventar novos contornos paraas experiências que acontecem em formação.

No texto “Tape Nhemoexakã: Universidade, Escola Indígena,Currículo e Cinema” Domingos Nobre, professor da FFP/UERJ e suaaluna Michelle Puente refletem sobre uma experiência de extensão daUERJ, em parceria com o CAIK – Centro de Assessoria InterculturalKondo – um Curso de Extensão em Produção de Vídeo para adolescentes,jovens e adultos guarani – realizado na Escola Indígena Estadual GuaraniKarai Kuery Renda na Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis. Apontamque, apesar dos enormes desafios e dificuldades nesta parceria, estaexperiência tem dado alguns sinais de práticas inovadoras.

Os últimos textos indicam as possibilidades na parceria escola euniversidade, focalizando as potencialidades examinadas na parceria escolae universidade.

No texto “Curso de pedagogia da FFP/UERJ e Instituto deEducação Clélia Nanci: diálogos entre universidade e escola”, InêsBragança analisa a proposta de pesquisa-formação desenvolvida nocomponente curricular Estágio Supervisionado III, ministrado por ela,voltado para a docência nas disciplinas pedagógicas do Curso Normal no

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Instituto de Educação Clélia Nanci (IECN). Ressalta a importância deimplementar a pesquisa envolvendo a Faculdade de Formação deProfessores da UERJ e o referido instituto, favorecendo a formação deos/as alunos/as como professores/as pesquisadores/as.

Em “Possibilidades de encontros entre escola básica euniversidade: relato de uma experiência” Rosângela Maria Pereira eSouza apresenta o percurso de alguns encontros entre uma escola básicae a Universidade, no caso específico, do traçado dos caminhos do ColégioEstadual Conselheiro Macedo Soares. O trabalho compartilhapossibilidades, idas e vindas, recuos e retornos, bem como o efeito diretodos atravessamentos produzidos pelo encontro com a Universidade. Estetraçado mostra que a noção de encontro não se limita à trocas deexperiências, mas ao exercício permanente de produção de um campoproblemático, no qual o que interessa é a exploração da qualidade doscaminhos, alguns dos quais levam à constituição de novas possibilidadesque se abrem a constituição de um espaço tempo escolar aberto e vivo aprodução de um conhecer incorporado.

Em “Ação Formativa em espaço escolar: a articulaçãouniversidade e escola”, Fernando focaliza as ações formativas nasescolas com base em experiência de atuação no magistério na EscolaMunicipal Altivo César (em Niterói, RJ) e ao mesmo tempo como professorparticipante do projeto de integração da universidade com a escola básica– PRODOCÊNCIA/UERJ. Alerta que a ação formativa no espaçoescolar deve ser incentivada, fortalecida, aprofundada e privilegiada, umavez que a escola é um local de produção de conhecimento e de aplicaçãoe desenvolvimento de saberes, ainda que esses não sejam na maior partedas vezes considerados, registrados e muito menos publicados emperiódicos especializados. Considera que o espaço escolar é o maisimportante local para a formação do futuro professor e de desenvolvimentode pesquisas em educação.

Anelice Ribetto, professora da FFP-UERJ, relata o projeto“Narrando a potência da escola pública” que começou a serdesenvolvido no espaço-tempo da disciplina “Estágio Supervisionado II”,do Curso de Pedagogia, ressaltando como esta experiência de formaçãoestá marcado pelo desafio de encontrar um espaço de conversa com outros,que é, no mesmo movimento, um dos desafios do próprio projeto: emque língua vamos contar aquilo que nos acontece? (LARROSA, 2006)

Neste contexto de experiência e invenção de outros possíveis parapensar articulações entre escola básica e universidade, evidenciamos algunspensamentos de Mário Quintana que nos auxiliam enunciar a obra quevocês têm em mãos.

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Uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada.Essas coisas que parece não terem beleza nenhuma – ésimplesmente porque não houve nunca quem lhes desse aomenos um segundo olhar!

O verdadeiro criador se limita apenas a mostrar tudo aquiloque os outros olhavam sem ver.

Ana Cléa Moreira AyresGlaucia GuimarãesRegina MendesRosimeri de Oliveira Dias

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PARTE I

Das memórias de quem ensina à consolidaçãodas parcerias: para muito além do velho script

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MEMÓRIAS DE QUEM ENSINA HISTÓRIA: REFLEXÕESACERCA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E

A PRÁTICA DOCENTE

Thiago Rodrigues Nascimento (FFP-UERJ)

I – Introdução

Ao longo das últimas décadas, sobretudo, a partir da década de 1980,a História Oral tem se tornado fonte e ferramenta importante para osHistoriadores que se dedicam a analisar processos históricos recentes oubuscam, nas palavras de Lucília Delgado, “recuperar informações sobreacontecimentos e processos que não se encontram registrados em outrostipos de documentos (...)” (DELGADO, 2006, p. 15). Desta forma, aHistória Oral descortina uma série de processos que antes ficavam ocultos,permitindo aos historiadores o acesso a diferentes testemunhos e tornandopossível novas interpretações do passado.

Neste sentido, consideramos a definição de História Oral formuladapor Delgado, “a História Oral [como] um procedimento metodológicoque busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através denarrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretaçõessobre a História em suas múltiplas dimensões” (DELGADO, 2006, p.15). Desta forma, objetiva-se, utilizando-se da História Oral, analisar osdepoimentos dos professores de História e a sua versão ou interpretaçãodo passado, mais especificamente suas representações acerca de suaformação acadêmica e sua relação com o exercício docente.

No campo da Educação e do Ensino de História, a História Oralnos coloca em contato com as experiências e memórias de professores,rompendo com a barreira que antes limitava as pesquisas à análise daspolíticas públicas e as escolas pedagógicas. Segundo Emery MarquesGusmão, “a História Oral, aplicada [ao campo de pesquisa relativo aoEnsino de História], pode iluminar lugares ocultos da vida escolar, apontarformas sutis de resistência e sublinhar os efeitos de currículos, normas ediretrizes” (GUSMÃO, 2004, p. 31). Nesta pesquisa, consideramos avisão dos professores de História sobre o seu passado, ou seja, nosutilizamos das memórias construídas pelos professores de História, paracompreender os elos que eles estabelecem entre a sua formaçãoacadêmica e a sua prática docente.

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A formação de professores de História para o Ensino Fundamental eMédio tem sido objeto de preocupação e pesquisa, para historiadores eeducadores, ao longo das últimas décadas. Neste sentido, existem muitosestudos que se debruçam sobre a temática da formação docente, mas estes,na maior parte das vezes, se dedicam à análise de currículos e políticaseducacionais 1, concedendo pouco destaque à percepção ou representaçãodos professores, do Ensino Básico, acerca da sua formação universitária.

Estas pesquisas, ao privilegiarem a construção dos currículos e políticaseducacionais (a Teoria), não consideram a apropriação seletiva que osprofessores de História farão do que lhes for apresentado e as possíveisimplicações que estes currículos e políticas educacionais terão na práticadocente destes profissionais.

Pesquisas recentes, como as realizadas pelas historiadoras paulistasEmery Marques Gusmão (2004) e Helenice Ciampi (2008), têmdemonstrado novas possibilidades de análise sobre a formação deprofessores de História. A tônica destas pesquisas é propiciar voz aosdocentes, ou seja, através das memórias dos professores busca-se umamaior compreensão acerca da repercussão que a formação acadêmicateve sobre tais professores.

Nesta perspectiva, “o estudo da memória deve inserir-se numa tentativade compreender o lugar onde o sujeito é produzido, pois lembrar é refazer,reconstruir, repensar, com idéias e imagens de hoje, as experiências dopassado” (GUSMÃO, 2004, p. 31). Nossa pesquisa visa complementare dialogar com as pesquisas já realizadas na área de Memórias deProfessores de História e pretende “compreender o lugar onde o sujeito[neste caso o professor de História] é produzido” (GUSMÃO, 2004, p.31). Desta forma, deslocamos o enfoque de análise centrado unicamentenos currículos e políticas, para as representações sobre as experiênciasdos professores, ou seja, as formas como as reformas educacionais oucurriculares, presentes em sua formação acadêmica e aplicadas emdiferentes contextos, foram vivenciadas pelos professores e a influênciaque esta (experiência) exerce sobre a prática docente.

As memórias 2 que os professores constroem acerca de sua formaçãoacadêmica podem ajudar a descortinar aspectos da formação que remetemà subjetividade do professor, ou seja, através dos relatos que foram obtidospor esta pesquisa, pode-se compreender o que os docentes consideramcomo pontos chave e as lacunas de sua formação. Deste modo, osformadores de professores (e consequentemente os Cursos de Formação),terão uma compreensão de como os alunos (futuros professores) seapropriam da formação obtida nos cursos de graduação em História. Assim,poderemos compreender as principais influências dos cursos de graduação

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(Licenciatura ou Bacharelado) na formação de seus alunos (futuros mestres).Dialogando com pesquisas em torno da formação de professores 3,

as representações que os professores constroem sobre a sua formaçãoacadêmica e prática docente contribuem para uma maior compreensãoacerca dos elos que os professores de História do Ensino Básicoestabelecem entre a sua formação universitária e a sua prática docente.

II – As entrevistas com as professoras de História: Aspetos daFormação e Prática Docente

Com o objetivo de identificar as relações entre a formação universitáriae a prática docente dos professores de História do Ensino Básico, foramentrevistadas 4, no mês de julho de 2009, três professoras de História quelecionam, em escolas estaduais e municipais no Ensino Básico do municípioSão Gonçalo, formadas no período entre 1980 e 2000. As entrevistasobedeceram a um roteiro de questões que versou sobre a vida escolar,acadêmica e profissional, como docente e discente, o que não excluiufragmentos de história de vida dos depoentes, o que nos permitiu analisarum contexto maior, as origens sociais e familiares. Paralelamente a estasentrevistas foi utilizado um questionário composto de uma lista de conteúdosescolares e o conhecimento utilizado pelo professor para ministrar taisconteúdos, o que nos permite vislumbrar algumas características daformação de nossas entrevistadas, tais como: os conteúdos curricularesprivilegiados em suas graduações.

As professoras entrevistadas, através de seus depoimentos, nos revelamtrajetórias de vida e formações diferenciadas, mas apresentam como pontoscomuns o interesse pela História e o comprometimento com a educação e oensino de história. Duas das professoras entrevistadas cursaram a suagraduação em História na Universidade Federal Fluminense; a professoraMarina se formou em 1986 e a professora Raquel em 2000. A terceiraprofessora cursou Estudos Sociais na Universidade do Estado Rio de Janeiro.

A opção de escolha pelo curso de História se processou de formadiferenciada entre as entrevistadas: a professora Raquel não via a Históriae a sala de aula como a sua primeira opção, a História seria uma pontepara que pudesse fazer Diplomacia no Instituto Rio Branco; a professoraCristina sempre se identificou com a História e a Geografia e acabouoptando pelos Estudos Sociais, “a escolha surgiu rapidamente”; aprofessora Marina, foi à única das três que em sua fala demonstrou quesempre quis ser professora e que sempre teve interesse “pela ideia depassado” e já no segundo grau decidiu que faria História. Apesar de aescolha pela História ter se processado de formas diferenciadas, todas as

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três professoras fazem questão de frisar que não têm nenhumarrependimento em relação a sua opção pelo magistério.

As lembranças do período de formação (graduação) estão mais presentesnos depoimentos das professoras Marina e Raquel; o depoimento da professoraCristina é um pouco falho neste aspecto. Mas todas as entrevistadas ressaltamo respeito e admiração pelos seus professores de graduação.

Neste sentido, as professoras destacam os mestres que tiveram nagraduação e que as marcaram. A professora Cristina destaca o professorNeimar, a professora Marina destaca a professora Sonia Mendonça e aprofessora Raquel cita o professor Ilmar de Matos. Estes professores sãolembrados pelo seu “jeito de falar”, o jeito de lidar com as pessoas(professora Cristina); a forma como ministrava as aulas e capacidade deensinar encantando (professora Marina); didática e segurança quandoministrava as aulas (professora Raquel). Percebe-se nas falas das trêsprofessoras que elas tomam estes mestres da graduação como grandesexemplos a serem seguidos. Nas falas das professoras transparece aimportância destes mestres da graduação na formação das entrevistadasenquanto pessoas e enquanto professoras. Assim, para a professoraCristina, o professor Neimar a ensinou a “lidar com as pessoas”; para aprofessora Marina a professora Sonia de Mendonça a ensinou “adesenvolver diferentes escolas de pensamento e a ensinar encantando”; ea professora Raquel destaca a contribuição do professor Ilmar na suaconstituição como professora e no domínio do conteúdo.

Destaca-se nos depoimentos das professoras Marina e Raquel a críticaa formação pedagógica dos cursos de graduação e a falta de intercâmbioentre o Departamento de História e a Faculdade de Educação daUniversidade Federal Fluminense. A professora Raquel cita toda a gradecurricular de sua graduação e destaca que o seu curso privilegiou osconteúdos formais da História, sem oferecer disciplinas ligadas ao Ensinode História. A professora Marina destaca o distanciamento existente entreo curso de História e as disciplinas oferecidas pela Faculdade deEducação, “a falta de contato [dos alunos da graduação] com a realidade”da sala de aula e a falta de disciplinas que tratassem especificamente doEnsino de História, oferecidas pelo Departamento de História.

A professora Cristina destaca que em sua formação acadêmicaestiveram presentes as disciplinas da área da educação, como Estrutura eFuncionamento e Didática, e que a sua formação como professora dasprimeiras séries do Ensino Fundamental contribuiu para auxiliá-la naconfecção de objetivos e confecção dos diários de turma. As professorasdestacam a importância de sua formação universitária (como, por exemplo,na aquisição de novos conhecimentos, em nível de aprendizado). A

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professora Marina considera a sua graduação como uma espécie dealicerce que lhe proporciona a base para as suas atividades como docente,mas as depoentes foram unânimes em dizer que aprenderam a ministraraulas por conta própria, este aspecto foi, e continua sendo, aprendidocom as práticas e as vivências. Neste sentido, a professora Marina descrevebem as relações entre a sua formação universitária e a prática docente:

devo ao meu curso de História a profissional que eu sou hoje,preocupada em resgatar nas crianças a importância daEducação, da História na formação deles enquanto ser humano,enquanto cidadão, eu acho que a minha formação, apesar detodas as dificuldades que a gente tem na prática, foi ela quemme deu o alicerce teórico, para eu poder ter segurança.

O contato com os alunos, os problemas enfrentados nas salas de aulas,a melhor forma de ministrar os conteúdos, as formas de adaptação dosconteúdos para a linguagem dos alunos foram, e estão sendo superados naprática. De acordo com a professora Raquel, na sua graduação faltou “asestratégias de como dar aula, de”! A professora Cristina argumenta que,

O manejo de turma, só com o tempo, com a prática mesmo; ocomeço é difícil. Quando chega à sala de aula e se deparacom quarenta alunos dá vontade de sair correndo, mas com otempo o manejo, a condução da turma, isso é só com a prática(...) a faculdade não dá nada disso para você, as aulas deEstrutura, Didática são muito boas assim, mas quando vocêchega lá na frente e tem que se impor e transmitir toda aquelabagagem de conteúdo que você tem só com a prática mesmo.

Para a professora Raquel a formação universitária não responde aestes aspetos: “Lidar com alunos diferentes, com interesses variados e terbom senso na hora de resolver os problemas que aparecem. Mas isso,nenhum curso vai resolver: só a prática”. A professora Marina argumentaque não existem técnicas e métodos que ajudem nas relações entreprofessores e alunos e que contribua satisfatoriamente para solucionar osproblemas que surgem nas salas de aula no dia a dia.

Os anseios dos meus alunos, as necessidades dos meus alunos,a universidade não responde a isso, o que eles precisam e oque necessitam e como tornar aquela escola mais viva, maisimportante na vida deles, que eles lutem com unhas e dentespara ter aula, que eles queiram ter aulas. Eu não consigo ver

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respostas para isso, eu vejo muita crítica ao profissional doensino fundamental, eles são massacrados, mas eu não sei seas pessoas conseguiriam ou teriam as respostas, mas respostasou soluções que se concretizassem na prática.

As principais dificuldades nos primeiros anos como professora,segundo as professoras Cristina e Marina, reside na carga horáriaextremamente reduzida e muito conteúdo para ser ministrado e comoadaptar os conteúdos/conhecimentos adquiridos por elas em anos deestudo para a idade dos alunos. A professora Raquel relata ter tido bastantedificuldade em “saber dosar autoridade e autoritarismo em sala de aula,para lidar com a indisciplina de certos alunos”. Os primeiros anos nomagistério colocaram as professores em uma realidade que elas não tinhamtido contato durante os anos da graduação.

A formação universitária é encarada por todas as professoras comoum fator importante na constituição delas enquanto profissionais, mas temalguns “problemas”, como, por exemplo, as formas de lidar com o aluno,que a graduação não responde - só a prática. A professora Marinaconsidera que a formação lhe deu o alicerce ou a base. A professoraRaquel define bem a questão:

ela [a formação acadêmica] forneceu ferramentas que meajudam a olhar para os problemas e a tentar entender por ondedevo começar a resolvê-los. Para quem procura, num cursode graduação, numa extensão, mestrado ou capacitação umareceita de bolo: esqueça! Ela não existe. Os cursos dão osingredientes e a vivência ensina a ‘bater a massa’.

III – Considerações finais

A relação existente entre a formação universitária em História e a práticados professores do ensino básico, juntamente com as aproximações edistanciamentos que se evidenciam entre estas duas realidades estãopresentes nas falas das professoras entrevistadas. Se, por um lado, a formaçãoem História da professora Raquel, por exemplo, deixou algumas lacunascomo as “estratégias de como ‘dar aula de!’”, como lidar com os alunos ousimplesmente com os inúmeros problemas que surgem durante a aula –lacunas estas que só foram superadas na prática e a partir de erros e acertos,por outro forneceu elementos que “ajudam a olhar para os problemas e atentar entender por onde (...) começar a resolvê-los”. Desta forma, “oscursos dão os ingredientes e a vivência ensina a ‘bater a massa’”.

Percebemos, que os saberes dos professores de História decorrem

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de diferentes fontes e são construídos ao longo do tempo, a partir de suasaprendizagens e do trabalho da memória, tal como evidenciado na análise.A formação inicial ainda não é a ideal e nem de longe fornece todos oselementos necessários à prática docente, porém são visíveis as influênciasda formação universitária na prática cotidiana das professorasentrevistadas. Desta forma, as relações que os professores de história doensino básico estabelecem entre a sua formação universitária e a sua práticadocente nos permitem compreender a constituição dos “saberes docentes”destes professores e a contribuição da formação inicial neste processo.

Assim, seguindo a definição de “saber docente”5 cunhada pelopesquisador canadense Maurice Tardif, percebemos as contribuições daformação acadêmica para a constituição dos saberes dos professores deHistória do Ensino Básico. A formação, segundo a professora Raquel“fornece os ingredientes”. Neste sentido, a prática docente se apropria deelementos da formação acadêmica para a configuração do que Tardifdenomina como “saberes experienciais”, o saber oriundo da articulaçãodos demais saberes. Os problemas que surgem no dia a dia, são resolvidoscom a prática, mas uma prática pautada em elementos que são, muitasvezes, transmitidos pela formação, seja pela análise ou discussão dealgumas temáticas realizadas no curso de graduação ou utilização demecanismos adotados por mestres da graduação.

IV – Referências bibliográficas

CIAMPI, Helenice. O professor de História e a produção dos saberesescolares: O Lugar da Memória. In: FERREIRA, Antonio C; BEZERRA,Holien G; LUCA, Tânia Regina de (orgs.). O Historiador e o seu tempo.São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 203 -221.DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral, memória,identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 15 – 66.FONSECA, Selva Guimarães; COUTO, Regina Célia. A formação deprofessores de História no Brasil: perspectivas desafiadoras do nossotempo. In: ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva Guimarães (orgs).Espaços de Formação do Professor de História. Campinas: Papirus,2008. p. 101 – 130.GUSMÃO, Emery Marques. Memórias de quem ensina História:Cultura e Identidade Docente. São Paulo: UNESP, 2004.POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos,Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 200 – 212, 1992.ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA,Marieta de Morais; AMADO, Janaína (orgs.). Usos & Abusos da História

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Oral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002. p. 93 – 101.TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional.Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.VILLALTA, Luiz Carlos. Dilemas da relação teoria e prática na formaçãodo professor de História: alternativas em perspectiva. Revista Brasileirade História, São Paulo, v.13, n. 25/26 p. 223 - 232, set. 1992/ago. 1993.

Notas

1 Como exemplos destes estudos podemos citar o recente trabalho das historiadoras/educadoras Selva Guimarães Fonseca e Regina Célia Couto (2008).2 Consideramos a memória como uma construção psíquica e intelectual que acarretauma representação seletiva do passado, um passado que nunca é do indivíduosomente, mas do sujeito inserido num contexto nacional, social, familiar. Destaforma, entendemos a memória como uma construção de “caráter coletivo” produzidapor um indivíduo que está inserido em uma coletividade; memória como umaconstrução seletiva do passado constituída por “acontecimentos vividos”,“acontecimentos vividos por tabela”, personagens e lugares; e memória como um“trabalho de organização”, que grava, relembra, exclui consciente ouinconscientemente. Ver: Michael Pollack (1992) e Henry Rousso (2002).3 Aqui nos referimos principalmente aos trabalhos de Luiz Carlos Villalta (1993) eMaurice Tardif (2002).4 Com o objetivo de analisar as relações entre a formação de professores, a escolabásica e a universidade foram selecionadas três professores que por diferentesfatores estão envolvidas nestes dois ambientes (Universidade e Escola Básica). Aprofessora Raquel é doutoranda em História e as professoras Marinas e Cristinaparticipam de projetos e oficinas desenvolvidas/ministradas pela Faculdade deFormação de Professores. Todas as docentes autorizaram a utilização de suasentrevistas para fins acadêmicos.5 Tardif argumenta que os saberes dos docentes são plurais, heterogêneos,temporais, são personalizados, situados e amalgamados, sendo originados porquatro fontes principais: 1) os “saberes da formação profissional”, ou seja, ossaberes transmitidos pelas instituições de formação de professores; 2) os “saberesdas disciplinas” (“saberes sociais sistematizados e tematizados nas universidades”;3) os “saberes curriculares”; 4) os “saberes experienciais”, isto é, saberes que sãodesenvolvidos pelos professores no exercício da atividade docente e que surgema partir da articulação e reorganização dos demais.

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“A PARTE QUE ME CABE NESTE LATIFÚNDIO”

Maicon Azevedo (CEFET/RJ)

Dia desses enquanto almoçava com meus colegas professores como,aliás, faço sempre, notei na TV do restaurante, uma reportagem sobre olivro de João Cabral de Melo Neto “Morte e vida, Severina”, a obra queem 1965 foi musicada por Chico Buarque de Holanda para a montagem dapeça. Não me recordo muito bem, mas, acredito que se tratava de umareportagem comemorativa de alguns anos de sua primeira exibição na TV.A matéria apresentava o trecho: funeral do lavrador, e o refrão desta parteda obra não me saiu mais da cabeça durante todo aquele dia: “a parte quete cabe neste latifúndio.” O estranho é que não estava trabalhando comnada que pudesse me conectar diretamente a aquela obra. Muito pelocontrário, momentos antes do almoço naquele dia, trabalhava com oslicenciandos de biologia, discutia e justificava minhas ações em sala de aula1,destacava que tudo que havia feito naquele dia era fruto de minhas leituras,aclimatadas por minha experiência em sala de aula.

O convite para participar desta obra me fez relembrar desta história ehoje, ao me recordar do fato, vejo a conexão que não havia visto antes.Talvez inconscientemente, ou não, estivesse avaliando a minha participaçãona formação inicial daqueles licenciandos. Penso hoje, qual seria a minhaparticipação, enquanto professor que recebe licenciandos em sua sala deaula, na formação inicial daqueles licenciandos e também de tantos outrosque passaram por mim e por outros professores na minha posição? Emoutras palavras, que papel cabe ao professor formador na ação2, naformação inicial de professores?

Antes, porém, de tentar responder esta pergunta, acho que cabe meapresentar e constituir o cenário em que exerço meu ofício. Sou professorde Biologia e atuo na educação básica desde 1997. Já se vão algunsanos, quase quatorze, e ainda me considero um jovem na profissão, nãono sentido da inexperiência, muitas vezes marcada pela falta de traquejocom as turmas - que a lida com os alunos traz – mas, na vontade deaprender e saber cada vez mais, de me sentir provocado pelas questõesrelativas ao ensino e a formação de novos professores. Durante boa partedeste tempo atuei na rede pública (redes estadual e municipal) e tambémprivada de minha região. Já neste tempo me dedicava, com grandedificuldade é verdade, a compreender aspectos da formação docente edo ensino de biologia. Hoje, sou professor da rede federal com dedicação

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exclusiva, o que me alçou há uma posição que considero privilegiada. Edesde então (mais ou menos três anos), tenho tido mais tempo e melhorescondições de trabalho para me dedicar ao estudo. E por falar em instituiçãoacho que cabe uma apresentação um pouco mais detalhada, porque ascondições que encontrei no CEFET/RJ em parte, nortearam meus caminhose um pouco de sua história e peculiaridades podem ajudar a entenderminhas escolhas.

A instituição: CEFET/RJ

No Brasil, os Centros Federais de Educação Tecnológicaacompanharam e ajudaram a desenvolver o processo de industrializaçãodo país. A instituição denominada Centro Federal de Educação Tecnológica– Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) teve a vocação de ensinoprofissionalizante e gratuito definida desde 1917, quando criada a EscolaNormal de Artes e Ofícios Wenceslau Brás pela Prefeitura Municipal doDistrito Federal – origem do atual Centro. Tendo passado à jurisdição doGoverno Federal em 1919, quando é transformada em liceu, destinado aoensino profissional de todos os ramos e graus. A Instituição conta com umuniverso de mais de dez mil alunos regulares distribuídos entre seus cursosde ensino médio, educação profissional técnica de nível médio, ensino degraduação e pós-graduação. Como atividades acadêmicas do Centrodestacam-se, ainda, as de pesquisa e extensão que alargam-se por todosos níveis de ensino da instituição. Os alunos do nível médio (Ensino Médio/Técnico), que optam pelas atividades de pesquisa, têm o seu primeiro contatoformal através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Tecnológica(PIBIT), com bolsas financiadas pelo próprio CEFET/RJ. O programa teveinício em 2006, ano em que ingressei na escola.

O ingresso no programa do PIBIT se dá mediante edital sendo quea seleção, acompanhamento e avaliação dos programas são feitos porum Comitê Interno e Externo, conforme regras estabelecidas pelo órgãode fomento. Os resultados dos projetos de Iniciação Científica e deIniciação Tecnológica são apresentados pelos alunos nos Seminários deIniciação Científica e Tecnológica do CEFET/RJ3, evento anualpromovido pela Instituição.

A pesquisa e o projeto

Como já havia dito anteriormente, desde meu ingresso na instituiçãoatuo no ensino médio e desenvolvo pesquisas. Na verdade, já me dedicavaàs questões relativas à formação de professores e ao ensino bem antes de

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ingressar no CEFET/RJ. Em 2001, quando cursava a Especialização emEnsino de Ciências na Universidade Federal Fluminense (UFF), fuiconvidado a participar do grupo de pesquisa Formação Inicial Docentee Processos de Produção do Conhecimento Escolar e, desde entãomilito nesta área. Recentemente (2009) também passei a constituir o grupode pesquisa NUPEC (Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências) daFaculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado doRio de Janeiro (FFP/UERJ).

O grupo de formação docente se caracteriza por dar foco a doismomentos da realidade docente: a formação inicial e a vivência profissional.Na perspectiva, sobretudo, dos conhecimentos disciplinares expressosnas diferentes licenciaturas, em particular, nas de Ciências Biológica eHistória. Argumentamos que a formação docente se constitui em trêsdistintos espaços formativos e seus respectivos saberes: a universidade, aescola e a docência. Nas reflexões que empreendemos a escola não éapenas um objeto de investigação; o professor não é um simples sujeito-informante. Ao por em diálogo perspectivas teóricas que assumem aarticulação entre os três espaços formativos da profissão docente, tambémassumimos os processos tensionados e em disputa que constituem o sujeitoprofessor, seus saberes e o conhecimento escolar que sustenta e ésustentado por sua ação docente cotidiana (ANDRADE et. al., 2010).

Neste sentido, logo depois que cheguei ao CEFET/RJ, em 2007, submetia coordenação de pesquisa o projeto: Articulando diálogos entre a escolae a formação docente. O projeto pretende levantar alguns questionamentosa cerca dos saberes produzidos por docentes em formação a partir davivência do ambiente escolar e busca compreender aspectos constitutivosdo ensino de Biologia em nível médio no contexto da formação tecnológica.Neste sentido, nos propomos a construir e realizar dois subprojetos4:Pesquisa no Ensino Médio e Interação entre pares.

O subprojeto Pesquisa no Ensino Médio busca compreenderaspectos da pesquisa em nível médio, ou seja, realizada na escola e porestudantes do Ensino Médio. A vertente trata atualmente do estudo deModelos de ecossistemas aquáticos. Já o subprojeto Interação entreos pares recebe professores em formação de diferentes universidades(UERJ, UFF, UVA e outras) e com um olhar centrado no papel doprofessor, busca compreender a relação que os professores mantém coma produção de saberes específicos da profissão. Consideramos assim comoTardif (2002), que estes saberes podem ser produzidos no dia a dia daprática profissional, ou ainda, durante o contato que o docente, seja elelicenciando ou um profissional experiente, estabelece com a escola.

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A parceria

Consideramos a escola como espaço produtor de uma cultura internaprópria e que exprime valores e as crenças que os membros da organizaçãopartilham. Desta forma, não são apenas divulgadoras, mas tambémprodutoras de práticas sociais, de valores, de crenças e de conhecimentos,movidas pelo esforço de procura de novas soluções para os problemasvivenciados no cotidiano da escola.

Tendo em vista a possibilidade de estabelecer fecundos diálogos,desenvolvemos uma parceria entre a escola e universidade. Trata se daparceria entre o CEFET/RJ e a Faculdade de Formação de Professoresda Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). O projetoConsolidação do Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências – NUPEC -FFP busca, numa parceria permanente entre escola e universidade, amelhoria do ensino nas escolas da rede pública e, numa via de mão dupla,o enriquecimento da formação de professores e da pesquisa em Educaçãoem Ciências. (LIMA, 2010). Licenciandos são enviados para escola etem como objetivo acompanhar o trabalho de professores e alunos doensino médio, durante as aulas teóricas e práticas e, ainda auxiliar alunosem atividades de pesquisa desenvolvidas pela coordenação de Biologia.O projeto acontece no CEFET/RJ desde 2007. A universidade selecionao licenciando dentro de alguns parâmetros sugeridos pela coordenação ea escola recebe e procura integrá-lo em suas atividades.

Buscamos esta parceria por acreditar que não deve haver privilégios,voz ou status entre professores-pesquisadores e pesquisadoresacadêmicos. Entendemos que projetos de pesquisas construídoscolaborativamente entre acadêmicos e professores sejam viáveis e bastanteprofícuos na tarefa de eliminar a separação que atualmente existe entreacademia e a escola (ZEICHNER, 1998). De acordo com Pimenta et. al.(2001), essa forma de trabalho funda-se nos princípios da pesquisacolaborativa e supõe ampla e explícita interação entre pesquisadores eprofessores. Reconheço nesta parceria a possibilidade de que professorese pesquisadores sejam parceiros e responsáveis pelo projeto. Reconheçotambém a posição privilegiada em que me encontro e que este tipo deparceria, embora seja considerada por muitos como ideal, encontra sériasdificuldades para ser desenvolvida plenamente.

O trabalho com os licenciandos

Pesquisas sobre formação de professores defendem a necessidade dea pesquisa educacional ser realizada por professores, tornando-se parte

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das atividades desenvolvidas pelos docentes e condição para o seudesenvolvimento prático e profissional (SCHÖN, 1983; NÓVOA, 1992;ZEICHNER, 1993). E é neste sentido que o trabalho com os licenciandosvem se desenvolvendo.

Ao chegar ao CEFET/RJ, o professor em formação é apresentadoàs atividades que serão desenvolvidas pela coordenação. Como ditoanteriormente, podemos dividir as atividades em dois grandes blocos, naverdade, dois subprojetos: a pesquisa no ensino médio - prevê aparticipação nos projetos pesquisa da coordenação e interação entre ospares – prevê a participação nas atividades relativas à prática docente.

Os projetos de pesquisa da coordenação podem envolver projetosde turma, como o que ocorreu em 2008 Promovendo a divulgaçãocientífica na escola. Neste projeto, os licenciandos envolvidos compu-seram a equipe de coordenação do projeto. Sob a supervisão dos pro-fessores da coordenação propuseram, analisaram e avaliaram etapas de-senvolvidas pelos alunos do ensino médio.

O outro projeto Pesquisa no ensino médio iniciou-se em 2008 eteve como objetivo iniciar o estudante de Ensino Médio em atividades depesquisa científica. Buscamos através da construção de modelos deecossistemas aquáticos, repensar elementos constitutivos do(s) método(s)científico(s) experimental. Neste projeto, os licenciandos envolvidosatuaram como tutores de estagiários de PIBIT (programa institucional debolsa de iniciação tecnológica).

A observação das atividades desenvolvidas em sala de aula; aelaboração e correção de questões para avaliação de turma e de projetosdesenvolvidos; a elaboração de atividades de co-participação e a regênciacompõem o segundo grande bloco.

A observação das aulas é a primeira atividade. Inicialmente orientoque anotem tudo o que julgarem interessante e, em princípio, não forneçomuitas informações. Aviso que em breve dedicaremos um tempo maiorpara discutirmos o que foi observado. E é normalmente no final do turnoque isto acontece. Já faz algum tempo que observo que grande partedestas anotações é, quase sempre, muito semelhante às anotações que osalunos de ensino médio fazem sobre a aula, versam sobre o conteúdo.Ressalto, já nas primeiras discussões, que reconheço ser bastante difícilolhar para a aula de uma outra forma, o licenciando passou em média 14anos observando a aula do mesmo modo, e mudar de posição - transpor-separa o lugar de professor - não é das tarefas mais simples. Oriento queobservem as atividades com “olhos de professor”; que fiquem atentos aocomportamento dos alunos, mas não no sentido de policiá-los, decompreender que mudanças de comportamento podem indicar se o

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assunto, ou forma como está sendo trabalhado, estão ou não sendo bemaceitos pelos alunos; peço que estejam atentos as analogias e metáforas queutilizo como ferramenta para facilitar o aprendizado, destaco as vantagens eos perigos que as mesmas podem apresentar; na forma dialógica com queconduzo as atividades, enfatizo e justifico o que faço em diferentes momentosda aula. As observações ao longo do tempo, normalmente, geraminquietações ainda maiores e nestes casos buscamos na literatura, com oauxílio dos professores universitários, textos que nos ajudem compreenderum pouco mais e melhor aquele assunto a ser estudado.

A elaboração e correção de questões para avaliação, geralmente, éuma das etapas que deixa os licenciandos mais apreensivos. Não são rarosos relatos como: “... é muita responsabilidade” ou “ainda não estoupreparada...” Ressalto que a atividade será realizada sob minha supervisãoe que estarei ali para auxiliá-los. Acho que isso diminui um pouco a tensão,mas só um pouco. Creio que com um pouco mais de atenção possamosouvir o bater dos dentes e ou mesmo ver o tremor das mãos dos licenciandos.

Inicialmente indico o tema, peço que tracem o objetivo e que busquemem jornais, revistas, sites e etc. atualidades para compor o “cenário” daquestão, é muito importante que as questões estejam inseridas em fatoscotidianos, pois os alunos se interessam mais. As questões propostaspassam por um longo, e por vezes exaustivo período de lapidação. Sóentão passam a compor a avaliação de turma. Faço questão que construamas questões avaliativas e não somente selecionem em vestibulares passados,pois vejo nesta atividade uma ótima oportunidade de aprendizado e devalorização dos aspectos particulares de cada turma. Não tenho, comeste procedimento, a ilusão de que quando formados, farão sempre umaprova para cada turma – embora considere isto o ideal - sei que o dia-a-dia da maioria de nós professores é pesado e que nem sempre isto serápossível. Na verdade, penso na construção da capacidade de se utilizardo cotidiano das turmas para ensinar-lhes algo mais no momento da prova,detectar possíveis distorções e falhas do processo de ensino e ainda,valorizar o que foi dito em sala de aula. É o que procuramos quandopartimos para a correção das questões propostas. Novamente, momentosde tensão: “... não me sinto capaz.”, há também uma leve tendência àcondescendência “... coitadinhos”, sinal que ainda se identificam comos alunos. Verificamos se os objetivos propostos foram alcançados: emque falhamos e em que acertamos. É um belo exercício!

São as atividades de co-participação que me trazem possibilidadesde olhar mais de perto aspectos da prática docente. Normalmente separouma parte da aula, ou mesmo aulas inteiras, para os licenciandos5 atuarem,peço-lhes que preparem algo e estimulo a criatividade. Estes momentos

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costumam ser bastante ricos e tem gerado ótimas discussões, quase sempretraduzidas em atividades como: atividades lúdicas, minicursos, mostras,debates e projetos de turma6, além de artigos para congresso e revistascientíficas7. Nestas atividades os licenciandos vivenciam aspectos da práticadocente propriamente ditos, pois são eles os professores da turma, osresponsáveis pelo controle da atividade e seu desenvolvimento.

Por fim, chega então à regência de turma. Neste momento faço questãoque esta participação seja uma atividade majoritariamente oral, pois éassim que vejo o licenciando em seu no dia-a-dia e onde percebo minhamaior contribuição. Reconheço que o ensino baseado em uma perspectivaoral recebe muitas críticas, contudo, quando trato da oralidade, me apoioem Mortimer & Scott (2002) que consideram o processo de aprendizagemcomo um espaço de negociação entre conhecimentos enraizados e novossignificados. Penso em uma perspectiva dialógica e interacionista, quevaloriza a troca de conhecimentos entre estudantes e professores e estimulaa autonomia e o aprendizado mútuo. Em momentos anteriores, durante aobservação das aulas, oriento que identifiquem os líderes de cada turma.Aqueles que mais participam, os que se destacam de alguma forma.Normalmente, estes alunos podem ajudar bastante se buscamos interaçãocom a turma. Todavia, o que pode parecer um verdadeiro “oásis”, poderevelar-se como um autêntico “canto da sereia”. Deixe-me explicar melhor:oriento para que não se deixem levar completamente por estes alunos.Neste contexto de muitas incertezas em que professores em formaçãoatuam, alunos que dedicam bastante atenção a sua atuação, são como umporto seguro: oferecem abrigo em meio a um mar que parece cada vezmais revolto. Por vezes, estes mesmos alunos monopolizam a atenção doprofessor e o efeito pode ser reverso. Tem-se atenção de poucos e adesatenção de muitos, que por sua vez, podem se sentir desvalorizadospelo professor. Oriento que circulem pela sala enquanto dialogam com osalunos. Peço que estejam atentos à linguagem, às respostas dos alunos,ao tom de voz utilizado e ao ritmo que impõe a aula.

Que parte nos cabe neste latifúndio?

Hoje, ao (re) visitar o episódio que me fez lembrar do clássico Mortee vida Severina, vejo que o que me chamou a atenção naquele momento,embora importantíssimo, não foram as questões agrárias ou mesmo asdesigualdades sociais que a obra remete, mas apenas o refrão da músicado trecho funeral do lavrador, que repete algumas vezes é a parte quete cabe neste latifúndio. Recorrendo há uma pequena metáfora, mequestionava sobre a parte que me cabia, enquanto professor formador.

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Revolver toda esta história me fez olhar novamente para minha práticaem sala de aula e refletir mais uma vez sobre a participação que o professorque recebe licenciandos tem na formação de novos profissionais. Talvezmais, me fez refletir sobre o modelo de professor que considero idealpara atuar em nossas escolas de educação básica. Quando propus asatividades do projeto interação entre pares, o fiz pensando na construçãode características formativas que considero fundamentais. As etapas deatuação dos licenciandos no projeto, são na verdade, “cenários” para aconstrução destas características.

Na primeira etapa em que o licenciando participa: a observação, buscouma habilidade que sei que não é das mais simples, a capacidade de transpor-se. Sair do “lugar” de aluno para o de professor. Talvez mais, desejo queesta etapa possibilite bem mais do que transpor-se, almejo a habilidade deenxergar a aula como objeto de pesquisa, busco desenvolver a capacidadede investigação e interpretação da realidade; busco o distanciamento emrelação a prática docente para estudá-la, busco a capacidade de enxergarem uma dificuldade cotidiana uma possível questão de pesquisa.

Quando trato da produção de questões avaliativas e da elaboraçãode atividades de co-participação, estou buscando aprimorar a capacidadede saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino quecontemplem a construção e/ou reconstrução das idéias dos alunos atravésde procedimentos e posturas de mediação que contemplem as interações.Busco questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensinodas ciências usualmente centradas no modelo transmissão-recepção e naconcepção empirista-positivista de ciência.

Gosto de pensar que talvez possamos estar contribuindo para formarprofessores que tenham a investigação da prática docente como atividadediagnóstica de sua própria realidade. Que possamos estar estreitando adistância entre teoria e prática, e por conta disto, estar contribuindo paraa desconstrução da imagem do professor que apenas transmite conteúdos.Creio nesta possibilidade porque vejo no professor de sala de aula o atorideal para a execução desta tarefa, pois para exercer visão crítica darealidade escolar é preciso vivenciá-la e neste sentido, o professorexperiente reúne todos os quesitos necessários para orientar professoresem formação. Creio ser significativa a minha parte neste latifúndio.

Referências bibliográficas

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tensionamentos na formação de professores. In: Anais do XV ENDIPE -Convergências e tensionamentos no campo da formação e do trabalhodocente: políticas e práticas educacionais. Belo Horizonte: 2010LIMA, L. N. S.; ALCANTARA, P.; SALGUEIRO, K. G.; MONTEIRO,S.; AZEVEDO, M. J. C; BASTOS, W. G. & AYRES, A. C. M. Discutin-do sexualidade e levantando questões para o planejamento do ensino.Anais do IV Encontro Regional de Ensino de Biologia - IV EREBIO RJ/ES - Ciências Biológicas e o Ensino de Biologia: tradições, histórias eperspectivas. Seropédica, RJ: 2007.MORTIMER, E. & SCOTT, P. Atividade discursiva nas salas de aula deciências: uma ferramenta sócio-cultural para analisar e planejar o ensino.Investigações em Ensino de Ciências. V. 7, Nº. 3, 2002.NÓVOA, A. (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: DomQuixote, 1992.PIMENTA, S G; GARRIDO, E; MOURA, M. Pesquisa Colaborativana escola facilitando o desenvolvimento profissional de professores. Anaisda 24ª. Reunião anual da ANPED. Caxambu, MG: 2001.SCHÖN, D. The reflective practitioner. N.Y. Basic Books. 1983.ZEICHNER, K. M. A Formação reflexiva de professores: idéias epráticas. Lisboa: Educa, 1993.ZEICHNER, Kenneth. Para além da divisão entre professor-pesquisa-dor e pesquisador-acadêmico. In: FIORENTINI, GERALDI E PEREI-RA (orgs.). Cartografias do Trabalho Docente. Campinas, SP: Merca-do de Letras. 1998.

Notas

1 Atuo em um projeto de parceria entre a UERJ/FFP e o CEFET/RJ, onde coordenoas ações. O projeto será melhor apresentado em seções futuras deste mesmo texto.2 Neste trabalho, inicialmente, chamamos de professor-formador aquele que recebeos licenciandos na escola para as atividades de prática de ensino e/ou estágiosupervisionado.3 Para saber mais sobre o programa de iniciação tecnológica do CEFET/RJ acessehttp://dippg.cefet-rj.br4 Os projetos serão pormenorizados em seções posteriores.5 Geralmente participam destas atividades dois ou três licenciandos, além do professor.6 Várias das atividades desenvolvidas foram apresentadas na Semana de Extensãodo CEFET-RJ, em 2008.7 Ver, por exemplo, Lima et. all., 2007.

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CONSOLIDANDO PARCERIAS NA ESCOLA MUNICIPALRAUL VEIGA: A REFLEXÃO SOBRE OS

PROJETOS PEDAGÓGICOS

Mairce da Silva Araújo (UERJ/FFP )Reinaldo Henrique Salvino ( E. M. Raul Veiga)

Uma breve apresentação da pesquisa

A pesquisa Alfabetização, Memória e Formação de Professoresdesenvolvida na Escola Municipal Raul Veiga desde 2004, tem como umde seus objetivos mais amplos possibilitar/estimular um movimento dereflexão dos/as professores/as acerca de sua própria história, procurandoenfatizar os movimentos individuais e coletivos e as tramas entre formação,saberes e práticas no cotidiano escolar.

Nessa perspectiva, entrelaçando práticas de pesquisa e de formação temosoptado como um de nossos caminhos investigativos a construção de espaçosnarrativos nas escolas, buscando envolver professores(as), funcionários(as) ealunos(as) no relato das histórias da vida escolar. Além disso, buscamos tambémcomo uma meta ainda não totalmente realizada1, estimular que a dimensãopesquisadora da prática docente também se traduzisse por meio da produçãoescrita do/das professores/as sobre sua própria prática.

Materializando os espaços narrativos na escola, realizamos encontrosperiódicos com as professoras das séries iniciais. As temáticas dos encontrosgiram, ora em torno de temáticas propostas por nós, ora em torno dasnecessidades apontadas pela própria escola. O enfoque que traremos aquiteve como pano de fundo o planejamento e avaliação de projetospedagógicos realizados nas escolas, inspirados no processo de comemoraçãodo aniversário da escola, que envolvera toda a comunidade escolar.

Escola Municipal Raul Veiga, São Gonçalo, 11 de julho de 2008

O foco da reunião consistiu na reflexão sobre o projeto “Resgatandovalores”, que havia sido desenvolvido na semana anterior, como parte dacomemoração dos 71 anos da escola.

“Resgatando valores” foi a temática geral escolhida pelo grupo,dentro do objetivo mais amplo de: - contribuir para uma formaçãolivre de preconceitos de raça, religião, etnia, orientação sexual,

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resgatando a auto-estima dos alunos. Como objetivo específico, oprojeto apontava: - propiciar condições para que os alunos possamtrocar experiências participando de discussões em sala de aula sobreos valores humanos; - sensibilizar os alunos para as atitudes de: amor,verdade, paz, respeito-mútuo, solidariedade, cooperação,reciprocidade em relação aos companheiros, professores,funcionários, pais e demais cidadãos de seu convívio.

Os sub-temas propostos pelo/as docentes foram: Valorizando a vida,Eu sou importante, Quem sou eu, A importância do próximo, Auto-estima,Direitos e deveres, Amor à Vida, História de vida. Ainda segundo osdepoimentos, os recursos pedagógicos utilizados em aula foram: aulaexpositiva, apresentações de poesias, músicas, filmes em DVD e atividadesextraclasse. Todas as produções dos/das alunos/as resultantes dodesenvolvimento do projeto, ao longo da semana, foram expostas no diada culminância do projeto, quando então a festa de comemoração doaniversário da escola acontecia e a comunidade era convidada a participar.

O que queremos destacar aqui é o diálogo instalado no encontro2 eas possibilidades reflexivas possibilitadas a partir do mesmo.

A professora Mônica Costa, que trabalha com a 2ª. Etapa do 2º.Ciclo (equivalente ao 4º. ano do ensino fundamental) e que está nestaescola há 9 anos, bastante falante em nossos encontros, traz seudepoimento sobre o processo vivido em sala de aula:

O objetivo inicial deste trabalho foi: utilizar a tecnologia digital nasala de aula, favorecendo um ambiente mais agradável, divertidoe interativo; estimular a criatividade dos alunos através da leituradiferenciada; utilizar recursos diversos na contação de histórias.A estratégia utilizada foi: máquina fotográfica digital; livros dehistória da literatura infanto-juvenil. Para desenvolver o trabalhofotografei página por página do livro de história: “Maria vai comas outras” e em seguida utilizei o recurso do áudio da própriamáquina, gravando minha voz contando a história fotografada.Feito isso, conectei o cabo AV da câmera direto na televisão. E ahistorinha começou a ser contada à medida que a máquina iasendo manuseada. Neste momento deu-se a mágica, onde osalunos se surpreendiam ao perceber que era a minha própria vozque aparecia no aparelho de TV em comunhão com a imagem.Pude perceber como este recurso aumentou o interesse pelahistória e pela própria leitura, como também permitiu uma maiorinteração entre os próprios alunos e entre alunos e professor. Ahistória retratada aqui mostra como o sujeito acaba fazendo o quenão quer ou o que não gosta por influência de um grupo. A partir

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da história foi proposto um bate-papo com os alunos sobre valorese como ponto de partida foram trabalhada questões como: Quemsou eu? A importância de não ir pela vontade dos outros. O amorà vida. Respeito próprio e para com o outro. Após o debate, foisugerido a construção de pequenos versos com palavras-chaveso que foi enriquecedor e surpreendente ao perceber o quanto aturma absorveu o assunto e levou a questão tão a sério a pontode suas produções terem sido altamente criativos, que após teremapresentado para a turma, se propuseram a apresentar para acomunidade escolar. O trabalho foi finalizado com a história“Pinote O Fracote Janjão O Fortão”, que tinha a ver com aproposta inicial onde todos puderam entender que não é comviolência que as questões interpessoais são resolvidas, pois nolivro Pinote, que é bem magrinho, derrubou o Janjão com ainteligência e não com a força.

Buscando caminhos para ampliar a discussão e mobilizar a reflexãosobre a prática, indaguei a professora:

- Você se surpreendeu em algum momento com a turma? E aprofessora Mônica responde:

Fiquei surpresa com a criatividade deles. Não esperava tanto!Construíram versos com palavras mais elaboradas para ovocabulário deles, como também se utilizaram de gírias, o quefoi respeitado integralmente. Até os alunos mais agitados emenos motivados conseguiram escrever satisfatoriamente,demonstrando a vertente da inteligência destas crianças quandoficam verdadeiramente estimulados.

Tantos convites a novas reflexões transpareciam na fala da professora:a surpresa diante da criatividade dos/das alunos/as, o uso por eles/elas depalavras difíceis, o reconhecimento do abismo que separa a linguagemda escola, da linguagem dos/das alunos/as. Conhecimentos edesconhecimentos reveladores da unidade dialética ensinar-aprender, deque nos fala Freire. Na reflexão sobre a experiência vivida, a professorareafirmava que quem ensina aprende.

Aprender com os/as alunos/as como ensinar, contudo, inúmerasvezes, é um movimento que requer uma mudança de perspectiva, comopor exemplo, reconhecer/perceber as crianças das classes populares apartir de referenciais que rompam com a concepção hegemônica queidentifica pobreza material, com pobreza cultural e simbólica.

Procurando contribuir com a construção de um olhar mais potentepara as crianças, que não apenas se surpreendesse diante da criatividade

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deles/delas, mas reconhecessem suas habilidades, saberes e competênciascomo expressões culturais, questionei:

Será que a facilidade das crianças em versar, não representa,na verdade, uma herança cultural de origem afro-brasileira? Opartido alto, o jongo, o calango, a folia de reis, em todas essaspráticas culturais, a capacidade de versar ocupa um lugar central,através da qual seus praticantes dialogam entre si e com opúblico, a partir de metáforas e desafios. Como incorporar essessaberes na escola de forma que contribuam para fortalecer umambiente alfabetizador que dialogue com a diversidade cultural?

Como afirmam Perez, Sampaio e Tavares (2001) “aprender a ver/compreender os seus alunos de outra forma que não a aprendida e guiadapela sua formação é um desafio para as professoras. (p.96) Oenfrentamento desse desafio “exige um aprendizado que passa pelo diálogo,pela troca com o outro, pelo aprender compartilhado e pela interrogaçãodas certezas, se abrindo para o outro e para as inúmeras possibilidadesde interpretação da realidade”. (idem: 96).

Pensando os saberes, habilidades, competências das crianças comomanifestações culturais, articuladas ao seu grupo social, buscávamostambém trazer para a discussão a importância de se trabalhar na escolacom a história e a memória local, visibilizando um patrimônio imaterialque não costuma ser reconhecido como tal, ajudando a construir, dessaforma, um outro olhar sobre a cidade gonçalense.

Um outro relato bastante significativo, do ponto de vista de trazernovas pista para a atuação docente ouvimos da Professora Terezinha: 4°série, 5° ano do ensino fundamental:

Percebi que alguns não conheciam nem os próprios pais, entãoeu comecei a trabalhar a identidade deles, já que é paravalorizar a vida, valorizar primeiro a vida deles. Alguns nãosabiam o nome dos pais, então eles fizeram uma pesquisapara descobrir o nome dos pais, avós materno e paterno,utilizaram como fonte de pesquisa a certidão de nascimento,que muitos não conheciam, começaram a descobrir: “Tia eunão tenho o nome do meu pai não, só o da minha mãe”, propusque eles retirassem da certidão: O nome completo (seu e deseus pais), onde nasceram, horário em que nasceram,medida... Partimos para a atualidade: Como estão agora?Trabalhamos com a “valorização” do corpo, fizemos umpercurso até chegar à escolha de profissão, o que elesgostariam de ser futuramente? Eles escreveram. Mas, parou

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por ali, porque minha intenção era de eles começassem afazer entrevistas fora da escola com pessoas especiais, paraque eles valorizassem o corpo. Muitos deles acabaramconhecendo o nome das avós. Houve casos de crianças daquarta série que não conheciam seu próprio endereço, algunsdisseram: “Eu moro ali, uma rua depois daquela”.

A “descoberta” de Terezinha sobre o desconhecimento por parte deseus alunos e alunas a respeito de seus endereços, do nome dos integrantesda família, dentre outras informações, que consideramos básicas e óbviase, por conseguinte, do domínio de todos/as, nos possibilitava colocar emdiscussão a relação conhecimento e poder que atravessa a seleção dosconteúdos pedagógicos na escola.

O que temos selecionado como relevante a ser ensinado para nossosalunos e alunas? De que forma esses conhecimentos podem contribuirpara ampliar suas visões de mundo? Como replanejar o processopedagógico a partir das experiências práticas vividas em sala de aula paraa partir delas, extrair conteúdos que ajudem professora e alunos/as acompreenderem o que se passa no mundo e as possibilidades de ação etransformação dessa realidade?

O relato de Reinaldo, outro professor do grupo, ampliava e trazianovas questões para as dúvidas do grupo:

No levantamento dos dados para o projeto “Conhecendo SãoGonçalo, O Orgulho de ser Gonçalense” solicitei à turma quefizessem uma pesquisa: Há quanto tempo moram no município?Em que escolas estudaram? Se estudaram na Escola MunicipalRaul Veiga? Gostam da cidade onde moram? Procurei assimenvolver os familiares dos alunos, pais, mães, avós, tios, primosou qualquer parente mesmo distante, que pudessem contribuircom alguns relatos das histórias tanto da nossa escola comtambém história da cidade. A partir do uso de recortes de jornaise revistas os alunos retrataram São Gonçalo que temos, oabandono por parte do poder público e a criminalidade nas ruasonde moram e também próximo à escola Raul Veiga. Em SãoGonçalo que queremos retrataram seus desejos colocando asfiguras dos bairros bem cuidadas e as ruas com saneamentobásico que estão localizadas próximo ao centro da cidade. Sendoano eleitoral, os/as alunos/as questionavam: será que a minharua vai ser como as ruas que colocamos no mural se aprefeitura continuar com o mesmo prefeito? Ana Beatrizcomentando sobre a observação de sua avó, trouxe outrasquestões para pensarmos: Minha avó disse que gosta muito

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do lugar onde mora, mas não tem orgulho de ser gonçalense,ainda falta muita coisa para ela sentir orgulho, porém elatem orgulho da neta estudar na Escola Raul Veiga.

As experiências compartilhadas iam revelando para o grupo nãoapenas diferentes informações sobre os saberes e não-saberes dos/dasalunos/as. Revelavam mais que isso, revelavam os olhares construídos apartir de seus grupos sociais sobre a realidade vivida.

Por outro lado, o caminho do diálogo, apontado por Freire, re-afirmava-se cada vez em suas potencialidades, tanto no que dizia respeitoao trabalho cotidiano na sala de aula - ouvir os alunos/as, reconhecer seussaberes e não-saberes para a partir daí redirecionar o processo ensino-aprendizagem -, quanto em nosso processo de formação-investigação,na medida em que ao nos ouvirmos - professoras e bolsistas -compartilhando experiências, dúvidas e certezas, movíamos igualmente oprocesso de produção coletiva de conhecimento.

Considerações finais (embora provisórias)

Pudemos perceber, ao longo do desenvolvimento de vários projetosna escola, que a experiência na pesquisa, além de suscitar a rememoraçãodas trajetórias dos docentes, nela envolvidos diretamente, tem mobilizadoo desenvolvimento de um trabalho de resgate e elevação da auto-estimados gonçalenses com alunos/as e com a comunidade escolar.

Pesquisando coletivamente sobre a própria história, a história da escolae da cidade, professores/as e alunos/as vão sendo convidados a reescrevertambém novas histórias e novas geografias, vistas do ponto de vista deseus moradores – histórias (e geografias) vistas de baixo, incorporando-as como conteúdos pedagógicos que potencializam novas lógicas naescola. Dessa forma, acreditamos estar contribuindo para a qualificaçãodo trabalho docente.

Nesse sentido, a pesquisa tem se configurado para nós - pesquisadora,bolsistas da universidade e sujeitos da escola - como um espaço de teoriaem movimento. A apropriação das memórias e das histórias das escolase da cidade, de seus patrimônios material e imaterial tem nos ajudado nãosó a conhecer melhor a escola e seus sujeitos, suas práticas erepresentações, como também a compreender o seu contexto, a cidadede São Gonçalo, localizando-nos num espaço social mais amplo, comonos ensina Paulo Freire.

Vivendo a pesquisa como um movimento de investigação-formação,enfrentamos, cotidianamente, o desafio de reconhecer cada participante –

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professoras, tanto da escola, quanto da universidade, e bolsistas – comoco-autores/as no processo de produção do conhecimento, rompendo, dessaforma, com a dicotomia pesquisador/ pesquisadora - pesquisado/pesquisada.

Esse trabalho memorialístico procura reconstruir o sentido da escolacomo “lugar de memória”, como um espaço do “compartilhar experiências”indo na contramão do individualismo contemporâneo que se nutre,essencialmente, na esfera do vivido pelo isolamento dos sujeitos e pelaspráticas individualistas.

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Notas

1 Importante registrar que para a presente comunicação pudemos contar com orelato escrito de uma das professoras sobre o seu próprio trabalho.2 Todos os nossos encontros foram gravados, às vezes com auxílio de gravadoresde professor/a da própria escola que, dessa forma, ia sinalizando para nós, nãoapenas um envolvimento maior com a pesquisa em si, no sentido de contribuir como registro de dados, como também por uma pré-disposição ( que no estágio atualda pesquisa ainda não se configurou em resultados) para a uma escrita coletiva.

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A RELAÇÃO ALUNO-ESCOLA E O ENSINODE GEOGRAFIA NA REDE PÚBLICA

Jorge Luiz Moreira Rodrigues (FFP/UERJ)Raquel Carneiro de Araujo (FFP/UERJ)

O presente trabalho busca compreender as diferentes percepções doespaço escolar e da disciplina de geografia em duas escolas da rede públicade ensino em localidades consideradas periféricas, uma delas no municípiode Tanguá e outra em Niterói. Partíamos do pressuposto de que o processode ensino-aprendizagem na escola, sobretudo na disciplina de geografia,deveria considerar as necessidades de saberes dos seus educandos.

Introdução

As relações entre educadores, educando e escola, estão cada vezmais desgastadas, sendo o ápice de tal desgaste o não reconhecimentodo espaço escolar como um lugar agradável pelo aluno, capaz de lheproporcionar a reflexão e o questionamento, ou seja, o pensar de formacrítica, de modo a realizar, sobretudo a relação entre o conhecimentooriundo das vivências cotidianas que já possuem com o escolar. Dessaforma, a escola tem se configurado como um local excludente que servepara reprodução de conhecimentos preestabelecidos.

É importante que o sistema de ensino-aprendizagem considere asnecessidades de saberes dos seus educandos, levando em conta suasdiferentes realidades, através da inclusão no processo educacional decostumes da vida cultural e comunitária destes. Com isto, a ideia é decontribuir para a formação de um ser crítico, no qual o educador tem opapel de proporcionar o surgimento de uma curiosidade crescente, por meiode suas ações pedagógicas. Ao mesmo tempo, tornar o educando comosujeito e não objeto deste processo, caracterizando uma relação dialógico-dialética, contrária as formas preestabelecidas de imposição deconhecimentos, centradas no educador. Tais formas expõem e interpretamo conteúdo, cabendo ao educando receber as matérias e decorá-las.

Observações do espaço escolar

Nas experiências que pudemos vivenciar como estagiários1 observamosalgumas situações a cerca da construção e desdobramento das bases

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pedagógicas vigentes no espaço escolar. Como, por exemplo, o relato dacoordenadora da E.E.Dr.M ( Escola Estadual Doutor Memória), ondeafirma que: “a escola possui sim um projeto político-pedagógico, massó no papel”. Porém este não está sendo posto em prática, pois osprofessores se encontram sem estímulo para dar as suas aulas, devido aoestado de precariedade que se encontra a escola, não possuindo umaestrutura física adequada, como também: biblioteca, sala de vídeo, salade informática, mapas, quadra de esporte, entre outros.

Na entrevista realizada com a coordenadora da Escola MunicipalVereador Manoel Novis da Silva foi relatado que a escola, neste período(ano letivo de 2008), não apresentava nenhum projeto político-pedagógicoem vigor. Isto se dá pela continua mudança no corpo pedagógico, onde emmenos de dois anos, a direção da escola foi trocada três vezes, pois esta éestabelecida por indicação da Secretária Municipal de Educação. A escolaapresenta uma estrutura física razoável, com espaços destinados a biblioteca,quadra de esportes, auditório, laboratórios de informática e de ciências.Porém o funcionamento de alguns destes espaços é dado de forma precária,levando muitas vezes a sua não utilização, devido a problemas como: a faltade funcionários e de estrutura física, como infiltração na biblioteca.

Segundo SARLO (2000, P. 112)

Na maioria dos países da América Latina, a escola pública éhoje um lugar da pobreza simbólica, onde professores, currículose meias matérias concorrem em condições de muito provávelderrota com os meios de comunicação de massa, que são deacesso gratuito ou moderadamente custoso e abarcam todosos territórios nacionais.

A respeito da relação entre diretores, professores, alunos efuncionários, as situações vivenciadas são um pouco parecidas nas duasescolas. Observa-se um maior empenho da direção na parte administrativada escola, não estabelecendo nenhum tipo de entrosamento relevante entreas diferentes estruturas profissionais da escola, educando e comunidade.As escolas não possuem nenhuma parceria com a comunidade e os poucosmomentos de diálogo entre a família e a escola só se estabelece quandoos professores promovem algumas reuniões durante o ano letivo. Porém,mesmo assim, nem todos os pais comparecem, ou quando estes sãochamados à escola para conversas com a direção ou com algum membrodo corpo pedagógico, estas conversas dizem respeito a questões ligadasa indisciplina dos educandos no espaço escolar.

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Sentido e significado dados a escola na visão de seus alunos

Nesta parte do trabalho buscamos, através de entrevistas, de caráterpredominantemente qualitativo e etnográfico, descrever e analisar osdiferentes sentidos e significados dados ao ambiente escolar por partesdos “alunos”. Essas narrativas, observadas nas entrevistas, foram divididasem alguns aspectos considerados importantes a nossa análise, são eles:aspectos sócio-econômicos (idade dos alunos, quantidades de pessoasque residem nas residências dos alunos, nível de escolaridades e atuaçãono mercado de trabalho de seus respectivos pais), a escola (significadodesta na vida do aluno, aspectos que mudariam no ambiente escolar, comotambém alguns elementos que mais gostam, e quais disciplinas que maisdespertam seus interesses) e o ensino de geografia (se esta desperta suascuriosidades e interesses a respeito dos assuntos abordados).

A visão dos alunos para alguns elementos e atividadescaracterísticas da escola

Nesta parte, analisamos os diferentes sentidos dados a escola, porparte dos alunos, tal qual: os motivos levantados por estes parafrequentarem o espaço escola. Observamos a maioria das respostas, nasduas escolas, tidas como características das camadas populares, onde aescola é vista como meio de ascensão social. Podemos citar as respostaspara a pergunta: Por que você vai à escola?

“Para um dia ser alguém na vida”;“Porque sou obrigado”;“Para ter uma vida melhor no futuro”;“Para aprender e ter um futuro melhor”;“Concluir meus estudos”;“Para chegar ao ensino superior”;“Para estudar”; “Para aprender.”

Desta forma, segundo LANA (2006, p. 15):

Percebe-se que há nas famílias e nos jovens de classe popularuma compreensão de que seu futuro depende de sua bem-sucedida inserção e permanência no processo de escolarização,pois somente assim teria chances de conseguir um empregomelhor e de trocar saberes e experiências com pessoas deoutras camadas sociais.

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Outro fato que nos chama atenção são as atividades e elementoscitados pelos educandos como os que mais gostam na escola. Dentreesses elementos podemos destacar respostas, como:

“o recreio”; “a quadra”; “nada”; “paquerar as meninas”; “dos amigos e colegas”.

Desta forma, percebemos que o espaço escolar está associado paraesses jovens, a um local excludente, na medida em que eles não vêem, nesteambiente, elementos e atividades que lhes agradem, ou seja, que pertençamao seu cotidiano social, percebidos através da resposta “nada”. Ou também,para alguns como um espaço de convivência e lazer, à medida que se mencionarespostas caracterizadas aos espaços destinados a prática de esportes ediversão, tais como: quadra e recreio, podendo nestes haver uma interaçãomais livre entre os seus colegas e amigos do cotidiano escolar, favorecendo aschamadas “práticas culturais juvenis”. Segundo, DAYRELL (2007, p. 109):

(...) os jovens constituem culturas que lhes dão uma identida-de como jovens. Estas culturas, como expressões simbólicasda sua condição, manifestam-se na diversidade em que estase constitui, ganhando visibilidade por meio dos mais dife-rentes estilos, que têm no corpo e seu visual uma das suasmarcas distintivas.

Contrapondo a esta, perguntamos aos educandos: O que eles nãogostam na escola? Constataram-se as seguintes respostas:

“não gosto da escola”;“de sair tarde da escola”;“dos professores”;“da pintura e do uniforme da escola”;“de algumas pessoas”;“da inspetora”;“da diretora”;“do horário de entrada”; “da quadra’.

A grande maioria confirma a ideia de que o espaço escolar não éum local agradável aos jovens, passível de identificação. Assim, osprincipais elementos componentes deste ambiente são tidos como algo

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reprovado aos sujeitos deste processo, pois a escola não contribui paraatender necessidades e anseios, característicos de jovens pertencentes auma camada da sociedade menos favorecida. Desta forma, segundoLANA, 2006:15:

O espaço escolar é sentido pelos alunos como um espaçoexcludente, recheado de regras e dimensões táticas, cujossignificados, funcionamento e aplicabilidade eles devem descobrirno decorrer de suas ações nas interações que estabelecem comseus pare e o professor.

Quando questionamos qual a disciplina do saber escolar que osalunos mais se identificam, podemos perceber que estas respostas estãovoltadas para disciplina, no qual eles têm uma maior identificação com oprofessor ou aquelas onde se há uma maior interação entre os alunos,como educação física e educação artística.

O ensino de Geografia na escola

Em relação ao ensino de Geografia, na E.E.Dr.M., podemos observara dificuldade, por parte da professora que leciona esta disciplina, devidoà escola não oferecer um material adequado para usar em suas aulas,como, mapas, retroprojetores, entre outros. Sendo a ela disponibilizadosapenas recursos como quadro, giz e, em algumas turmas, o livro didático,por meio dos quais são desenvolvidas suas aulas, pois nem todas as turmasobtiveram no ano letivo o mesmo. Em conseqüência dessas dificuldadesque a escola vem encontrando a maioria dos alunos desestimulados nãosó com a geografia, mas com todas as outras disciplinas não tendo assimquase nenhuma perspectiva de futuro. Afirmamos isto porque o índice deevasão escolar é muito grande nesta escola.

Na E.M.V.M.N.S, a situação é parecida, o professor não obtémrecursos necessários à uma prática escolar que fuja da tradicional, ouseja, utilização do quadro, giz e livro didático como meios de lecionar osconteúdos característicos da área de conhecimento. Cabe ressaltar quenessa escola, não há problemas relativos à distribuição do material didático,todas as turmas dispõem de livros didáticos. Ficou observada nesta escolauma dependência muito grande do professor ao livro didático, sua aula ébaseada em um questionário no qual o educando tem que se basear noseu material didático, como fonte de conhecimento em relação ao conteúdo.Desta forma, não há um diálogo maior em relação aos conteúdoslecionados pelo professor, não favorecendo a uma forma conjunta de

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construção de conhecimento, baseada na vivência dos sujeitos do processode ensino-aprendizagem, mas sim uma imposição de conteúdo que visa àmemorização dos mesmos, para obter melhor aproveitamento nasavaliações estabelecidas pelo professor.

Portanto, observa-se que o discurso do professor ou do livro didáticotem sido “a maneira” mais comum de se ensinar geografia. Se estabelecendoa partir de algumas concepções ou conceitos chave sobre determinadosfenômenos sociais, culturais ou naturais, descrito e explicitado de formadescontextualizada da realidade na qual o educando está inserido. Após aexposição ou trabalho de leitura, o professor avalia, via atividades dememorização, se os educandos apreenderam o conteúdo transmitido.Caracterizando assim, a chamada geografia “decoreba”, para qual Lacoste2

nos atenta. Contrapondo a esta visão de ensino de geografia, destaco apossibilidade de trabalho com as culturas dos educando, onde segundoCAVALCANTI, 2005: 78:

Os conteúdos de Geografia devem ser vistos como parte dosinstrumentos que podem contribuir para a qualificaçãonecessária ás práticas sociais, ás práticas socioespaciais, aparticipação do aluno na sociedade contemporânea (...). Assim,instrumentalizar o cidadão para a compreensão do espaço talcomo ele está produzido é o papel da escola e da geografia noensino. Para cumprir esse papel é importante que o professorconsidere que os alunos pensam, desejam e conhecem.

A visão dos alunos em relação à disciplina de geografia

Os alunos na sua maioria aprovam as aulas de geografia, o que pode serobservado nas duas escolas, onde os índices são superiores a 67% deaprovação. Desta forma, eles se identificam, em geral, com alguns elementoscaracterísticos da disciplina. Estes podem ser observados em algumas respostas(para a pergunta: O que você mais gosta nas alunas de geografia?) tais como:“aprender sobre outros países” e “ estudar os mapas” como também referentesao professor, como foi o caso observado na E.M.V.M.N.S.

Alguns itens são citados pelos alunos como algo no qual desaprovamnas aulas de geografia, tais como: as atividades e exercícios, citados pelosalunos das duas escolas, nota vermelha, decorarem nomes de países eaula sobre o relevo, citado por alunos da E.E.Dr.M.. Neste também égrande o número de alunos que responderam que não há nada referente àdisciplina em que desaprovam, pois caracterizam e relacionam essa aosseus conteúdos e na forma a qual se relacionam com o professor.

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Conclusão

Este trabalho nos proporcionou um novo olhar sobre o espaço escolar,permitindo contrapor algumas das reflexões estabelecidas na universidadecom a realidade da escola. Portanto, tivemos uma grande preocupaçãoao realizar esta pesquisa, pois o nosso objetivo era o de não deixar delado a cultura desses jovens. Porque a escola de certa maneira operacomo um espaço isolado do seu exterior, isto é, passando sempre umaimagem de divisão, caracterizada muitas vezes através de imensos muros,grades, entre outros elementos; que simbolicamente demarcam a passagementre duas realidades: o mundo da rua (que vem de cada educando, atravésde sua vivência) e o mundo da escola (que tende a fechar seu própriomundo com suas regras, ritmos e tempos), como se fosse possível separaralgo que sempre estará em constante abarcamento.

Ao refletimos sobre tais questões procuramos de imediato, como podeser visto nos relatos acima, pensar e compreender a realidade escolar dosjovens das camadas populares. Quem são estes jovens? O que vão buscarna escola? O que significa para eles a instituição escolar? Qual o significadodas experiências vivenciadas neste espaço?

Foi possível perceber que para muitos representantes da equipepedagógica, dessas escolas, que esses jovens são vistos como simplesmentealunos independente do sexo, da idade, da origem social, das experiênciasvivenciadas, todos são considerados igualmente alunos, procuram a escolacom as mesmas expectativas e necessidades. Como se a escola fossecomposta de indivíduos que compõem uma uniformidade que buscamsimplesmente aquele antigo método de aprendizagem, no qual o conhecimentoescolar se torna “objeto”, “coisa” a ser transmitida. Tendo como intuito avalorização das provas e notas e a finalidade da escola se reduz ao “passarde ano”, permitindo desta forma, o surgimento de graves problemasrelacionados ao fracasso escolar e conseqüentemente a evasão escolar.

Destacamos que a escola é um lugar onde se encontra indivíduosheterogêneos ainda que pertencentes à mesma classe social. Sujeitos estesque não se reconhecem no ambiente escolar por não se identificarem comtal recinto, isto é, por não serem reconhecidos como sujeito no processode ensino/ aprendizagem, mas sim como um simples objeto, cujo objetivoneste processo é a repetição e memorização de conteúdos, levando assimo surgimento de frustrações que de certa maneira contribuirá para seudesenvolvimento futuro.

Após vivenciarmos todos esses problemas das escolas (citadas acima)refletindo sobre tais questões, acreditamos que a escola possa e deva serum espaço de formação ampla para os seus educandos, no qual este

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deixe de ser visto como um objeto e passe a ser percebido como umsujeito no processo de ensino/aprendizagem. Porque através de umaprofundamento no seu processo de humanização por meio de umaconstante troca de conhecimentos, aprimoram-se as dimensões ehabilidades que fazem de cada um desses indivíduos seres humanos.Portanto, o acesso ao conhecimento, às relações sociais, às experiênciasculturais diversas pode contribuir como suporte no desenvolvimento singulardos educandos como sujeito sócio-cultural, onde se estabeleça odesenvolvimento de um ser crítico, não permitindo serem alienados pordeterminadas imposições de diferentes veículos característico dasociedade, dentre eles à escola. Assim, compartilhamos dos seguintespensamentos de FREIRE, quando afirma que:

(...) ensinar não é apenas transferir conteúdo a ninguém, assimcomo aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferidono discurso vertical do professor. Ensinar e aprender têm quehaver com o esforço metodicamente crítico do professor dedesvelar a compreensão de algo (...). Isso não tem nada havercom a transferência de conteúdo... (FREIRE,1996:133-4)

Em relação ao ensino de geografia, de forma geral, observamosque este é realizado tanto mediante as aulas expositivas, como tambémpor leitura de textos dos livros didáticos ou realização de questionários,cujo objetivo visa “descrever a substantividade do conteúdo para que oaluno fixe”, ensino este, caracterizado na descrição do espaço comoprocedimento de interpretação geográfica. Entretanto, acreditamos serpossível trabalhar com este campo de conhecimento de forma mais dinâmicae instigante para os educandos, estimulando os mesmos á realização deperguntas e reflexões críticas, incitando-os assim a problematizar osdiferentes espaços geográficos materializados em suas diferentes categorias,tais como: lugar, paisagem, território e região.

Referências bibliográficas

CAVALCANTI, Lana de S. Geografia Escolar e procedimentos de Ensinonuma perspectiva Socioconstrutivista. In: Geografia e Práticas deEnsino. Goiânia: Ed. Alternativa. 2005.DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno dasocialização juvenil. In: Educação & Sociedade, volume 28, n.100,Campinas. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/

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s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 1 0 1 -73302007000300022&lng=pt&nrm=iso&tlng=ptFREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à práticaeducativa. São Paulo: Ed. Paz e Terra. 1996.LACOSTE, Yves. A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer aguerra. Trad. de Maria Cecília França. 5ª ed.. Campinas, SP: Papirus, 2001.LANA, Débora Oliveira. O significado da escola e do conhecimentoescolar na experiência de alunos de camadas populares. GT: Sociologiada Educação/ n.14; artigo acadêmico publicado na ANPED, 2006.MORAIS, Regis. Sala de aula: que espaço é este? Campinas, SP: Ed.Papirus. 1986.SALVADOR, César Coll. Aprendizagem escolar e construção doconhecimento. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1994.SARLO, Beatriz. Culturas populares, velhas e novas. In: Cenas da vidapós-moderna; intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio deJaneiro: Editora da UFRJ, 2000.SILVA, Tomás Tadeu. O que produz e o que reproduz em educação.Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1992.

Notas

1 Estágio realizado nos municípios de Niterói e Tanguá nos meses de agosto,setembro e outubro de 2008.2 No livro A Geografia, isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra, YvesLacoste abordou também o uso da ciência geográfica pelos estados nacionais,como instrumento de domínio sobre os indivíduos e sobre o território, assim comopelos professores cuja função se baseia em mascarar a importância estratégica dosraciocínios centrados no espaço.

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A AVALIAÇÃO NO ENSINO DA MATEMÁTICA

Andreia Carvalho Maciel Barbosa (FFP-UERJ)Luana de Figueiredo (FFP-UERJ)Silvia de Castro de Barros (FFP-UERJ)

O contexto inicial de nossa pesquisa

Em toda atividade humana a avaliação é necessária e em educação nãoé diferente. A avaliação da aprendizagem escolar está presente na vida detodos nós, no nosso cotidiano e tem sido muito questionada nos últimostempos por alunos, pais, professores e todos aqueles que trabalham comeducação. As discussões acerca do assunto não são novas, mas é necessárioque sejam priorizadas e encaradas com a seriedade que requerem e merecem,pois a avaliação talvez seja hoje um dos maiores desafios da educação emotivo de grande preocupação nos meios escolares.

Nesse contexto foi que iniciamos a nossa pesquisa em São Gonçalo, noestado do Rio de Janeiro, município onde está localizada nossa universidade.Iniciamos pelas escolas públicas, estaduais e municipais, onde realizamos umapesquisa de campo e pudemos constatar que as avaliações de Matemáticaaplicadas aos estudantes dessas unidades eram, ainda hoje, como há algunsanos atrás. As avaliações se limitavam a reproduzir exercícios aplicados emsala de aula, muitas vezes meras cópias desses exercícios, onde até os númerosutilizados eram iguais. Os professores não se utilizavam da diversidade deinstrumentos existentes para avaliarem seus alunos e a prova e o teste eram osúnicos instrumentos que a maioria deles utilizava, apesar de solicitarem queesses alunos confeccionassem trabalhos de pesquisa e os apresentassem, porexemplo. Ou seja, mesmo dispondo de outros recursos para os avaliaremnão fugiam à regra da prova e teste. Outro ponto observado durante a pesquisafoi que, independente de aplicarem testes ou provas a seus alunos, o parâmetroutilizado para a avaliação era sempre o mesmo, ou seja, o teste era do mesmomodelo das provas, variando apenas do nome e para os professorespesquisados, ambos tinham a mesma importância.

Ao longo da pesquisa e durante todo o tempo em que temos difundidonosso trabalho junto aos professores, nas escolas do município de SãoGonçalo, pudemos constatar que não é muito diferente a situação nasescolas privadas. Seja por desconhecimento ou por acomodação, amaioria dos profissionais, opta por se utilizar do padrão prova-teste pararealizar suas avaliações.

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Percebemos que a avaliação é encarada como um ato mecânico emecanizante, mas é necessário que tenhamos a consciência de que avaliar nãoé tão somente aplicar um teste, uma prova, fazer uma observação do aluno.Não está restrita a atribuir ao aluno determinada nota ou conceito apenas poracharmos que ele merece, mas, principalmente, transformar essa avaliaçãoem um conjunto de instrumentos que o auxilie no processo de construção deseu conhecimento, fazendo com que esse aluno pare de negociar suaaprendizagem e deixando de barganhar com ele o cumprimento de suas tarefas.

Apenas a simples análise da nota do aluno não é garantiade que ele realmente aprendeu. Depende de como a provafoi formulada e o que nela se pergunta. (MORETTO, 2002)

A avaliação escolar ainda nos dias de hoje gera a exclusão, seleção,classificação e marginalização do aluno e estamos numa época onde esteprecisa ser acolhido e apoiado, ser incentivado a estudar. A escola não é hojeo único e nem necessariamente o melhor veículo de informação desse aluno eestudar não é tão somente “decorar” datas, memorizar fatos, informações...

Experimentar novas formas de avaliar deve ser uma preocupaçãoconstante de todo professor, em qualquer disciplina. Particularmente paranós, professores de Matemática, os aspectos emocionais envolvidos numaprova tradicional podem vir a “mascarar” o resultado final de uma avaliaçãoe é por isso que essa diversidade de instrumentos de que nos utilizamostorna-se extremamente importante. Em uma sala de aula a todo instanteacontecem momentos de aprendizagem onde o professor tem inúmerasoportunidades de fazer a avaliação do aluno e essas oportunidades devemser bem aproveitadas. Ao nos utilizarmos de múltiplos instrumentos parafazermos uma avaliação teremos uma real noção de como o aluno secomporta quando é avaliado, o que ele aprendeu, onde se encontra alacuna que precisa ser preenchida nessa aprendizagem e em que momentodo processo ensino-aprendizagem necessitamos intervir. Enfim, teremosuma perfeita interpretação dos dados de que necessitamos paracompreender o estágio de aprendizagem em que se encontra esse aluno.

Os resultados expressos pelos instrumentos de avaliação, sejameles provas, trabalhos, postura em sala, constituem indícios decompetências e como tal devem ser considerados. A tarefa doavaliador constitui um permanente exercício de interpretaçãode sinais, de indícios, a partir dos quais manifesta juízos devalor que lhe permitem reorganizar a atividade pedagógica.(BRASIL. MEC, 1998)

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No entanto o ato de avaliar não deve ter somente a função de levantardados sobre a qualidade do desempenho do aluno, mas também deve darsubsídios ao professor que o ajudem a avaliar e rever sua práticapedagógica, fazer uma avaliação da escola e do ensino.

A avaliação deve ter como princípios: proporcionar novassituações de aprendizagem, detectar e corrigir as falhasocorridas durante o processo de aprendizagem, ser consistentecom os objetivos, com os métodos e com os currículos, controlara qualidade do ensino-aprendizagem permitindo ao professorreavaliar os seus métodos de ensino, analisar o aprendizado doaluno e ter caráter positivo. (ABRANTES, 1995)

Baseado nos motivos expostos nos dedicamos a estudar diferentesinstrumentos de avaliação e os difundir para professores e licenciandosem cursos de extensão realizados na Faculdade de Formação deProfessores da UERJ. A seguir abordaremos a necessidade dessesinstrumentos e exemplificaremos os mesmos.

O uso de diferentes instrumentos de avaliação

Nas escolas onde se pratica o ensino inovador o professor não é oúnico detentor do saber, tornando os alunos responsáveis por suasaprendizagens. Nessas escolas são valorizadas a criatividade, a intuição eo raciocínio tanto quanto o formalismo e o resultado final. São utilizadosdiversos tipos de avaliação quantitativa e qualitativa, avaliando-se odesempenho do aluno tanto nos momentos formais quanto nos informais,o que resulta na construção contínua do conhecimento.

Se as nossas metas são educação e transformação, não nosresta outra alternativa senão juntos pensar uma nova forma deavaliação. Romper paradigmas, mudar nossa concepção, mudara prática, é construir uma nova escola. (KRAEMER, 2005)

A vantagem da utilização de diversos instrumentos de avaliação éque se detecta com mais propriedade e maior compreensão o que o alunosabe e o que ele ainda não sabe, verifica-se com maior clareza as possíveiscausas das falhas de aprendizagem e de raciocínio, tira-se a ênfase dada àavaliação como etapa final de um processo e valoriza-se o processo deencontro da solução e o do raciocínio utilizados na resolução de problemastanto quanto o resultado final.

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O uso de uma variedade de instrumentos vai fornecer aoprofessor, ao aluno, aos pais e à comunidade escolar um retratomais fidedigno do que está ocorrendo em termos de raciocínioe aprendizagem matemática do aluno. (SANTOS, 1997)

Existem várias formas e instrumentos de que podemos nos utilizarpara avaliar um aluno. No livro Avaliação e Educação Matemática(Abrantes, 1995) o autor dá alguns exemplos de formas e instrumentosde avaliação, como podemos ver a seguir.

Formas e instrumentos Descrição e informação fornecida

Tarefas orais Consiste na apresentação por um grupo sobre a forma como um determinado problema foi resolvido.

Relatórios Produções escritas dos alunos, em grupo ou individuais, realizadas em casa ou em sala de aula sobre situações problemáticas.

Produções geradas pelos alunos Pequenos textos realizados em grupo ou individualmente no decorrer de projetos desenvolvidos.

Entrevistas Perguntas feitas e/ou respondidas pelos alunos, individualmente ou em pequenos grupos.

Teste em duas fases

Testes individuais escritos realizados na primeira fase em sala de aula, com consulta, durante um período de duas horas. Na segunda fase, retomado em casa durante um período de uma semana, depois do professor ter visto e dado algumas sugestões para a melhora do trabalho.

Dentre estes instrumentos destaca-se o teste em duas fases, por serconsiderado o mais inovador, se comparado aos demais. A ideia originaldo teste em duas fases foi desenvolvida na Holanda com alunos do últimoano do Ensino Médio. Abrantes (1995) em seu livro narra a idéia adaptadapelo projeto MAT789, coordenado por ele para alunos mais novos.

O teste em duas fases promovido por Abrantes em suasexperiências, consiste em um teste escrito individual realizado, numaprimeira fase, na aula, com consulta onde professor corrige e dá sugestõespara o erro dos alunos, mas não dá a nota que ele recebeu no teste. Oaluno leva o teste para casa, e tem o período de uma semana para refazê-

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lo. E com isso mais uma vez ele pode ter o auxílio da consulta. A turmafica ciente que o teste que está fazendo é um teste em duas fases. Comoo aluno não sabe qual nota ele obteve na 1ª fase, obrigatoriamente precisarealizar a 2ª fase do teste.

Um dos aspectos importantes do processo de avaliação era ofato dos alunos disporem de bastante tempo para realizar astarefas e refletir sobre elas. Apesar disso os prazosestabelecidos deveriam ser respeitados. (ABRANTES, 1995)

É importante ressaltar que no teste em duas fases as questõespropostas precisam ser diferenciadas das de um teste tradicional, que emsua maioria são simples cópias do caderno. As questões precisam tercaráter interpretativo, pois necessitam de justificativas, além de seremcontextualizadas obrigando que os alunos reflitam sobre o assunto e devemrequerer investigação e respostas mais desenvolvidas em alguns casosutilizando problemas abertos.

Questões abertas são elaboradas com o objetivo de levaremao aluno a perceber, pelo seu enunciado que a solução queestá sendo procurada não segue um modelo padronizado. Oaluno tem que justificar e/ou validar seu raciocínio matemáticopara o professor e os colegas quando apresenta a sua soluçãopara a turma. (SANTOS, 1997)

Outro ponto de suma relevância é com relação à correção. Após aprimeira fase, o professor deve apreciar cada resposta e escrever senecessário uma sugestão na folha do aluno, ao mesmo tempo em queregistrará, apenas para si, uma pontuação. Tal pontuação corresponderá àclassificação “holística focada”. Depois da segunda fase, os alunos entregarãonovamente as suas primeiras respostas em conjunto com as segundas. Então,o professor corrigirá novamente as questões e atribuirá a cada aluno umaúnica classificação qualitativa global, por vezes acompanhada de umcomentário adicional, ou seja, uma média da nota entre as duas fases.

Em alguns instrumentos de avaliação alternativos, consideradosinovadores, citados em Santos (1997) são utilizadas a linguagem oral e/ouescrita. Entre eles destacam-se:

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Instrumentos Descrição Objetivos

Memórias ou diários

São anotações feitas no inicio e no final do ano, ou bimestre, ou de uma determinada atividade.

Ajudar o desenvolvimento harmonioso dos aspectos emocionais e intelectuais de cada indivíduo, fazendo com que os alunos prestem mais atenção na sua vida escolar.

Redações ou cartas

Texto com estrutura de uma carta, escrito por um aluno contando para um colega sobre determinado conteúdo visto.

Fazer com que o aluno expresse do seu jeito o que aprendeu sobre as idéias e conceitos principais do conteúdo.

Diálogos criativos

Texto sob forma de diálogo onde fiquem evidenciados os conceitos e propriedades de um determinado assunto.

Motivar e despertar o interesse do aluno pela matemática permitindo que o professor faça uma apreciação do conhecimento do aluno em contextos mais informais e criativos.

História em quadrinhos

É um texto ilustrado com desenhos, onde se utilizam personagens já conhecidos ou criados pelo aluno.

Seus objetivos são os mesmos do diálogo criativo.

Outro instrumento descrito na mesma publicação, criado por JosephNovak em 1972, é o mapa conceitual, uma representação visual onde oaluno demonstra através do uso de palavras, desenhos e outros símbolosseu conhecimento sobre determinado assunto. Seu objetivo é fazer o alunoregistrar em poucos minutos o que mais lhe marca sobre o assunto outema central, ajudando-o a organizar, sistematizar, estudar e detectar idéiasque ainda não estão claras em sua mente.

Quando nós, primeiramente, desenvolvemos mapasconceituais na Universidade de Cornell, em 1972, com umatecnologia para expressar as mudanças do entendimento dascrianças sobre conceitos de ciências, nós sabíamos que elesse tornariam valiosos para educadores e pesquisadores.Entretanto, nós não percebemos, naquela época, como o usode mapas conceituais e outras tecnologias de representaçãodo conhecimento iriam resultar em dezenas de novasaplicações, incluindo suporte para estudantes e para equipesde pesquisas. (NOVAK apud SOUZA, 2008)

Cabe ao professor deixar evidente para seus alunos que um mapaconceitual não deve ser classificado como certo ou errado, mas deve-seprocurar verificar a existência de aspectos no mapa, tais como verificar se

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o mesmo exemplifica conexões claras ou confusas, se utiliza de palavras econexões com significados apropriados, se há exemplos ou não e por fimse está completo ou incompleto dentro do que foi solicitado.

Na correção tanto dos instrumentos que utilizam a linguagem oral e/ou escrita quanto nos mapas conceituais, o professor deve levar emconsideração alguns aspectos importantes como: verificar se o objetivoproposto foi alcançado, respeitando a estrutura que deve ser feita cadainstrumento; se o encadeamento das idéias foi feito de forma clara; notarse a linguagem está adequada e coerente; averiguar se os conceitosmatemáticos estão corretos, analisando não somente o conceito, mastambém os exemplos e valorizar o capricho, a criatividade e o empenhodo aluno em realizar a tarefa.

Algumas dessas formas e instrumentos já são conhecidos, porém aindapouco usados, outros precisam ser divulgados para serem conhecidos,dando aos professores que por eles se interessem a oportunidade de utilizá-los. É importante que o professor não faça todas as mudanças em suaavaliação ao mesmo tempo, que trabalhe essas inovações em equipe enão isoladamente. Essas ações tornam o processo reflexivo e permitemque o professor avalie cada instrumento, tanto em seu potencial, quantoem sua identificação com o mesmo.

Reformulando conceitos através da utilização de diversosinstrumentos

A avaliação ainda hoje é motivo de insatisfação para todos osenvolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Os pais e alunosmostram-se mais preocupados, porém a grande inquietação tem sidomostrada por alguns professores. Cada vez mais observamos que estes,responsáveis diretos por essa avaliação procuram informações que levema outras formas que possibilitem uma melhor avaliação do seu aluno. Essapreocupação é ainda mais latente e pode ser facilmente notada entre osestudantes dos cursos de licenciatura e de formação de professores.

Mudar a avaliação significa provavelmente mudar a escola.Automaticamente, mudar a prática da avaliação nos leva aalterar práticas habituais criando inseguranças e angústias eeste é um obstáculo que não pode ser negado, pois envolverátoda a comunidade escolar. (PERRENOUD, 1993)

Através de atividades desenvolvidas com professores durante os cursosrealizados pelo projeto “A Avaliação no Ensino da Matemática” podemos

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exemplificar como trabalhar conceitos e utilizar diversos instrumentos.Diversos temas e atividades são propostos durante os encontros. Uma

dessas atividades é relacionada aos conceitos de pseudo-sucesso e realsucesso citados em (Moretto, 2002). A atividade consiste nos participantes,divididos em grupos, identificarem “ferramentas de ensino” que tenhamcomo objetivo proporcionar o real-sucesso ou o pseudo-sucesso dosalunos. É dada uma lista com diversas ferramentas, e após uma discussãoprévia com o grupo é montado um cartaz, onde se expõe a opinião dogrupo para o restante da turma. Nesta atividade algumas ferramentas queum grupo acredita ser propícia para se alcançar o real-sucesso outroacredita que determine o pseudo-sucesso. Um exemplo é a ferramenta“seminário em grupo” onde, entre outros argumentos utilizados por umdos grupos foi o de ser proveitosa por promover a interação uma vez quea pesquisa incentiva o estudo e a apresentação para uma classe ajuda adesinibir. Já o outro grupo apresentou uma opinião completamente oposta,quando afirmou que o trabalho nem sempre é bem dividido, pois algunsalunos não colaboram na realização da pesquisa e que na maioria dasvezes cada um estuda e decora a sua fala apresentando a sua parte, o quefaz deste momento apenas mais um momento de mera repetição.

Após essa apresentação debate-se com o grupo as váriasinterpretações que podem ser dadas a uma mesma ferramenta chegando-se à conclusão que somente o uso da ferramenta em si não garante umaaprendizagem significativa e sim depende da postura que o professor terádiante dela, da forma como ele irá explorá-la e como ela pode ser melhoraproveitada pelos alunos.

Acreditamos que só terá efeito positivo no processo de ensino/aprendizagem o uso de inovações em formas de avaliar se oprofessor tiver mudado sua forma de ensinar e se o aluno tiverdesejado envolver-se ativamente no processo de aprender.(SANTOS, 1997)

Os relatos que esses professores fazem do tempo em que foram alunosestão intimamente ligados ao tipo de experiência que tiveram comdeterminada ferramenta. Se a experiência foi positiva eles transferem parao seu aluno o prazer de trabalharem com a ferramenta. Caso contrário, sea experiência foi negativa, resistem um pouco em utilizá-la com o aluno.

Uma outra atividade também realizada em grupo traz à tona o debatesobre outro aspecto importante também tratado por Moretto (2002),quando fala a respeito do professor competente no avaliar, e sobretudono ensinar, já que não adianta avaliar bem, se não se ensina corretamente.

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Não é possível avaliar diferente sem ensinar diferente.Depois de expostas algumas qualidades, que segundo ele são necessárias

a um professor competente, os professores, em grupo, listam característicase atitudes que não são adequadas à postura de um professor. Mais uma veznota-se que, quando eles relatam certas características se remetem aprofessores que eles próprios tiveram, ou no caso de licenciandos, aindapossuem. Assim, esse tipo de discussão propicia uma reflexão sobre o tipode professor que desejam ser ou se tornarem a partir daquele momento.

Após algumas atividades que tem por objetivo promover umadiscussão e possível reflexão sobre avaliação de maneira geral, é trabalhadaa diversidade de instrumentos que podem ser utilizados para avaliar oaluno. Conclui-se ser necessário que o professor promova vários momentosde avaliação para que esse momento não fique concentrado em uma únicasituação ou instrumento que na maioria dos casos é a prova.

A diversificação é não só desejável como possível. A tentativade avaliar com justiça levou à criação de novos tipos deinstrumentos e à utilização, em educação, de outrostradicionalmente ligados a outras áreas. (FERRAZ, 1994)

As primeiras perguntas feitas quando o assunto é o instrumento provasão: “A prova é prejudicial ao processo de avaliação?”. Ou então: “Vocêssão contrários à aplicação de provas para nossos alunos?” A prova deveser utilizada como instrumento de avaliação desde que ela seja adequada,que tenha questões com uma linguagem precisa e clara não dando margemà dupla interpretação e que não seja utilizada como instrumentodisciplinador. Que seja trabalhada de forma mais contextualizada nãofocando apenas na memorização de métodos e fórmulas possibilitandoque o aluno demonstre se realmente houve aprendizagem.

Alguns professores, como foi constatado em pesquisas realizadas aolongo deste projeto, fazem literalmente um “acerto de contas” na hora daprova fazendo questão de frisar isso em vários momentos na sala de aula,principalmente em véspera de prova. Frases como “É bom vocêsestudarem muito, pois a prova está muito difícil.” ou até mesmo, “Se vocêscontinuarem com essa bagunça me aguardem na prova!” são ditas. Algunsprofessores chegaram a confessar nessa pesquisa que o nível de dificuldadeda prova varia de acordo com o nível de indisciplina da turma e que quandoa correção da prova é feita por impressão geral são utilizados critériosparticulares. Assim eles acabam tendo a tendência de um favorecimentopara com aqueles alunos ditos mais “esforçados e comportados”, quelevam o rótulo de “bons alunos”.

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Esse tipo de pensamento é prejudicial, pois nestes casos o problemanão está na prova em si, mas no momento em que essa avaliação estásendo conduzida, causando nos alunos um certo temor, uma tensão que émuito prejudicial na hora de ser avaliado. A correção da prova é ummomento crítico já que o professor acredita ter o poder nas mãos paradecidir pelo sucesso ou não do aluno.

O projeto trabalha com atividades que ajudam o professor a tentar,pelo menos, ser um pouco mais imparcial ou até mesmo aprender a utilizaroutros critérios para avaliar o aluno além de aceitar respostas que em umaprimeira impressão possam parecer um tanto quanto incoerentes. Paraisso é trabalhada a escala holística sugerida por Abrantes (1995). Nessaatividade os professores recebem duas provas, uma com respostas maispadronizadas, e outra com resoluções mais “criativas” ou “alternativas”que os alunos podem utilizar para chegar a uma determinada solução. Noprimeiro momento é pedido para que eles façam uma correção de formalivre, como corrigem normalmente e eles dão uma nota. Em seguida, apósa apresentação da escala holística focada, pede-se para que corrijam asprovas novamente utilizando os critérios da escala. Pode-se perceber quena correção por impressão geral, as notas dadas pelos professores sãomuito diferenciadas, chegando a extremos, como o de um professor atribuirnota 8,0 e o outro atribuir 4,5 a uma mesma prova. Ou seja, no critério doprimeiro professor esse aluno atingiu os objetivos da aprendizagem e seriaaprovado em sua disciplina. Já segundo o critério do outro professor essemesmo aluno deveria ir para recuperação, pois não aprendeu o esperado.Outro fato relevante é que os professores têm a tendência de atribuirnotas melhores à prova com as respostas mais padronizadas havendouma certa rejeição, e isto se vê pela atribuição de notas menores, quandose trata de respostas mais “alternativas”, como foi dito antes, mesmo queestas respostas também estejam corretas.

Já no segundo momento, em que os professores fazem a correçãoseguindo a escala, percebe-se que há uma uniformidade maior em relaçãoàs notas e estas mudam em relação à primeira nota que foi atribuída. Nemsempre a nota aumenta, isso na verdade varia muito, porém as notas dadaspelos professores têm um consenso maior, apesar de ainda serem diferentesafinal a interpretação da escala também cabe a cada professor. No entantonão se percebem disparidades entre as notas como na impressão geral.Ao fim desta atividade, depois de algumas comparações e discussões osprofessores se mostram favoráveis a escala, que muitos não conheciam.

Outro instrumento apresentado aos professores e licenciandos é oteste em duas fases, também do livro do Abrantes (1995). Primeiramenteé explicado o que é e como é realizado o teste em duas fases. É relatada

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ainda a experiência realizada em Portugal com esse instrumento como jácitada anteriormente. Mas antes de apresentar qualquer instrumento oprojeto busca fazer experiências com tal instrumento e nessas experiênciasnota-se que o teste em duas fases é uma ferramenta muito rica para serutilizada no processo avaliativo do aluno, porém foram necessárias algumasmodificações para que ele fosse adaptado a realidade brasileira.

Tais modificações foram que o teste passou a ser sem consulta; oprofessor ao corrigir, dá sugestões para o erro dos alunos e informa a notaque este recebeu no teste; o aluno tem a oportunidade de refazer o teste,porém é feito em sala de aula, ainda sem consulta e apenas com a ajuda dassugestões; na 1ª fase a turma não sabe que está fazendo um teste em duasfases e por fim o aluno passa a ter a opção de refazer o teste ou não,deixando claro que se caso ele opte em refazer valerá a 2ª nota.

Além do teste em duas fases são explorados outros instrumentos deavaliação já mencionados neste artigo como o caso da carta, do diálogocriativo, mapa conceitual, relatórios, história em quadrinhos entre outros.

Como muitos dos professores não conhecem estes instrumentos éfeita uma atividade onde eles, nesse momento, se tornam alunos novamente.Eles normalmente divididos em grupos experimentam como fazer estesinstrumentos. Cada grupo fica com um tema de Ensino Básico para serfeito e é dito que instrumento eles irão utilizar para serem avaliados. Ouseja, os professores têm a experiência de fazer uma carta, um diálogocriativo, uma história em quadrinhos ou outros instrumentos. Esta é umaexperiência nova para eles, já que quando alunos não haviam passadopor este tipo de avaliação No começo é mais difícil, porém depois elesconseguem entrar no “clima” e realizam bem a tarefa proposta.

Depois de feita estas atividades, compara-se os instrumentos (carta,dialogo, mapa, etc.) que eles fizeram, com atividades feitas por alunos,principalmente crianças, utilizando estes mesmos instrumentos. Nota-se queas crianças se saem melhor no quesito criatividade, pois os adultos sepreocupam mais com o conteúdo em si, como no caso da carta, por exemplo,onde alguns confundem com um simples relatório onde o conteúdo é apenasdescrito esquecendo-se que deveriam se utilizar de uma linguagem maisadequada para uma carta. Já as crianças abusam da imaginação e escrevemde forma adequada dando menos enfoque para o conteúdo abordado.

Porém independente de serem crianças ou adultos, percebe-se queao utilizar estes instrumentos eles se sentem mais à vontade temendo menosa avaliação, por ser algo mais informal, mas que não deixa de ser um bommétodo para se avaliar e os professores e licenciandos conseguem perceberisso na prática, quando eles próprios estão fazendo este tipo de avaliação.Ao final consegue-se construir a idéia central de que independente do

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método a ser utilizado na avaliação ele não pode ser único, pois umapessoa não pode ser avaliada em um único momento, além de que umbom ambiente para se fazer uma avaliação é tão importante quanto osmétodos a serem utilizados.

Conclusão

A avaliação vem sendo, ao longo dos anos, talvez o maior desafioenfrentado por professores e alunos, mas não deve e não pode continuarsendo a vilã da prática educativa. Experimentar novas formas de avaliardeve ser uma preocupação constante e ocupar cada vez mais espaço nasdiscussões do cotidiano escolar, afinal todos nós somos avaliados a todoinstante. Não podemos mais nos utilizar apenas, e tão somente, de provase testes para avaliar um aluno. Percebemos assim a necessidade de queseja desconstruído o paradigma de que a avaliação está restrita aclassificação, exclusão e seleção de alunos. Vivemos uma época onde ainclusão se faz necessária, onde o aluno precisa ser incentivado a estudar,ser acolhido, e a avaliação diversificada é um dos caminhos que nos levarumo a esses objetivos.

Particularmente para nós, professores de Matemática a diversidadedos instrumentos de que nos utilizamos para avaliar um aluno torna-seextremamente importante já que os aspectos emocionais envolvidos numaprova tradicional tendem a “mascarar” o resultado final. Quando utilizamosmúltiplos instrumentos de avaliação podemos ter uma real noção de comoo aluno se comporta quando avaliado, em que momento do processoensino-aprendizagem o professor precisa intervir, com isso conseguimosinterpretar a aprendizagem desse aluno e se encontram lacunas que precisamser preenchidas. O ato de avaliar também dá ao professor subsídios queo ajudam a avaliar a escola e o ensino.

Referências bibliográficas

Abrantes, P. Avaliação em Educação Matemática. GEPEM, Rio deJaneiro, RJ, 1995.Brasil. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática parao Ensino Fundamental. Vol 1. Brasília, DF, 1998..Kraemer, M. E. P. A Avaliação da Aprendizagem como ProcessoConstrutivo de um Novo Fazer, 2005.Moretto, V. P. PROVA “ um momento privilegiado de estudo “ nãoum acerto de contas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.Perrenoud, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação:

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perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.Santos, V. M. P. e outros. Avaliação de Aprendizagem e Raciocínioem Matemática: Métodos Alternativos. Instituto de Matemática. Riode Janeiro, UFRJ, Projeto Fundão, 1997.Souza, D. M. e outros. Cartografia Cognitiva: Mapas deConhecimento para Pesquisa, Aprendizagem e Formação Docente.Mato Grosso: KCM, 2008- Prefácio da obra.

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EXPERIMENTANDO A CIÊNCIA:A VISÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO1.

Anderson Alves Moura (FFP/NUPEC/UERJ-PIBIC/FAPERJ)Luana das N. de S. de Lima (FFP/NUPEC/UERJ-PIBIC/FAPERJ)

Ricardo Tadeu Santori (FFP/NUPEC/UERJ)Glaucia Campos Guimarães (FFP/NUPEC/UERJ)

Luís Fernando Marques Dorvillé (FFP/NUPEC/UERJ)Ana Cléa Moreira Ayres (FFP/NUPEC/UERJ - Orientadora)

Introdução

A escola tem por característica a reconstrução do conhecimentocientífico, adaptando-o a uma perspectiva escolar própria. O conhecimentocientífico, outrora difundido e discutido nos meios acadêmicos da formacomo é inicialmente produzido, passa a ser divulgado também pela instituiçãoescolar, que na tentativa de difundir esse conhecimento no seu meio, acabatransformando-o em um conhecimento mais comum, que muitas vezes rompecom os aspectos sob os quais ele foi produzido (LOPES, 1997).

Além da escola, alguns dicionários, como, por exemplo, o DicionárioAurélio (FERREIRA, 1986), trazem conceitos limitados para os termos“Ciência” e “cientista”. Segundo Kosminsky & Giordan (2002), essasdefinições apresentam características próprias e que por sua vez correspondema incorporações conceituais do autor. Além disso, trazem uma concepçãoparcial, carente de aspectos como o caráter dinâmico da descoberta, a naturezada dúvida, a influência de concepções diversas do sujeito, o processo depesquisa, ou mesmo a existência de conflitos entre diferentes linhas depensamento sobre o que vem a ser Ciência e aqueles que a praticam.

Com base nesta questão, este trabalho objetiva investigar asconcepções de “Ciência” e de “cientista” apresentadas por alunos de duasturmas do Ensino Médio de uma escola pública, localizada no municípiode Niterói, RJ e contrastá-las com as de alunos desta mesma escola queparticiparam de projetos de Iniciação Científica Júnior2 na Faculdade deFormação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,buscando analisar a importância do desenvolvimento de atividadesinvestigativas no processo de formação de suas próprias idéias a respeitoda “Ciência” e do “cientista”.

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Metodologia

Quatro alunos do ensino médio foram selecionados com o intuitode vivenciar o cotidiano acadêmico, acompanhando e participando,com auxílio dos estagiários, dos projetos desenvolvidos pelospesquisadores da Universidade e do processo de produção doconhecimento científico, o que colabora no desenvolvimento de suaformação na área de Ciências. Por outro lado, os licenciandosenvolvidos nesse projeto passaram a freqüentar a escola e acompanharas turmas desses quatro alunos para verificar a importância dessavivência na Universidade no processo de aprendizagem dos alunos,contrastando, também, com a realidade de suas turmas.

Para alcançar nosso objetivo foi elaborada uma série de questõespara fazer o levantamento das visões de Ciência e de cientista dosalunos integrantes do projeto. Para isso, procuramos utilizar perguntasque nos permitissem identificar em suas falas como eles visualizavam aCiência e os cientistas em seu cotidiano e no cotidiano da escola. Estasquestões foram utilizadas para a realização de uma entrevista gravadano laboratório da escola. Cada um dos alunos foi entrevistadoindividualmente para que não houvesse o risco da fala de um afetar ouinfluenciar a opinião do outro. Essas entrevistas foram posteriormentetranscritas e analisadas e as questões que obtiveram respostas maisdiscrepantes foram selecionadas para serem aplicadas na forma deum questionário nas turmas desses alunos.

Os questionários foram aplicados nas turmas dos alunosparticipantes do projeto (turmas de primeiro ano do Ensino Médio,1001 e 1004), e foram analisados para serem utilizados comoparâmetro de comparação com as entrevistas dos alunos vinculadosao projeto, a fim de que pudéssemos observar se havia algum padrãoem suas respostas.

As perguntas utilizadas para o reconhecimento da visão de Ciênciae de cientista dos alunos foram separadas em dois grupos, de modo afacilitar a comparação entre os questionários e entrevistas, e foramnomeadas de grupo 1, relativo às questões que abordavam a visão deCiência, e grupo 2, relativo às perguntas que tratavam da visão decientista, como se encontra no quadro a seguir:

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Grupo Perguntas

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1 - O que você pensa que é Ciência? Dê exemplos. Qual a diferença entre ela e

outras formas de trabalho que as pessoas realizam?

2 - A Ciência está presente na sua vida? Influencia a sua vida? Como?

Explique:

3 – Quando você ouve dizer que algo foi comprovado pela Ciência você pensa

o quê a respeito desse assunto? Você acha que tudo que a Ciência produz é

verdade? Por quê?

2

4 - Como é a vida de um cientista? Quais são as atividades dele? Explique:

5 - Quando você ouve a palavra cientista, o que lhe vem à cabeça, o que você

imagina? Descreva como você imagina um cientista.

6 - Se tivesse a oportunidade, o quê perguntaria a um cientista?

Depois da participação nos projetos do NUPEC, esses quatro alunosforam novamente questionados de forma implícita, ou seja, foram levadosa demonstrar suas idéias sobre os dois temas pesquisados através de umaatividade desenvolvida no laboratório, na qual falávamos sobre váriosassuntos relacionados aos seus projetos de pesquisa, sem que para isso,fossem utilizadas perguntas diretas sobre o tema.

Neste trabalho, não pretendemos contrastar cada uma das perguntasutilizadas nos questionários e entrevistas, mas sim, tentar buscar, noconjunto das respostas, a visão que os alunos têm a respeito de Ciência edos cientistas de uma forma mais ampla.

Resultados e discussões

Tendo como base as entrevistas que foram utilizadas como ferramentaspara que pudéssemos conhecer as concepções prévias desses alunos e oque eles traziam da escola, percebemos que alguns deles possuíam umavisão mítica da ciência, influenciada muitas vezes pela escola e pela mídia,que trazem para a realidade dos alunos e da população, de forma geral,uma visão de ciência como uma verdade pura e indiscutível. Outros, emcontraponto, apresentavam uma visão mais realista da Ciência,desacreditando na total confiabilidade desta.

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Na análise das respostas, pode-se perceber que em relação às perguntasdo grupo 1, 61% dos alunos das turmas e 50% dos alunos que participaramdo projeto viam a Ciência como algo puramente verdadeiro e impossível deser mudado, o que se torna explícito nas falas das alunas, que dizem:

Se uma pessoa qualquer me dissesse que um material éplástico, como eu saberia se é realmente plástico? Se umapessoa mais estudada, que pesquisou, que trabalhounaquilo, me dissesse que aquele material é plástico, e queé comprovado cientificamente que é plástico, então euacredito que é plástico...

Se algo é comprovado pela ciência, é porque é verdade!

Por outro lado, 39% dos alunos das turmas e 50% dos alunos queparticiparam do projeto, apesar de acreditarem na Ciência, percebiamque ela é feita pelo homem e que por isso era passível de erros: ... muitasvezes eles podem se enganar; que as informações podiam ser mudadasapenas na tentativa de se conseguir crédito: ... eles são humanos e àsvezes encobrem algumas coisas.; e que nem tudo que era dito pelacomunidade científica podia ser considerado como verdade absoluta...acho que nem tudo que eles falam é verdade pois todo mundo erra.Muitos deles duvidavam da Ciência, apenas pelo fato de ela ir contraalgumas de suas crenças religiosas, o que pode ser observado nas frases:

As respostas são particulares, então no meu ponto devista, eu não queria entrar nessa questão, mas sou sincero,tudo que ouço da Ciência só é verdade quando não atingea Bíblia...

...mexe com o sobrenatural.

Em relação às perguntas do grupo 2, foi possível constatar que 60% dosalunos das turmas e 50 % dos alunos que participaram do projeto viam ocientista como alguém muito inteligente, mas que vive à parte na sociedade,isolado em seu próprio mundo. O pesquisador teria uma vida apenas de estudoe dedicação à sua pesquisa, o que pode ser exemplificado na seguinte frase:...vive só pra estudos, descobrir formas de melhorar doenças, etc.

Sempre descrevem o cientista como alguém que está diretamente ligadoà Ciência, que a desenvolve, que vive em função de descobrir: ...o cientistatem o dever de descobrir...; descrevem o cientista com um homem que é

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apaixonado pela Ciência, que faz Ciência, que vive Ciência. No entanto,em momento algum, mencionam que atividades relacionadas à Ciênciaseriam essas, e apesar de citarem tantas vezes a Ciência quando a perguntaé sobre cientista, demonstram que ambos, a Ciência e o cientista, estãoextremamente distantes de suas realidades.

Como pode ser observado, a maioria dos alunos vê o cientistacomo alguém distante, diferente, à parte de sua realidade, assim comoa Ciência, que não está presente em seu cotidiano, sendo restrita apenasa grupos fechados.

Uma das visões deformadas mais freqüentemente assinaladas e maistratadas na literatura é a que transmite uma visão individualista e elitista daCiência. Também são esquecidas as complexas relações entre Ciência,tecnologia e sociedade, o que proporciona uma imagem deformada doscientistas como seres “acima do bem e do mal”, fechados em torres demarfim e alheios à necessidade de fazer opções (Pérez et al, 2001).

Ao longo do desenvolvimento do projeto, com o início da pesquisados alunos, cada um em sua determinada área, fomos percebendo atravésda observação de suas expressões e falas, em atividades realizadas comessa intenção, e ainda com a crescente capacidade de solucionar osproblemas que foram surgindo durante o desenvolvimento de suasexperiências, que havia uma constante mudança em suas concepções arespeito dos dois conceitos investigados.

Todos estes alunos agora, ao término do projeto, passaram a ver ocientista como um curioso, alguém que busca responder perguntasrelacionadas a coisas de seu cotidiano, as quais tem vontade de saber.Vêem que qualquer pessoa pode ser um cientista, desde que sejaquestionadora e que a Ciência faz parte do nosso dia-a-dia, em todos osmomentos e em todos os lugares. Isso se mostra claro na atual fala deles:

... a Ciência está nas coisas que nos rodeiam, e qualquerpessoa pode ser um Cientista, desde que tenha curiosidadepara pesquisar e descobrir como as coisas acontecem, oporquê, a causa. Isso é ciência, te permite explorar bemmais do que apenas aquilo que você vê.

Conclusão

Ensinar e aprender Ciências por meio do desenvolvimento deatividades experimentais investigativas não é somente uma forma práticade aquisição de conhecimentos. É muito mais que isso, pois este tipo deatividade viabiliza o desenvolvimento dos processos cognitivos, conferindo

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aos alunos a oportunidade de visualizar os eventos e discuti-los, para assimconseguirem entender os fenômenos sem que eles tenham que lhes serpassados de forma pronta.

O grau de intimidade com a ciência que alcançaram durante odesenvolvimento de suas atividades investigativas fez com que mudassemsuas formas de ver “Ciência” e “cientista”, pois o que antes era visto poralguns como algo distante e perfeito agora é posto à prova quando lêemartigos e fazem suas próprias críticas e comparações e também quandotrocam experiências entre si sobre seus projetos, divulgam e discutemseus resultados.

Referências bibliográficas

FERREIRA, A.B.H. Novo dicionário Aurélio. 2ª ed. São Paulo: NovaFronteira, 1986.KOSMINSKY L.e GIORDAN, M. Visão de Ciências e sobre o cientistaentre estudantes do Ensino Médio. Química Nova na Escola. n. 15,2002.LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar em Química – Processo deMediação Didática da Ciência. Química Nova, v. 20, n.5: 563-568, 1997.PÉREZ, D.G.; MONTORO, I. F.; ALÍS, J.C.; CACHAPUZ, A.; PRAIA,J.. Para uma Imagem não Deformada do Trabalho Científico. Ciência &Educação, v.7, n.2: 125-153, 2001.

Notas

1 Trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências (NUPEC),e financiado pela FAPERJ (Processo 111.159/2008, Edital 06/2008).2 Projeto Jovens Talentos, implementado pela FAPERJ. Os estudantes aquiconsiderados desenvolveram suas atividades no Núcleo de Pesquisa e Ensinode Ciências (NUPEC), na FFP/UERJ, sob orientação dos professores doutoresRicardo Tadeu Santori e Fábio Vieira de Araújo e supervisão da Prof. Dra. AnaCléa Moreira Ayres.

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APRIMORANDO NOSSA PRÁTICA DOCENTE: UMPROJETO DE CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES

EM SÃO GONÇALO

Helena Amaral da Fontoura***Alessandra da Costa Cordeiro*

Barbara Campina*Sandro Tiago da Silva Figueira **

Vanda Beatriz Galdina dos Santos*Vaneiva Andréa de Castro Castilho*

Viviane Sepúlveda Saraiva*1

Introdução

Este artigo traz reflexões sobre um projeto que busca construir umespaço de inserção para professores interessados em aprimorar sua prá-tica docente, através de atividades conjuntas promovidas pela Faculdadede Formação de Professores (FFP/UERJ), atendendo à solicitação deprofessores e da coordenação do CIEP Municipalizado 045 Porto doRosa2, durante o ano de 2008. A demanda caracterizou-se no sentido deoportunizar um espaço de reflexão para que os professores desta escolapossam otimizar sua prática.

Foi organizado um curso de extensão de 120 h, no qual propusemosuma abordagem que superasse o caráter meramente informativo, emborareconheçamos ser este importante e indispensável, ampliando os momentosde reflexão e de questionamento das condições de vida em todos os seusprismas, tornando-se um elemento para a construção e consolidação daprática docente e da cidadania dos envolvidos. Através de uma óticainterdisciplinar, buscamos uma ação transformadora para a melhoria dascondições de trabalho dos professores do curso, profissionais comprome-tidos com a qualidade da educação oferecida no município de São Gonçaloe com a ajuda de uma atividade formativa promovida pela FFP/UERJ.

Falar de um curso de extensão nas vozes de seus participantes podeparecer uma prática já muito difundida, mas para nós, autores desse trabalho,se configura um grande avanço em nossa vida profissional. Sempre há umaprimeira vez e essa vem cercada de cuidados e expectativas. Somos como acoruja que nos espreita no CIEP, alerta, com seus ouvidos desenvolvidos,seus olhos aguçados, considerada pelos gregos como uma ave de extremasabedoria, para quem tudo o que se move e faz barulho chama sua atenção.

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Assim estamos nós, alertas e atentos para os progressos e percursosdesse curso. Trabalhamos autores como Freire, Piaget e Vygotsky, alémde outras várias leituras que nos possibilitaram organizar esse texto. Par-timos de uma visão mais geral de educação, de escola como instânciaformal do processo educativo, para relatar nossas práticas e comentá-lasà luz do que lemos e pensamos.

Para Pereira (2000), as relações entre o sistema educacional e o sis-tema econômico são profundas e ambas determinam o grau de avanço ouatraso nas nações. A evolução da educação está vinculada à aceleraçãoindustrial e econômica. O mundo necessita de pessoas com boa qualifica-ção, em que suas competências e habilidades estejam sendo usadas paranortear todo e qualquer processo de trabalho. Em um contexto geral, asrelações interpessoais vêm acontecendo quase instantaneamente, no coti-diano das pessoas neste mundo globalizado, porém a educação aindaanda a passos pequenos.

Lemos Freire (1996) e aprendemos que ensinar não é transferir co-nhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua cons-trução; aprendemos que não existe docência sem o discente, por isto odiscente é a única razão do docente estar ali. Ensinar exige rigormetodológico, e deve despertar no educando a curiosidade e capacidadecrítica. Aprendemos que ensinar exige pesquisa, não há ensino sem pes-quisa e pesquisa sem ensino.

Então pesquisamos nos livros e em lembranças de nossas vidas.

As maiores lembranças que tenho em relação aos primeiros conta-tos com a escrita foi quando comecei a estudar com professores quedavam aula em casa. Durante algum tempo estudei com a profª Solan-ge que me ensinou a escrever o nome e identificar as letras. Mais tardeestudei com a profª Marlene que me alfabetizou com a cartilha Sonhode Talita. Em casa sempre gostei de manter contato com livros, cader-nos, lápis e rabiscar folhas que apareciam. Meu pai me auxiliava nastarefas de casa e comprava vários livros de história para ler durante odia. No período de alfabetização, estudava as lições da cartilha Sonhode Talita, ainda recordo de alguns personagens da história e achavatudo muito engraçado. O processo de alfabetização não ficou registra-do de fato em minha memória, mas sei que a leitura e escrita acontece-ram ‘rapidamente’. Finalmente fui matriculada em uma escola oficialda rede municipal e fiz uma prova chamada prova de amparo; com issoconsegui vaga em uma terceira série no período da manhã. Ali come-cei outro processo no qual estou até hoje. 3

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Aprendemos também que ensinar exige respeito aos educandos, exi-ge criticidade, deixar de ser ingênuo e passar a ser crítico, mas no sentidode ser curioso, acompanhado da ética e da estética porque ética e belezaandam sempre de mãos dadas; aprendemos que ensinar exige dar vida àspalavras pelo exemplo, o professor que não consegue traduzir aquilo quediz em exemplos práticos, de nada serve o que ele fala. Então buscamosdar vida às nossas atividades.

Um exemplo marcante foi em relação a um aluno conhecido portoda escola onde trabalhei há alguns anos, como “aquele que atra-palha as aulas”, “é indisciplinado” e todos os dias era colocado parafora de sala. No ano em que foi meu aluno, era constantementeindagada sobre o motivo pelo qual o aluno não ficava mais fora desala. Eu achava incoerente a pergunta, visto que para mim, o corretoé ter todos os alunos em sala e não o contrário.

Para Garcia (2001),

Há na reflexão mais atual sobre educação certo consenso arespeito das condições políticas e metodológicas favoráveisà construção de um professor-autor: a possibilidade de re-fletir sobre sua prática, utilizando seu trabalho como campode pesquisa e entendimento das necessidades de transforma-ção; uma compreensão dos aspectos conjunturais aos quaisestá ligado seu dia-a-dia como professor; uma perspectivamultidisciplinar que lhe possibilite enxergar os limites tempo-rários de sua ação, assim como ampliar esses mesmos limitespela busca de interlocução e cooperação com outros traba-lhos. Entretanto, o que está em jogo é ainda mais que isso:está em questão aprender, no corpo-a-corpo, a lidar com astensões, com esse jogo de forças entre resistência e mudan-ça; ir encarnando, no trabalho, a concepção de que as in-tenções teóricas se produzem no jogo das relações entre pro-fessores e alunos, num processo de se constituir como figurade vinculação para a movimentação dos processos de auto-ria, estimulando a expressão e a produção dos alunos. (p.69)

Nossos questionamentos passam pela necessidade de respeitar nossosalunos, pelas dificuldades que algumas situações que nos são impostas nostrazem, o que nos leva a ter como opção um projeto coletivo que respeiteas individualidades, mas que dê conta da questão sobre nossos saberes nostornando capazes de atender nossos alunos em suas potencialidades.

Para Laranjeira (2000), “refletir sobre o saber dos homens é tomá-

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los por referências que se situem para além de um modelo botânicoou zoológico, como tão bem classificou Vygostsky, as perspectivas deanálise que pretendam nos ver como meras extensões dos vegetaisou animais.” (p.81)

O adulto tem sempre o desejo de ensinar e a criança tem tudo a apren-der. Mas será que o que o adulto deseja ensinar corresponde ao que acriança deseja? O importante não é saber o que se deve ensinar, mas comoela aprende, como constrói o seu conhecimento do mundo, uma vez que odesenvolvimento da criança é uma auto-construção, pois ela é autora deseu próprio desenvolvimento, já que vive e age em um contexto próprio. Eé nesse contexto, do qual o adulto faz parte, que os motivos ganham corpoe as atividades adquirem significado. Quando o ambiente é favorável e acriança é autônoma, ela se constrói por si mesma. O adulto deverá criar emtorno da criança confiança, diálogo e respeitar sua autonomia, o que sópodemos fazer se formos nós mesmos autônomos.

Tenho aprendido bastante com minha prática educativa. A diver-sidade de alunos, cada qual com sua realidade, me faz pensar, repensare criar alternativas para o aprendizado. Preciso descobrir o potencialque a criança tem, seu interesse, valorizá-la para conseguir trabalhar.Nem sempre é fácil, na realidade, na maioria das vezes é muito difícil.São muitas barreiras a romper. Devido a isso sinto a necessidade deestar sempre estudando e redescobrindo o meu caminho como profes-sora. Esse estudo pode ser formal, em um curso de formação continu-ada, ou através de leituras e discussão com colegas da área.

Aprendemos que ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição aqualquer forma de discriminação, o reconhecimento e a assunção da iden-tidade cultural, consciência de que nunca está acabado e sim que tudorecomeça; exige respeito à autonomia, bom senso, humildade, tolerânciae luta em defesa dos direitos dos educadores; exige também entender arealidade e não ficar alheio a ela, exige a convicção de que a mudança épossível, exige segurança, competência profissional e generosidade, exigecompreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo eexige liberdade e autoridade (FREIRE, 1996).

Durante minha prática pedagógica sempre busquei inovar, cons-truir e reconstruir a alfabetização, entendendo que a prática de alfa-betizar é entendida como prática cultural em contextos culturais esociais determinados e que não se completa nunca, pois envolve ní-veis de complexidades crescentes e assim vou caminhando e buscan-do entender que alfabetizar não é um processo linear. Que a escrita e

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a oralidade são interdependentes influenciando-se igualmente. Ten-do observado um grande crescimento na minha prática dealfabetizadora através da elevação da minha auto-estima e de tra-balhar minhas frustrações, angústias e questões durante a prática docurso “aprimorando nossa prática docente” através deste sabendoque a leitura de texto demanda leitura do contexto. Conscientização.

Aprendemos que ensinar exige tomada consciente de decisões, saberescutar, ser aberto ao diálogo, reconhecer que a educação é ideológica,querer bem aos educandos, e por fim exige alegria e esperança nos homensque fazem as leis deste país e na instituição família que apesar de tudo con-tinua sendo um porto seguro para aqueles que não entendem e não aceitamas violências praticadas por quem tem o poder e conseqüentemente a força.

Fomos educados em um paradigma reprodutor, que enfatizava a trans-missão do conhecimento já produzido. O salto qualitativo necessário pararever esse modelo imposto passa necessariamente por rever as práticas etrabalhar uma nova forma-ação. Falar de nossas histórias em muito con-tribui para o sucesso desse longo processo de aprender.

A minha prática se baseia nas necessidades observadas nos meusalunos. Tenho consciência que preciso caminhar com os teóricos pelosquais me identifico; Paulo Freire, Alicia Fernandez, Celso Vasconcellos,Vygotsky e outros. Tenho 20 anos de prática pedagógica que sereformula a cada período, porque nos meus primeiros anos de profis-são fui muito repetitiva, dura em minhas avaliações pedagógicas. Éclaro que estudando, me capacitando revi minha prática, busquei es-tratégias e metodologias mais adequadas ao aluno. Foi e ainda é umprocesso de ir e vir, de tentar descobrir, de pesquisar. Que no final decada ano letivo eu tenho consciência que fiz um trabalho melhor que oano anterior e que terei que me empenhar mais para a nova turma quevirá. Porque cada turma é uma turma, é um investimento profissional.

Para pensarmos sobre a relação entre o que estudamos na teoria e anossa prática diária, encontramos em Corazza (2002, p.66) uma boa con-tribuição. Diz a autora que

ao usar as teorias já existentes para operar com o seu objeto – eusar é a palavra-chave, ao invés de ‘aplicar’- o/a pesquisador/avai, aos poucos, reelaborando e teorizando a docência-pesquisade novo. Criando – ao menos em relação a seu objeto de pes-quisa-ensino – novas leituras e escrituras, novas significações e,claro, novas práticas.

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Tudo o que aprendemos com Freire e outros autores nos levou a pen-sar sobre o que fazemos e como fazer melhor e com alegria e competência.Sabemos que é crescente a discussão da mídia sobre o fracasso escolar e odesempenho deficiente do educador, embora algumas reportagens só falemparcialmente dessa realidade. Isso pode colocar em xeque toda a antigaformação de professores e a política de formação continuada existente.

Já é fato a percepção de que o sistema educacional brasileiro éexcludente e produtor de iletrados, sendo que a figura a ser culpabilizadapor esse fracasso é o professor. Nesse sentido, pensamos como alterna-tiva da universidade a esses impasses, oportunizar aos professores umaprofundamento teórico em direção à busca de respostas, abrindo assimum movimento permanente de formação e de pesquisa.

Minha prática docente é de muita pesquisa. Busco sempre um olharinvestigativo sobre o cotidiano escolar para desenvolver meu fazer-pedagógico, esse olhar me permite vivenciar vários pontos de encon-tro e vários pontos de contradição dentro do cotidiano escolar, e atra-vés desse leque busco uma melhor forma para desenvolver a autono-mia e criticidade dos meus alunos. Meu fazer pedagógico também estádiretamente ligado com o inconformismo, pois não me conformo como fracasso escolar, e também não aceito explicações que responsabili-zam o próprio aluno por seu fracasso. Gosto de agrupá-los de umaforma que potencialize a zona de Desenvolvimento Proximal e quandoum aluno acaba sua atividade peço a ele que me auxilie com os outroscolegas. Com essa prática, auxilio o desenvolvimento intelectual alémde proporcionar um ensino mais humanizado, e de companheirismo.

Leciono há 14 anos e sempre gostei do que faço. Iniciei comoprofessora de educação infantil e hoje atuo como coordenadora pe-dagógica neste município. No decorrer do trabalho sempre procuroconstruir através da idéia de grupo, pois acredito que uma escoladeve funcionar em equipe uma vez que estamos juntos por uma edu-cação de qualidade. Temos sempre que pensarmos que podemos fa-zer bem e cada vez melhor, não pelos outros, mas pelo que vai levarem minha bagagem.

Zeichner (...) diz que

deveríamos continuar a lutar, na formação de professores e naeducação em geral, para uma contribuição que nos ajude acaminhar para mais perto de um mundo onde o que desejamos

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para nossas crianças seja também válido para as crianças detodos os outros”. (2002, p.50)

Como em nosso CIEP 045 Porto do Rosa, o corpo docente abriu umespaço semanal de reflexão sobre sua prática dentro do horário do planeja-mento, vimos na literatura estudada e em nossos depoimentos a importânciados espaços de formação continuada.

Reconheço que se tornou imprescindível a formação continuada paraobtenção de uma prática pedagógica eficaz e produtiva. A necessidadede atualização de reflexão, de prática com outros profissionais, com teó-ricos nos dá condições de pleitear melhores condições de trabalho, mate-riais didáticos adequados a realidade e necessidade do alunado. O queseria se fosse ao contrário? Uma instituição maravilhosa, equipada comprofessores não capacitados. Mas ainda encontramos profissionais quevêem a formação continuada como uma forma de conseguir carga ho-rária para engrossar o salário. A formação continuada tem inúmerascontribuições para todos os envolvidos com a educação, porém aqueleque efetivamente recebe todos os seus benefícios, sem dúvida é o aluno.

Concordamos que o processo de estruturação da formação continua-da deveria ter como procedimento analisar a escola dentro dos requisitos: acomunidade escolar e seu entorno e os objetivos de cada professor atuante.

Acredito que o curso de formação continuada seja de grandevalia para nós seres humanos, uma vez que seja abraçado pelo cursistae o mesmo esteja pronto a trocar prática e experiências vividas. Comoo nome já diz: Formação continuada, continuaremos nos formandoe assim aprimorando nossos estudos e compartilhando nossas expe-riências. Durante minha trajetória profissional tenho participado deformações continuadas e sendo até mesmo tutora de alguns cursos.Sempre que possível estou me envolvendo em atividades que venhamsomar no meu dia-a-dia e este curso tem me feito pensar cada diamais o ato de ser professor/educador e que alunos quero formar.

O curso de formação continuada proporciona aos educadores o for-talecimento do trabalho coletivo onde os acertos e os erros estão empermanente diálogo. As discussões sobre o cotidiano escolar estão empermanente diálogo com a teoria e com o curso pude perceber que ateoria deve ser utilizada como instrumento na construção de meios quepossam nos levar a compreender questionamentos que nos angustiam.

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Segundo Paulo César Géglio (Revista Nova Escola, ANO XXIII, nº216, p.55), “o professor precisa ter acesso às pesquisas das didáticasespecíficas para, então, adaptá-las ao seu cotidiano”. Seguindo esseprocesso, a prática pedagógica estará vinculada a uma atuação renovadae dinâmica que busca como meta uma constante reflexão sobre o que ecomo estamos fazendo.

Entende-se que nos processos de formação não se deveria ape-nas buscar a transformação de classificações baseadas no sen-so comum, em classificações elaboradas com base em teoriaspresentes no campo pedagógico, mas sim discutir também aspróprias classificações e tipologias produzidas pelas teorias pe-dagógicas [...] seria fundamental que a pesquisa em educaçãovoltasse seus olhos para esses processos de classificação gera-dos pelas teorias pedagógicas, para desvendar a forma comosão constituídas as relações de poder que os estruturam e ashierarquias que estabelecem (SANTOS, 2002, p.96-97).

Nossa maior tarefa em conjunto foi formar um grupo que pergunta com aconsciência freireana do inacabamento das tarefas a que nos propusemoscomo ensinantes: formar pessoas. Para Bolzan (2002) “o professor reflexi-vo aprende a partir da análise e da interpretação da sua própria ativida-de, constrói, de forma pessoal, seu conhecimento profissional, o qualincorpora e ultrapassa o conhecimento emergente institucionalizado.”(p.16-17). Falamos assim de nossas práticas de forma construtiva e reflexiva.

Sou professora da rede pública há dez anos e seis anos de experiên-cias na rede particular (ensino fundamental). Durante este período,tenho desenvolvido minha prática em torno de várias experiências comos alunos, experiências essas que tem sido de grandes desafios. Osalunos são grandes colaboradores para que o processo de ensino apren-dizagem se fortaleça em minha prática. O curso tem contribuído bas-tante em minha atuação em sala de aula. Neste período pude cami-nhar e modificar algumas práticas pedagógicas que tem enriquecido omeu trabalho com os alunos. A cada encontro com o grupo tenho oprivilegio e a oportunidade de refletir, contribuir e adquirir novas ex-periências como professora.

A partir da contribuição trazida pela leitura de Goulart (2007), emtexto falando da organização do trabalho pedagógico nos anos iniciais doensino fundamental, pensamos que a cada ano recomeçamos nossa açãoeducativa com novas crianças e adolescentes em um mundo em constante

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mudança. Daí a necessidade de estudo contínuo, demandando atualiza-ção e revisão de nossas práticas de forma constante e efetiva, através deformação continuada e de trabalhos de atualização e reflexão permanentes.

Se antes existia um pensar a situação de sala de aula como estáe o que pode ser trabalhado, hoje existe uma tentativa de análisesobre os motivos pelos quais a situação se apresenta como tal e deque forma é possível mudar. Não sei se a expressão é a que melhordefine esse sentimento, mas parece que antes existia compromisso eresponsabilidade e agora começa a existir também o envolvimento.E, confesso que estar envolvida com crianças de 5 anos de idade deuma comunidade carente é tão doloroso quanto gratificante.

O curso constituiu-se num espaço de reflexão e trocas, buscando amelhoria das condições de trabalho docente e fortalecendo a prática co-tidiana. Destacamos a importância de proporcionar aos professores umavivência permeada pela ação-reflexão-ação (TARDIF, 2002), onde oquestionamento seja um aspecto precursor de novas práticas cotidianas.Com encontros semanais, norteados pelo movimento de reflexão da di-nâmica pedagógica, os professores fazem leituras prévias para os encon-tros, e a partir delas são discutidas as questões pedagógicas vivenciadaspelos mesmos. As questões e as experiências são problematizadas, pro-piciando uma ampliação da percepção de si e de sua prática,instrumentalizando o agir criticamente em nosso cotidiano. Dessa forma,os professores se fortalecem como sujeitos e como profissionais.

Encontramos nas palavras de Lacerda (2002, p.79) um reforço ànossa vivência conjunta de aprendizagens e experiências:

Atualmente compreendemos que o investimento no paradigmada professora pesquisadora pode contribuir para que aprendamoscontinuamente umas com as outras, em meio às nossas práticas.Em nosso trabalho junto às crianças, no compartilhamento comas outras professoras e mediadas por referências teóricas queconsideramos significativas, vamos nos desenvolvendo profissio-nalmente e nos distanciando de qualquer concepção que pretendanos traduzir como executoras de idéias alheias.

O diálogo se torna o fio condutor e alimentador de novas formas defazer e de pensar, desvelando os pontos encobertos pelo senso-comum.Identificamos em alguns encontros a dificuldade de alguns professoresmigrarem do senso-comum para o crítico reflexivo, mas apesar dos em-

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pecilhos, o movimento de pensar e discutir favorece a superação destemodo apriorista de conceber as coisas.

Buscamos, nos encontros, desnaturalizar a concepção de que a salade aula é apenas um espaço de ação, conforme Esteban e Zaccur (2002,p.17) “como se agir desobrigasse o pensar”. A dinâmica reflexão-açãoé constante, “em que a prática atualiza e interroga a teoria, que porsua vez interroga e atualiza a prática”. (p.18).

Esse espaço de formação continuada foi permitindo aos professoresuma imersão nas discussões teóricas atuais. Alguns temas trabalhados fo-ram: ensino-aprendizagem, construção de conhecimentos, autonomia eprofissionalidade docente, através da articulação com autores como Pau-lo Freire, Piaget, Vygotsky e outros, além do contato com autores con-temporâneos como Nóvoa, Diniz-Pereira, Pimenta, colaborando assimpara uma conscientização dos dilemas presentes no cotidiano escolar e abusca de caminhos.

Os professores possuem experiências diversas vivenciadas em seucotidiano escolar e não escolar, um verdadeiro turbilhão de informações,como bem expressam Tardif, Lessard e Lahaye (1991), destacando acomplexidade do saber docente da experiência e seu caráter plural, “es-ses saberes não provêm das instituições de formação ou dos currícu-los, esses saberes não se encontram sistematizados no quadro de dou-trinas ou teorias: eles são saberes práticos e não da prática, eles nãose aplicam à prática para melhor conhecê-la, eles se integram a ela esão partes constituintes dela enquanto prática docente”. (p.228)

O cotidiano impede, muitas vezes, que o docente veja a si mesmo e asua prática compreendendo que ele também faz parte da problemática es-colar. Dessa forma, o curso promoveu dinâmicas que permitiram que osprofessores tenham um olhar reflexivo e analítico, evidenciando os pontosque os afligem e também se auto-conhecendo. Esse relato corrobora a tesede que a formação do professor se inicia anteriormente à universidade eprossegue durante toda a vida profissional e do entrelaçamento do “eu pes-soal” com o “eu profissional”. (JOSSO, 2002). Em suma, o curso promo-veu, através de nossos encontros semanais, reflexões sobre nossa práticapedagógica cotidiana e estudos acerca do processo de ensino-aprendiza-gem, nos auxiliando a re-estruturarmos pensamentos e ações, levando-nosa sermos mais livres intelectualmente e condutores de nossas práticas.

Referências bibliogáficas

BOLZAN, Dóris. Formação de Professores: compartilhando e recons-truindo conhecimentos. Porto Alegre: Mediação, 2002.

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Notas

1 *Professoras do CIEP municipalizado 045 Porto do Rosa.** Bolsista PIBIC/CNPq FFP/UERJ (2008).*** Professora Adjunta FFP/UERJ / Coordenadora do Curso de Extensão.2 Escola envolvida com o Prodocência/FFP, como campo de estágio e com profes-soras participando dos encontros na FFP.3 Todos os depoimentos foram colhidos durante o processo do curso de extensãoe selecionados pelos autores do texto.

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ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL NA ERA DOS DIREITOS

Estela Scheinvar1

Introdução

O projeto “Estatuto da Criança e do Adolescente: dispositivo deintervenção na área da infância e da adolescência/ECA:DIADIA” vemsendo desenvolvido por uma equipe de pesquisa na Faculdade deFormação de Professores de São Gonçalo (UERJ), orientando-se aproblematizar a relação entre a escola e o conselho tutelar. Para tanto,têm sido realizadas entrevistas com diferentes segmentos que compõem aescola2. Neste texto são apresentadas falas de estudantes e de profissionaisde escolas de Ensino Fundamental do município de São Gonçalo.

Os estudantes foram entrevistados na porta de escolas, na medidaem que saiam ou entravam. A pesquisa foi apresentada a eles de formabreve e quando manifestavam estar de acordo com colaborar respondiama questões que foram gravadas, quando o permitiam. As perguntas quenortearam o diálogo foram: 1) Qual a sua idade e a sua série? 2) O quevocê acha do conselho tutelar? 3) Como é o conselho tutelar para você?4)Você conhece seus direitos? 5) Quais são os seus deveres? 6) Vocêconhece alguem que tenha ido para o conselho tutelar? Em caso positivo,por que foi? A partir dessas questões que nos interessavam explorar, odiálogo foi aberto para que se expressassem livremente.

De maneira geral havia, por parte dos estudantes, tanto o interesse emconversar, quanto certo constrangimento em face de perguntas que pareciamser-lhes inusitadas. Pensar os direitos e deveres foi um exercício que lhessurpreendeu. Parecia “não terem pensado sobre o assunto...” ou, quemsabe, não terem pensado que este assunto pode ser pensado ou que tenhaa ver com eles. Apenas existe. Em relação ao conselho tutelar, havia certainsegurança em declarar alguma aproximação a esse estabelecimento, pelacarga punitiva com que é referido. As falas eram cuidadosas para que nãofossem confundidos com “aqueles que vão ao conselho tutelar” ou para queficasse claro que, se eles tivessem ido, teria sido por algo pontual, como umprocesso administrativo, e não por sua conduta.

Os trabalhadores da escola, diretores, coordenadores, supervisorespedagógicos e alguns professores foram abordados com muita dificuldade:marcar um horário e uma vez marcado, estarem disponíveis para serementrevistados, foi uma tarefa árdua e prolongada. Idas e vindas sem que

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os bolsistas fossem atendidos, ampliaram o cronograma originalmenteplanejado e impediu que estendêssemos as entrevistas a trabalhadorescom outras funções e a mais professores, que sempre estão ocupados emturmas e correndo no horário da saída.

A entrevista aos trabalhadores não contava com perguntas fixas, mascom uma apresentação da pesquisa, a partir da qual se pedia que falassemsobre a relação entre a escola e o conselho tutelar. Os entrevistadoresiniciavam o diálogo pedindo que a escola fosse apresentada ou perguntandoa opinião sobre a criação do conselho tutelar. A partir das respostas dosentrevistados, dava-se continuidade à conversa. Portanto, alguns serestringiram à relação que têm com o CT, havia os que falavam da relaçãode seus colegas ou de outras escolas com o CT e outros, ao falar do CT,abordavam mais a relação da escola com os alunos e suas famílias. Taisentrevistas – fontes primárias da pesquisa – nos mostram como as práticassociais têm efeitos diversos, apresentados pelos entrevistados,espontaneamente, por meio de temas como: família, criança, adolescente,escola, conselho tutelar, violência e negligência.

As falas aqui registradas são discutidas como experiências de vida enão como discurso enquadrado em parâmetros de verdade. Longe dapretensão de julgar a vivência dos segmentos da escola que foramentrevistados, as respostas tornaram-se analisadores das relações produzidascom o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um analisador, comoproposto pela análise institucional. Uma relação entendida como umaprodução histórica, por meio da qual as linhas, os movimentos, os interessesque a produzem são colocados em análises. Referir as falas como analisadoresé uma forma de desconstruir os determinismos acusatórios e mergulhar nosatravessamentos concretos, valorizando a vivência dos entrevistados aotorná-la uma forma de rastrear processos que produzem as relações em suasingularidade e não como padrão ou norma.

Portanto, não há a possibilidade do normal ou do desvio, de erro ouacerto, mas colocam-se em análise relações de poder produzidas a partirde dispositivos criados com uma lei muito valorizada no contexto daabertura democrática no Brasil em fins do século XX, após anos ditatoriais.O ECA, como toda lei, é um instrumento de exercício de poder e os seusefeitos se fazem sentir nos diferentes âmbitos da vida diária de crianças eadolescentes, sobretudo na escola, a qual tornou-se, para os que têmidade entre os 6 e os 14 anos, uma obrigação.

Contrariamente ao uso corrente do conceito “poder”, Foucaultfrisa não tratar-se de uma coisa, de uma instituição, de um lugar, masde uma relação:

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O poder (…) não é algo que se possa dividir entre aqueles queo possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não opossuem e lhe são submetidos. O poder deve ser examinadocomo algo que circula, ou melhor, como algo que só funcionaem cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nasmãos de alguns, nunca é apropriado com uma riqueza ou umbem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas,os indivíduos não só circulam, mas estão, sempre, em condiçõesde o exercer e de sofrer a sua ação: nunca são o alvo inerte ouconsentido do poder: são sempre centros de transmissão.”(FOUCAULT, 1985, p.142)

A fala de estudantes ou de trabalhadores da escola, quandoperguntados sobre a relação central ao Estatuto da Criança e doAdolescente, qual seja, a garantia de direitos, é uma experiênciaatravessada por relações de poder. Não porque alguém “superior” lhesdiz o que é um direito, mas porque a sua experiência em relação ao que éa garantia de direitos faz deste conceito uma realidade, uma forma devivê-lo, uma concepção concreta, uma produção tão verdadeira comoqualquer outra, sem submetê-la a hierarquias desqualificadoras.

Uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre doiselementos que lhe são indispensáveis para ser exatamente umarelação de poder: que “o outro” (aquele sobre o qual ela seexerce) seja reconhecido e mantido até o fim como o sujeitode ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo umcampo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis(FOUCAULT,1984, p. 14).

Como campos abertos pelas respostas, são apresentadas a seguiralgumas análises a partir das entrevistas realizadas. Não são sentenças, nãosão juízos, mas possibilidades interpretativas e a continuidade de um diálogoestabelecido no momento em que as entrevistas foram feitas, mantendo asprovocações que elas possam vir a produzir em cada um dos seus leitores.

O direito como dever

Uma das questões levantadas pelas entrevistas aos estudantes foi oque se entende como direito: o que é? Se eles têm direitos? Se a ideia dedireito lhes diz respeito? Ou seja, interessava à pesquisa saber o quesignificava esse conceito central ao Estado brasileiro contemporâneo; seeles encontravam alguma associação entre tal e o campo de suas

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experiências cotidianas; se o relacionavam ao Estatuto da Criança e doAdolescente e, em particular, se localizavam o conselho tutelar como umequipamento social relacionado aos direitos.

De maneira geral as respostas mostravam conhecer o termo, masmostravam, também, uma grande dificuldade de relacioná-lo com a suavida. Seja por não terem conseguido localizar a presença de direitos emsuas relações, por considerar que o que é chamado de direitos está longede suas expectativas ou que os direitos indicam problemas deles – dosentrevistado – por serem eles os que têm que produzir/merecer tais direitos,o fato é que este foi um tema pouco instigante ao diálogo. De forma sucinta,mas contundente, as respostas nos botam a pensar. Desnaturalizam aidealização dos direitos como uma grande conquista. Pelo menos no quese refere à vivência que os entrevistados relatam.

“- Não!” Esta a resposta recorrente dos estudantes quando perguntadosse têm ou conhecem os seus direitos. Ao afirmar que sabe o que é um direitoe dizer que seus direitos não são respeitados, um jovem estudante de umaescola municipal de São Gonçalo argumenta: “pobre não tem direito não.Só quem tem dinheiro”. Para além de um discurso igualitário sustentado noECA, a vida diária daqueles aos quais se destina o discurso do direito amploe universal, daqueles que não têm as suas condições de vida garantidas e lhessão prometidos novos dispositivos de igualitarização, não conhece essacondição oferecida pela retórica liberal. Não se trata de repetir um discurso,de decorar uma sentença, mas de perceber cotidianamente qual a ressonânciade uma lei em nome da qual se produzem estruturas, se intervém nas famílias,se enquadram crianças e jovens em escolas.

Com clareza um estudante responde à questão: “- Dentro da escolavocê não sabe seus direitos e seus deveres?” “-Não. Eu, como sourepresentante de turma, [...] tenho que, sei lá, organizar a turma,fazer o que o inspetor mandar, os diretores, o auxiliar a turma...”Dever, direito e obediência se amalgamam em uma relação de submissãoe enquadramento. O ideal abrangente e quase libertário anunciado com apromulgação do ECA retrai-se a um contrato rotineiro: “E quais são seusdireitos?” – perguntamos – “- Fazer dever” – responde outro estudante.Direito é uma palavra pouco íntima, distante, que associada ao deveradquire concretude: “-Quais? Como assim? O que devo fazer ou queeu não devo fazer? [...] De escola é não xingar dentro de sala, nãopode usar boné na escola. Em casa eu tenho que arrumar todo o diaa casa, coisa que é um saco isso. Que mais? Sair de casa todo diauma hora para vir para a escola. Mais? Só isso?”

“-...tenho que fazer dever na escola, obedecer a professora, fazertudo o que tem direitos, mas respeitar a professora, os diretores, tem

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que fazer o que é regra e em casa tem que [...] arrumar a casa, obedecera mãe, o que a mãe pedir ajudar...” “Fazer tudo o que tem direitos...”[sic] é a ideia do direito associado ao merecimento, à correspondênciacomportamental. Os direitos convertem-se em prescrições, atribuídas deacordo com o merecimento. Longe da ideia de conquista, as respostas paraa relação de direitos é de enquadramento e obediência.

O direito é um enquadramento legal e ao não se estar enquadrado emcertos modelos de comportamento, de vida, seja na escola, na família, ouno mundo em geral em que os estudantes se relacionam, eles acabamsendo responsabilizados por suas formas de vida. Não respeitados,apoiados, mas advertidos, ameaçados. Por este prisma, soa lógica aresposta a respeito de “direitos e deveres”: “- ah, não faço bagunça.Não chego em casa tarde, só.”

Quando a noção de direito é associada à prestação de serviços, estase relaciona a serviços necessários para cumprir obrigações, como “ir àescola”, “estudar” ou “ter riocard3”. De fato, a escola é o único serviçopúblico ao qual a maioria das pessoas tem acesso, sendo que a frequênciaa ela é um dever, ou seja, não é opcional entre os 6 e os 14 anos, deacordo com a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional. Direito e dever estão associados. Apenas uma falasai da dimensão da obrigação e associa o direito a reivindicações:

-melhorar a qualidade, porque isso ta uma porcaria só....isso daí não é tudo de bom não, isso daí não é bom não.... É a infra-estrutura, uma iluminação na quadra, ventilador,porque ta ruim, querer só o melhor para a escola porqueisso aí não presta. Ainda bem que eu vou sair daí mesmo.

De forma isolada um estudante apresenta os direitos de formacombativa: “- Ah, você poder falar e poder discutir [mesmo] se vocêestiver certo ou errado; você ter condições de lutar pelo que vocêquer sem ter discriminação por causa de sua idade e nem nada.”

A disciplina tem sido discutida, sobretudo a partir dos estudos deFoucault (1987), como um dispositivo fundamental à “fabricação” do queeste autor chama “corpos dóceis”. Conforme expõe com detalhamentoem sua obra Vigiar e Punir, a disciplina contribui à dominação “aumentandoas forças do corpo em termos econômicos de utilidade, e diminuindo essasmesmas forças, com fins políticos de obediência às regulações e normasdo aparelho do Estado” (p. 127). A normalização é o enquadramento pormeio de subjetividades subalternas, fazendo com que inclusive os direitossejam reconhecidos como obrigações de cada um e não uma condição a

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ser reivindicada. Em uma lógica privada, o direito é parte de um mercadocirculante ao qual alguns têm acesso. Nunca é para todos. A desigualdadese naturaliza. O acesso a bens e serviços é incorporado como umapossibilidade subordinada aos méritos, ao comportamento, aos recursosparticulares. A escola também é vivida nesta perspectiva, segundo a qualpara se estar nela tem que se ter um comportamento adequado, mas comotodos têm o dever de estar nela, não há opção, senão de comportar-se. Adisciplina – condição indispensável para se estar na escola –

(...) classifica os indivíduos em categorias, designando-os porsua própria individualidade, prendendo-os à sua própriaindividualidade e lhes impondo uma lei da verdade que devemreconhecer e os outros devem neles reconhecer. É uma formade poder que transforma indivíduos em sujeitos. A palavra“sujeito” tem dois sentidos: sujeito submisso à outrem por controlee dependência, e sujeito atrelado à própria identidade devido àconsciência ou conhecimento de si (FOUCAULT, 1984, p. 5).

De acordo com as entrevistas, o único direito que os estudantesreconhecem é o direito de ir à escola. Com uma exceção, do estudanteque reconhece como direito poder se expressar, os demais desconheciamtal relação ou a restringiam a seus comportamentos. Neste segundo caso,o comportamento, o “bom” comportamento foi a resposta dada quandose perguntava sobre o direito simultaneamente aos deveres. Ou seja, odever é claro, o direito também: é o seu dever.

Longe de pensar que não há direitos ou que afinal, as pessoas têmque ser “melhor informadas” (para o que sempre recomendam-secampanhas informativas/formativas) as práticas, como objetivações deenunciados - nos termos de Paul Veyne (1982) - apresentam as relaçõesproduzidas. Não há erro na fala dos estudantes, há experiências, vivênciase a vida nunca é errada; ela é. Pensar no liberalismo como lógica de mercado,como possibilidade de acesso a bens, tendo a desigualdade como condiçãode existência, contribui a entender no peso que tem a obediência para ocapitalismo poder funcionar. Direito é a enunciação de uma tensãoprovocada pela necessidade de lutar, reivindicar, uma relação ou um serviçoque não está dado. Mas como lutar se associado ao direito está o dever,o qual, segundo a pesquisa realizada, prevalece? Será que o ideal liberalde garantia de direitos é um incentivo à luta, à participação, à mobilização?Que elementos oferece o cotidiano escolar – sendo a escola o direitomais reconhecido pelos estudantes – para que se reivindique e se disputemespaços de exercício de poder em favor da garantia dos direitos?

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Tensões cotidianas entre a escola e o conselho tutelar

A partir da fala das entrevistadas (todas mulheres) pode-se dizer queos trabalhadores da escola consideram necessária a existência do conselhotutelar. Em nenhum momento falam em direitos, mas defendem a existênciadesse equipamento social para intervir nas famílias e controlar os estudantes.As demais possíveis atribuições do CT sequer são tocadas e o seudesempenho é avaliado pelo retorno que dá à escola no que ela demanda.Nesse sentido, uma orientadora educacional diz que “a lei é necessária,o conselho tutelar é necessário, embora não contemple exatamente ademanda da escola. Mas infelizmente, é melhor que nada...”.

Há uma decepção em relação às expectativas criadas com a implantaçãodos conselhos tutelares, expressa em uma ideia comum a muitas entrevistas:“a escola procura assim, no máximo, resolver os problemas usando aprópria estrutura escolar. [...] a gente, quando tira o problema da escola[referindo-se ao fato de encaminhar algumas situações para o conselho tutelar]é porque não tem mais nada a se fazer. ... a orientação é até que a gentemande [para o conselho tutelar], mas nós não mandamos até porque agente não confia no conselho” (orientadora educacional). As respostasdeixam claro que a escola não sabe o que fazer com muitos dos seus usuários.Famílias e estudantes a surpreendem, sem que tenha respostas a lhes dar.Nesse momento o CT é acionado, mas o retorno não satisfaz. Do erro aomal entendido as opiniões se dividem. Há os que acreditam que o conselhotem que “orientar nossas crianças que estão muito perdidas”, masquando encaminham os estudantes consideram que o CT não atuadevidamente, pois como diz uma entrevistada a partir de um encaminhamentofeito pela escola, “o conselho tutelar não deu jeito...”.

O que é dar jeito? – Poderíamos perguntar. O que se encaminha aoCT? Quais as questões presentes na escola que nem ela, nem o CT,conseguem enfrentar? Os relatos apontam para uma preocupação agudacom agressões e comportamentos morais no campo da sexualidade ou daaproximação/convivência dos estudantes com grupos de jovens queparticipam da venda de drogas. Os trabalhadores da escola acusamsistematicamente não serem respeitados e buscam auxílio no conselho tutelar.Assim como os estudantes entrevistados entendem o direito como algorelacionado ao seu bom comportamento, os gestores da escola tambémreferem ao CT na busca de apoio em relação ao comportamento dos alunos.Os direitos são entendidos como uma relação da ordem comportamental.Portanto, apenas são possíveis com o enquadramento dos sujeitos de direitos.

Na demanda acalorada dos trabalhadores da escola em relação aocomportamento dos alunos emerge como elemento fundamental para a

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mal-formação destes, a família. A grande preocupação é com o Estatutoda Criança e do Adolescente, com o qual uma diretora de escola discorda,pois com ele “os pais agora depositam os alunos na escola achandoque a escola tem todo o dever de resolver todos os problemas dofilho”. O auxílio é solicitado ao CT, precisamente por considerar que nãosó a família não educa devidamente, mas que ela precisa da intervençãodo conselho. Algumas famílias e alguns de seus filhos não cabem na escola.

Trabalhadores da escola recorrentemente dizem que há algunsestudantes que não têm espaço nesse serviço. Alguns estudantes tampoucose sentem à vontade de ir à escola. Consideram-na um dever impostopela lei, que eles têm que cumprir. Como sustentar, então, o discurso daescola para todos? Como, se os que estão na escola, gerindo-a ou comousuários de um serviço, não encontram nela possibilidades para esseencontro universal imposto por uma lei?

A escola tornou-se legal e socialmente um imperativo em nome daliberdade de todos, apenas conquistada por meio de condições de auto-sustentação, ou seja, quando se tem recursos para ser livre. A escola éidealizada como um passaporte à liberdade, seja porque de 6 a 14 anos éobrigatória, seja porque há um discurso que sem um certificado escolarnão se tem acesso ao mercado de trabalho formal, apesar das evidênciasempíricas de que não qualquer escola, não qualquer escolarização oferececondições adequadas para consumir a liberdade. A escola tem que acolhera todos, mas ela, com as suas práticas cotidianas, não mostra interesse ounão tem capacidade de acolher a maior parte dos estudantes. Algunsaceitam a sua disciplina com maior ou menor resistência, mas outros arecusam de forma frontal, afirmando não fazer sentido, para eles, aquelelugar. As práticas cotidianas da escola, de sua parte, também deixam claroque algumas pessoas tampouco fazem sentido para a escola. Mas não háopção: são obrigados a estar lá por lei.

O CT é procurado para salvar a escola de situações com as quais elanão sabe lidar. Situações que, pedagogicamente, o CT não tem nada apropor, mas apenas fazer o que a lei indica: manter crianças e adolescentesna escola. É frequente e radical a queixa do CT ter obrigado a escola amanter um estudante, quando se esperava a sua ajuda para expulsá-lo.Esta parece ser uma expectativa recorrente das trabalhadoras da escolaentrevistadas, em face de falas como esta: “eles querem que a gentefaça o que eles estão dizendo, mas assim, ameaçando você... Só se agente deu azar que todas às vezes pegamos um conselheiro que agedessa maneira truculenta”.

O conselheiro, de sua parte, utiliza-se do recurso que justifica a suaexistência e fundamenta a sua prática: a lei. A lei é um dispositivo de exercício

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de poder próprio da sociedade liberal, da sociedade que age em nome daliberdade de todos. A lei é a afirmação de disputas e opera por meio dapunição. É um desafio pensar, a partir das falas dos que frequentam aescola, outras possibilidades a serem construídas, em um contexto emque a ameaça, a determinação universal, as acusações, apontam para arecusa da escola de parte a parte: dos estudantes que são obrigados aestar nela, dos trabalhadores que não têm nenhuma proposta pedagógicapara os estudantes para os quais o trabalho da escola não faz sentido e doconselho tutelar que se recusa a investir nas singularidades sem repetirdiscursos padronizados que têm como efeito a ampliação das tensões.Não se trata de um complot ou de um voluntarismo, mas de uma concepçãode vida sustentada no enquadramento legal, judicializada.

Como pensar a escola sem a rejeição a formas de ensinar, formas deviver, a padrões morais, enfim, a modos de existência cotidiana e profissional?Será que a lei é a saída? A norma? Nela se investiu no contexto da aberturademocrática no Brasil, mas o pensamento jurídico age sobre a prestação deserviços por meio da coação, sem pensar nas implicações da execução doprincípio universal de acesso à escola para além da execução legal.

Em nome da liberdade criam-se novas leis que, em palavras de Foucault,“consomem liberdade” como razão governamental. A noção de liberdade éum estímulo para a produção de novas legislações, sempre esperançosas,que operam pela ampliação das intervenções governamentais, “que serão agarantia da produção de liberdade de que se necessita, precisamente, paragovernar” (FOUCAULT, 2008, p.88). A escola como espaço de governoapresenta com clareza os efeitos de ordens legais impostas sem um trabalhocotidiano, singular, entre trabalhadores e usuários do serviço escolar. A sançãolegal tem contribuído à ampliação das tensões. Sair do enquadramentonormativo é uma perspectiva possível, operando por meio de análises emque as implicações coletivas sejam o material didático fundamental aofuncionamento cotidiano da escola. As tensões presentes na escola têm queser discutidas e abordadas por dentro da escola. Não por cima, nem apesardela, mas com ela.

Referências bibliográficas

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 1985.———. O Poder e o sujeito. DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul.In: Dois ensaios sobre o sujeito e o poder. Paris: Gallimard, 1984.———. Nascimento da Biopolítica. Rio de Janeiro, Martins Fontes,2008.

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———. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 2. ed. Petrópolis: Vozes,1987.VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história: Foucault revolucionaa história. Brasília, UnB, 1982.

Notas

1 Socióloga. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Educação e doPrograma de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana. Faculdadede Formação de Professores de São Gonçalo – UERJ. Socióloga do Serviço dePsicologia Aplicada - UFF. Coordenadora do Projeto ECA:[email protected] As entrevistas foram realizadas pelas bolsistas do projeto. Entrevistaram ostrabalhadores da escola Alan dos Santos, Aline de Mello Dias, Mariana Cardosode Melo, Roberta Machado de Sousa e Sabrina Diamantino, no ano de 2008. Osestudantes foram entrevistados por Tailane Rodrigues ePaula Luciana no ano de 2009.3 “Riocard” é o nome do cartão eletrônico ao que os estudantes da rede pública doestado do Rio de Janeiro têm acesso para frequentar a escola.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS REAFIRMAMIDENTIDADES NO COTIDIANO ESCOLAR

Luciana Santiago da Silva (FFP/UERJ/PIBIC-UERJ)Regina de Fátima Jesus (FFP/UERJ)

Este trabalho busca visibilizar práticas pedagógicas de professores/as da rede pública do município de São Gonçalo. Essas práticas vêmsendo evidenciadas a partir da pesquisa Micro-ações afirmativas nocotidiano de escolas públicas do município de São Gonçalo. Noprocesso da pesquisa vem sendo coletadas narrativas orais acerca depráticas pedagógicas voltadas à transformação da realidade de racismocom a qual ainda convivem os educandos afrodescendentes.

1- A tessitura da trama pesquisada

Este é um trabalho que busca dar visibilidade às práticas pedagógicasde professores/as da educação básica pública do município de SãoGonçalo. Essas práticas pedagógicas vêm sendo evidenciadas a partir dapesquisa denominada Micro-ações afirmativas no cotidiano de escolaspúblicas do município de São Gonçalo1, da qual faço parte como bolsistade Iniciação Científica. No processo de pesquisa vem sendo coletadasnarrativas orais acerca de práticas pedagógicas voltadas à transformaçãoda realidade de racismo com a qual ainda convivem crianças e jovensafrodescendentes na sociedade brasileira e, por conseqüência, noscotidianos escolares por nós pesquisados.

As narrativas orais de professores/as revelam micro-ações afirmativascotidianas (JESUS, 2004), consideradas ações de caráter anti-racistaoriundas das práticas pedagógicas de professores/as da rede pública deensino, que se realizam no espaço micro das instituições escolares, visandopossibilitar referenciais de identificação às crianças e aos/às jovensafrodescendentes. Desse modo, as práticas pedagógicas dos/as professores/as ao possibilitar referenciais de identificação, ajudam os/as educandos/asafrodescendentes a reafirmarem suas identidades etnicorraciais.

Por compreendermos a importância da oralidade nos aproximamosda Tradição Oral Africana (BÂ, 1982), que se alicerça na iniciação e naexperiência compreendendo que nada está dissociado, todas as dimensõesda vida se entrelaçam numa unidade complexa em constante re/construção.Dessa forma, as narrativas orais dos nossos depoentes não se dissociam

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de suas histórias de vida e profissão trazendo à tona o presente e o passadoque se fundem para trazer a memória e com esta, pistas para compreensãoda realidade pesquisada.

A tradição oral é a grande escola da vida, e dela recupera erelaciona todos os aspectos. Pode parecer caótica àqueles quenão lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidadecartesiana acostumada a separar tudo em categorias bemdefinidas. Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e omaterial não estão dissociados. (...) Ela é ao mesmo temporeligião, conhecimento, ciência natural, iniciação à arte, história,divertimento e recreação, uma vez que todo por- menor semprenos permite remontar à Unidade primordial. (BÂ, 1982, p. 183).

A tradição oral africana não se pauta na lógica cartesiana da sociedadeocidental que separa, fragmenta as partes para compreender o todo, paraela todas as dimensões se entrelaçam, todos os elementos se fundemtrazendo a totalidade (JESUS, 2004). Desse modo, para se compreendera complexa trama da realidade do cotidiano escolar gonçalense, constituídopor educandos majoritariamente afrodescendentes, a opção pela tradiçãooral africana se explica, compreendendo que esta é uma das raízes quenos constitui como brasileiros.

Assim, estudar o cotidiano escolar e, consequentemente a educação,que como os recursos econômicos produzidos nessa sociedade, édistribuída de forma desigual, se torna uma tarefa de grande importância eresponsabilidade. Pois, ainda há, mesmo que disfarçadamente, um ensinodual nas escolas de educação básica em São Gonçalo, município periféricodo estado do Rio de Janeiro, que atende majoritariamente crianças e jovensafrodescendentes. Investe-se muito pouco nas escolas públicas queatendem a população pobre que é composta por um grande número deafrodescendentes. Entretanto, as classes desfavorecidas ainda vêem naeducação um meio para ascender sócio-economicamente. Um autor quenos ajuda a compreender esse fato é Gomes quando nos diz que:

A educação é a mais importante dentre as diversas prestaçõesque o indivíduo recebe ou tem legítima expectativa de receberdo Estado. Trata-se, como se sabe, de um bem escasso. (...)No entanto, esse mesmo Estado que se diz impossibilitado defornecer a todos esse bem indispensável, institucionalizamecanismos sutis através dos quais proporciona às classesprivilegiadas aquilo que alega não poder fornecer à generalidadedos cidadãos. (GOMES, 2003 p. 34)

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Dessa forma, torna-se necessário visibilizar e trazer ao diálogo às vozesdos/as professores/as da rede pública gonçalense, que apesar do poucoinvestimento na educação por parte do governo, e da desvalorização daprofissão com baixos salários trazem, por meio de suas narrativas orais,práticas comprometidas com a transformação da realidade de racismo e dedesigualdades sociais com as quais ainda convive a populaçãoafrodescendente. Assim, como nos diz Jesus:

(...) a valorização da palavra, por meio do trabalho com fontesorais, traz a possibilidade de nos “aquecermos” com as vozescotidianas que tem histórias a contar, ou seja, de aproximarmosas relações estabelecidas, de valorizarmos a palavra e a históriaoralmente contada (JESUS, 2004, p.9).

As narrativas orais trazem práticas que vêm sendo desenvolvidos,antes mesmo da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que vem introduzirno currículo oficial da educação brasileira a obrigatoriedade do ensinode “história e cultura afro-brasileira”. E mesmo não tendo, muitas vezes,a formação profissional adequada para esse fim, buscam superar essalacuna, se instruindo e se capacitando para descortinar nossa realidadede exclusão do povo negro na construção do Brasil, não apenas emtermos físicos, como mão-de-obra, mas principalmente, na construçãoda diversidade de nossa cultura.

Apesar de ainda serem, em grande parte, formados para lidar com ahomogeneidade amparando-se no discurso da igualdade, muitosprofessores/as da rede pública gonçalense vêm mostrando por meio desuas práticas pedagógicas que é possível e imprescindível mudar a realidadede discriminação nos espaços escolares e na sociedade como um todo.Pois, cada pessoa tem uma experiência de vida diferente, cada pessoa édiferente, tem uma cultura diferente e devemos respeitar as particularidadesem prol das diferenças etnicorraciais. A presença de cada um de nós éuma presença única, particular de ser/ estar e compreender no/o mundo.Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém,que transforma... (FREIRE, 1996, p.18). Presença que reconhece ecompreende não simplesmente a si própria, mas, também, o outro. E, emvez de pensar o “eu”, passa a perceber e pensar o “nós”, reconhecendo evalorizando as semelhanças e as diferenças que nos constituem.

Desse modo, essas práxis corroboram para a construção de currículosescolares pautados numa perspectiva voltada à diversidade etnicorracial,tendo uma postura de combate às práticas racistas e discriminatórias noespaço micro das instituições escolares assim, como em toda sociedade.É preciso oportunizar aos educandos, assim, como nos diz Gomes (2006,

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p.34) múltiplas possibilidades de leitura da vida, de expressão cultural,de formas de ser e viver, maneiras e jeitos de sermos Humanos, paraque possamos, numa coletividade, desvendar quem somos por meio denossa história sem cortes, sem maquiagens que distorcem nosso potencial,nossas raízes, nossas culturas.

2- Narrativas orais trazem micro-ações afirmativas

Muitos/as foram os/as nossos/as professores/as colaboradores/asdurante esse primeiro ano de pesquisa e diferenciadas são suas motivaçõespara o desenvolvimento de um trabalho que evidencia micro-açõesafirmativas cotidianas. Porém, elencamos para este trabalho professores/as que têm como elemento propulsor de suas práticas comprometidascom a superação do racismo nos cotidianos escolares gonçalense o seupertencimento etnicorracial, ou seja, são afrodescendentes.

A professora Sheila, da Escola Municipal Jovita Maria de Jesus, nosrevela um pouco de sua prática pedagógica, nos evidenciando o quereconhece como micro-ações afirmativas cotidianas.

Eu pedi um trabalho, uma pesquisa, onde eles trouxeram figuras,né, de negros que estão em evidência na mídia. É... artistas, écantores, jogadores e trouxeram e montaram um painel. E aí,nós abordamos a questão do negro é... ter pouco evidência, elesaté falaram: “Tia, tá difícil achar artistas têm mais é brancos.”Então, ali eu abordei o fato do negro realmente ser... não estartão assim, é... não ter um espaço tão amplo como o branco. E alieu falei sobre o preconceito e eles tiveram assim, a dificuldadede se reconhecer como negros. “Não! Eu não sou negro, soumoreninho, eu sou marrom bombom.”. Mas, a questão de dizer:eu sou negro, não reconhece isso.

Apesar das “dificuldades” de se abordar a questão etnicorracial nocotidiano escolar, a professora Sheila sabe, por meio de sua experiênciade vida, a importância de seu trabalho para que seus educandos venhama se reconhecerem afrodescendentes. Pois, muitas instituições escolarespermanecem, através da ideologia hegemônica, inculcando valores esaberes pertencentes à classe dominante, constituída majoritariamente porpessoas consideradas brancas. Esses saberes/conhecimentos são(im)postos como verdadeiros e inquestionáveis tendo a intenção de nosmoldar por meio da assimilação do ideal eurocêntrico. E, como nos dizMunanga: esse ideal prejudica qualquer busca de identidade baseadana “negritude” e na “mestiçagem”, já que todos sonham ingressar

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um dia na identidade branca, por julgarem superior. (1999, p.16)Desse modo, cotidianamente fazemos e, somos parte, de relações de

poder imbricadas em hierarquizar e inferiorizar os saberes das classesdominadas, a nossa raiz africana, para ir à busca do ideal eurocêntrico. Assim,por meio de mecanismos ideológicos e psicológicos, os/as afrodescendentessonham, mesmo que inconscientemente, em fazer parte da identidade branca.

Para esta trama de práticas pedagógicas comprometidas com a superaçãodo racismo, no espaço micro das instituições escolares, trazemos a fala daprofessora Rosângela do Colégio Municipal Ernani Faria, com relação aoque reconhece como micro-ações afirmativas em sua prática pedagógica.

Geralmente eu trabalho com texto, que eu sou professora deLiteratura... fica mais próximo do meu trabalho. Eu acho que issoenriquece a criança ainda mais, de ver realmente como o negrotem que ser inserido na sociedade, que não é uma doença, é umaraça, que nós viemos de ancestrais que vieram pra cá, que muitoseram reis e rainhas na terra deles que foram vendidos por guerraspor tribos. Aí eu explico isso às crianças, geralmente eu trabalho...gosto muito de trabalhar aquele texto: “A menina bonita com laçode fita”, que é uma garota pretinha, que o garoto sempre escreveum livro falando que ela parece uma princesa, é, sempre... sempreressaltando que o negro é lindo, que nós temos diferenças, traçosque são diferentes dos brancos mas que são nossos traços sãonossas raízes, que o cabelo não é ruim, que o cabelo é crespo.

Outra que também traz em sua prática pedagógica a questão davalorização da estética afrodescendente é a professora Flávia, do ColégioMunicipal Alberto Torres. Vejamos a fala da professora:

Mas eu a incentivava e incentivava as crianças também, asmeninas principalmente, a manter a questão do negro que enfim,é o cabelo crespo. E isso apareceu tanto na escola quanto dentroda minha casa e foi quando eu decidi fazer diferente, porque eutinha uma prática e tinha uma fala que não combinavam. Foiquando eu comecei a mudar o meu próprio visual. Fui buscarem mim o que eu gostaria que essas crianças ressaltassem.Então comecei a mudar! E comecei a trazer para sala de aula,enquanto professora de Língua Portuguesa, que nós podíamosestar pensando essa questão da negritude.

Essas professoras trazem em suas práticas o que, muitas vezes, falta aoseducandos afrodescendentes, que é saber de suas raízes. Saber que sua histórianão é somente constituída pela escravidão, assim, como se apresenta nos

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livros didáticos. Trazendo também, a valorização dos traços físicos indo contraa estética branca que se impõe aos afrodescendentes para reafirmaremidentidades tanto a dos/as seus/as alunos/as quanto as suas próprias.

(...) a estética que predomina no imaginário social, produzidopela mídia e difundido por todos equipamentos produtores desentido, que é a ênfase e o predomínio de uma estética branca.Desse ponto de vista a criança negra não se vê representadaem nenhum lugar, nem mesmo nos livros didáticos...(ABRAMOWICZ e OLIVEIRA, 2006, p.46)

Traremos a esta tessitura da trama pesquisa a proposta de trabalhoda professora Vera também do Colégio Municipal Ernani Faria. Vejamosa fala da professora:

Eu fiz em parceria porque eu tava fazendo um curso de informáticaeducativa para professores, informática pedagógica, então, é, comoeu sou educadora, e gestora ambiental, eu gosto muito de trabalharcom a parte de meio ambiente, mas como eu sou professora deHistória, também, a gente tem que se aprofundar um pouco na Lei,né, 10.639; eu, aí, busquei é... uma colega, conversamos sobre essespreconceitos na sala de aula, por coincidência a gente um ano antes...nós tínhamos trabalhado com duas turmas em comum, né, ela davaaula de Matemática, eu dava aula de História, e aí, fiz um projetoresgatando e valorizando a diversidade cultural e a história dosafros brasileiros e africanos. Então, é isso, foi até para eu poderfazer, visando não só o aluno, visando também a comunidade.Podendo estar nas reuniões, podendo estar conversando com pai,podendo estar buscando a identidade, para que o aluno pudessedescobrir sua identidade, saber de onde ele veio (...)

Podemos perceber que a micro-ação cotidiana dessa professoraultrapassa o nível de sala de para uma postura coletiva por meio do projetodesenvolvido. Porém essa extrapolação do nível micro das instituiçõesescolares, ou seja, da sala de aula vem sendo muito difícil, pois, muitosnão corroboram por não se identificam com a questão etnicorracial.Vejamos o que nos relata a professora Vera:

(...) a escola tem muito a colaborar por ser um espaço dereflexão e produção do saber, mas a gente encontra muitaresistência por parte de alguns colegas, né, às vezes você querfazer uma parceria (...) quando você conversa com o colega,para fazer um projeto onde você pode desenvolver com oprofessor de português, de geografia, de educação física, né,

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as pessoas têm uma certa resistência é aquela questão doparadigma. Parece que as pessoas não querem valorizar, asua própria cultura, a sua própria descendência (...)

Assim a nossa teia de relacionamentos vem se desenvolvendo e trazendoao diálogo o que vem sendo denominado micro-ações afirmativas cotidianas.Pois, as práticas pedagógicas narradas oralmente vêm possibilitando outrosreferenciais de identificação que não, apenas, o eurocêntrico para que ascrianças e os/as jovens afrodescendentes possam se reconhecer comosujeitos identitários capazes de mudar a realidade de racismo presente noscotidianos escolares da educação básica do município de São Gonçalo e,consequentemente, contribuir para a transformação na sociedade Brasileira.

Referências bibliográficas

ABRAMOWICZ, Anete; OLIVEIRA, Fabiana. A escola e a construçãoda identidade na diversidade. In: ABRAMOWICS, Maria de AssunçãoBarbosa e SILVÉRIO, Valter Roberto. (orgs). 2006. Educação como práticada diferença. São Paulo: Armazém do Ipê (Autores associados LTDA).BÂ, A. H. A tradição viva. In: KI-ZERBO, J. (org.) 1982. História Geralda África. São Paulo: Ática.FREIRE, Paulo. 1996. Pedagogia da autonomia: saberes necessários àprática educativa. São Paulo: Paz e Terra (Coleção leitura)GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional sobre as açõesafirmativas. In: SANTOS, Renato Emerson dos.; LOBATO, Fátima.(orgs). 2003. Ações afirmativas: Políticas públicas contra as desigualdadesraciais. Rio de Janeiro: DP&A.GOMES, Nilma Lino. Diversidade cultural, currículo e questão racial:desafios para a prática pedagógica. In: ABRAMOWICS, Maria de AssunçãoBarbosa e SILVÉRIO, Valter Roberto (orgs). 2006. Educação como práticada diferença. São Paulo: Armazém do Ipê (Autores associados LTDA).JESUS, Regina de Fatima. 2004. Mulher negra alfabetizando – Quepalavramundo ela ensina o outro a ler e escrever? Tese de Doutoradoem Educação, Campinas: Unicamp.MUNANGA, Kabengele. 1999. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil:identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.

Notas

1 A Pesquisa Micro-ações afirmativas no cotidiano de escolas públicas domunicípio de São Gonçalo, orientada pela Profª Drª Regina de Fatima de Jesus,conta com uma Bolsa PIBIC – UERJ e APQ1- FAPERJ, desde agosto de 2008.

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ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA:EXPERIÊNCIAS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Luana Maria de Aguiar Silva (FFP -UERJ)Gilmara Rodrigues (FFP -UERJ)

Alice Konstand (FFP -UERJ)

Considerações iniciais

Como alunos da Graduação em Geografia e futuros professores daEscola Básica, torna-se mais que necessário vivenciar o cotidiano deprofessor na própria sala de aula e na escola como um todo.

As disciplinas de Estágio Supervisionado da Faculdade de Professoresda Universidade do Estado do Rio de Janeiro foram criadas com o objetivode desenvolver nos discentes um novo olhar e vivência na Escola, pois aoprofessor não cabe apenas repassar conteúdos, mas também para contribuirpara a construção da Cidadania.

Um professor ciente do funcionamento da sua escola e da realidadeque o cerca terá melhor condições para nela poder agir e contribuir parauma sociedade melhor.

Este texto visa relatar a experiência de três estudantes de Geografiano Estágio em uma Escola. Experiência que se iniciou na própriauniversidade, quando a proposta repassada pela professora GlauciaGuimarães não se restringia apenas à observação da sala de aula e sim àuma contribuição ao colégio e/ou às turmas envolvidas.

O grupo teve como principal meta desenvolver atividades e materialdidático, para atrair a atenção do aluno para a sala-de-aula e conteúdo,com intuito de deixar as aulas mais dinâmicas e participativas, sem esquecertambém de manter diálogo com os alunos e a professora regente. Comotambém estimular a professora regente, a buscar novos métodos, e seestimular no trabalho docente.

Contextualizando a Escola e a Proposta Desenvolvida

Diante desta proposta inicial, as presentes autoras, organizadas em grupooptaram por trabalhar no Colégio Estadual Fernando Magalhães, localizadono bairro de Jurujuba, Niterói, RJ, onde, inclusive, uma das alunas

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envolvidas, Luana, estudou no período do Ensino Fundamental e Médio.Bem recebidas pela direção, funcionários e a professora da 6ª série

(antiga 5ª série) da referida escola, passamos a observar o Colégio e umadas turmas do já mencionado ano.

O Desenvolvimento de Atividades

Após conversas com a professora Jerusa e observação dos alunosque eram muito agitados, consideravam a escola chata e sem nenhumarelação com a realidade vivenciada por eles, optamos como já expostono objetivo, trabalhar com atividades lúdicas. Ou seja, desenvolveratividades que contemplassem diferentes habilidades e inteligências dosalunos como visuais, motoras e estimular a criatividade e permitir conexões,por parte dos alunos, da matéria com a sua realidade, a fim de permitirabstrações maiores com o passar do tempo.

As ações dos professores de Geografia devem e podem estimular oaluno como atuante no processo de formação do espaço. O aluno, sujeitodo Espaço, deve ser estimulado a conhecer o mundo nas suas diferentesdimensões. Como afirma Lana de Souza Cavalcanti (2002):

Tais ações (práticas sócio-construtivistas na escola) devempôr o aluno, sujeito do processo, em atividade diante do meioexterno, o qual deve ser “inserido” no processo como objetode conhecimento, ou seja, o aluno deve ter com esse meio(que são os conteúdos escolares) uma relação ativa, umaespécie de desafio que o leve a um desejo de conhecê-lo(CAVALCANTI, 2002, p. 32).

Atividades lúdicas quando bem planejadas e adaptadas à realidadepodem estimular nos alunos esse desejo de conhecer o mundo a sua volta.Estimulados, a prática de ensino e aprendizagem da Geografia se tornaprazerosa tanto para o próprio professor como para o aluno. Trabalharcom atividades práticas pode estimular no aluno o interesse de conhecero mundo que o cerca como também é vital para o próprio desenvolvimentocognitivo dos sujeitos-alunos. Cunha (2003) ao trabalhar sobre oconstrutivismo afirma sobre as crianças de 7 a 12 anos (idade onde estáinserido o aluno da 6ª série):

Nessa etapa da escolaridade, o que se requer é que oindivíduo progrida nas habilidades operatório-concretas depensamento. Um ensino que valorize excessivamente a

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transmissão de conteúdos formalizados pode incorrer noequívoco de fazê-lo por meio de formulações puramenteverbais, algo a criança, em geral, ainda não domina (CUNHA,2003, p. 88).

Cientes de que o cognitivismo tem particularidades de acordo com ocontexto social e histórico, sabemos que o modo da criança e do adultode pensar são diferentes e que isto deve ser levado em conta na hora deelaboração de uma atividade, para que o aluno possa criar interações, aoestudar o conteúdo.

Com apoio da professora Jerusa e da Escola, pudemos elaborar eaplicar algumas atividades que poderiam colaborar com os conteúdosque estavam sendo ministrados (Cartografia – Orientação e CoordenadasGeográficas):

1) Localizando-se no mapa (atividade em grupo)2) Bingo de Coordenadas (atividade Individual)3) Apresentação Interativa sobre Cartografia, com Imagens de

Satélites e atlas digital.

Atividade 1: Localizando-se no Mapa

A atividade consistiu em dividir os alunos em 6 grupos. Todos oscomponente dos grupos possuíam um mesmo mapa, cedido por nós e 4letras grandes em EVA (emborrachado) que indicavam os pontos cardeais.

O mapa representava a região metropolitana do Rio de Janeiro. Nossaintenção era trazer um mapa mais formal, como aquele que eles vêem nosjornais, na televisão ou nos encartes turísticos; da mesma forma que tambémpretendíamos estimular neles um contato maior com o seu município e oentorno a qual está muito interligado: São Gonçalo, Rio de Janeiro, Itaboraí,Duque de Caxias... Lugares onde os alunos mantêm vínculos como família,trabalho dos pais e conhecidos, dentre outros.

A partir de sentenças, fazíamos perguntas de acordo com o mapa.Cada grupo “discutia” a resposta, e levantava uma letra. Nós osorientávamos, conforme podíamos.

Ressaltamos que o objetivo da atividade não era que um ou outrogrupo ganhasse, mas que a matéria de orientação geográfica fosse maisbem assimilada pelos alunos.

Resultados: Os alunos demoraram a entender a proposta e ficarammuito agitados. A atividade em grupo gerou conversas paralelas e falta decontrole da turma. Notamos que isso se deu por alguns motivos: nãoconhecíamos o ritmo da turma o suficiente, a atividade era em grupo, o

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que facilitava a desconcentração, oferecemos prêmios (pequenosbombons) aos alunos que participassem da brincadeira, o que “acirrou”uma certa “concorrência” entre eles.

Atividade 2: Bingo de Coordenadas (atividade Individual)

Esta segunda atividade consistiu numa atividade simples, elaborada apedido da professora, que pediu para que nós trabalhássemos com osalunos a questão da coordenação e da orientação cartesiana antes deadentrar no assunto de Coordenadas Geográficas.

Cada aluno recebia uma tabela com coordenadas verticais em formade números e horizontais representadas por letras. Ao todo seriam 36quadradinhos na tabela, apenas 6 pintados.

Foi feito um sorteio com os próprios alunos das letras e dos números.Com o resultado o aluno circulava o quadradinho colorido se estecorrespondesse com o sorteio. Quem tivesse todos os quadradinhoscoloridos sorteados ganhava o bingo.

Durante a atividade, havia uma cartolina com a tabela reproduzida noquadro, com que pintávamos os quadradinhos coloridos, atentando semprepara a questão da orientação. Uma das alunas ganhou o jogo. Diferenteda 1ª atividade não houve premiação.

Explicamos coordenadas com os alunos, a pedido da professora e odemos assistência nas atividades de coordenação e orientação cartográficapassada pela professora e contida no livro.

Resultados: A aula foi muito produtiva. Fizemos a atividade,expusemos conteúdo, ligando-o com o jogo e pudemos dar atençãoindividual a cada aluno. Eles reconheceram que ficou mais fácil entender omapa depois da atividade.

Atividade 3: Apresentação Interativa sobre Cartografia eLocalização, com Imagens de Satélites e Atlas Digital.

Com colaboração da professora, da direção e de outros docentes,nos foi disponibilizados o data-show e o auditório da escola, para umaapresentação multimídia.

A apresentação contou com imagens de situações nas quais precisamosusar instrumentos geográficos e cartográficos para nos localizar; como:Imagens e animações referentes aos meridianos e paralelos; Vídeos doAtlas Geográfico Digital do IBGE; Imagens de satélites e mapas.·

Resultados: Os alunos mostraram interesse, fazendo perguntas epedindo mais fotos e mapas. Alguns contaram que já usaram Google Earth.

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Pediram para ver a Linha do Equador nos mapas, a Ilha de Paquetá,aeroportos e outros... A professora nos pediu para repetir a apresentaçãocom as outras turmas da 6ª série.

Os Alunos e sua Relação com a Escola

Desde o início, houve preocupação de manter um diálogo com aprofessora da Disciplina, com a professora da turma e também com osalunos. Além das conversas realizadas com as crianças, tambémpreparamos um questionário a fim de sistematizar os dados obtidos. Asperguntas eram simples e abertas. Também não pedimos que assinasseme incentivamos para que respondessem da forma mais aberta possível.

Todos os alunos 29 no total responderam o questionário, como osdeixamos “à vontade”, para que fossem espontâneos, muitas vezes elesapresentaram mais de uma resposta para cada questão.

Total de Alunos: 29Total de Respostas: 36

O primeiro gráfico mostra que os alunos preferem atividades que sãoexternas ao sentido estrito de sala de aula, como o recreio e as aulaspráticas de Educação Física, isto comprova que os alunos não se senteminteressados pelo estudo ou pela aula, pelo menos de forma efetiva, comomostrou os questionários.

O que os alunos mais gostam na Escola?

13

43 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

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101214

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Também nos interessamos em saber o que, para eles, faltavam naescola para ela ser melhor:

Total: 29

Ficamos surpresos ao perceber que eles próprios reclamaram da falta decomportamento / bagunça gerados por eles mesmos. Boa parte dos alunosrelatou que “ter um melhor comportamento” é o que mais falta na Escola paraela ser melhor. Outros alunos apontaram atividades mais práticas como tarefaslúdicas (brincadeiras / jogos), trabalhos em grupo e aulas práticas. As outrasopções foram pontuais. Como professores mais legais e sair mais cedo.

Quanto às disciplinas que os alunos mais gostam, pudemos perceberque eles preferem:

O que falta nas aulas e na escola?

11

9

21 1 1 1 1 1 1

Comporta

men

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Brinca

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As matérias que os alunos mais gostam

14

8

3 32 2

1 1 1 1

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10121416

Matemáti

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Matemática foi apontada por 14 entrevistados, praticamente metadedos alunos que responderam o questionário (29), português vem emsegundo lugar com 8 votos e posteriormente Educação Física e Ciências(3 cada um), notamos que há uma boa diferença entre o primeiro e osegundo para as demais matérias, que se mostram muito pontuais.

Para verificar o que fazia os alunos gostarem da matéria, fizemos outrasperguntas:

Com uma grande diferença, os alunos apresentaram determinadointeresse nas matérias que se apresentavam a professora ou a matériadivertida (caracterização de matemática e português).

Outro interesse nosso foi a questão do dever de casa. Estávamosinteressados em saber se os alunos tinham apoio da família na resoluçãodas tarefas passadas para casa:

Dezoito alunos, número que corresponde a 62% do total, afirmaramnão receber ajuda da família na resolução dos exercícios. Apenas 7 alunosafirmaram ter ajuda, os outros 4 alunos contaram ter ajuda de vez emquando ou só quando sentiam necessidade.

Também ficamos interessadas em saber do que os alunos acharamdas atividades e se elas os ajudaram a compreender de melhor forma a

O que fazem os alunos gostarem da matéria

12

74

1 1 1 1 1 1 2

Prof

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sina

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matéria que estava sendo ministrada.

Total: 29 alunos

Com estes dois últimos gráficos pudemos perceber que os alunosgostaram muito das atividades e que consideram que elas tenham ajudadona melhor compreensão do conteúdo para cerca de 94% dos alunos, 27do total de 29 alunos entrevistados.

Por fim, também elaboramos uma pergunta referente à biblioteca daescola: se os alunos a freqüentavam ou a freqüentariam e porquê.

O que os alunos acharam das atividades?

Legais/ Bom38%

Destacou apenas uma at ividade

3%

Não gostou3%

Ótimas/M uito Bom/ M uito Legais

56%

As atividades Ministradas ajudaram nos Exercícios?

Sim94%

Mais ou Menos3%

Não3%

Você Frequentaria a Biblioteca da Escola?

1310

2 2 1 1

Sim (Gosto deLer, aprender)

Não (Não gostode Ler)

Não (não gostoda Biblioteca)

Sim (Biblioteca édivertida)

Sim (para fazertrabalho)

Não (Não temtempo)

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Segundo este último gráfico, percebemos que 55% dos alunosapresentam um aspecto positivo da biblioteca. Apresentaram muitasvezes respostas muito espontâneas e interessantes como “eu gosto dabiblioteca porque a gente viaja lendo”. No entanto o percentual dealunos que não mostraram intimidade ou interesse pela biblioteca émuito grande: 45%. Quadro preocupante e que indica um fator quedeve ser levado em consideração.

Considerações Finais

A experiência do estágio nos abriu horizontes. Sobre dificuldadesescolares, mas também como certas possibilidades podem ser trabalhadase até se tornarem de certa forma bem-sucedidas.

Nossa experiência foi muito gratificante, pois lidamos com uma turmabem agitada e com dificuldades de compreensão da matéria, o que nosexigiu um esforço para propor atividades, sendo enriquecedora para anossa formação.

Descobrimos que o estágio é enriquecedor não apenas para nósestagiários, mas também para o professor regente, que pode ver o estagiáriocomo um auxiliador em diferentes atividades, estimulando até mesmo oprofessor, que encontra muitas das vezes dificuldades que o desanimam.

Nosso relacionamento com os alunos foi muito positivo, especialmentequando tivemos maior contato com eles. Sabemos que apesar daempolgação dos mesmos com as atividades, sabemos que elas não asolução para todos os problemas da escola e da sala-de-aula, emboraelas sejam importantes para o melhor relacionamento professor-aluno epara o desenvolvimento cognitivo dos alunos, que muitas vezes precisapartir do concreto para abstração.

Referências bibliográficas

CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e Práticas de Ensino.Goiânia: Editora Alternativa, 2002.CUNHA, Marcus Vinicius. Psicologia da Educação Rio de Janeiro: EditoraDP&A, 2003.

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PARTE II

Experiências e possibilidadesna parceria escola básica e universidade

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GÊNEROS TEXTUAIS NA PRÁTICA DOCENTE

Maria Betânia Almeida Pereira (FFP-UERJ)

O trabalho parte de uma reflexão acerca do ensino de línguaportuguesa, considerando os relatos de experiência de estagiários em Letrasda Faculdade de Formação de Professores da UERJ , buscandoestabelecer o contato entre teoria e prática e perceber a importância destajunção no processo do estágio e na formação de um profissional atento anovas perspectivas de prática docente. Para a análise, foram utilizadosteóricos que fundamentaram a discussão, bem como os ParâmetrosCurriculares Nacionais de Língua Portuguesa, por se tratar de referencialde apoio para os licenciandos em Letras.

A partir da definição dos gêneros textuais como práticassociocomunicativas que se constituem de um determinado modo, comuma certa função, em determinadas esferas de atuação humana (KOCH;ELIAS, 2005), abordaremos tanto o viés teórico quanto a prática quecontempla a importância do trabalho com os textos de circulação socialem sala de aula. A abordagem de um ensino de língua materna que considereos gêneros está associada a uma concepção de linguagem como interação,defendida por linguistas, teóricos e professores de língua portuguesainteressados num ensino mais eficaz.

Desta maneira, os Parâmetros Curriculares Nacionais de LínguaPortuguesa entram na base desta discussão ao encaminharem propostasmetodológicas de ensino que enfatizam a diversidade de textos no cotidianoda prática escolar, como um meio produtivo que auxiliará na formação deescritores e leitores competentes:

Um leitor competente só pode constituir-se mediante umaprática constante de leitura de textos de fato, a partir de umtrabalho que deve se organizar em torno da diversidade detextos que circulam socialmente (PCN’s, 1997, p. 54).

Formar escritores competentes supõe, portanto, uma práticacontinuada de produção de textos na sala de aula, situações deprodução de uma grande variedade de textos de fato e umaaproximação das condições de produção às circunstâncias nasquais se produzem esses textos (PCN’s, 1997, p. 68).

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No entanto, é necessário avaliar como se dá esta prática, como osgêneros textuais são trabalhados e qual é a relevância do trabalho com adiversidade de textos no contexto da educação básica, precisamente nosegundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio. Bem sabemosque não se pode jogar uma infinidade de textos para os alunos, sem sabero propósito das atividades, tampouco desconsiderar as especificidadesdestes textos e a significância dos mesmos no cotidiano dos educandos.

É de extrema importância um enfoque cuidadoso da nossa práticadocente, um estudo que considere o porquê, como e para que trabalharcom os gêneros textuais em sala de aula. Parte-se, portanto, de umafundamentação teórica que servirá de alicerce para a construção de umtrabalho coerente com as novas concepções de ensino de língua portuguesa.Neste sentido, estudos como os de Marcuschi (2005); Geraldi (2006); Koche Elias (2006); Soares (2006); Dionísio (2002) ; Bunzen (2006); Travaglia(2006) dentre outros têm servido como base para reflexão e práticascondizentes com uma proposta mais desafiadora de ensino. A concepçãointeracionista da linguagem se encontra nas discussões tecidas pelospesquisadores acima citados. Tal concepção preconiza a linguagem comoforma de interação humana. A linguagem “é o lugar de constituição de relaçõessociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 2006, p. 41). Namesma linha de pensamento, Travaglia (2006, p. 23) afirma:

A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interaçãocomunicativa pela produção de efeitos de sentido entreinterlocutores, em uma dada situação de comunicação e emcontexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ouinterlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugaressociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo comformações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceupara tais lugares sociais.

Nesta abordagem, o aluno deixa de ser mero receptor e passa a ser osujeito construtivo, que reflete sobre a língua, sabendo empregá-la conformeas exigências de cada situação. Atividades que contemplem o ler, o ouvir, ofalar e o escrever de forma bem estruturada podem levar o aluno a ser umbom usuário da língua, a partir do momento em que ele veja a funcionalidadedo português não só em seu cotidiano, como também nos vários lugaressociais. Partindo destas considerações, um ensino de língua portuguesa queviabilize um processo interativo entre os usuários da língua deve levar emconta uma série de fatores ao escolher gêneros textuais como prática efetivaem sala de aula: a relevância dos textos a serem utilizados, as varianteslinguísticas presentes nestes textos, bem como sua intencionalidade, em qual

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situação de comunicação são empregados, de que maneira tais gênerospodem levar a uma reflexão sobre a língua etc.

A discussão tecida aqui é apenas mais uma das inquietações que nãopretende “dar conta”, nem esgotar o assunto a respeito de novas propostaspara o ensino de língua materna, talvez o artigo apenas se resuma em umrelato de experiência gratificante em minha prática docente. Comoprofessora das Disciplinas de Prática de Ensino, Estágio Supervisionadode Língua Portuguesa I e II do Departamento de Letras da Faculdade deFormação de Professores da UERJ, tenho observado resultados muitosatisfatórios em relação aos projetos desenvolvidos pelos estagiários nasescolas públicas de São Gonçalo, Niterói e outros municípios vizinhos – oque me permite afirmar a importância dos fundamentos teóricoscorrelacionados à prática docente.

No caso específico das disciplinas de Estágio Supervisionado, antes deir para o trabalho efetivo em sala de aula, os licenciandos têm contato comtextos teóricos que de uma certa maneira irão ajudá-los no momento emque desenvolverem suas aulas. No cumprimento de suas horas de estágio, aetapa de observação/ coparticipação é feita antes do momento das aulaspráticas. Esta fase merece uma atenção especial do supervisionador doestágio, pois os estagiários trazem muitas dúvidas, críticas e queremcompartilhar o que estão vivenciando nas escolas. O planejamento dasatividades se dá neste período repleto de apreensões e ao mesmo tempovontade de que tudo dê certo. Nas escolas públicas eles desenvolvemprojetos em forma de oficinas, contemplando o trabalho com os gênerostextuais. Neste último semestre de 2009, os grupos (em dupla, ou trio)escolheram diferentes gêneros textuais: contos populares, lendas, literaturade cordel, reportagem, crônicas, textos dramáticos, poemas, entre outros,e compatilharam com os colegas da FFP suas experiências, deixando porescrito em seus relatórios de estágio os frutos produtivos de seus trabalhos.

Peço licença a alguns grupos para registrar aqui os comentários dosresultados das oficinas:

Os alunos não conheciam esse tipo de literatura, mas mostraram-se bastante curiosos e empolgados em conhecê-la. (...) Os alunosmostraram-se satisfeitos e tiveram contato com os textos, osquais irão influenciá-los positivamente, já que foi trabalhado ouso da reflexão, do preparo do texto, da beleza das palavras, doalcance delas, do público-alvo desses textos. (Alunas Hélida daSilva de Souza, Tailane da Silva Rodrigues e Michelle Souza daVeiga, 7º período do curso de Letras. Desenvolveram projetosobre literatura de cordel no ensino médio).O resultado, confessamos, foi animador e a resposta

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surpreendente. Até alunos que usualmente não participavamdas aulas, durante as oficinas interagiram. Nossa perspectivafoi trabalhar com algo que fugisse do corriqueiro das aulas.No oitavo ano, elencamos algumas músicas para abordar ostópicos relativos à sintaxe, enquanto no nono ano escolhemoscrônicas de autores respeitados por produzir esse gênero (AlunaIngrid Moura Carlos, 7º período de Letras, desenvolveu projetosobre gêneros textuais em turmas da EJA, 8º e 9º ano).O trabalho realizado foi recebido pelos estudantes de maneirapositiva. Eles produziram uma Antologia de Contos Populares,de relatos e vivências pessoais. Os objetivos propostos foramalcançados: o Conto Popular assumiu seu lugar nos estudos deliteratura e os educandos tiveram contato com um bom materialde pesquisa selecionado (Alunas: Marcela P.G. Garcia e TamirisAlves V. de Almeida desenvolveram projeto sobre conto popularem forma de microclasses do 6º ao 9º ano Ensino Fundamental).

Percebe-se que as estagiárias estão em consonância com as propostasmetodológicas de ensino defendidas nos PCN’s e também de acordocom a concepção que defende a linguagem como forma e processo deinteração. Ao selecionarem os gêneros textuais, não o fizeram de formaaleatória, pois refletiram sobre o impacto que tais textos teriam no cotidianodos alunos, observaram e trabalharam com os mesmos as especificidadesdestes textos, pensando, sobretudo, a leitura e a prática de produçãotextual. Todos os grupos se preocuparam em selecionar os gêneros textuaisque de alguma forma poderiam “fazer sentido” para os educandos e assimagiram conforme abordam os Parâmetros Curriculares a respeito dosprojetos de leitura e de escrita. O documento diz que os projetos sãoações importantes para se trabalhar com os usos da língua e devem trazerum produto final, ou seja, um resultado que demonstre a participaçãoefetiva do aluno nestas atividades, com o auxílio do professor. No casodas estagiárias, a culminância do segundo e do terceiro grupo se deu atravésde produção textual dos alunos. O primeiro grupo levou para escola umcordelista, os alunos tiveram contato com o poeta popular, suas produçõese assistiram a uma performance do autor. A comunidade escolar foienvolvida e o acervo da biblioteca enriqueceu com as poesias do cordelistae com a participação dos alunos, buscando mais folhetos para ler.

É importante ressaltar que nas produções textuais do segundo e terceirogrupo, as estagiárias retornaram à escola para dar o feedback aos alunos,ou seja, os trabalhos feitos foram analisados pelas futuras professoras queapontaram sugestões, quando necessárias, para a melhoria das produções.Os alunos percebem que seus escritos são valorizados, não tendo o fim

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último de uma nota. O terceiro grupo reuniu as produções em uma antologiaque foi disponibilizada não só para os alunos que fizeram, como tambémpara todos da escola, pois um exemplar ganhou um lugar na biblioteca.

Os grupos em questão também estão em consonância com aconcepção de Geraldi (2006) que defende o ensino de língua portuguesapautado em três práticas interligadas: a leitura, a produção de textos e aanálise linguística. Tal acepção parte do texto enquanto unidade de ensino.Na leitura, o aluno deve compreender os sentidos do texto, sua construção,os ditos e os não-ditos do sujeito que compõe o texto; ao produzir umtexto o aluno terá como expressar sua subjetividade, sua forma de ver ecompreender o mundo. Entendendo aqui que a sua visão de mundo passarápara um outro – o leitor do seu texto. Na prática de análise linguística, oaluno deverá utilizar os recursos expressivos da língua, entender os modosde uso dos vocábulos, a sintaxe, as questões de ordem interna – coesão,coerência, enfim, construir um texto de maneira a dar sentido, atentarpara a intencionalidade do seu discurso. Percebe-se que as estagiárias,de uma certa maneira, praticaram o ensino de português centrado no textoe nos usos da língua. Os educandos tiveram contato com gêneros textuais,compreenderam as particularidades, os usos e formas destes gênerosatravés da leitura. Tiveram a oportunidade de, como usuários da língua,ler, ouvir, falar e escrever.

A proposta metodológica inovadora do ensino de português se inscreveno trabalho dos estagiários, o que é algo muito positivo, pois, depois desuperado o momento de apreensão da primeira fase que antecede as aulaspráticas, os estagiários voltam mais confiantes e percebem que é possívelaliar a teoria à prática. É deveras gratificante perceber os licenciandosneste momento de transição: da insegurança e de um certo medo -característico de qualquer momento de iniciação - para a confiança e odesafio gradativo no processo das oficinas, que se efetiva nos trabalhosalcançados de maneira positiva. Em seus relatórios de estágio criticam,questionam, apontam caminhos para uma educação de qualidade. De umaforma geral são esperançosos e acreditam que um futuro melhor é possívele se vêem como participantes deste processo, pois também estão inseridosneste percurso, serão os novos professores e se mostram comprometidoscom o trabalho. Sabem que podem colher bons frutos de uma tarefa aomesmo tempo árdua e prazerosa.

Por outro lado, sabemos que a melhoria da educação básica em nossopaís vai além de uma prática docente comprometida com resultados eficientes.Há um longo caminho a ser seguido: políticas públicas eficazes, voltadaspara a qualidade da educação, aumento dos salários dos professores, boaformação para os docentes etc. Quando os dados do IBGE atestam o alto

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índice do analfabetismo funcional no Brasil – de 21,8 % em 2007 passoupara 21% em 2008 – vemos que há muito o que fazer1. São jovens acimade 15 anos de idade que não conseguiram avançar na leitura e na escrita. Ainformação é desoladora e ao mesmo tempo nos desafia a refletir e a procurarcaminhos que não reproduzam a situação que aí está.

Traçar outras trilhas é preciso. Quando vejo o trabalho dos estagiários,acompanhando o desenvolvimento de suas oficinas nas visitas às escolas,acredito ser possível pensar num país melhor, “apesar de”. Quem sabeainda poderemos discutir, futuramente o fato de termos conseguido formarleitores e escritores competentes e que, de fato, neste país há cidadãosdevidamente capacitados. Tudo isso perpassa as considerações levantadasao longo do texto: exercer cidadania é saber ler, escrever, decifrar osdiscursos, interpretar as entrelinhas, entender o que o texto diz-não-dizendo. Interagir socialmente, ser sujeito ativo em todos os sentidos.

Referências bibliográficas

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curricularesnacionais: língua portuguesa. MEC, Brasília, 1997.BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.) Português noensino médio e formação do professor. São Paulo: ParábolaEditorial, 2006.DIONISIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.) Olivro didático de Português: múltiplos olhares. 2. ed. Rio de Janeiro:Lucerna, 2002.GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. 4. 4d. SãoPaulo: Ática, 2006.KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: ossentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.In: DIONISIO, Ângela Paiva [et al.] Gêneros textuais & ensino. 4. ed.Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. BeloHorizonte: Autêntica, 2006.TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta parao ensino de gramática. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

Notas

1 Em recente reportagem intitulada “País não avança no combate ao analfabetismo”de Fabiana Ribeiro, Cristiane Jungblut e Isabela Martin, o jornal O Globo de 19 desetembro de 2009 recorreu aos dados do IBGE, fazendo o perfil do analfabetismono país, destacando as regiões.

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LEITURAS E LINGUAGENS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO:PRÁTICA DE ENSINO, EXTENSÃO E PESQUISA

Glaucia Guimarães (FFP-UERJ)

Neste texto discutimos as possibilidades do estágio supervisionado, nãosó como prática de ensino na formação de professores, mas também comoprática de extensão e de pesquisa na universidade e na escola. Para tanto,consideramos a prática do estágio em turmas de licenciaturas da Faculdadede Formação de Professores (FFP) da UERJ, desenvolvida em duas escolaspúblicas – uma na cidade do Rio de Janeiro e outra em São Gonçalo.

Por ter sido orientada por três projetos – um de pesquisa1 e outrosdois de extensão2 – esta prática de estágio representou o ponto de parti-da para ampliar suas funções mais tradicionais relacionadas ao ensino,expandindo as possibilidades da articulação ensino, extensão e pesquisa.

Nossa intenção aqui não é descrever passos ou rotinas do que se po-deria apresentar como mais um relato de uma experiência. Queremos trazerà cena enunciativa considerações que privilegiem a vivência participativa dealunos e professores que, ao assumir leituras e linguagens como substanti-vos/substratos plurais, demarcou a aposta teórico-metodológica no alarga-mento da concepção de texto e na articulação das diferentes linguagenspara a ressignificação do universo leitor/autor de todos nós e que, ao mes-mo tempo, acabou por articular ensino, pesquisa e extensão.

Com o objetivo determinado coletivamente, optamos por pensar ométodo como um caminho que se oferece ao caminhante. Para Gatti (2007,p.43), “o método é ato vivo, concreto, que se revela nas nossas ações, nanossa organização do trabalho investigativo, na maneira como olhamos ascoisas do mundo”. Portanto, o método se materializa nas ações do pes-quisador com os demais sujeitos envolvidos e na maneira como estesrepresentam as práticas que vivenciam.

Nesta perspectiva, o método assume uma faceta de inacabamento.Ao mesmo tempo em que orienta uma forma de compreensão de umadeterminada realidade (revelando-se por entre as escolhas epistemológicasque definem procedimentos e instrumentos a serem adotados), o métodose reconstrói continuamente no próprio movimento compreensivo queconduz, como se fosse um constante devir do ato de pesquisar.

Por isso, o percurso metodológico por nós assumido não pode sersimplesmente “dissecado”, como se “morto”, e separado de todo ummovimento discursivo/simbólico que organizou e deu sentido ao campo

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em seu próprio acontecer. Daí tomarmos por base as propostas de leitu-ras e de produção textual que foram se configurando no processo, quedizem respeito à construção de livros, leituras, vídeos, autobiografias pro-duzidas pelos alunos da escola e da universidade, para sinalizarmos ouniverso teórico-metodológico criado coletivamente.

Como fruto da relação entre ensino, extensão e pesquisa, esta pro-dução coloca em evidência alguns dos enfoques teóricos que orientarama condução do campo e que são alvo de nossas reflexões no presentetexto. Em termos conceituais, indica a tônica da leitura como um ato decompreensão, para além da mera repetição de sentidos legitimados. Comela, toda uma carga teórica se entrecruza: polissemia, leitura e hegemoniade sentido, articulação de linguagens, autoria.

Em termos metodológicos, as leituras, textos produzidos e as própri-as práticas desdobradas da proposta inicial são produto coletivo de umaexperiência de ensino, extensão e pesquisa que se fez participante. Evi-denciam uma vivência metodológica assentada no trabalho compartilhadoe na tentativa de rompimento com algumas práticas culturais que mantêmna superficialidade o diálogo entre a universidade e a escola, bem como odiscurso pedagógico autoritário que legitima “a leitura correta” e “o textobem produzido”, ainda tão presente na escola e na universidade.

A ampliação teórica acerca das linguagens, textos e leituras

Um texto nunca diz tudo. Diz um pouco de quem o escreveu, daépoca em que foi escrito, outro pouco de assunto qualquer ealguma coisa sobre como foi escrito. Um texto é uma estruturaporosa, aerada, uma teia vazada, uma parede cheia de buracos.Um texto é uma prece indigente à espera do seu outro, o leitor.Abre-se, convida o leitor oferecendo senhas, dicas, chaves epistas em troca da construção de sentidos. O texto é um corpoque espera o entalhe, o corte, a cisão, a costura, a emenda. Umcaminho que se oferece ao caminhante (GARCIA, 2006, p.94)

Como ressaltamos na seção anterior tínhamos como horizonte aampliação teórica coletiva acerca das linguagens pela focalização da leitura,para além da hegemônica, de textos contemporâneos não mais restritos àlinguagem verbal escrita.

As relações entre estes textos contemporâneos e a pedagogia têmsido focalizadas nos ensaios acadêmicos, bem como aparecem de formarecorrente sob a roupagem de expressões cotidianas da vida escolar: “usarum vídeo para motivar a discussão sobre temática X”; “trabalhar de formalúdica, com um jogo multimídia, o conceito matemático Y”; “encontrar um

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texto na internet ou um programa de TV que trate do problema Z”.Assim, os textos contemporâneos na escola em geral continuam

“servindo” como pílula edulcorada para informar, ensinar e, muitas vezes,conformar. Mesmo quando, no discurso, são criticadas as característicaspedagógicas moralistas e autoritárias que fundamentam a inserção dastecnologias e seus textos em contexto escolar, ao mesmo tempo, a tentativaprática de inserção tende a se configurar como forma apenas de“modernizar”, de “contextualizar” ou de tornar “mais lúdica” aquelatradicional forma de ensinar, sem analisar profundamente o que de fatofundamenta determinada metodologia pedagógica.

Fora da escola, discursos também costumam tomar seus leitores como“alvo” para inseri-los em determinado sistema de valores. Um dos exemplosque podemos trazer é a vinheta da Rede Globo – “Educação: a gente vê poraqui” – que destaca “o intuito educativo” de suas novelas e de seus programas,encaminhando temas relacionados à pluralidade cultural, ao alcoolismo, àscondições dos portadores de necessidades especiais, ao respeito à sexualidade,ao tratamento de doenças, ao “politicamente correto” etc.

Para além deste sistema de valores e sentidos hegemônicos, o trabalhopartiu da compreensão dos diversos sentidos e efeitos de sentido que ostextos podem produzir para os diferentes sujeitos leitores, antes e paraalém da intervenção autoritária do que já está legitimado. Como na escolaé este sentido legitimado que geralmente é repetido para fins de resultado– o que, em nossa perspectiva, compromete o próprio sentido do trabalhopedagógico e afasta a todos da leitura crítica potencializadora – tentamosmostrar como extrapolarmos e até mesmo rompemos com este únicosentido que parece óbvio. Daí a focalização: (a) dos textos multimidiáticosveiculados no contexto dos leitores envolvidos no processo; (b) dashistórias de leitura destes textos e as histórias de leitura dos sujeitosenvolvidos; e (c) das relações entre leitura e produção textual.

Neste contexto, para desenvolver práticas de leitura na escola,partimos de alguns pressupostos básicos. Um deles foi o conceito delinguagens que fundamentou nossas ações, pois é por meio das diversaslinguagens (palavra, imagem, som), que nós nos comunicamos e nosrelacionamos com os sujeitos e com o contexto social no qual estamosinseridos. Como Travaglia (2006, p. 23) afirma:

A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interaçãocomunicativa pela produção de efeitos de sentido entreinterlocutores, em uma dada situação de comunicação e emcontexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ouinterlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares

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sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo comformações imaginárias que a sociedade estabeleceu para taislugares sociais.

Essas linguagens não funcionam como transmissores de informações,mas como efeito de sentido entre interlocutores em um contexto situacionale, portanto, a articulação de linguagens não se faz aleatoriamente.Constituindo os discursos, as linguagens não são apenas coexistentes(Nunes, 1999) e não são complementares, como afirma Barthes (1990).Elas se articulam remetendo a sentidos interessados e posicionadossocialmente, produzindo efeitos de sentido (Guimarães e Barreto, 2007).

Portanto, é por meio das linguagens que materializamos as relaçõessociais, ou seja, são o lugar de conflito onde se estabelece a relação entresujeito e sociedade (Orlandi, 1987). Como participamos da constituiçãosocial através das linguagens, na escola precisávamos trabalhar com ostextos e linguagens que circulam socialmente, com vistas à participaçãono contexto social do qual pertencemos.

Para além das normas e da linguagem verbal buscávamos discutir arelação que o texto estabelece com o seu contexto. Com base em Bakhtin(1999), consideramos que a linguagem tem dimensões dialógicas eideológicas determinadas historicamente.

Dessa forma, para que compreendêssemos o discurso (queamplamente pode se materializar num texto falado, escrito, imagético,icônico ou gestual), sempre questionávamos o contexto em que ele foraproduzido. Essa compreensão implica não apenas a identificação dossistemas de valores culturais e sinais normativos da língua, mas, e sobretudo,dos intertextos e das intenções inscritas no texto e em seu contexto.

Diante destes pressupostos, era importante que todos os envolvidos napesquisa considerassem que nenhum texto, mesmo sendo ele apenas umapalavra, uma imagem ou um som, possui apenas um sentido. Era precisoconsiderar também que o que parece ser “o sentido correto”, geralmente éo sentido legitimado socialmente ou o sentido hegemônico. Por isso, paraOrlandi (1990, p.12), “compreender é saber que o sentido pode ser outro”,diferente daquele que parece ser óbvio ou “o correto”. E esta concepçãosugeriu uma das condições fundamentais para a construção de estratégiasde leitura e de produção de textos na escola e na universidade.

Então, desde os primeiros encontros, procuramos trabalhar semprepara, coletivamente, considerarmos a condição polissêmica dos textos,os diferentes sentidos possíveis e os diversos textos contemporâneos, quesão diferentes dos de antigamente e, por isso, exigem novas formas deleitura (Barreto, 2006).

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Partimos das estratégias discursivas que os alunos construíram paraler, se expressar e viver em sociedade, para poder ampliá-las, superandoa leitura do sentido hegemônico. Ou seja, o ponto de partida foi acompreensão dos sentidos que os textos produzem para os diferentessujeitos envolvidos na pesquisa, para questionarmos o “óbvio”, aquelesentido que parece ser “o” certo, possibilitando ir além da intervençãoautoritária do que já está legitimado, encorajando o “diálogo com o textoe suas vozes” (Ribas, 2008) e permitindo o resgate das histórias de leiturados textos e a história de leitura dos sujeitos.

Da leitura como reconhecimento do sentido legitimado àprodução de outros negligenciados: o nascimento e o crescimentodo método como “ato vivo”

Nunca é demais repetir que aprender português unicamentepela gramática é tão absurdo como aprender a dançar porcorrespondência. Aprende-se a escrever lendo, da mesmaforma que se aprende a dançar bailando (MÁRIOQUINTANA).

Os pressupostos teórico-metodológicos explicitados nas seçõesanteriores pautaram todos os encontros na escola e na universidade. Então,os objetivos que tínhamos em mente era trabalhar com os textos com osquais os alunos lidavam em seu cotidiano e a compreensão dos diversossentidos que os textos podem produzir para os diferentes sujeitos, antes epara além da intervenção autoritária do que já está legitimado.

Para tanto, como na epígrafe acima, partimos da focalização: (a) dostextos escritos e multimidiáticos que circulavam no contexto dos sujeitosenvolvidos; (b) das histórias de leitura destes textos e as histórias de leiturados sujeitos envolvidos; e (c) das relações entre leitura e produção textual.

No caso específico das disciplinas de Estágio Supervisionado e deLiteratura Infanto Juvenil, antes e durante o trabalho na escola,“experimentamos” os textos que “circulavam” entre nós, focalizando ashistórias de leitura, as outras possíveis que deixamos de fazer e a produçãode textos que concretizavam as leituras negligenciadas em nossa históriaescolar. A ideia era a de trabalhar estas histórias como Heloísa Prieto(2006) sugere:

Todo o contato humano se dá por meio de uma leitura no seusentido mais amplo: lêem-se as histórias que possuem aquelacriança, as histórias que ela deseja possuir, as histórias que to-

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cam as da criança, e, se esse momento for tratado com cuidadoe carinho, nascerá uma família de histórias, uma rede delicadacuja beleza poderá gerar fios que se entrelaçam infinitamente.

A primeira proposta coletiva que executamos foi a nossa autobiogra-fia contada através dos textos que lemos ao longo de nossas vidas. Pode-riam ser textos escritos ou poderiam ser filmes, músicas, fotografias, de-senhos animados, etc. Nas turmas de estágio, em geral, as fotos que ti-nham em seus álbuns de família eram os pontos de partida para resgata-rem a autobiografia. Na turma da escola em que estes licenciandos exer-ciam sua prática de estágio, em geral a autobiografia também era produ-zida a partir de uma foto que cada aluno tinha, tirada pelos próprioslicenciandos. Retratamos abaixo algumas dessas autobiografias:

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Nas turmas de Literatura Infanto-Juvenil, em geral, contavam suahistória por meio de livros, contos de fada e músicas que marcaram suasvidas. Então, como estes contos apareciam muito, lemos alguns textosque transgrediam com os efeitos de sentido e valores que os contoscostumam ser lidos.

A partir dos textos mais tradicionais lemos alguns outros livros como“A verdadeira história dos três porquinhos, contada por A. Lobo”;“Chapeuzinho Amarelo”; “Meu tio”; “A louca da casa” e vídeos autobio-gráficos, como de MVBill, que mantinham alguns aspectos do texto au-tobiográfico e dos contos tradicionais, mas os transgrediam, inserindo ele-mentos que ampliavam nossas concepções acerca da autobiografia e rom-piam com os valores, os efeitos de sentidos de “verdade”, de “cronolo-gia”, entre outras características destes gêneros textuais. Muitos fizeramsuas autobiografias transgressoras, produzindo outros efeitos de sentido,articulando ficção e realidade; valores tradicionais reforçados por contose valores contemporâneos; os pontos de vista do narrador e o ponto devista de quem era o vilão na história tomada como referência. Algunsdestes textos transgressores estão retratados abaixo:

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Um deles, de Paulo Roberto Santos (Roberto Poeta), transcrevo abaixo:

A folia que eu li

Nossa cultura popular, eu aplaudo brincante e bem festeiro! É vestidode ritmos brasileiros que trago, com poesia, a folia que eu li nessecancioneiro. Do “evoluir” na folia, até o “evoluir” no nosso dia-a-dia, comcanções pra divertir, mas que com Pedagogia podem construir...

“Quem canta um conto” é mestre-sala. Aumenta um ponto proMARACATU abre alas...

Uma história bem inventadaE bem contada por tiVale a vida, vale a risada,Vale a pena existir [...]

Tomamos como referência alguns contos, livros, poesias que os alunosdas escolas conheciam. Alguns traziam algumas não tão conhecidas e lemostambém aquelas que procuravam romper com algumas característicaspopularmente conhecidas. Foram produzidos livros, poemas quetransgrediam com os valores e versões mais comuns, algumas cujasimagens são apresentadas abaixo:

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Uma destas produções poéticas, não rompia com a métrica, masressaltava o aspecto transgressor do sentido hegemônico nas aulas vividonas turmas:

Uma professora muito maluquinha por Roberto Poeta

A professora de leitura é muito maluquinha,Canta e conta histórias “pulando amarelinha”.Percebe-se que é uma profissional diferente,Mas não tem nada de anormal, apenas gosta de gente.

Realiza seu trabalho de maneira eficiente,Não impõe nada, sabe conquistar a gente.Não se vale do poder da nota “prepotente”,Pra assim dominar e controlar nós discentes.

Sua Pedagogia não é a do discurso, é real,Não é moralista e sim “muito legal”!É uma tremenda facilitadora de aprendizagemQue merece toda nossa consideração e homenagem.

Não é soberba nem se faz de “superestar”,O seu alunado sabe motivar.Mediadora de ensino ao se exprimir,É orientadora “presente”, pois pára pra ouvir.

Valoriza tudo o que fazemos,Pois diz que: “todos nós podemos”!Parabéns pela sua metodologia afetiva,Por isso torna a aula bem mais atrativa.

Aprendi bastante sobre o nosso BrasilEm sua aula de Literatura Infanto-Juvenil [...].

As releituras e textos produzidos por todos eram divulgados em lidosnas diferentes turmas. O que também ampliou a nossa representação leitor/autor, como no caso de algumas situações retratadas a seguir:

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Com esta prática exercida com freqüência na escola e na universidade,alguns licenciandos, como Michely Galvão, na primeira foto acima, aosfinais de semana recebia as crianças da vizinhança para ler livros infantisconsagrados e os nossos livros produzidos por alunos do ensinofundamental e da formação de professores.

Foram produzidos inúmeros gêneros textuais, alguns só de imagens,outros audiovisuais, outros em animação, como os que estão retratadosabaixo:

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Até os paradidáticos eram objeto de leitura, de reflexão e o ponto departida para novas produções como os livros jogo, livros brinquedo, vídeobrinquedo, etc. Neste momento compreendíamos literatura, assim comoPaula Wenke (2010, p.111) entende poesia:

Poesia pode;não poda;não é moda,é modo.

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Então, por tudo isso, é preciso traçar outras trilhas

Escrevemos [...] a dois. Como cada um de nós era vários, já era muitagente.Utilizamos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o maisdistante. [...] Fomos ajudados, aspirados, multiplicados (DELEUZE& GUATTARI, 1995)

Assim como não há apenas um sentido correto para os textos, nãoexiste caminho certo previamente estabelecido. Os saberes, leituras, textos,sentidos vão sendo construídos no percurso, praticando uma “escuta sensível”(Barbier, 1985) do outro e de si mesmo, rompendo com “o sentido certo”,com “o outro legitimado”. Nas discussões ficava clara a construção daconvicção de que “ler é saber que o sentido pode ser outro” (Orlandi, 2006).

Em outras palavras, fomos entendendo e confiando na existência dediversas “verdades” possíveis, que elas têm a ver com os sujeitos (autores/leitores), com suas condições de produção de sentidos. Fomos descobrindoque nossas “leituras” e nossos “mundos” podiam ser registrados em livros.Fomos compreendendo “livro”, como Caetano Veloso (2004) o descreve:“Livro[...]é o que pode lançar mundos no mundo”.

Sujeitos leitores traçando trilhas para articular ensino, pesquisa,extensão ou para tecer práticas universitárias e escolares

Eu tinha vinte anos e devia escolher entre a literatura e a vida. Escolhi asduas, convencido de que a literatura tinha que ser vida também. De fato,as tardes e manhãs iluminadas já não me bastavam. Por isso me voltarapara a literatura. Não para fugir da vida ou negá-la e sim para acrescentar-lhe o sentido que ela devia ter e não tinha. Noutras palavras: voltei-mepara a literatura pensando resgatar a vida (FERREIRA GULLAR, 1999).

Como vimos, o olhar que lançamos sobre o caminho que construímostransborda suas margens e acena para o panorama conceitual que dásustentação teórica à proposta implementada.

Na configuração de uma prática de ensino, de pesquisa e de extensãoeminentemente coletiva aqui relatada, há um componente político queorienta o processo, tendo por perspectiva a intervenção numa dadarealidade social por meio de um olhar investigativo. Este “olharinvestigativo”, por ser um conceito elástico, abrigou diferentes concepçõese revelou múltiplos aspectos de um processo participativo que tem porfinalidade “olhar com particular interesse o movimento social a partir desituações e dos sujeitos que realizam anonimamente a história” (EZPELETAe ROCKWELL, 1986, p. 11).

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A opção por uma pesquisa deste cunho demarca, portanto, nossa apostapolítica em um movimento bidirecional de aprofundamento do diálogouniversidade-escola, tendo por eixo dialógico o redimensionamento daspráticas de leitura da escola. Na dinâmica proposta, todos os participantesda pesquisa são percebidos, em sua constituição, como sujeitos leitores:pesquisadores, professores em formação inicial e continuada e alunos doensino fundamental. Sendo múltiplos os sujeitos, de certo, são tambémmúltiplas as leituras que se aí entrecruzam: nas proposições teóricas quefundamentam a proposta de pesquisa, de extensão e de ensino, noplanejamento compartilhado do trabalho de campo, nas discussões realizadas,nas leituras/fruições dos livros produzidos e nas diferentes práticas vivenciadaspelos sujeitos envolvidos nesta prática.

Com isso, foi possível desenvolver um exercício conjunto de pesquisar,como uma forma de romper com certas práticas culturais que insistem emmanter na superficialidade o diálogo entre a universidade e a escola, bemcomo a separação entre ensino, pesquisa e extensão. Importa dizer quediálogo é aqui, assumido, para além de sua significação usual, como ummodo de interação verbal, “nem sempre simétrico e harmonioso, existenteentre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura,uma sociedade” (Brait, 2001, p. 79). É possibilitar, pois, que universidadee escola dialoguem e, mesmo respaldadas por teorias e/ou práticas que asconstituam a priori, que estejam abertas a um diálogo construtivo, bemfundamentado e responsivo. Daí, buscarmos compreender não só osdiscursos construídos pelos alunos em interação com diferentes textos eleituras propostos, mas, sobretudo, a maneira como esses discursosecoavam no próprio processo de produção de conhecimento. Lá e cá.Na escola e na universidade. Vimos, com isso, possibilidades para que omovimento reflexivo/participativo se efetivasse.

Referências bibliográficas

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Notas

1 Projeto de Pesquisa intitulado Articulação de linguagens na TV e leitura naescola: a apropriação dos textos multimidiáticos nas práticas pedagógicas, des-de agosto de 2008 com previsão de término em agosto de 2011, financiado peloPROCIÊNCIA da UERJ (um programa de dedicação exclusiva da instituição).2 Um deles é o NUPEC (Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências), financiado pelaFINEP, e o outro o PRODOCÊNCIA da UERJ, financiado pela CAPES.

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INTERAÇÕES ECOLÓGICAS ATRAVÉS DO JOGO“MEMÓRIAS DAS RELAÇÕES”: PRODUÇÃO EREALIZAÇÃO DE UMA OFICINA PEDAGÓGICA

PARA ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Gabriela Rodrigues¹;Jonathan Ruan¹;Rafaela Mulato¹;Rebeca Castro¹ eRegina Mendes²

Este artigo relata a experiência de produção e realização de uma oficinapor alunos da disciplina “Laboratório de Ensino III”, do curso deLicenciatura em Ciências Biológicas da FFP/UERJ. A oficina foi realizadacom alunos de ensino médio da Escola Estadual Francisco Lima, localizadano município de São Gonçalo, RJ. A temática principal da oficina girou emtorno das relações ecológicas, abordadas através de um jogo, de imagense de conceitos complementares. Após essa apresentação, o material daoficina entrou para o acervo do Laboratório de Ensino de Ciências eBiologia de nossa universidade, e tem sido utilizado por outros licenciandosem atividades de ensino nas escolas da região.

1. Introdução

O presente trabalho relata a experiência da confecção e realizaçãode uma oficina produzida por alunos da disciplina “Laboratório de EnsinoIII”, do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, da Faculdade deFormação de Professores da UERJ. A oficina foi realizada com alunos deensino médio da Escola Estadual Francisco Lima, localizada no municípiode São Gonçalo, RJ.

A confecção da oficina partiu da escolha de conceitos relativos ao tema“Ecologia e Biodiversidade”, que deveriam ser abordados tanto de formateórica — complementando a abordagem do professor da turma — quantode forma prática, com a elaboração de atividades dinâmicas, através dasquais os alunos pudessem assimilar melhor os conteúdos apresentados.

A proposta apresentada visou a elaboração de uma atividade que

¹ Licenciatura em Ciências Biológicas, Faculdade de Formação de Professores da UERJ;² Departamento de Ciências, Faculdade de Formação de Professores da UERJ.

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não fosse apenas conteudista e livresca mas sim interativa, através de umjogo realizado em sala de aula.

Jogos didáticos têm características semelhantes aos jogos de lazer,mas função diferente. Utilizam a brincadeira, o lazer, o divertimento e olúdico como base, mas estão voltados ao ensino de conteúdos escolares.Para Gomes & Friedrich (2001, p.389):

Um jogo é chamado didático quando utilizado para atingirdeterminados objetivos pedagógicos. É uma alternativa parase melhorar o desempenho dos estudantes em alguns conteúdosde difícil aprendizagem. Através do jogo didático váriosobjetivos, além do pedagógico, podem ser atingidos, tais como:socialização, cooperação e satisfação. Certos meios deaquisição de conhecimento são facilitados quando tomam aforma aparente de atividade lúdica. O jogo não é o fim visado,mas o eixo que conduz a um conteúdo didático determinado.

Ainda segundo esses autores, a utilização de jogos no meio educativodemorou a ser aceita. Foram teorias pedagógicas como as de Froebel ede escolanovistas como Claparède, Dewey, Decroly e Montessori queproporcionaram uma visão dos jogos como parte de uma ação livre eorientada pelo professor.

Concordamos com Campos et al. (2003) quando afirmam que osjogos didáticos são uma alternativa viável e interessante para: a construção,pelos alunos, de seus próprios conhecimentos num trabalho em grupo; asocialização de conhecimentos prévios; e para a utilização dessesconhecimentos prévios na construção de conhecimentos mais elaborados.Além disso, os alunos costumam se entusiasmar ao receberem a propostade aprender de uma forma mais interativa e divertida, o que despertaneles a motivação necessária para o envolvimento na ação, a aceitaçãodo desafio e a mobilização da curiosidade.

Com base nesses argumentos, construímos uma proposta didáticaque incluía um jogo numa oficina pedagógica.

2. A proposta didática

Trabalhamos com o conceito de relações ecológicas, que trata dasinterações existentes nas comunidades biológicas, tanto dentro de umapopulação quanto entre uma população e outra, podendo essas relaçõesserem harmônicas ou desarmônicas. Como descreve Odum (1988, p.233):

Uma população muitas vezes afeta o crescimento ou a taxa

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de mortalidade de outra população. Assim, os membros de umapopulação podem alimentar-se de membros de outra população,competir por alimento, excretar dejetos nocivos ou interferirde alguma forma com a outra população. Igualmente, aspopulações podem ajudar uma à outra, a interação sendo ouunidirecional ou recíproca.

O conteúdo desta oficina procurou abordar de maneira simples oconceito de relações ecológicas — que é um conceito fundamental paraa compreensão da Ecologia —, mostrando sua importância no processoevolutivo. Dessa forma, procuramos aproximar as concepções dos alunosdas concepções de ciência apresentadas na escola, utilizando para issoum jogo. Afinal, muitas vezes as crianças perdem o direito de brincar nasescolas pois a escola é vista como um lugar de estudo, e não de lazer.

O objetivo é buscar alternativas para reverter o afastamento entre oensino e a realidade onde o aluno está inserido, para que assim ele possainteragir com e no mundo em que vive (CHASSOT, 1995).

3. Metodologia: elaboração dos materiais

Por se tratar de um tema fundamental dentro da Ecologia (geralmenteapresentado sempre no último semestre, se o professor da turma seguir aordem da maioria dos livros didáticos), com o conhecimento das relaçõesecológicas o aluno pode ampliar a visão de que nós, seres humanos, nãoestamos sozinhos no ambiente e nem conseguiríamos viver se isto ocorresse.Com isso, vemos que as relações ecológicas são cruciais nos processo deseleção natural e conseqüentemente na evolução dos seres vivos.

Praticamente em todos os capítulos dos livros didáticos de Biologiavemos as interações ocorrendo. Quando falamos de uma espécieseparadamente, já conseguimos ver as relações dela com o meio, entre ogrupo e entre outras espécies. Como descreve Ricklefs (1996, p.261):

As marcas nas asas que fazem com que as mariposas seconfundam com o fundo de seus locais de repouso durante odia as capacitam a escapar de serem notadas pela maioriados predadores. Por suas persistentes cores e fragrâncias,as flores chamam a atenção para si e atraem os insetos e ospássaros que carregam o pólen de uma flor para a próxima,efetuando a fertilização.

Buscamos portanto confeccionar uma atividade onde o aluno, alémde raciocinar, exercitar e testar aquilo que ele aprendeu, de uma maneira

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bem dinâmica pôde ainda desenvolver com a ajuda de seus colegas aconstrução de seus próprios conceitos, buscando não apenas decorar asdefinições apresentadas.

Com isso, produzimos um jogo chamado “Memórias das Relações”usando um painel feito de tecido com fundo preto e fotos grandes, para facilitara visualização de toda classe (FIG.01 e FIG.02). Na parte teórica, fizemosuma breve apresentação do conteúdo, fornecendo exemplos de relaçõesecológicas com o auxílio de imagens em slides e, no decorrer da explicação,montando um cartaz onde eram colados: 1°- o nome da relação; 2°- símbolosindicando se esta era favorável, desfavorável ou indiferente aos seresenvolvidos; e 3°- se a relação era harmônica ou desarmônica (FIG.03).

Ao final da explicação, passando à parte dinâmica, a turma foi divididaem dois grupos, e então foi aplicado o jogo, contendo algumas das figuras queforam apresentadas anteriormente nos slides. Cada par de figuras representavauma relação ecológica, num total de 12 pares/relações (24 figuras). Essasfiguras ficavam expostas aos alunos de modo que eles deveriam analisá-las edizer quais formavam pares entre si, cada grupo escolhendo um par de cadavez. Se o par indicado fosse correto, as respectivas figuras eram cobertascom um papel numerado. Além de dizer quais figuras formavam pares, ogrupo tinha ainda que citar que relação ecológica elas representavam; o cartazanteriormente montado ainda estava exposto, para auxiliar os alunos.

FIG. 01: Painel do jogo “Memórias das Relações”

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4. Regras do jogo

O jogo era simples. Dividimos a turma e pedimos para que escolhessemos pares respectivos e que citassem qual era o tipo de relação. Atitudes desocialização, cooperação, interesse e raciocínio eram o que nós esperávamose foram fundamentais para o desenvolvimento desta oficina. O comportamentoda turma foi excelente, e percebemos que aqueles conceituados “bagunceiros”e que demonstravam desinteresse na parte teórica, foram os que participaramde forma mais ativa durante o jogo. Tivemos a oportunidade de jogar duasvezes e nessa segunda rodada, descobrimos uma nova maneira de executar ojogo, dessa vez um pouco mais difícil, já que o cartaz foi desmontado, e agoraos alunos tinham que lembrar o nome da relação correspondente ao par defiguras que eles escolhessem, e só então este era colocado no cartaz.

Abaixo. FIG.02:Exemplo de comomontar o jogo. Os

números das casasvão por cima das

imagens

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RELAÇÕES ECOLÓGICAS

Mutualismo + + H

Comensalismo / + H

Protocooperação / + H

Competição - - D

Parasitismo - + D

Predatismo - + D

Amensalismo / - D

I

N

T

E

R

E

S

P

E

C

Í

F

I

C

A

Inquilinismo / + H

Colônia + + H

Sociedade + + H

Competição - - D

I

N

T

R

A Canibalismo + - D

FIG. 03: Exemplo do cartaz apresentado em sala

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5. Conclusão

Assim como em Campos et al. (2003), observamos a função educativado jogo durante sua aplicação na escola, percebendo entre os alunos aaquisição e retenção de conhecimentos, em clima de alegria e prazer. Aapresentação da oficina foi totalmente enriquecedora e diferente do quevivemos nas salas da nossa faculdade. Por ser nossa primeira experiênciacom “alunos de verdade”, chegamos muito apreensivos e nervosos —mais do que de costume —, e saímos de lá muito satisfeitos pelodesenvolvimento da atividade em classe. Com certeza nós aprendemosmuito mais do que aqueles alunos.

Aliando conhecimentos lúdicos e cognitivos, entendemos que o jogofunciona como uma importante estratégia de ensino e aprendizagem deconhecimentos biológicos, favorecendo a motivação, o raciocínio, aargumentação e a interação entre alunos e entre professores e alunos.Como diz Chassot (1995), “a Ciência que se ensina na escola devepreparar o cidadão para a vida, para o trabalho e para o lazer. Isso é fazerEducação através da Ciência”.

Após os bons resultados apresentados pela oficina, o jogo entroupara o acervo do Laboratório de Ensino de Ciências e Biologia da FFP/UERJ. Por duas ocasiões, o material foi solicitado por alunos em estágiosupervisionado, para fazerem parte do conteúdo das suas aulas de regência.Ambos os licenciandos trabalharam o tema “Relações Ecológicas” emsuas aulas. O resultado voltou a ser positivo, com o envolvimento dasturmas com o conteúdo, através do jogo.

Nenhum dos licenciandos em estágio utilizou o cd com a aula expositivapreparada pelo grupo; um deles optou por preparar uma aula teórica noquadro, após a qual aplicou o jogo com os alunos. A outra licenciandapreparou uma apresentação em slides própria, e após a mesma aplicou ojogo em sala de aula. Ambos relataram resultados positivos com o jogo.

Dessa forma, atestamos que o jogo “Memórias das Relações”realmente chama a atenção dos alunos do ensino médio para o temarelações ecológicas, facilitando a revisão de conceitos e o envolvimentodos alunos com o tema da aula.

6. Referências bibliográficas

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A RECEPÇÃO DAS CRIANÇAS NA EDUCAÇÃOINFANTIL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Giselle Mendes dos Santos (FFP-UERJ)

Introdução

Recentemente a educação infantil vem ganhando um papel cada vezmais importante para a educação das crianças. Do assistencialismo àprimeira etapa da educação básica, seu ensino ainda não é obrigatório,mas suas transformações não cessam em acontecer e causar reflexõesnos pais e educadores.

Qual o perfil atual da educação infantil? Qual o perfil do profissionalque atua neste segmento? Quais as metodologias mais adequadas de ensinoe aprendizagem? A rotina é importante? Qual é o momento certo da criançaingressar na escola? Como será o ingresso da criança na escola? Essas eoutras questões freqüentemente penetram no cotidiano acadêmico, escolare familiar e geram inúmeras discussões.

A questão na qual este trabalho pretende discutir é a respeito daentrada da criança na educação infantil, um dos momentos mais cruciais eimportantes, tradicionalmente conhecido como período de adaptação.

Ao longo da história da educação infantil, a adaptação tem sido vistapor muitos como um momento de separação da vida familiar para o ingressona vida escolar com o objetivo principal de fazer com que as criançasparem de chorar e adaptem-se ao novo ambiente.

Recentemente novas perspectivas para este período vem surgindo noBrasil e no mundo. Uma delas é o chamado inserimento, conceito italianoque pode ser traduzido para o português como inserção. A inserção ouinserimento veio ressignificar o momento de acolhimento das crianças naescola criando “novas” diretrizes e rumos.

O principal objetivo deste trabalho é discutir sobre o momento derecepção das crianças nas escolas de educação infantil, descrevendo umrelato de experiência.

O começo de tudo...

Este trabalho teve início a partir de reflexões sobre a minha própriaprática enquanto professora de uma turma com crianças de 3 anos deidade em uma escola pública da Prefeitura de Niterói.

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A hora da entrada e do café da manhã foram muito confusaspois todas as turmas da escola ficaram juntas no refeitório e houvebastante choro. Após o lanche, as crianças de 2 e 3 anosmisturaram-se e muitas crianças não sabiam dizer o próprio nome,o que impossibilitou saber quais alunos correspondiam a que salas.

A solução, proposital ou não, encontrada pela EAP (Equipede Articulação Pedagógica – diretora e pedagoga) foi a dedividir as crianças que estavam chorando das mais calmas.Com isso, as duas turmas continuaram misturadas.

A primeira tentativa de acolhida às crianças que choravamfoi juntá-las em minha sala, oferecer brinquedos e cantar músicas.Tentativa mal-sucedida. Então, sugeri que levássemos as criançaspara o terraço – espaço mais amplo da escola e com diversosbrinquedos – para então, tentar acalmar o choro. De início,algumas crianças logo se acalmaram com as novidades que oterraço oferecia enquanto em outras o choro ainda persistia.

Colo pra lá... conversas pra cá... brinquedos e brincadeirasaqui e ali... e as crianças foram se acalmando, principalmentequando oferecemos massinhas e palitos para brincar, folhas ehidrocores para desenhar, de forma mais livre o possível. Enfimo choro cessa. Uma ou outra criança de vez em quando selembravam da mãe ou de outro parente e voltavam a chorar,mas depois paravam.

Na hora da saída, novamente o caos: todas as crianças daescola ficaram juntas e, novamente, muito choro.

Eu não havia planejado nada para o primeiro dia poisesperava uma orientação da EAP que não ocorreu. Talvez tantaconfusão e tanto choro pudessem ter sido evitados caso estaadaptação tivesse sido planejada em conjunto por toda aequipe. Falta de organização e planejamento refletem emcrianças inseguras e confusas.

Provavelmente, o ideal teria sido um maior espaço de tempopara que toda a equipe pudesse se organizar; organizar o tempo,o espaço escolar e o período de adaptação. Talvez a criação deum projeto consistente pudesse amenizar um pouco osproblemas surgidos neste primeiro contato com as crianças.

Um outro aspecto que me incomodou muito foi a mistura dasturmas. Pois quando consegui saber o nome de algumas criançaspercebi que muitos dos meus alunos não estavam comigo. (...)

Como venho estudado na faculdade, vivenciei hoje, na prática,

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que o erro acontece porque levantamos hipóteses do que, naquelemomento, pareceu-nos certo. E hoje foi uma prova disto:levantando hipóteses sobre o que seria mais adequado paraacolher as crianças foi que erramos e acertamos. E por isso oerro é construtivo, porque serve de experiência para refletirmose pensarmos no que pode ser certo adiante. (Relatório produzidoapós o 1º dia de aula no GREI 4A1– 04/02/2009)

Pensando em todo o sofrimento vivenciado por mim e pelas criançasnaquele primeiro dia, refleti sobre algumas possibilidades de ações eatividades que pudessem valorizar mais adequadamente o período detransição das crianças de casa para a escola.

A primeira ação que tomei foi a de ficar apenas com os meus alunos,sem misturar com a turma de 2 anos, para que eu pudesse conhecê-los eavaliar o desenvolvimento deles nesse delicado período. Os dois diasseguintes, enquanto a saída ainda era mais cedo, foram mais tranqüilos.Mas o caos retornou quando o horário de saída passou a ser ao meio dia.

Muito choro. Eu e a minha turma sem ajuda. Toda a equipe estavaconcentrada na turma de 2 anos e esqueceram-se de que os alunos de 3também estavam em adaptação. Um misto de desespero e revolta tomouconta de mim e fui pedir ajuda. Em vão. De acordo com a Diretora ninguémpoderia me ajudar enquanto a turma de 2 anos estivesse em adaptação. (???)

A segunda-feira foi desesperadora. Quem não chorava quaseenlouquecia com o choro dos outros. A situação chegou em um ponto tãoextremo que uma criança abaixou-se em um cantinho, levou as mãos aosouvidos e começou a chorar em silêncio, pois não agüentava mais tantaconfusão. Me senti em um campo de batalha.

Adaptação difícil: os pais não podiam entrar na escola; as crianças erampraticamente arrancadas do colo dos pais para serem depositadas naqueleespaço estranho com pessoas estranhas tendo que fazer o que elas mandavam.

Falta de coletividade e de planejamento, a proibição de ter os paisdentro da escola, um provável paternalismo e uma arquitetura inapropriadapara a educação infantil resultaram em dias difíceis, um enorme desgastefísico e emocional (em vão?) e no choro que demorou a cessar.

Em um “desabafo” na aula de Educação Infantil II na Faculdade,pude enxergar mais claramente toda aquela situação. E foi então que conhecia proposta de inserimento: uma perspectiva que quase se contrapõe a daadaptação tradicional.

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Inserção x Adaptação

Todas as escolas e creches têm um ponto de vista a respeito daentrada da criança na escola e a respeito da separação, quer ignoremestes assuntos, quer tenham planos para eles. Se os ignoram, é maisprovável que o seu ponto de vista se baseie na posição tradicionalde que a separação não é algo que tenha uma importância especial, eque largar a criança na escola e escapar é melhor para as pessoasenvolvidas. Se a escola tem um plano para a separação, estáreconhecendo a importância de ligação entre pais e filhos.”(BALABAN apud SAVALLI e ROCHA, p. 4)

De acordo com o Dicionário Aurélio adaptar significa “1. tornar apto;2. adequar (...) 4. tornar-se (mais) apto a fazer (algo)”. E inserir significa“1. introduzir, incluir”.

No significado dessas palavras já fica explicito a principal diferençaentre esses dois conceitos: no primeiro o sujeito deve se adequar aoambiente e/ou objeto enquanto no segundo, é o ambiente e/ou objeto quedeve incluir o sujeito. Mas quais serão as diferenças pedagógicas entreessas duas perspectivas para o acolhimento das crianças nas escolas?

O sentido clássico de adaptação concebe o período de acolhimentodas crianças como um espaço de separação da vida familiar para a vidaescolar. A escola é um mundo pronto na qual a criança deve adaptar-se.O relacionamento com os pais é (na medida do possível) evitado. Aadaptação é um processo de curta duração, quando a criança chora naprimeira semana para se acalmar e adaptar-se na segunda.

Contraposta a esta visão, o inserimento é uma estratégia para “darinício a uma série de relacionamentos e comunicações entre adultos e criançasquando a criança está ingressando em uma creche ou em uma pré escolapela primeira vez.” (Bove, 2002) O período de acolhimento envolveprincipalmente questões acerca de planejamento flexível, organização,preparo da equipe escolar e a valorização do vínculo criança-família-escola.

O processo de inserção é inacabado e contínuo; ele ocorre atravésda construção de uma estreita relação da tríade família-criança-escola.Esse relacionamento é fundamental para acolher as crianças. A escola eas aulas são cuidadosamente planejadas, de forma flexível, para oferecer,da melhor forma possível, um ambiente de acolhimento e de respeito,estimulando sentimentos de familiaridade e segurança emocional. Se, naadaptação parece haver uma disputa de competências entre professorese pais, na inserção a relação entre eles é de parceria.

Os Referenciais Curriculares da Educação Infantil (RCNEI) tambémdiscutem sobre esse primeiro momento da educação infantil:

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No primeiro dia da criança na instituição, a atenção do professordeve estar voltada para ela de maneira especial. Este dia deveser muito bem planejado para que a criança possa ser bemacolhida. É recomendável receber poucas crianças por vezpara que se possa atendê-las de forma individualizada. (...)É importante que se solicite, nos primeiros dias, e até quandose fizer necessário, a presença da mãe ou do pai ou de alguémconhecido da criança para que ela possa enfrentar o ambienteestranho junto de alguém com quem se sinta segura. Quandotiver estabelecido um vínculo afetivo com o professor e comas outras crianças, é que ela poderá enfrentar bem a separação,sendo capaz de se despedir da pessoa querida, com segurançae desprendimento.Este período exige muita habilidade, por isso, o professornecessita de apoio e acompanhamento, especialmente do diretore membros da equipe técnica uma vez que ele também estásofrendo um processo de adaptação. Os professores precisamter claro qual é o papel da mãe (ou de quem estiveracompanhando a criança) em seus primeiros dias na instituição.Os pais podem encontrar dificuldades de tempo para viver esteprocesso por não poderem se ausentar muitos dias no trabalho.Neste caso, seria importante que pudessem estar presentes,ao menos no primeiro dia, e que depois pudessem sersubstituídos por alguém da confiança da criança. (RCNEI,Introdução, 1998, p. 80)

A solução...

De acordo com Freire (1996, p. 39) “É pensando criticamente aprática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.” Efoi refletindo sobre aqueles primeiros dias que fui pesquisando teorias emodificando minha prática. Diante da impossibilidade de ter a presençada família dentro da escola, busquei, observando as próprias crianças, asolução para aquela situação. Foi então que uma das brincadeiras dascrianças se tornou um Projeto da turma.

O Projeto Casinhas e Bonecos

O mês de fevereiro no GREI 4A foi caracterizado por um período detransição das crianças do ambiente familiar para o ambiente escolar, períodoconhecido como adaptação. Atravessando este delicado momento, as criançasencontraram um jeito próprio de se apropriar do ambiente escolar trazendoelementos de sua própria identidade e famílias: a brincadeira de casinha.

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Arrastando todas as cadeiras e mesas da sala de aula, selecionavame recolhiam os brinquedos necessários, principalmente os bonecos ebonecas, e simbolizavam e brincavam em “suas casas” debaixo das mesas.

Dentro deste contexto, surgiu o Projeto “Casinhas e Bonecos”. Foiquando tivemos a oportunidade de falar sobre nossas famílias, nossascasas, sobre o que fazíamos quando não estávamos na escola. Vimos,através de conversas e brincadeiras, questões como identidade,diversidade e auto-estima. Os alunos passaram a sentir-se valorizados eviram que dentro da escola eles encontrariam um lugar para compartilharsobre suas famílias e sobre suas vidas.

Considerações finais

Os dias se passaram e as crianças pararam de chorar. Todos os diasapreciavam conversar sobre o que faziam e sobre o que gostavam defazer dentro e fora da escola.

E foi assim, observando e valorizando as ações das crianças enquantosujeitos, que consegui minimizar as dificuldades encontradas naqueleperíodo. Apesar de comentar sobre a proposta de inserção na escola aqual trabalhava, minha voz era apenas uma e em sala também estava só.Vivi momentos de cansaço e quase desespero. Mas não desisti. Persisti.E o resultado não poderia ser melhor...

Referências bibliográficas

BOVE, Chiara. “Inserimento: Uma estratégia para delicadamente iniciarrelacionamentos e comunicações” In. EDWARDS, Carolyn e GANDINI,Lella. Bambini: a abordagem italiana à educação infantil. Porto Alegre:Artes Médicas, 2002.BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de EducaçãoFundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil/ — Brasília: MEC/SEF, 1998. 3 vol.SAVALLI, Elaine Cristina Alves da Costa e ROCHA, Márcia do SocorroCascaes Nery Ramalho. Discutindo a adaptação escolar: um caso aser vivenciado. Disponível em: http://mail.falnatal.com.br:8080/revista_nova/a3_v2/artigo_0.pdf

Notas

1 O GREI 4A (Grupo de Referência em Educação Infantil) é uma turma composta por18 alunos de 3 a 4 anos de idade.

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SOBRE UMA AULA CHAMADA SILÊNCIO E ACONSTITUIÇÃO DE UMA FORMAÇÃO

INVENTIVA DE PROFESSORES

Bruno da S. R. Macedo (FFP-UERJ)Rosimeri de Oliveira Dias (FFP/UERJ/FAPERJ)

A experiência relatada a seguir tem início no estágio-observaçãorealizado em uma turma de 7º ano no C. E. Conselheiro Macedo Soares,situado no Barreto, município de Niterói. As segundas-feiras chegava antesde 7:30, horário de início das aulas, e me dirigia à sala dos professores, lásentava e ouvia a conversa dos presentes. Ao soar o sinal todos se dirigiamas suas salas e eu acompanhava a professora de português até a sua, ondese encontrava os alunos da turma 701. Eu, então, sentava na última carteirae ficava observando. Percebia os alunos inquietos e alvoroçados, nãosabendo se era pela minha presença. Eu ficava quieto no canto sentado nofundo da sala com o caderno de anotações na mão e ouvindo a professoraa pedir e repetir “silêncio!”, mas não era atendida. Nisso passaram-se 20minutos. Os alunos não fizeram silêncio, mas se acalmaram um pouco. Foiaí que ela apresentou a mim, como sendo o estagiário que passaria algumtempo ali observando a aula, sendo aquilo motivo para eles se comportareme fazer silêncio. A aula prosseguiu, porém não houve o pedido silêncio.Neste dia a professora entregava as provas corrigidas aos alunos,reclamando das muitas notas baixas. Ela comentava as questões da prova equando a turma ficava muito agitada, parava e aguardava silêncio. Os alunosficavam quietos, mas não totalmente. Eu anotava as minhas impressões nocaderno e os alunos por perto perguntavam se eu estava anotando o nomedeles para encaminhar para a diretora, respondi que não. Não era este omeu objetivo. Terminou a aula e o meu primeiro dia de observação.

No segundo dia, a professora entrou em sala, a turma como sempreestava inquieta e agitada, a sua primeira reação foi pedir silêncio. E nissoia 20 minutos da aula. E eu no canto no fundo da sala observando eanotando no meu diário de campo. A atividade proposta deste dia foi aleitura de um texto do livro didático sobre o tema do “bullying”. Ela pediualguns alunos que lessem em voz alta, mesmo estando à turma na agitaçãoem que estava. E a aula prosseguia sem o silêncio desejado. Anotei oseguinte em meu caderno: “A língua é vida, pulsação, está o tempotodo se movimentando entre nós. A articulação da fala atravessa oterritório escolar. O sujeito descobriu o verbo, e não parou mais de se

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articular. Na escola os alunos estão o tempo todo articulando a línguaviva e pulsante uns com outros no espaço em que habitam”. Terminadaa aula, “como o tempo passa rápido”, recebi o comunicado que a diretoraqueria conversar comigo. Dirigi-me até a sua sala. Ela me contou que aturma de 7ª série, a mesma observada por mim, estava com uma aulavaga. Ela propôs que eu assumisse esse tempo vago, ministrando aulas dereforço em língua portuguesa. Eu aceitei, e já saí de lá pensando como equal seria a minha primeira aula.

Ao preparar o plano de aula, resolvi começar a falar dos fonemas,letras e sílabas; pois não sabia os quantos andava a turma em matéria delíngua portuguesa. Preparei o meu plano de aula: de início, para variar edescontrair, brincar com eles de forca, a palavra seria “fonema”, depoisseguiria com os conceitos de letra e sílaba. Desta forma trabalharia aoralidade e a escrita. E passaria um exercício de separação de sílabas.Chegado o grande dia da aula, mas antes fui até a sala da diretora comocombinado. Esta me conduziu à sala onde estava a turma 701, apresentou-me e disse que eu assumiria o tempo vago com aulas de reforço em línguaportuguesa. Notei que enquanto a diretora estava presente o silêncio eraunânime. Representava ela a autoridade, por isso o silêncio. Foi só ela seretirar, e passados alguns minutos, os alunos começaram a ficar inquietos.Dei bom dia, apresentei-me novamente e iniciei a primeira atividade comodescrita em meu plano de aula: a brincadeira da forca. Os alunos ficaraminteressados e ao mesmo tempo agitados. Muitos agitados e inquietos. Eunão conseguia dar as explicações dos conceitos trabalhados. Nessemomento, percebendo ser impossível competir com os muitos que falavam,escrevi no quadro de lousa o enunciado “silêncio!”. Perguntei a eles se erauma frase, uma palavra e o que aquilo significava. Enquanto todos estavamatentos e em silêncio olhando para o quadro, perguntei se eles percebiama contradição existente naquele enunciado. “Silêncio!” é uma frase, porquepossui sentido completo e um enunciado constituído pela palavra “silêncio”.Esta palavra designa o estado de quem se cala, e é formada de sonsdenominados fonemas. Ora! Composição de sons que pedem o contrário– silêncio. Os alunos presentes ali pensavam sobre tal contradição, emcompleto silêncio. Silêncio este que se propagou, sendo ouvido pela escola.Até que a orientadora pedagógica, notando a ausência total de barulhovindo daquela sala, resolveu conferir abrindo a porta da sala. Ela percebeua turma pensativa e completamente quieta. Não acreditava na situação aliobservada. Percebendo o inacreditável fato, elogiou. Este elogio espantouo pensamento dos alunos e o tão desejado silêncio, como os pássarosafugentados em uma praça. Saíram os alunos do lugar do pensamento elogo voltaram ao estado de agitação. A orientadora, então, pediu o tal do

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silêncio. Depois ela me disse ser a turma 701 eleita pelos professores comoa mais inquieta e agitada e por isso uma das mais temidas. A mim soou comouma contradição. E saí dali pensando como seriam as próximas aulas.

Para o segundo dia de aula preparei uma atividade de reforço. Lembreidas muitas notas baixas dos alunos e que a professora trabalhava com asintaxe do português. Cheguei à sala e dei bom dia, a turma estava inquietae agitada como sempre. Não pedi silêncio. E iniciei uma conversa. Pergunteidas dificuldades sobre a matéria dada pela professora. Ouvi com atenção e,então, comecei a explicar – frase, oração e período. Frase é um enunciadocom sentido completo, exemplo: “Silêncio!” Oração é um enunciadoconstituído de sujeito e predicado ou só predicado: “Os alunos fazemsilêncio”; “Fiquem quietos!”. Período é a frase com duas ou mais orações:Fiquem quietos e façam silêncio! Pedi a eles que me dessem exemplos deorações retiradas do exame feito. Os exemplos foram do tipo: questão“separe e classifique sujeito e predicado”, oração “O balão caiu”. Percebiserem frases sem sentido para os alunos. Pensei então num jeito de, naquelemomento, tornar a sintaxe compreensível àqueles alunos. Eles estavaminquietos e agitados, como sempre, gostam de falar e falar. Fiz perguntas aeles, e das respostas pedi que analisassem sujeito e predicado daquelasorações. Os sujeitos “elementos no qual se declara algo” eles próprios, opredicado “declaração sobre o sujeito” o que diziam eles sobre os sujeitos.Bem, desta vez não ficaram em completo silêncio como na aula anterior, aocontrário estavam mais falantes do que nunca. Nem sei se compreenderama matéria. Mas descobri que a fala dos alunos pode ser muito potente nasaulas, pois representa ela a matéria viva e pulsante da língua. Antes do términodo período escolar, uma aluna veio até a mim para agradecer as aulas dereforço em língua portuguesa. Em silêncio fiquei emocionado.

Aula como um espaço de pensamento e formação inventiva deprofessores

Sim, estes dois traços devem sempre ser mantidos juntos. Sozinho, ohomem é para mim absolutamente estrangeiro. Sozinho ele é odesconhecido, sozinho ele é outro, e nisto, presença: o homem éassim. (Presença que não se apóia nem sobre o ser nem sobre o ter;presença que poder-se-ia dizer imediata, se mediato e imediato nãofossem aqui palavras sem conveniência). Cada vez que rejeitamossobre um ser não humano a estranheza, ou quando atribuímos aouniverso o movimento do desconhecido, nós nos aliviamos do pesodo homem. Nas vezes em que imaginamos pobremente, no céu dosplanetas e das estrelas, nosso encontro assustado com um serdiferente e superior, nos perguntamos: o que pode acontecer? Aoque podemos responder, porque este ser está aí desde sempre: é o

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homem pela presença de quem toda medida de estranheza nos édada. (BLANCHOT, 2001, p. 110)

A presença viva e desviante da aula silêncio não se apoiou nem no serque carrega sua condição determinada pelo indivíduo, eu pensante, racionale, nem tampouco, usou a dimensão gramatical da ciência do professor ede seu saber. A presença da palavra-incorporada silêncio é viva naconstituição de um espaço tempo coletivo de pensamento. Como nosdiria Deleuze, em seu abecedário, “as aulas são algo muito especial. Umaaula é um cubo, ou seja, um espaço-tempo. Muitas coisas acontecemnuma aula. [...] Uma aula é algo que se estende de uma semana a outra. Éum espaço e uma temporalidade muito especiais”. Um espaço tempoatravessado não pela fala, mas antes em manter o movimento da alternativade pensar. Afirmaríamos, num primeiro momento, como um território doesforço de produzir uma prática de pensamento.

Uma aula como um território de esforço de pensamento aposta napesquisa-intervenção e na cartografia, longe de se constituir em um abrigo dacomplexidade da subjetividade contemporânea, tem favorecido uma aventurapor outras formas de pensar e de fazer práticas no campo da formação, numaperspectiva ético estético e política. Como nos alerta Rocha e Aguiar (2010).Tal perspectiva ganha consistência na micropolítica de produção de modosde subjetivação, um plano de possíveis, dificilmente acessado nasmacropolíticas educacionais (como leis, normas, currículos que se baseiampor aquisição de competências e habilidades, dentre outras). Inclusive, parapensar as práticas de formação no contexto da educação, Rocha e Aguiar(op. Cit, p.69) denominam o paradigma ético, estético e político, na perspectivade Felix Guattari (1992), logrando um tríplice objetivo:

(i) pensar a formação como criação de percursos em meio a múltiplasforças; (ii) remeter à reflexão sobre nossos atos, nossas implicaçõescom as instituições em jogo, favorecendo escolhas sobre a melhorforma de viver; (iii) colocar o desafio de (re)constituição de um campode intervenção, problematizador e crítico, intensificador de encontros.

Num contexto micropolítico é que a experiência da aula silêncio foitecida. Habitar o território1 existencial – escola – com seus inúmerosatravessamentos, uma abertura para viver os acontecimentos e umaformação possível forjou uma experiência. Esta é tomada como aquiloque nos passa, nos acontece e nos transforma do modo proposto porBenjamin (1996) e Larrosa (2004). Muitas ferramentas de análisecompareceram na experiência, mas nesta escrita, evidenciaremos algumasque se constituem em intercessores, ou seja, que possam intervir neste

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processo a nosso favor, convidando-nos a traçar as políticas de cogniçãoque dão corpo a uma experiência ética estética e política. Como evidenciaruma micropolítica da formação, por meio da experiência? Em que sentidoexpressamos as políticas de cognição no campo da formação deprofessores? Que sentidos outros podemos evidenciar quando trabalhamoscom/na escola como um território existencial?

Existe aí, efetivamente, algo difícil de dizer, como se algo quando ditocom palavras, nos afastasse das práticas de constituição de um territórioexistencial e micropolítico. Como dar visibilidade as nossas práticas semrepresentação? Como comunicar os termos da experiência viva e intensa,em seu próprio movimento e em nome de uma política de cognição e deuma formação inventiva? Para tanto, outra ferramenta será de essencialvalor: a escolha teórico-metodológica da pesquisa-intervenção e dacartografia como um eixo estético de nossas práticas em formação2.

Temos, então, aqui nesta escrita o desafio de dar visibilidade a algumasferramentas que funcionaram a favor da experiência aula silêncio.Ferramentas que, entretanto, não nomeiam nunca uma experiência sendopossível replicá-la como modelo, mas a chamem, para que, desconhecida,experimentemos o desafio das imprevisibilidades e, experimentando-o nosesforçamos no desafio de nomear o possível e enfrentar o desconhecido eo estrangeiro que bate a nossa porta, em cada aula, em cada intensividadede criar uma política cognitiva.

Tomando as idéias de Kastrup, Tedesco e Passos (2008), Dias (2009)afirma que uma política de cognição no campo da formação de professoresevidencia que o problema do conhecer não se esgota na sua definiçãoteórica ou no debate de modelos utilizados para seu entendimento. Umapolítica de cognição expressa uma distinção ética, estética e política e, aomesmo tempo, envolve uma posição em relação ao mundo e a si mesmo,uma atitude, um ethos. Neste sentido, formar não é apenas dar forma a,mas envolve também estratégias de estranhamento de políticas de cogniçãocristalizadas para dar lugar a outros modos de relação com mundo, compessoas, consigo mesmo, com aprender e com conhecer.

Há, por isso, uma necessidade de colocarmos a formação deprofessores em processo de permanente análise dos movimentos e daspráticas. No território movente da formação apontamos dois tipos depolíticas de cognição – as de (in)formação e (trans)formação (DIAS,2008). As de (in)formação pensam o conhecer como algo “dado” ou“pronto” que deve apenas ser acumulado e operam com simplesprocessamento de informações voltado para a solução de problemas, porisso situam-se na lógica da representação simbólica. Diferentemente, aspolíticas de (trans)formação afirmam o conhecer como concreto e

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encarnado na própria experiência e agenciam práticas para a invenção deproblemas que fazem emergir uma plasticidade no território da formação,deste modo caminham para um processo de produção de sentido.

A noção de políticas de cognição evidencia que a formação deprofessores não se fundamenta na experiência passada, mas encontra suachave na experiência presente e no modo em que damos visibilidade a ela.Trata-se mais de um cultivo da atenção ao presente do que um apelo aosaber acumulado do professor. É uma questão de um aprendizadopermanente e da constituição de políticas que expressam um campo depotência para ser e fazer uma educação outra. Nem melhor nem pior, masdiferente. Neste contexto de políticas cognitivas e experiência, Dias (2009)forja a noção de uma formação inventiva. Em tal contexto, as políticas decognição tratam o aprender e o conhecer pela problematização e lidamcom a diferença que forçam um deslocamento na formação docente. Estemostra o movimento que desloca a formação voltada somente para seusresultados e fins, para colocá-la no coração das experiências de aprendizagemque emergem do seu percurso, regidas por invenção de problemas. Estesdeslocamentos são permanentes, acentuando sempre que há caminhos defuga das lógicas deterministas e limitadoras do pensamento no campo daformação de professores. Por isso, aqui, formação de professores é pensadapor aquilo que move os encontros, no meio dos quais há tensão e possibilidadeentre os diferentes modos e formas de pensar e de fazer o conhecer. Odesafio é tomar o conhecer como invenção de problemas, abrindo-se paraas imprevisibilidades e pequenas invenções que emergem dos contextos deformação (DIAS, 2009).

Uma formação inventiva desloca-se para continuamente diferir dapadronização e investir na invenção de si e do mundo (KASTRUP, 1999).Ao mesmo tempo em que proliferam práticas políticas, ela produzsubjetividades, pois conjuga produção de conhecimento com produçãode existência. Ao provocar rupturas uma formação inventiva trabalha sobo signo do novo e do imprevisto. Sua atividade científica integra uma formade problematização permanente e de rivalidade, promovendo uma estéticada existência que liga produção de subjetividade, políticas de cognição,experiência e práticas de um modo que não é nem o dos saberes ditostradicionais, nem aquele vinculado à uma prontidão para ação construtiva.Suas estratégias abrem-se à desnaturalização e à articulação do improvisocom a invenção (DIAS, 2009).

Uma formação aberta e atenta à constituição de subjetividades,pensando-as diferentes da noção de indivíduo e de sujeito do conhecer.Produção de subjetividade, na perspectiva que trabalhamos toma comoreferência as ideias de Deleuze (2005) e de Foucault (1985). Estas pensam

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a constituição da existência, como singularidades, como um campo derelação de forças. Existem formas já constituídas e forças que necessitamde visibilidade. Desta forma, o sujeito não está dado de antemão, mas éefeito de um permanente processo de produção. Com isto, produção desubjetividade polemiza o lugar de um sujeito pensante que se problematizaa si próprio como uma experiência de pensar; possuindo comocaracterísticas o movimento, a transformação e a processualidade(KASTRUP; BARROS, 2009, p. 76). Quando o formando ou o professorpenetram no território da escola com esta ideia, eles, permanentemente,abrem-se para a constituição de um presente vivo e intenso nas práticas.Isto muda o modo como habitamos a escola, pois como nos ensinouFoucault e Deleuze: Pensar é experimentar, é problematizar. Com isto,

[...] o saber, o poder e o si são a tripla raiz de uma problematização dopensamento. E, primeiramente, considerando-se o saber comoproblema, pensar é ver e é falar, mas pensar se faz no entremeio, nointerstício ou na disjunção do ver e do falar. É, a cada vez, inventar oentrelaçamento, lançar uma flecha de um contra o alvo do outro,fazer brilhar um clarão de luz nas palavras, fazer ouvir um grito nascoisas visíveis. Pensar é fazer com que o ver atinja seu limite próprio,e o falar atinja o seu, de tal forma que os dois estejam no limitecomum que os relaciona um ao outro separando-os. Demais, emfunção do poder como problema, pensar é emitir singularidades, élançar os dados. (DELEUZE, 2005), p. 124)

Na aula chamada silêncio, o lance de dados aconteceu exprimindo que opensar vem de fora, traçado no entre da aula, em seu devir. Porque pensar ésingular e, não se faz de forma inata e nem adquirida, não é exercício de umafaculdade cognitiva, nem um learning representativo de uma tarefa pré-configurada. No silêncio, o lance de dados “exprime a relação mais simplesde forças ou de poder, aquela relação que se estabelece entre singularidades”(Ibidem, p. 125) constituídas no intermeio entre formando e alunos, numespaço que problematiza a experiência de constituição da existência.Inumeráveis relações de forças atravessam o interstício, palavras, silêncios,fonemas, os gestos e olhares, os afetos, turma mais barulhenta, sujeitos falantesexcessivamente esquadrinhados pela escola, turma mais agitada, dentre outros.

Produção de subjetividade aqui toma a configuração de um devir,uma invenção de possíveis traçados no entre da constituição de umaexperiência. Por isto, produção de subjetividade constitui-se como umaferramenta potente no contexto das políticas de cognição no campo daformação de professores. Este conceito-ferramenta assume novoscontornos, de um pensamento que se produz como singularidades, comoresistências as formas dadas que insistem em manter as lógicas do sujeito

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pensante dado por uma faculdade cognitiva. Ou seja, como relações deforças que lutam para enunciar e dar visibilidade ao que não está descrito.Inventando, outros possíveis de fazer e pensar uma educação.

Nesta perspectiva, necessitamos de um método de investigação e deintervenção que propicie a análise de territórios moventes como é o campo daescola. É preciso um método que nos permita acompanhar os dinâmicosprocessos da instituição escolar. Para Lourau (1993) a instituição é um jogode forças entre o instituído e o instituinte, e mesmo que não pareça, estásempre em movimento. O instituído se estabelece por meio de ordens, valores,modos de representação e organizações ditas normais, para ele é aquilo quevemos. Já o instituinte é a contestação, a capacidade de inovar e forjar práticasde produção de sentidos que constroem um novo campo de coerência.

Na escola o instituído encontra-se visivelmente nas ordens expressas,nos valores estabelecidos como hegemônicos, etc. Tomamos como exemploos pedidos de “Silêncio!” nas aulas de língua portuguesa. Esses pedidoscontém palavras de ordens instituídas, ao mesmo tempo, temos uma formainstituinte de não-silêncio, um mecanismo de resistência dos sujeitos aosilenciamento do corpo e do pensamento – do corpo pensamente, já quea língua é um órgão vivo. Por isso, precisamos de um método que nosajude a dar visibilidade a essas forças instituintes, permitindo-nos operarcom o imprevisível e com o processo inventivo. O método da cartografianos fornece pistas que ajudam no exercício de uma formação inventiva.Pois este é um método que visa:

acompanhar processos, mais do que representar estados de coisas;ele intervém na realidade, mais do que a interpreta; montadispositivos, mais do que atribui a eles qualquer natureza; dissolveo ponto de vista dos observadores, mais do que centraliza oconhecimento em uma perspectiva identitária e pessoal. O métododa cartografia implica também a aposta ético-política em um modo dedizer que expresse processos de mudança de si e do mundo. (PASSOS;BARROS, 2009, p. 169)

Estas pistas do método da cartografia evidenciam que não é precisoconhecer para transformar, mas é transformando que se conhece; sãoduas atitudes coordenadas para a cartografia e a pesquisa-intervenção.Outra pista potente para o trabalho de uma formação inventiva é “ofuncionamento da atenção no trabalho do cartógrafo” (KASTRUP, 2009),nesta pista a atenção do cartógrafo deve estar no presente para, assim,poder acompanhar os movimentos da formação que estão em curso. Aspistas do método da cartografia nos ajudam a tornar visível o instituinte daexperiência de estágio relatada. Na aula silêncio o formando agiu de forma

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inventiva, lidando com a imprevisibilidade. E, como um cartógrafo,habitando o território existencial e de pensamento de uma aula, foitransformando e produzindo conhecimento, direcionando a atenção parao tempo presente e, não se furtando a estar no meio da experiência. Comisto, pôde acompanhar os processos e a criação de novos sentidos.

Silenciamentos e a constituição de uma formação inventiva: algumaspistas para habitar o território da escola

Conversamos no decorrer desta escrita experiência, com práticas,com autores, com conceitos que nos possibilitaram pensar em outrospossíveis para o campo da formação de professores. Estes são aquiexpressos, pela luta em constituir um território de inventividade no campoda formação de professores. Em nossas pesquisas lutamos para darvisibilidade a uma formação inventiva. Uma estética da existência no campoda formação que ganha contornos não pensados, exigindo de nósultrapassarmos a lógica do entendimento, para experienciando, darvisibilidade a um devir em constituição.

Quando optamos em enunciar uma experiência de um formando docurso de Letras da FFP/UERJ, não buscamos entender o que aconteceuna aula silêncio, mas repetindo e contando a experiência em que o formandoe o formador acolhem entre o território de formação o percurso de feitura,que é diferente de qualquer prática de formação já dita e, por isto semprenova, jamais ouvida. Exatamente uma escrita incorporada expressada poruma política de cognição que deseja nomear os diferentes possíveis de seformar, sempre outros, inventados no contexto de um encontro. Com isto,evidenciamos que o plano dos possíveis, do invisível, do que ainda não foipensado, não é menos real. O desafio em habitar e fazer as micropolíticasimplica uma mudança de foco: a de intensificar e investigar o que afeta aspessoas, como produzir um exercício de problematização implicado coma produção de outros sentidos de vida, de ação e de formação?

Formação inventiva ganha sentido tomando a vida pelo meio, pelamanutenção do campo problemático, como máxima metodológica. Damaneira como Rocha e Aguiar (2010, p. 76) nos forçam a pensar:

A escola é vista, então, como uma rede de intensidades de implicaçãocoletiva que pode investir tanto na rotina, principalmente pelolamento, assim como pode agenciar formas de resistências, de luta,construindo outros modos de vida institucional. Neste sentido, aescola deixa de ser um conjunto de casos-problemas (abordagemque fala em natureza das pessoas) para constituir-se em um campode forças socialmente produzido, manifestando-se de diferentesformas e podendo ser abordado pela análise coletiva dos hábitos,das naturalizações das cenas e dos procedimentos, da organizaçãocentralizada e vertical do sistema de ensino.

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Tomar a escola como uma possibilidade forjando sentidos outros eas diferenças que nos atravessam. Assim, há necessidade de aprender aoperar por deslocamentos. Com esta escrita-experiência fizemos um lancede dados, convidando os leitores a pensar em suas políticas cognitivas,colocando em análise as formas de constituição da existência que forçamem manter as práticas de solução de problemas no campo da educação.

Anunciar esta escrita-experiência é restituir uma experiência deformação ao plano coletivo de sua produção. Se esta experiência nostraz um ganho, se ela, em alguma medida nos forma, é no sentido de umconhecer incorporado e de uma formação inventiva. Nesta medida, nãobasta ler esta experiência silenciosamente ou outros textos teóricos sobreo assunto. “É preciso praticar, ir a campo, seguir processos, lançar-sena água, experimentar dispositivos, habitar um território, afinar a atenção,deslocar pontos de vista e praticar a escrita, sempre levando em conta aprodução coletiva do conhecimento” (PASSOS, KASTRUP,ESCÓSSIA, 2009, p. 203).

Na aventura de uma formação inventiva enfrentamos diversos riscose podemos produzir formações melhores ou piores, excelentes ousimplesmente interessantes. Podemos também imaginar que nos formamosinventivamente, quando apenas representamos. Nomear de inventiva aformação que praticamos não garante o resultado de nosso trabalho. Origor de uma formação inventiva reside na irredutível atenção aosmovimentos da subjetividade, das políticas de cognição e das passagensexistenciais, seu presente, suas estéticas, seus estilos em constituição (queainda precisam de contornos).

O que nos parece, entretanto, consistente com a escrita-experiênciasilenciosa do trabalho de uma formação inventiva é que a prática depensamento tornou-se um esforço do fazer de uma aula. O trabalho daaula silêncio indica uma direção ética estética e política para os fazeres deuma formação inventiva de professores. Ela pode ser dita uma açãoinventiva, mas deve-se destacar que a ação foi aí uma ação experienciada,num contínuo processo de deslocamento de seus limites. A experiênciasurge no bojo da ação e foi realizada por meio de práticas concretas, enão pela reflexão ou fazendo apelo a uma consciência abstrata e universalcomo instância de formação. Mais uma vez, foi no presente que tecemosa escrita-experiência. A escolha das práticas da aula silêncio não parececaber na fórmula “eu escolho”. Pode-se dizer que os alunos e o formandoforam escolhidos quando a aula foi instalada no tempo dito vago do horárioescolar, mas mantém-se o ponto de problematização no meio do percursodo ano letivo e o tema da escolha parece explicitar-se pela formulaçãoindeterminada “escolhe-se”. A invenção da palavra formação surge como

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um plano impessoal, a abertura para a diferença. Se há uma ética estéticae política que daí pode ser extraída, ela deve ser chamada de uma estéticade um fazer implicado, resultado da habitação de um território existencial.A ética estética e política dão voz e fazem ver também – e este é o pontoespecialmente interessante – uma estética de si, em que o saber mostra-sesempre limitado, e a constituição da existência luta por novos contornos.

Referências bibliográficas

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cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. PortoAlegra: Sulina, 2009, 150-171.ROCHA, M. L.; AGUIAR, K. F. Entreatos: Percursos e construções dapsicologia na rede pública de ensino. Revista Estudos e pesquisas empsicologia. UERJ. Rio de Janeiro, Ano 10, N. 1, p. 68-84, 2010.Disponível em: <http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a06.pdf>. Acesso em 10 mai. 2010.

Notas

1 Analisado como um território de passagem e de produção de subjetividadecomo efeitos de signos expressivos, do modo proposto por Gilles Deleuze e FelixGuattari (2004).2 Este eixo é trabalhado na pesquisa “Formação inventiva de professores e políticasde cognição como dispositivos para a criação do conselho escolar do ColégioEstadual Conselheiro Macedo Soares”, que é um desdobramento da pesquisa“Formação inventiva: experiência e políticas cognitivas na formação de professores”.Ambos os projetos contam com financiamento da FAPERJ.

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TAPE NHEMOEXAKÃ. UNIVERSIDADE, ESCOLAINDÍGENA, CURRÍCULO E CINEMA1

Domingos Nobre (FFP-UERJ-CAIK)Michelle Puente (FFP-UERJ-FAPERJ)

A Escola Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda, localizadana Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, vem passando por momentos degrande transformação em seu processo de construção curricular nos últimosanos. Atrasos históricos na garantia plena dos direitos indígenas à umaeducação de qualidade; contratação limitada de professores frente àdemanda; dificuldades no acompanhamento pedagógico de atividadespresenciais de estágio, práticas de ensino e pesquisa na própria escola eaté uma certa irregularidade no seu funcionamento, são alguns dos desafiosatuais que enfrentam para a melhoria qualitativa do processo deescolarização dos Guarani Mbya do Rio de Janeiro.

Entretanto, alguns sinais de práticas inovadoras, realizadas com a escolae na escola com os professores, alunos e jovens da comunidade, emparceria com a SEE-RJ, realizadas pela Universidade, em co-gestão comuma ONG e com financiamento público da Petrobrás, têm sido percebidose aqui serão discutidos.

Este é objetivo deste trabalho - refletir criticamente sobre umaexperiência de extensão e pesquisa desenvolvida pela UERJ, em parceriacom o CAIK – Centro de Assessoria Intercultural Kondo, na escolaindígena, a saber: um Curso de Extensão em Produção de Vídeo2.

Tal reflexão se faz a partir de minha experiência de formaçãocontinuada de professores indígenas guarani desde 1995, como assessorpedagógico da escola indígena até 2005, quando então passo a coordenaro Projeto “Segurança Alimentar Indígena Guarani”, pelo ProgramaDesenvolvimento & Cidadania – Petrobrás, em curso até 2009, no âmbitodo qual a experiência pode ser viabilizada.

Um pouco de história da escolarização

Lopes da Silva (2001) cita uma pesquisa promovida pelo Instituto daUNESCO para Educação sobre “educação de adultos para povosindígenas”3, que ela coordenou aqui no Brasil, e que constatou que há, noBrasil, uma alarmante homogeneidade de discurso na descrição de projetosde formação de professores índios feita por seus promotores (ONGs,

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organizações indígena, Universidades, com apoio financeiro e/ouacompanhamento de órgãos oficiais como MEC, Funai e SecretariasEstaduais e Municipais de Educação).

Conforme apontei em Nobre (2009a), os objetivos, metodologias,dinâmicas de participação das comunidades, tal como apresentados nosprojetos das mais distintas autorias e nos mais diferentes pontos do país,refletem um consenso que está dado nos documentos oficiais. Se, à primeiravista, a existência do consenso pode parecer positiva – já que remete aosfundamentos daquilo que se convencionou chamar de “educaçãodiferenciada” – por outro lado é inquietante tal homogeneidade quando seconhece a extrema diversidade de situações reais (econômicas, históricas,culturais, lingüísticas, políticas...) vividas pelos povos indígenas e amultiplicidade de avaliações que fazem de suas condições atuais e deperspectivas que elaboram sobre seu futuro. É inquietante também quandose conhece a já mencionada distância efetiva que há entre o plano dodiscurso sobre a educação escolar indígena no país e a prática escolar eeducacional nas aldeias. (Lopes da Silva , 2001, p. 13)”

Sabemos que as experiências de escolarização empreendidas no Brasilsão bastante diversificadas, assumindo contornos próprios de etnia para etnia.Até dentro de uma mesma etnia, apresentam características diferenciadas deuma aldeia para outra. Não podemos, portanto, falar em uma educação indígenaúnica no país, dada a variedade sócio-cultural de cada grupo, nem sequer deuma educação indígena guarani, dada a diversidade entre as aldeias pertencentesao mesmo sub-grupo Guarani Mbya.

Neste sentido, é importante recuperar historicamente a trajetória deescolarização do grupo Mbya na Aldeia Sapukai, dada a especificidade eo contexto étnico e sóciocultural.

Em Angra, funcionou até 2003 a Escola Indígena Guarani KyringueYvotyty, com aproximadamente 100 alunos e 8 professores; em Paratifuncionou a Escola Indígena Guarani Tavá Mirî, com aproximadamente80 alunos e 3 professores e a Escola Indígena Guarani Karaí Oka, emAraponga, com 08 alunos e 1 professor, sendo todas de caráter comunitário.

Em 1999 foi criado o NEI-RJ – Núcleo de Educação Indígena doRio de Janeiro, um espaço interinstitucional, cujo objetivo erapotencializar de forma articulada, elaborar e monitorar a partir dasdiretrizes traçadas pelos guarani, as políticas públicas em educaçãoescolar indígena para o Estado do Rio.

Nesse espaço foi possível traçar um planejamento em que os projetosvoltados para a formação dos educadores indígenas fossem encadeadose configurarem-se como desdobramentos uns dos outros. Neste sentido,o NEI-RJ garantiu, por um período, que os pequenos projetos com

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financiamento público apresentados pelas Secretarias de Educação aoMEC, fossem executados dentro de diretrizes gerais comuns traçadascom os Guarani.

Entretanto, permanecemos a reboque da pauta oficial implementadapelo MEC, em relação aos processos de regulamentação das experiênciaseducativas escolares e negligenciamos a discussão em torno de questõesessenciais e anteriores à implementação de escolas propriamente ditas.(Nobre, 2005)

Como em todos os segmentos de educação no país, o MECimplementou nos últimos anos um conjunto de ações, programas e projetosque foram desde a publicação de um “Referencial Curricular Nacionalpara as Escola Indígenas”(Brasil, 1998), à elaboração de legislaçãoregulamentadora da LDB (Brasil, 1996), através de resoluções e pareceres.

A comunidade acadêmica educacional, indigenistas, assessorias e órgãospúblicos municipais e estaduais debruçaram-se em torno dessa agenda. Numplano mais geral, tal agenda acelerou sobremaneira o processo de discussãoem torno da escolarização das comunidades indígenas. Em planosespecíficos, nem todas as comunidades indígenas tiveram a calma necessáriapara debater profundamente a implantação ou não de uma escola nas Aldeias.Não se conseguiu imprimir as prioridades definidas pelas comunidadesindígenas ao movimento de escolarização, ficando-se sempre atrás do MECpara resolver as questões dentro dos limites por ele impostos. (Nobre, 2005)

Apesar da correção na análise diagnóstica e nas diretrizes traçadasentão, não foi possível, por exemplo, sequer realizar coletivamente umCurso de Magistério Indígena no Rio de Janeiro, específico e diferenciadopara os Guarani de Angra e Parati, com a participação de todas asentidades representadas no NEI-RJ. As divergências de propostas político-pedagógicas por parte de alguns representantes não indígenas fizeram-semais fortes que os acordos consensuais.

Não havia decisão política institucional conjunta que sustentasse aoperacionalização da iniciativa, que não se realizou efetivamente parafrustração dos Guarani, que hoje, freqüentam um Curso de MagistérioIndígena Guarani promovido pela SEE-SC (além das SEEs do RS, PR,RJ, ES e apoio do MEC e FUNAI), em Florianópolis. Fomos capazes,no âmbito do NEI-RJ, de planejar e montar coletivamente uma propostacurricular para o Curso, mas não fomos capazes de implementá-la. Foirealizado em Parati um Seminário de construção curricular do Curso deMagistério Indígena, onde uma primeira versão de um Currículo para oMagistério Indígena foi produzida..

Em 2002 ocorre então, o processo de dissolução formal do NEI-RJ,e um retorno às ações institucionais isoladas. Após três anos de tantos

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esforços na tentativa de um trabalho coletivo articulado, em consonânciacom as diretrizes traçadas pelos Guarani, assiste-se em 2002 à implosãodo NEI-RJ, enquanto espaço de articulação de políticas públicas.

Foi preciso que o MEC instituísse legalmente a responsabilidadeaos Estados de oferecer a educação escolar indígena para que as SEEscomeçassem a se mobilizar em atender a crescente demanda indígenapor escolarização.

Somente em 2003, o CEE-RJ se posicionou em relação à solicitação dacomunidade escolar indígena de criar a categoria “Educação Escolar Indígena”nos sistemas estadual e municipal de ensino, publicando o Decreto Estadualnº 33.033. Por outro lado as Secretarias Municipais ainda não incluíram acategoria “Educação Escolar Indígena” nos seus Sistemas e também nãocriaram ainda um setor específico na sua estrutura organizacional, que apontepara um trabalho subsidiário às ações do Estado. Apenas a SME de Paratimantém somente uma técnica acompanhando as escolas nas aldeias.

Só em 2004 é que a Deliberação CEE nº 286 é publicadaestabelecendo normas para autorização, estrutura e funcionamento dasescolas indígenas no âmbito da educação básica no sistema de ensinoestadual do Rio de Janeiro.

Finalmente, com bastante atraso histórico, em 2005 foi criada aEscola Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda, através doDecreto nº 38.125, da então Governadora do Estado, que a constituicomo Escola Pólo e mantendo as Escolas de Parati-Mirim e Arapongacomo Salas de Extensão.

As atividades de formação continuada com os professorespermanecem atualmente sob a forma de encontros modulares presenciais,realizados na cidade do Rio de Janeiro, entre as viagens dos professoresà Santa Catarina e coordenados pela SEE-RJ.

Diferentes atividades, entretanto, organizadas por distintas instituições,vem sendo desenvolvidas com adolescentes, jovens e adultos da Aldeia(alunos e professores) configurando assim um campo de ação que decerta maneira afeta a construção do currículo da escola. O Curso deExtensão em Produção de Vídeo, promovido pela UERJ em parceriacom o CAIK foi um deles e aqui será relatado.

O Cinema e a Vida

Os encontros do Curso de Vídeo, que duraram 7 meses e no qualparticiparam 21 adolescentes, jovens e adultos, foram sustentados poruma metodologia participativa com o formato de Oficinas que tiveram 4momentos específicos:

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a) Elaboração coletiva do Roteirob) Filmagensc) Ediçãod) Exibições de filmes e Debates

Os objetivos iniciais do curso foram: instrumentalizar jovens, alunos eprofessores da Escola no uso de técnicas de produção de vídeos; produzirum Vídeo Documentário etnográfico sobre a História de vida do Xamã,Cacique e fundador da Aldeia, Sr. João da Silva Verá Mirim (94 a) erefletir com a comunidade sobre as questões de auto-sustentação,resistência cultural e projetos de futuro, através do vídeo documentário.

O argumento básico era contar a história de vida do Xamã Verá Mirimabrindo entrevistas com seus filhos que atuam em diversas frentes detrabalho e abrindo para os demais jovens da Aldeia, além de algumaslideranças e mais velhos, para através dessa história, apresentar asestratégias de resistência e sobrevivência do grupo Guarani da AldeiaSapukai. Os eixos iniciais de abordagem seriam: Cultura Guarani, ReligiãoGuarani, Projetos de Auto-Sustentação, Saúde, Educação, InfluênciasNegativas/Obstáculos à preservação da cultura tradicional. Ficou definidoque o material produzido além de servir de reflexão crítica com acomunidade deveria ser pedagógico em seu processo coletivo de produção.

Entretanto, no início das discussões do argumento para elaboraçãodo roteiro, quando indagados sobre o que gostariam de apresentar no seufilme sobre a comunidade, os grupos de trabalho levantaram diferentestemas que sistematizamos em blocos temáticos, a saber: Religião, Cultura,Educação, Saúde, Projetos na Aldeia, Cotidiano, Tecnologias e Históriada Aldeia. Viu-se que a história de vida do Sr. João (mesmo sendorepresentativa da constituição da Aldeia) não dava conta da diversidadede conteúdos que eles queriam que fossem representados no filme.

Fig. 1 - Oficinas de Roteiro

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Para cada bloco levantaram os sub-temas e as cenas necessárias paraabordá-los. Definimos então que cenas poderiam ser incluídas em cadaBloco Temático. Os depoimentos foram listados e algumas cenas foramcriadas e pré-produzidas.

Escolheram o Sr. João exclusivamente para representar a ReligiãoGuarani no filme, o que foi feito em duas grandes cenas produzidas: umareza de cura, filmada na Opy (Casa de Reza) e uma reza de batismo,filmada no interior de uma casa de uma rezadeira.

Alguns aspectos importantes podem ser destacados na experiência:Ficou clara, para os guarani, a opção de nenhum juru´a (não indígena)

participar do filme. Qualquer cena em que algum aparecia eraimediatamente cortada na edição;

Demonstraram um enorme respeito e cuidado pela fala dosentrevistados: as cenas eram exaustivamente assistidas e revistas por elesna edição, para aproveitar-se ao máximo do conteúdo dos depoimentose não deturpar o contexto da fala.

O roteiro foi revisto e reconstruído ao longo da edição, quando sedecidia definitivamente a ordem dos blocos temáticos no filme e dentrodos blocos a ordem de cada depoimento.

Fig. 2 - Oficinas de Edição

As questões polêmicas eram tratadas numa perspectiva polissêmica,trazendo para o filme as diferentes perspectivas dos atores envolvidos.Por exemplo: no bloco “educação”, ao lado de depoimentos do professorda escola, entrou também um depoimento de uma anciã, D. Érica, contráriaà escola e que por isso não manda seus netos, que ela cria, para a escolaaté hoje, pois considera mais importante na infância a educação tradicionaldada na família, dentro da tradição cultural guarani. No bloco “saúde”, aolado de depoimentos de um agente comunitário indígena de saúde,colocaram o de duas parteiras tradicionais, defendendo a preservação dohábito do parto tradicional na Aldeia. No bloco “tecnologias”, ao lado de

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jovens contando o prazer de jogar “playstation”, colocaram o de umaanciã alertando para o perigo desse uso e o do Xamã, criticando os novoshábitos após a chegada da luz na comunidade.

Fig. 3 - Filmagens

Esse tratamento polissêmico dado aos temas polêmicos, permitiu quea discussão em torno deles avançasse. Paralelo a isso, foram realizadasalgumas sessões de cinema com a exibição e debate de alguns filmes abor-dando a temática Guarani: a) Tekoa Arandu. Comunidad de la Sabiduria.Una Historia de Resistência Cultural, de Fernando Nogueira. b) MbyáGuarani,Guerreiros da Liberdade, de Charles Cesconetto. c) Contosda Terra Sagrada, de Silvana Corona e José Luiz de Carvalho. d) UmaAula Guarani Eté, de Domingos Nobre. e) “Tape Nhemoexakâ PorâVe´a”, de Domingos Nobre (trechos do que estava sendo editado) ed)”Mitã´i A Infância Guarani Mbya”, de Domingos Nobre.

Fig. 4 - Sessões de cinema

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Algumas conclusões provisórias se depreendem da experiência queentrelaçou Universidade, Escola Indígena, Currículo e Cinema: a escola étambém um espaço de fronteiras, um campo de lutas, assim como todo ocurrículo que ela constrói. O currículo que vem sendo construído na/pelaescola tem origens e espaços de produção simbólica diversos, mediadospermanentemente por uma situação de interculturalidade.

Os professores em formação são agentes que refletem e se vêemrefletidos no filme que foi produzido no Curso numa perspectiva crítica deinterculturalidade, de reflexão sobre os elementos culturais das tecnologiasde comunicação que vem afetando o dia a dia e a cosmovisão dos“modernos” Guarani.

O curso teve impactos no processo de construção curricular numtrabalho com EJA fora dos muros da escola e numa perspectiva deaprendizagem ao longo da vida conforme diretrizes apontadas naCONFINTEA*, em 1997.

Os resultados apontam para um processo dialético deinterculturalidade, onde elementos da cultura não indígena se fundem,mesclam, atravessam ou re-significam as estratégias de sobrevivência dogrupo, num processo de interculturalidade está ainda em curso,determinando ora atitudes de resistência cultural, ora de subordinação.

Da experiência, fica um alerta já anteriormente dado: a escola indígena,afinal, não poderia ser um espaço (não necessariamente físico) de formaçãodos agentes de saúde, dos guias de turismo, dos professores, das liderançasindígenas da Associação, dos artesãos, dos técnicos agrícolas, dos técnicosem cooperativismo, em diferentes cursos, modalidades, percursos formativos,projetos de formação continuada, pesquisas? Numa perspectiva de garantira autonomia dos seus projetos de futuro, a escola indígena não deveriaacompanhar as demandas educativas necessárias à formação de jovens eadultos para a sua auto-sustentação em programas de desenvolvimentosócio-sustentável? Somente assim a escola se justificaria: se ela estivesse aserviço dos projetos autônomos de sociedade dos grupos indígenas. Qual aperspectiva de trabalho para a escola, senão contribuir para odesenvolvimento sócio-sustentável da comunidade, através da formaçãode jovens e adultos em bases autônomas? (Nobre, 2009)

Referências bibliográficas

a) Textos

BRASIL, MEC. Referencial curricular nacional para as escolasindígenas. Brasília: MEC/SEF 1998 346 p.

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______, Lei nº 9394 LDBEN – Lei de diretrizes e bases da educaçãonacional de 20 dedezembro de 1996.GOVERNO DO RIO DE JANEIRO. Decreto nº 33.033, de 22 de abrilde 2003_______, Decreto nº 38.126, de 15 de agosto de 2005NOBRE, Domingos. Uma pedagogia indígena guarani na escola, praquê? Editora Curt Nimuendajú. Campinas. 2009______, Educação de jovens e adultos, organização social indígenae projetos de futuro. In: SAMPAIO, Marisa N. & ALMEIDA, RosileneS. Práticas de Educação de Jovens e Adultos complexidades, desafios epropostas. Autêntica. Belo Horizonte. 2009a______, Escola indígena guarani no Rio de Janeiro na perspectiva daautonomia: sistematização de uma experiência de formação continuada.Tese de Doutorado. Faculdade de Educação UFF. Niterói. 2005SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. CEE-RJ. DeliberaçãoCEE nº 286, de 29 de março de 2004SILVA, Aracy Lopes da. A Educação de adultos e os povos indígenasdo Brasil. In: Experiências e desafios na formação de professoresindígenas no Brasil. Em Aberto. N. 76. Vol. 20 Brasília, INEP. 2003UNESCO. La Declaración de Hamburgo. 5ª Conferência Internacionalde Educación de Las Personas Adultas.

b) Filmes

Tekoa Arandu. Comunidad de la Sabiduria. Una Historia deResistência Cultural, de Fernando Nogueira. ProjectArg. Em La Via.Argentina. 92 min. 2007Mbyá Guarani,Guerreiros da Liberdade, de Charles Cesconetto. SérieDOCTV. Ministério da Cultura. TV Cultura Brasília. Brasil. 55 min. 2004Contos da Terra Sagrada, de Silvana Corona e José Luiz de Carvalho.Série DOCTV. Ministério da Cultura. TV Cultura Brasília. Brasil. 55 min.2004Uma Aula Guarani Eté, de Domingos Nobre. Petrobrás – ACIGUAS -UERJ 2009Tape Nhemoexakâ Porã Ve´a, de Domingos Nobre. Petrobrás –ACIGUAS - UERJ – 2009Mitã´i A Infância Guarani Mbya, de Domingos Nobre. Petrobrás –ACIGUAS - UERJ – 2009

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Notas

*CONFINTEA – 5ª Conferência Internacional de Educação de Pessoas Adultas,promovida pela UNESCO, em Hamburgo, Alemanha, de cujo documento final,conhecido como: Declaração de Hamburgo, o Brasil é signatário.1 Tape Nhemoexakã - Caminho para a reflexão, em Guarani; nome dado pelos jovensguarani ao filme documentário longa metragem produzido no Curso de Extensão.2 O Curso integra o Projeto de Extensão: Cultura Guarani e Práticas Educativas, quepossui uma bolsista voluntária: Michelle Puente Azevedo e subsidia o Projeto dePesquisa: “Formação de Professores Indígenas Guarani, Construção Curricular ePráticas de Ensino”, que possui uma bolsista PIBIC/UERJ: Talita de Oliveira Silva,desenvolvidos na Aldeia e no entorno da Escola.3 Pesquisa: “International Survey on Adult Education for Indigenous Peoples”,com coordenação geral de Linda King de Jardón, Diretora da UNESCO-Institutefor Education.

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CURSO DE PEDAGOGIA DA FFP/UERJ E INSTITUTODE EDUCAÇÃO CLÉLIA NANCI: DIÁLOGOS

ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA

Inês Ferreira de Souza Bragança (FFP-UERJ)

I. Introdução: a escola como lugar de memórias

A Faculdade de Formação de Professores tem procurado, ao longode sua trajetória, estabelecer uma relação de diálogo com a cidade deSão Gonçalo por meio de suas propostas de ensino, pesquisa e extensão.Considerando a importância e a referência histórica do Instituto deEducação Clélia Nanci (IECN) na formação de professores/as nessemunicípio, buscamos implementar um projeto de pesquisa-formaçãoenvolvendo a Faculdade, especialmente o “Núcleo de Pesquisa eExtensão Vozes da Educação: Memória e História das Escolas deSão Gonçalo” e o referido Instituto, favorecendo a formação de nossos/as alunos/as como professores/as pesquisadores/as.

O presente trabalho tem como objetivo socializar essa proposta depesquisa-formação vivida no componente curricular EstágioSupervisionado III do Curso de Pedagogia desenvolvida em 2007 (2ºsemestre), 2008 (1º semestre) e 2009 (1º semestre); componente estevoltado para a docência nas disciplinas pedagógicas do Curso Normal,bem como em processos de formação contínua.

Tomando a abordagem desenvolvida pelo Núcleo Vozes daEducação nas escolas de São Gonçalo e seu objetivo de “promover oresgate da memória e da história da educação de São Gonçalo”(TAVARES, 2008), nossa atuação no Instituto tomou como eixo articuladoro pressuposto da escola como “lugar de memórias” (NORA, 1993),envolvendo os alunos do Curso de Pedagogia no levantamento dasmemórias e histórias da formação de professores, por meio da inserçãono cotidiano escolar, desenvolvimento de oficinas pedagógicas,levantamento de fontes documentais, bem como registro de relatos orais.

Falamos, assim, de uma experiência de pesquisa-formação e dereferências que nos levam a sentidos do processo de formação deprofessores em sua articulação com a memória e a narração, enquantoabordagens potentes de investigação no campo educativo. Por um lado,entendemos que ao mesmo tempo que pesquisamos nos formamos e quetodos os sujeitos envolvidos no espaço-tempo da investigação, ou seja,

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alunos da UERJ, professora responsável pela turma, bem como os alunos,professores e comunidade escolar, também formam e se formam empartilha. Por outro, o Instituto de Educação Clélia Nanci se afirma, emSão Gonçalo, como patrimônio histórico e simbólico na formação deprofessores da cidade, como lugar material-simbólico de memória. Desdesua fundação como Escola Normal, apesar de contradições e dificuldadessentidas em diferentes ciclos de sua trajetória, observamos, em fontesdocumentais e em diversos depoimentos, referência e reverência a esseespaço como símbolo de formação de qualidade na escola pública.

Nesse sentido, em nossa proposta, focalizamos os múltiplos sentidosda memória e da formação. Na perspectiva teórico-metodológica do NúcleoVozes, a implantação dos núcleos de memória nas escolas busca potencializara articulação das dimensões simbólicas e materiais da memória, em que olevantamento das fontes documentais é atravessado pelas vozes dos sujeitosque, no tempo presente, vivem o cotidiano da escola e suas tensões.Tencionamos, dessa forma, contribuir na construção de espaços onde asexperiências de produção da vida, da prática educativa e da escola sejamreconstruídas por meio de narrativas, gerando novos saberes e formação.

Tomando essas referências, a proposta desenvolvida apontou paraos seguintes objetivos: 1) Favorecer a visibilidade de memórias e históriasdo Instituto de Educação Clélia Nanci, por meio de pesquisa-formação,envolvendo alunos/as e professores/as do Curso de Pedagogia da FFP/UERJ e os sujeitos escolares, no levantamento de fontes documentais edepoimentos orais; 2) Possibilitar a inserção dos alunos/as professores/asda FFP/UERJ no cotidiano escolar, bem como o acompanhamento deatividades docentes ligadas às disciplinas pedagógicas do curso normal e3) Incentivar a narrativa individual e coletiva da memória escolar dossujeitos, possibilitando espaços de troca de experiências significativas sobresuas práticas sociais e pedagógicas.

No presente trabalho, apresentaremos o desenvolvimento das oficinaspedagógicas realizadas com os/as alunos/as do Curso Normal do IECNcomo espaço privilegiado de encontro e diálogo entre Universidade eescola e de formação de professores/as.

II – Oficinas pedagógicas: espaço-tempo de formação e dediálogo entre Universidade e escola

Oficina “lugar onde se exerce um ofício”, “lugar onde severificam grandes transformações” (FERREIRA, 1999). Na definiçãodicionarizada encontramos a oficina como lugar, espaço-tempo de trabalho,de transformações. A oficina pedagógica retoma e recria esse sentido, se

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afirma como lugar de encontro, de diálogo, de trabalho e formação.Considerando a formação como transformação pessoal-coletiva que sepotencializa na vivência de espaços/tempos de reflexão e partilha, em nossaentrada no Instituto (IECN), perspectivamos, como um de nossosobjetivos, a realização de encontros narrativos de formação entre nossos/as alunos/as-pesquisadores/as e os/as alunos/as do Curso Normal. Nessecaminho, as oficinas pedagógicas constituíram espaços privilegiados.

Visando uma aproximação da prática desenvolvida, apresentamos, aseguir, lampejos de algumas experiências, encaminhando nosso olhar paraanálise das possibilidades instituintes do encontro entre Universidade eescola básica nas tramas e desafios da formação de professores.

No segundo semestre de 2007, depois de um tempo de mergulho nocotidiano da escola e da sala de aula, organizamos um conjunto de oficinasque foram realizadas na semana da normalista. Os alunos e alunas do Institutoencheram de entusiasmo e vivacidade os corredores e as salas de aula daFFP para participar das oficinas: Tecendo histórias: prática reflexiva naformação do professor, “Costumando” memórias, Por uma pedagogiados sentidos, O “desabrochar” da memória escolar, Surpresa da mala:memórias escolares, Baú de memórias, Uso de novas tecnologias emeducação e “Modelando” memórias, histórias e experiências.

Na oficina “O desabrochar da memória escolar: todos têm umahistória para contar”, a partir de palavras/símbolos colocados em umadobradura de papel que se transformou em flor, os participantes foramconvidados à narrativa de experiências significativas de suas trajetórias,narrativas que favoreceram a elaboração de um “Álbum de Fotografias:Memórias Estudantis” com experiências significativas das biografiaseducativas do grupo. Na análise das alunas-pesquisadoras

Foi um movimento muito rico, todos participaram. Contaramsuas histórias e perceberam que mesmo as memóriasindividuais, em alguns momentos, são coletivas. A partir daoficina, os/as alunos/as em formação inicial perceberam comoas marcas de suas histórias de vida estão presentes nasimagens construídas sobre o fazer pedagógico. (PARREIRAS,FROES, PESTANA e MELLO, 2007).

Em 2008 e 2009 as oficinas foram desenvolvidas no próprioInstituto por meio das seguintes propostas: Brincando com a memória,Memórias que se entrelaçam, Marcas da memória: refletindo sobre aformação docente, A escola que temos e a escola que queremos e(Re)pensando a formação do educador por meio da memória, da

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narração e da ludicidade. Um dos grupos, entretanto, propôs comoatividade a visita dos/as alunos/as à FFP; eles foram apresentados aosdiferentes espaços e conversaram sobre vestibular, possibilidades deingresso e dinâmica da vida acadêmica.

Concluímos que a atividade de visita à FFP/UERJ foi muitoproveitosa, para nós que estamos concluindo o Curso dePedagogia e para os alunos visitantes. O impacto da atividaderealizada pôde ser observada nas palavras dos alunosregistradas no Livro de Ouro ao final da atividade: “… meajudou a pensar melhor o que quero fazer”, “… temos ahonra de ter uma universidade em São Gonçalo”,“pretendo fazer parte deste espaço também”, “… estoubastante motivada a fazer parte desta instituição…Obrigada por essa oportunidade”, “não dá nem vontadede ir embora”, “…com certeza pretendo fazer faculdadeaqui”, “pretendo um dia estar aqui”, “espero que umdia possa virar aluna daqui também”. São gratificantesestas palavras, são motivadoras da nossa prática futura, fazcom que tudo o que fora feito até agora tenha sido válido! Asescolhas, as renúncias, as noites acordadas passadas sobcanetas, papéis, livros com o intuito de dar conta de tudo, asdiscussões, os problemas, as soluções! (FARAHT eAZEVEDO, 2009)

A visita à FFP foi para o grupo uma oportunidade de encontro com aUniversidade pública, com sonhos e projetos de continuidade da formação.Tempo importante de formação para os/as alunos/as da FFP-UERJ quecomo professores/as-pesquisadores/as-pedagogos/as assumiram oplanejamento, desenvolvimento e avaliação da proposta e, também, tempode formação para os alunos e alunas do Instituto que se aproximaram daUniversidade e tiveram, a partir de diferentes temáticas e dinâmicas,oportunidade de reflexão sobre suas trajetórias de vida e formação.

O mergulho no cotidiano, a intensidade das narrativas colhidas emmomentos informais de encontro, mas também de entrevistas elevantamentos realizadas pelas alunas-professoras possibilitaram o encontrocom um conjunto de pistas, indícios e sinais e, aqui, o paradigma indiciáriodá sentido aos movimentos de pesquisa vividos com/no cotidiano da escola(GINZBURG, 1989). Chamamos essa primeira etapa do trabalho depesquisa exploratória por seu sentido de aproximação – é preciso olhar,cheirar, apalpar, viver a experiência do cotidiano, porque dele brotamquestões, reflexões. Tínhamos desejo de conhecer de perto o Instituto

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por ser uma referência social importante de formação de professores emSão Gonçalo, refletimos sobre possíveis caminhos em um esboço deprojeto, tudo isso, entretanto, passou a fazer sentido no mergulho na escola,ouvindo as vozes de alunos/as e professores/as, lendo documentos antigos,passeando por seus corredores.

Referências bibliográficas

FARAHT, Latife Rodrigues e AZEVEDO, Mairy Moreira. RelatórioEstágio Supervisionado III. São Gonçalo: UERJ/FFP, mimeo, 2009.FERREIRA, A.B.H. Novo Autrélio Século XXI: O Dicionário da LínguaPortuguesa. RJ: Nova Fronteira, 1999.GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. SP: Companhia dasLetras, 1989.IECN. Biografia de Clélia Nanci. São Gonçalo, mimeo., s/d.NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.Revista de Pesquisa Histórica. São Paulo: 10, 1-178, 1993.PARREIRAS, Deise, FROES, Joyce, PESTANA, Marana e MELLO,Tielem. Relatório Estágio Supervisionado III. São Gonçalo: UERJ/FFP,mimeo, 2007.TAVARES, Maria Tereza Goudard. Percursos e Movimentos: dez anosdo Vozes da Educação em São Gonçalo. In BRAGANÇA, I. F. S.,ARAÚJO, M. S., ALVARENGA, M. S. e MAURÍCIO, L. V. (Ed.),Vozes da Educação: Memórias, Histórias e Formação de Professores.Petrópolis: DP et alii, 2008.

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POSSIBILIDADES DE ENCONTROS ENTREESCOLA BÁSICA E UNIVERSIDADE:

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA1

Rosângela Maria Pereira e Souza2

O propósito deste trabalho é apresentar o percurso de alguns encontrosentre uma escola básica e a Universidade, no caso específico, do traçadodos caminhos do Colégio Estadual Conselheiro Macedo Soares. A ideiaé compartilhar possibilidades, idas e vindas, recuos e retornos, bem comoo efeito direto dos atravessamentos produzidos pelo encontro com aUniversidade. Mais uma vez estamos em luta na busca de uma trajetóriaque nos auxilie na relação de conhecimento entre aqueles que ensinam eaprendem, sendo estes professores e alunos, tanto da escola como dauniversidade. Antes, porém, iniciamos com um breve relato acerca doprocesso vivido na referida escola nos últimos anos.

Em 1998, dois professores da escola participaram do curso de Pós-graduação Educação para o Meio Ambiente promovido pela Secretariade Estado de Meio Ambiente e a Secretaria de Estado de Educação (emparceria com a UERJ) e receberam um prêmio pelo trabalho final3. Estese propunha a criação, na escola, do Laboratório de Meio Ambiente Social-LAMAS. Tal laboratório funcionou como um disparador para odesenvolvimento de vários projetos na escola, entre eles, o Projeto PolíticoPedagógico e a Semana Afro-brasileira. É importante ressaltar, que umgrupo de professores aderiu às ideias e recebeu bolsas de trabalho paraatuar fora do horário das aulas.

Neste contexto de produção e, não exclusivamente por meio doLAMAS, nossa escola estabeleceu parcerias com a universidade de modoque nos possibilitaram desenvolver Seminários, Ciclo de Palestras, Fórunse Projetos que muito contribuíram para os debates internos e para aconstrução do próprio Projeto Político Pedagógico - PPP. Além disso,outros trabalhos4 foram viabilizados abordando assuntos que envolviamas demandas dos alunos, entre eles, temas sobre a adolescência e asexualidade no contexto atual, drogas e a globalização.

Com o apoio do Programa de Educação do Negro na SociedadeBrasileira - PENESB/UFF, a escola desenvolve, também, desde 1998, oprojeto Semana Afro-Brasileira. O propósito é colocar em discussão aquestão do racismo, da valorização da cultura afro-brasileira, doconhecimento relativo à contribuição do negro na construção da história

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do país. O projeto promove um ambiente de trabalho que propicia aosseus alunos um sentimento de reconhecimento e pertencimento a sua escola,majoritariamente afrodescendente, ao seu país e os seus estreitos laçoscom a África

Desenvolvemos, também, com os alunos, em parceria com acoordenação de geografia e história da UFF o Projeto “ÊxodosDeslocamentos Populacionais e novas formas de solidariedade”, a partirda produção do Fotógrafo Sebastião Salgado. Montamos uma exposiçãocom o material disponibilizado e realizamos um trabalho coletivo decontextualização histórica, localização de itinerários e levantamento dasidentidades étnicas.

Até 2004, realizamos simpósios e seminários, ciclo de palestras, nocontexto de parcerias com a universidade. Tal empreitada colaboroucom a busca de uma prática calcada na pesquisa e na reflexão sobreensino e aprendizagem.

Questões políticas internas e externas ocorridas em 2005 implicaramna saída de um grupo de professores, o que muito favoreceu adesmobilização da escola e a descontinuidade da proposta político-pedagógica de envolvimento coletivo com vista à construção doconhecimento no viés da leitura, pesquisa e escrita. Desde este períodotemos passado por tentativas de implementar um trabalho mais integradoe coletivo, mas os resultados estão aquém das nossas expectativas.

Os poucos registros encontrados na escola foram importantes parareativar a memória quanto às possibilidades de parceria já experimentadase que desde 2008 veem sendo retomadas, com a mediação da FFP/UERJ,para reaparecer em outro formato em função das necessidades atuais e daprópria visão que se espera de parceria, como uma via de mão dupla. Nestemomento, portanto, estamos efetivando outras propostas de parcerias como objetivo de maior aproximação com o espaço da Universidade, na tentativade uma troca e integração do conhecimento e seus fazeres.

Antes as parcerias eram informais, ou pouco formais, ou ainda pontuais.Os estagiários, muitas vezes vinham, desenvolviam seus trabalhos,observações, aulas práticas, mas sem maiores vínculos com a coordenaçãopedagógica. Nada era planejado ou organizado em conjunto. Estamosneste processo de organização mais coletiva e atravessada entre a EscolaBásica e a Universidade, inclusive, apontando tais parcerias em nossoProjeto Político Pedagógico atual.

Tempo presente e a parceria com a FFP/UERJ

A parceria FFP/UERJ - CECMS5 acontece por meio de projetos que

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objetivam a articulação entre escola e universidade numa dimensão espaçotemporal que se compõe por uma permanente atualização, em que a escolatambém comparece com bolsistas, produções e projetos. Numa via de mãodupla, como dito anteriormente, temos a configuração de uma articulaçãofeita por uma tessitura coletiva. Em 2006, o projeto de extensão “A ciência nomundo da escola e no mundo da universidade6”, contou com dois bolsistas dauniversidade, que atuaram diretamente na escola e em seu laboratório deciências. Há uma certa regularidade nas parcerias com o Departamento deCiências da FFP/UERJ desde esta época, onde outros projetos tambémauxiliam no trabalho desta disciplina. Outro projeto deste mesmo departamentoé “Modelos explicativos para os fenômenos biológicos desenvolvidos na escolabásica7”. Este último, iniciado em 2009, reabriu o laboratório de ensino daescola e o manteve em uso, fora das aulas de ciências.

Em 2008, a parceria toma corpo de modo intensivo. Explicamos:Primeiro, na área de ciências, em que a FFP/UERJ, por meio do edital06/2008 da FAPERJ – “Apoio a melhoria do ensino de Ciências e deMatemática em Escolas Públicas sediadas no Estado do Rio de Janeiro8”– atua na escola e na universidade com um bolsista professor da escola deTCT (treinamento e capacitação técnica), quatro bolsistas Jovens Talentosalunos da escola do Ensino Médio e dois alunos da universidade bolsistasde IC (Iniciação Científica). Inclusive, este departamento mantém, desdeesta época, alunos de Estágio Supervisionado II e III desta área.

Segundo, ainda em 2008, acontece um convite feito à escola paraparticipar do I Encontro do Prodocência9. Neste encontro, a escola percebeas possibilidades ora abertas e, elabora um projeto que denominamos“Fazendo Parceria com a Universidade: Articular a investigação, pesquisa eprodução de conhecimento através de uma prática mais efetiva em sala deaula”. Esta proposta evidencia a necessidade de atuarmos de modo maisembasado cientificamente na perspectiva de atendermos algumas dasdificuldades de implementação das metas e ações definidas para o ano de2009 e os subseqüentes, tendo em vista o caráter do processo educacional.

O projeto foi bem aceito na FFP/UERJ e entendemos que acontinuidade da parceria que se estabeleceu com a FFP/UERJ fez comque a escola se deparasse com esse desafio rico e encantador, ao mesmotempo de extrema responsabilidade, por estarmos lidando com o ensino ea aprendizagem em sua prática sob formas e contextos mais variados.

Hoje a parceria com a FFP/UERJ vem se estabelecendo, a cada dia,com maior intensidade. Os estagiários estão produzindo em nossosespaços, muitos trabalhos, alunos nossos que são bolsistas estãoproduzindo, em conjunto com os bolsistas, aqui e na UERJ. Está havendouma troca mais intensa. Estamos abrindo espaço para uma relação de

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troca de experiências, para uma reflexão da atuação do estagiário, suasobservações e as práticas pedagógicas da escola, sob a supervisão dosprofessores universitários.

Nesta perspectiva, entendemos que o saber não está só na universidade,mas que a escola básica constitui-se num lócus intenso e rico de produçãode conhecimento. Se, portanto, a consideramos como produtora deconhecimentos, de experiências, a parceria escola básica e universidade émuito potente como aliança do pensar as ações, tanto numa como na outrainstituição de ensino. A ideia de parceria entre estes dois territórios aprimorao processo de produção de saberes da/na escola trazendo práticas maisefetivas e melhores resultados na qualidade do ensino e da aprendizagem.

Já no primeiro semestre de 2009, a escola contou com a participaçãodos universitários atuando em diversas disciplinas (história, geografia, línguaportuguesa, ciências biológicas) e sob variadas formas, entre elas, aobservação, a prática de ensino, atividades no Laboratório de Ciências,monitoria de Geografia e Língua Portuguesa.

Em Biologia, vários projetos foram desenvolvidos no Laboratório deCiências: “Bolsista da FFP/UERJ”; “Elaboração de modelos de citologia”;“Elaboração de vírus”; “Elaboração de modelos de seres vivos”;“Elaboração de modelos da formação dos continentes”; “Apresentaçãodos modelos em escola na comunidade”. Os alunos bolsistas da FFP/UERJ envolvidos com a prática desenvolvida no Laboratório de Ciências,trabalharam na reorganização do laboratório que foi reinaugurado naabertura do Projeto de Culminância do primeiro semestre de 2009, comexposição dos trabalhos e visitação dos alunos da escola e convidados.

A disciplina de Geografia trabalhou a proposta de monitoria de línguaportuguesa direcionada para o ensino da geografia, desenvolvendoatividades como “Geo em cena” (com exibição de filmes e debates) eprodução de maquetes.

Outro projeto desenvolvido na escola é o “Mais Educação” (dos governosFederal e Estadual). Este teve início em 2010 com o propósito de ofereceruma educação integral aos alunos com defasagem série-idade. Séries comalto índice de abandono, onde estão detectados índices de evasão e / ourepetência. Alunos da FFP/UERJ, UFF e Universo atuaram como estagiários-bolsistas nas áreas de Geografia, Língua Portuguesa, Matemática, CiênciasBiológicas e Educação Física, nos seguintes campos: AcompanhamentoPedagógico (Língua Portuguesa e Matemática); Cultura e Artes (Teatro);Esporte e Lazer (Recreação / Lazer e Futsal); Educomunicação (Jornal Escolar).Inserido, ainda, no Projeto Mais Educação temos a proposta de construir oProjeto de Meio Ambiente Social e Político da escola.

As necessidades e problemas da escola vinculam-se às condições e

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possibilidades das macro e microestruturas e as soluções devem-se aojogo entre as forças político-sociais em que ela se insere. As atuais políticaseducacionais apontam para um processo de desqualificação e banalizaçãodo conhecimento que espelham dificuldades de valorização do ser humano.Frente a isto, vemos o avanço da ciência e da tecnologia que se impõe àsociedade atual necessariamente nos obrigando a uma transformação nasrelações com o saber. Tal situação, no entanto, exige da escola não só oacompanhamento das novas descobertas científicas e tecnológicas, mas,principalmente, a luta pela produção de um conhecer incorporado naexperiência e nas relações que nos atravessam, levando em consideraçãoa produção da existência no território vivo da escola.

Outro aspecto a considerar diz respeito ao compromisso de transformara realidade local e, por conseguinte, global, desejando uma sociedade atentaàs produções e constituições de existências intensivas e abertas àscomplexidades do nosso tempo, como apontam as palavras de Paulo Freire:

Outro saber de que não posso duvidar em momento sequer naminha prática educativo-crítico é o de que, como experiênciaespecificamente humana, a educação é uma forma de intervençãono mundo: Intervenção que além do conhecimento dos conteúdosbem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço dereprodução da ideologia dominante quanto o seudesmascaramento.[...] Do ponto de vista dos interesses dominantes,não há dúvida de que a educação deve ser uma práticaimobilizadora e ocultadora de verdades. Toda vez, porém, que aconjuntura o exige, a educação dominante é progressista a suamaneira, progressista pela metade. (FREIRE,1996, p. 110-111)

Um outro ponto diz respeito à possibilidade de criação de algumasforças internas e alternativas na instituição, frente a tais circunstâncias natentativa de transformação do quadro deficiente que se instalou na escola, anível das relações com o poder tanto na posição de ensinar (“aquele quesabe, tem o conhecimento”), como de aprender (“aquele que não tem oconhecimento”). Como virar esse jogo? Será possível? Essa proposta atualexige dos seus protagonistas, alunos e professores, uma relação deaproximação com o campo do conhecimento e novos recursos que hoje seencontram nas universidades e nas escolas. A diversidade ou até mesmo ascontraditórias visões e posturas políticas do corpo docente, no que dizrespeito as imposições do sistema educacional e as macro políticas do paíscontribuem muitas vezes para um engessamento da escola. Por outro lado,deparamo-nos com uma diversidade de educadores que, mesmo com umdiscurso dito democrático, ainda não se colocam como fio condutor desse

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processo de transformação do educando na relação ensino e aprendizagem.Com todo esse universo de problemáticas, a questão que se coloca e

que não podemos deixar de dar a devida atenção, é a do aluno pagar umpreço cruel pelo descaso das políticas públicas. Para tal enfrentamento,acreditamos que as micropolíticas10 forjadas pelas parcerias com auniversidade, nos mantém inquietos e atentos às possibilidades de produçãode conhecimentos tanto de alunos como dos professores.

De todo modo, em função da situação da escola, que apresentaelevadas taxas de reprovação, evasão e distorção idade-série, somosforçados a pensar e procurar por alternativas que possam transformaressa realidade empobrecida de cultura geral, repleta de conflitos eaparentemente sem esperança. Percebemos que não dá mais para olharessa realidade e reclamar, apenas reclamar das políticas públicas, dasautoridades governamentais que implementam ações que não atendemverdadeiramente a demanda da escola pública.

O projeto atual da escola é uma possibilidade de luta, de fazer diferentea escola, por mais que pareça estar fazendo igual. A sensação é de queem nosso cotidiano nada muda, mesmo com todos os investimentos depensar, refletir a prática em sala, o currículo, os alunos. As mudanças, noentanto, já estão acontecendo, perceptíveis para os mais sensíveis eimperceptíveis para os mais apressados.

As novas tecnologias são importantes e essenciais se a estrutura defuncionamento dos recursos humanos e o próprio espaço físico estiveremadequados às reais necessidades da escola, como também, o respeito e avalorização dos profissionais da educação. São necessários investimentos queassegurem o conhecimento, o acesso à arte, às várias manifestações da cultura,tanto para os educadores como para educandos, de modo a permitir autonomiana formação, na auto-transformação e na transformação da sociedade.

O colégio participa do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)por apresentar resultados no IDEB11 abaixo da média. E com estaparticipação passamos por um processo de diagnóstico com a coleta eanálise dos dados levantados. A partir desse levantamento, estabelecemosobjetivos, estratégias, metas e ações que resultaram na reconstrução ouatualização do nosso projeto político pedagógico. Estas ações veem aoencontro do olhar pedagógico iniciado anteriormente com uma propostade mudança que não vingou por falta de entendimento e/oucomprometimento da coletividade. Hoje a proposta é retomada, masalicerçada nos fatos, nas dificuldades anteriores, discutidos e com maisenvolvimento da gestão escolar. Mas ainda há necessidade de maioraprofundamento de questões básicas que não são apenas da ordem davivência, mas que se completa e se sustentam no conhecimento.

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Dessa forma, percebemos a urgência de mudança na perspectivaeducacional atual com o olhar voltado às experiências no âmbito dasrelações da instituição, ou seja, na diversidade de visões, entendimentos eposicionamentos políticos. Uma proposta pedagógica de pensar o ensinoe a aprendizagem a partir de um currículo que tenha como eixo ascompetências12 e as habilidades13 sustentadas no desenvolvimento humano.Isso nos remete a trabalhar com um tema transversal14 e com ainterdisciplinaridade15 de forma a propiciar um diálogo entre as diversasdisciplinas que permita ao aluno uma análise mais ampla e integrada dosconhecimentos. A contextualização16 também deve estar presente, abrindocaminhos para se repensar o contexto e interagir com a cultura e os avançosda ciência e da tecnologia.

Tal proposta do PDE fundamenta-se e se desenvolve através da leiturae escrita (letramento), oralidade e convivência (linguagem oral e gruposcom apresentação de trabalhos), raciocínio lógico, pesquisa, domínio datecnologia (inclusão digital), cultura e diversidade (desenvolvimento humanocom o alargamento de mundo). A solidariedade e o comprometimento, oauto-respeito e o respeito ao outro, a criatividade e a dignidade comovalores fundamentais à existência humana.

O trabalho de parceria com a universidade, no entanto, tem como eixoo desenvolvimento de ações coletivas e participativas para repensar váriasquestões, como: o currículo, a avaliação, as práticas efetivas em sala deaula, disciplina, entre outras questões, que serão discutidas coletivamentenas reuniões pedagógicas quinzenais. Sabemos que a grande maioria dosprofessores da escola básica se encontra distante do campo teórico-metodológico, pois a própria estrutura escolar os impede ou dificulta seusestudos e aprofundamentos, especialmente das práticas efetivas. A parceriacom a universidade pode estreitar este distanciamento e dar visibilidade àprodução do professor da escola básica, que pode tornar-se um conhecimentoefetivo. Investimos no compartilhamento de conhecimentos e tecnologiasmais atualizados e, quem sabe, por meio de discussões mais frequentesentre os professores da escola básica e os da universidade.

Neste contexto de possibilidades e parcerias com a universidade foiforjado como desdobramento do PRODOCÊNCIA, no final de 2009, oprojeto “Formação inventiva de professores e políticas de cognição comodispositivos para a criação do conselho escolar do Colégio EstadualConselheiro Macedo Soares”, coordenado pela Professora Rosimeri deOliveira Dias da FFP/UERJ. Tal projeto conta com o apoio da FAPERJ,por meio do Edital 14/2009 de “Apoio à melhoria do ensino em escolaspúblicas sediadas no Estado do Rio de Janeiro”. Este apoio, inclusive,financia quatro bolsas Jovens Talentos para alunos do Ensino Médio, duas

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bolsas de Treinamento e Capacitação Técnica para professores da escola eduas bolsas de Iniciação Científica para alunos da universidade. Tal projetotem por objetivo tornar as decisões mais coletivas da escola, funcionandocomo ponto de abertura para criação de territórios de conhecimento naescola. Deste modo, rever e reforçar o projeto político da escola como aprópria expressão da organização educativa da unidade escolar que deveráorientar-se pelo princípio de constituição de coletivos. Algumas questõessão básicas e devem ser estudadas e discutidas pelo coletivo da escola eapresentadas ao conselho para fundamentar as decisões e fazê-las cumprir.

Nesse momento, a escola trabalha com horário de planejamento eestudo das disciplinas em reuniões semanais que acontecem ainda de formarudimentar. Os encontros e os debates se tornam limitados e com poucoaprofundamento, pois nos falta tempo para ampliar as discussões e paraque estas se transformem em decisões coletivas. A interdisciplinaridadesofre as consequências desta mesma dificuldade.

Para que tal enfoque seja possível, algumas mudanças necessitamacontecer também na gestão escolar, como a definição de posições, oquanto e até onde vai a aceitação de mudança no paradigma educacionalcom uma proposta pedagógica que visa uma atuação cada vez mais coletivae efetiva. As ações coletivas precisam ser trabalhadas e impulsionadaspor meio de uma maior atenção aos movimentos políticos da comunidadeescolar com mobilização para ações integradas, reflexivas em torno dosdesafios da realidade atual. O intuito é colaborar para organização dasações coletivas da/na escola; colocar em análise o político no processode planejamento participativo a partir da ação educativa que se desejarealizar; pensar com todos, democrática e coletivamente, acerca daconcepção da escola e sua relação política com a sociedade, numpermanente processo de discussão das práticas, dos obstáculos àsfinalidades da escola e da educação e seus pressupostos da ação.

Entendemos que essas ações, necessárias e desejadas, estão longeainda da nossa realidade revelando o quão difícil é deixar de lado o domíniodas decisões, compartilhar as idéias, os desejos, os sonhos e enfrentarcoletivamente os desafios e os obstáculos que se apresentam. Outroaspecto que nos deparamos está na relação de poder verificada nas pequenassituações, dentro e fora da escola. Exemplo disto é a priorização dedeterminadas disciplinas em detrimento de outras, o aumento da carga horáriade umas e a diminuição em outras, mobilização de algumas ações edesmobilização de outras, com algum sentido ou intenção exteriores aotrabalho da escola. Outro ponto importante, que afeta todo o coletivo daescola, é a falta de um real interesse do poder público em ações que estruturemde fato as escolas de modo que possam assegurar qualidade de educação.

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Retomar o papel do coletivo no pedagógico da escola é,essencialmente, trabalhar em prol das ações que demandam mudanças eexigem maior participação, troca e comprometimento dos profissionais e,também dos alunos. Para que se coloque em prática esse viés teórico emetodológico é necessário uma estrutura de recursos humanos que a escolanão dispõe nesse momento. Mas apostamos nas parcerias como umdispositivo potente que pode forjar um coletivo de forças, para isto énecessário tempo e espaço.

Desta forma, entendemos que a escola deve estabelecer parceriascom Universidades, Organizações, Institutos culturais, científicos etecnológicos numa via de mão dupla de abertura ao campo de pesquisa eestudo e, também, como acesso aos novos saberes e recursosdisponibilizados no momento. Por um lado, identificamos a escola comoum campo rico de análises e investigações e, neste sentido, as parceriascom a universidade funcionam como uma ferramenta importante para quea escola possa se transformar num território potente de produção deconhecimentos e de políticas de cognição (DIAS, 2009). Por outro lado,percebemos que podemos oferecer um território aberto à constituição depráticas. Este pode ser um campo rico de observação, investigação eanálise. Mas, ao mesmo tempo, é fundamental a troca e o retorno dasanálises e estudos realizados, para dar visibilidade ao que aconteceefetivamente nas articulações entre escola e universidade. Acreditamosque este encontro abre espaços de transformação e se constitui como umimportante espaço tempo de pensamento do campo educacional e dacorrelação de forças mais amplas da sociedade

Considerando algumas questões acima descritas, entendemos que nosé de grande valia a presença do estagiário em nosso espaço escolar,atuando e trazendo orientação, construção e renovação do conhecimentocomo apoio ao aluno, à escola e à Universidade. Dentro desta perspectiva,compartilhada, o desenvolvimento de projetos funciona como recurso parauma prática de ações coletivas do fazer pedagógico, mesmo vivenciandodificuldades de implementação, seja pela falta da estrutura de como fazeressa integração, seja pela dificuldade na orientação política em que muitosacham que não vale a pena ou simplesmente não acreditam na sua eficácia.

Neste entre turbulento de nosso cotidiano, com atravessamentosdiversos, com múltiplas atividades paralelas ao fazer pedagógico,identificamos que conseguimos produzir uma parceria, trocar e estabelecerintercâmbio com os estagiários. O desafio da escola é o de se perceberenquanto um lugar intenso de produção de saber, dar visibilidade e enunciarestes saberes como um meio de transformar o cotidiano. E, assim, comestes anos, podemos dizer que uma parceria é forjada por ideias,

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conhecimentos e experiências que acontecem num fazer junto, entre escolabásica e universidade, alunos e professores.

Sobre as possibilidades de encontros entre a Escola Básica e aUniversidade e algumas questões para manter viva as políticas deum trabalho coletivo

Como dito anteriormente, ao longo do texto, procuramos darvisibilidade ao trabalho que a Rosângela apresentou no “II EncontroArticulando a Universidade e a Escola Básica” com o intuito de mantervivo seus esforços para a produção de uma escola pública de qualidade.Um desafio intenso atravessado por afetos e desejos de continuidade eprodução de possíveis.

Hoje, como desdobramento e esforço da Rosângela, está acontecendono cotidiano da escola, um grupo de trabalho que se encontra as quartasfeira, para estudar e pensar nas ferramentas das políticas de cognição ecomo estas podem funcionar como um dispositivo para a criação doConselho Escolar da Escola. Este projeto funciona com alunos eprofessores da Escola e da Universidade.

Entendemos as parcerias como uma resistência17 a inexorável entradaem cena das macropolíticas, selando o descompasso entre os movimentosde um conhecer como solução de problemas adentrando velozmente nasinstituições de formação e, as frenéticas e nômades movências do cotidianovivo escolar, evidenciando os ruídos e mesmo um certo esgotamento doprimeiro em face da produção da vida na escola. Este segundo movimento,abre-se para colocar em análise a produção de um conhecer incorporadonas práticas e atento aos sentidos de nossas existências e das instituiçõesem jogo – escola e universidade.

Neste contexto, dos problemas e das trocas de experiências,passamos às experimentações, ao exercício de produzir parcerias comoum exercício permanente a favor da instauração de um campoproblemático, no qual o que interessa é a exploração da qualidade doscaminhos, alguns dos quais levam à constituição de novas possibilidadesque se abrem a constituição de um espaço tempo escolar aberto e vivoa produção de um conhecer incorporado.

Assumir a parceria como um encontro nos compromete, portanto,com uma produção entre escola e universidade. Em que nem uma e nema outra definem teoria e prática, quem sabe e quem ensina. Mas isto nãoé nada enquanto não soubermos encontrar realmente um conjunto de sons,de gestos decisivos, de idéias, de atenção e de abertura para a experiência;de feituras sem contornos que exigem de nós a produção de tais contornos.

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Um encontro como uma arte de governar. Do modo como nos chamaatenção o poeta Rilke (2007), “as criações da arte são sempre resultadodo ter-estado-em-perigo, do ter-ido-até-o-fim numa experiência, até umponto que ninguém consegue transpor”.

Por isto, seguimos os traçados dos caminhos colocados, enunciandoe dando visibilidade àquilo que se apresenta como encontro entre escolae universidade. Ao que foi possível tecer de contorno neste momento. Umexercício permanente e intenso que necessita sempre de novos contornos,novas definições e práticas em constituição. Tais práticas lutam paraexpressar o que está em vias de se fazer, como um permanente exercíciode si e do mundo, inventando a vida nos contextos de formação.

Referências bibliográficas

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Notas

1 Este trabalho é efeito do texto - Parceria Escola Básica e a Universidade: idealizaçãoou possibilidade real de uma escola pública de melhor qualidade? Relato de umaExperiência – apresentado no II Encontro Articulando a Universidade e a EscolaBásica no Leste Fluminense: ações, reflexões e alternativas futuras, que aconteceuna Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio deJaneiro (FFP/UERJ), em 2009.2 A organização do texto final foi produzida por Alberto Pinto Correa, Marilena dos ReisPeluso, Roseny Jussara Teixeira Cardoso (Professores do Colégio Estadual ConselheiroMacedo Soares) e Rosimeri de Oliveira Dias (Professora da FFP/UERJ). Decidimos

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fazer esta empreitada para dar visibilidade às parcerias que a escola vem fazendo e, emespecial, para manter viva a chama de luta da Autora, falecida em maio de 2010.3 Intitulado: “Escola como espaço de construção do conhecimento, para atransformação da realidade”.4 Como por exemplo, o Projeto Coração de Estudande, Projeto Jardinagem e oNúcleo de Pesquisa sobre o mundo do trabalho.5 Colégio Estadual Conselheiro Macedo Soares6 Projeto Coordenado pela professora da FFP/UERJ Ana Cléa Braga Moreira Ayres.7 Projeto Coordenado pela professora da FFP/UERJ Regina Mendes8 É importante ressaltar que este projeto proporcionou o desenvolvimento deatividades com alunos e professores, usando vários modelos didáticos produzidosno NUPEC/FFP/UERJ (Núcleo de Pesquisas e Ensino de Ciências). Inclusive foitema de monografias, já defendidas e em elaboração, na FFP/UERJ.9 I Encontro Articulando a Universidade e a Escola Básica em São Gonçalo,aconteceu no dia 10/03/2009, na UERJ/FFP. Tal Encontro é parte do Programa deConsolidação das Licenciaturas Edital 002/2008 PRODOCÊNCIA/CAPES/UERJ, pormeio do projeto “Articulando Universidade e a Escola Básica no Leste Fluminense:investigando o estágio docente como política de formação inicial de professores”.10 A micropolítica aponta para um exercício que só pode ser feito entre os implicadosnas situações em jogo. Neste outro formato de parceria, colocamos em análise na/com a escola e a universidade um conjunto de métodos, de didáticas, para seconstituir uma parceria como um campo de relações de força, forjado coletivamenteno contexto de atravessamentos destas duas instituições.11 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.12 Podem ser entendidas como as diferentes modalidades estruturais da inteligênciaque compreendem determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecerrelações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas(BRASIL, 2008).13 Referem-se ao plano objetivo e prático do saber fazer e decorrem diretamente dascompetências já adquiridas e que se transformam em habilidades (BRASIL, 2008).14 “Os temas transversais... tratam de processos que estão sendo intensamentevividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos eeducadores em seu cotidiano” (BRASIL, 2008).15 “[...]todo o conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos(...) esse diálogo entre conhecimentos pode ser de questionamento, de confirmação, decomplementação, de negação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos(...) supõe um eixo integrador que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto deinvestigação, um plano de intervenção” (BRASIL, 2008?).16 “... propõe não apenas trazer a vida real para a sala de aula, mas criar as condiçõespara que os alunos (re)experienciem os eventos da vida real a partir de múltiplasperspectivas” (BRASI, 2008).17 Entendida, aqui, não como oposição, mas como invenção como Deleuze (1997)propõe.

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AÇÕES FORMATIVAS NOS ESPAÇOS ESCOLARES:ARTICULANDO UNIVERSIDADE E ESCOLA BÁSICA

Fernando Fortunato Faria Ferraz (Escola Municipal AltivoCésar, Niterói, RJ)

A formação de novos professores é um processo complexo queenvolve uma série de aspectos importantes, desde conhecimentos teóricos,que exigem conhecimento de ampla literatura, mas por outro lado, tambéma leitura de textos densos e específicos de sua área, até conhecimentosempíricos que são construídos ao longo do tempo e fruto da experiênciados professores na sua prática diária com seus alunos. Tais peculiaridadese complexidades que se apresentam na formação desse profissional tãoespecial que é o professor, são discutidas por Monteiro (2005) queapresenta essa questão sob um aspecto interessante, o da formaçãodocente como um território contestado. Nessa mesma linha o trabalhode Ayres (2005) analisa e aprofunda a discussão em relação à formaçãode professores de biologia abordando um ponto fundamental que é a tensãoentre licenciatura e bacharelado. Nesse contexto é mais do que oportunorefletir e discutir sobre como ocorre a formação desses profissionais bemcomo os rumos que a formação desses professores/educadores podemtomar. Que ações formativas existem no contato do licenciando com aescola e quais novas ações podem ser construídas numa relação entreescola básica e universidade? No texto a seguir tento abordar a questãodas ações formativas nas escolas com base em experiência de atuação nomagistério público e ao mesmo tempo como professor participante de umprojeto de integração da universidade com a escola básica.

Via de regra a formação dos professores passa por um processo deformação teórica na sua área de conhecimento específico (Biologia, Física,Matemática, História, etc.), seguida por uma segunda fundamentaçãoteórica na área pedagógica. Esta última abarca também um estágiosupervisionado, quase sempre, todo realizado nos últimos dois períodosdo curso universitário, em uma escola. Na escola, o licenciando tem contato,maior ou menor, com o seu futuro ambiente de trabalho passando aí porum “treinamento prático” de sua futura atuação profissional. Esse esquema(conhecido como “3 + 1”, três anos de formação específica na área deatuação e um de formação pedagógica) pode apresentar variações como,por exemplo, as disciplinas da grade pedagógica sendo distribuídas aolongo do curso e embora mais raramente, também atividades práticas

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tendo lugar nas escolas e também começadas desde os períodos maisiniciais do curso. Podem ainda ocorrer em alguns cursos e/ou instituições,atividades práticas realizadas nas escolas dentro das atividades obrigatóriasde certas disciplinas que privilegiam atividades didáticas e a formação emlicenciaturas. Entretanto na maioria das vezes o que ainda predomina naprática, é que o contato dos licenciandos com o cotidiano escolar é curto,e pouco aproveitado, sendo quase sempre restrito a observações de aulase, ao final do estágio, a apresentação de uma aula (regência) para umaturma de alunos. Ou seja, em geral o licenciando tem pouco contato como ambiente escolar bem como o que tem é por assim dizer, subaproveitado.O que quero dizer com subaproveitado, é que o contato do licenciandocom a escola e sua rotina complexa poderia ser muito mais aproveitadose tal momento fosse usado não apenas para observação e uma ínfimaprática de regência, mas sim para o exercício da reflexão, discussão eexperimentação na escola sobre a sua prática didática, e também sobreos vários outros aspectos relacionados com sua futura atividade profissionale que a influenciarão tanto positiva quanto negativamente.

A escola tem sido no Brasil historicamente vista como local dereprodução de conhecimento e seus professores meros agentes detransmissão desse conhecimento produzido por outros - cientistas, filósofos,teóricos da educação, sociólogos, entre outros - (ver por ex.:CONTRERAS, 2002; e AYRES, 2005). Sob essa ótica talvez não fossedemais afirmar também que o professor vem sendo visto, ainda que nãodeclaradamente, como um profissional “menor” pela própria academia.(ver discussão em Ayres, 2005), o que também pode contribuir para umaaceitação tácita pela sociedade e até mesmo pelo próprio professor dessacondição de inferioridade profissional frente a cientistas, médicos, ou atémesmo outro (curiosamente, também) professor: o professor universitário,supostamente produtor de conhecimento novo.

Onde entra nessa trama de relações, conceitos e preconceitos, a questãoda formação do universitário que opta por seguir a carreira de professor?Há alguma relação entre uma coisa (formação do docente) e outra (realidadeda profissão docente)? Ou seja, a maneira pela qual é formado esseprofissional da educação básica nas universidades brasileiras pode ajudar amudar esse quadro de coisas ou são questões desconectadas?

Sim, acredito que há relação entre essas questões e creio que umamudança na maneira pela qual o licenciando é formado pode ajudar amudar sua condição atual. Parece-me óbvio dizer que o professor ao seformar com maior vivência ativa dentro da escola durante seu período deformação universitária, terá melhores condições de exercer suas atividadesquando começar a atuar profissionalmente. Entretanto do que trato aqui

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não é a mera defesa de mais tempo para vivenciar o cotidiano escolarpara assim, depois de mais tempo de contato com a escola e seucaracterístico cotidiano, o licenciando ingressar com mais experiência e“jogo de cintura” para enfrentar as dificuldades da profissão. Não se trataaqui de reivindicar meramente mais convivência com a escola para que olicenciando possa assim desenvolver a tão declamada em prosa e verso“prática para dar aula”, após o que, com esta dominada, ele estaria aptoe supostamente pronto para lecionar. Não, não é disso meramente do quefalo, mas sim da experiência reflexiva e aproveitada sob a ótica da pesquisacientífica ou no mínimo de uma experimentação embasada, documentadaem bases teóricas e discutida com os professores da própria escola e dostambém professores da universidade que são os responsáveis diretos pelaformação desses licenciandos. Aliás, até essa atribuição embora semantenha, passa a ter uma nova perspectiva nesse novo contexto de estudoe formação, a saber, o da integração da escola com a universidade: a daatuação do professor da escola básica reconhecidamente também comoprofessor formador desse “novo” licenciando.

Nesse ponto é interessante comentar sobre uma experiência própriaque tenta levar o licenciando a ter um contato mais próximo e profundocom a escola. Atuando no Projeto de Extensão “A Ciência no Mundo daEscola e no Mundo da Universidade: articulando um diálogo”, daFaculdade de Formação de Professores de São Gonçalo (FFP-UERJ)realizado na Escola Municipal Altivo César, em Niterói/RJ, venhoconstatando desde 2004 quando o projeto se iniciou nessa escola, queessa integração é uma forma muito mais interessante e promissora do quetradicional e em geral única forma de “diálogo” entre essas duas instituições– que é o estágio supervisionado.

O referido projeto tem a característica de estabelecer não só umcontato do licenciando com a escola (com todas as suas virtudes, vícios econtradições), desde muito mais cedo do que ocorre normalmente nosestágios supervisionados, mas e sobretudo por ser pautado na busca dareflexão e pesquisa sobre o ensino das Ciências (no ensino fundamental) eda Biologia em particular.

Tal projeto é uma forma de ação formativa que se revelou de grandevalor não só para os licenciandos, mas também para os professores daescola básica e professores orientadores da universidade. Essa práticainterativa e realmente dialógica vem promovendo inúmeros fóruns dereflexão e debates (formais e informais), tanto na escola quanto nauniversidade. No projeto já foram produzidos vários trabalhos de pesquisapublicados em diversos meios, produção de materiais didáticos,experimentadas novas abordagens no ensino de ciências e biologia, além

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de criado meios de produzir uma formação mais sólida e sobretudoconsciente do licenciando bem como dos alunos da escola (ver por ex.FERRAZ, 2005).

Tal forma de atuação integrando universidade e escola é capaz decontribuir muito mais eficientemente para a própria formação do alunolicenciando assim como de facilitar a construção de sua identidade eautonomia como profissional (Ayres et al., 2003; Ayres, 2005; Ferraz 2005).

Ações como essa de integrar escola básica e universidade através doformato de um trabalho de parceria entre essas instituições e que secompõem de licenciandos - auxiliando o professor na escola, aprendendoe pesquisando; professores da escola e da universidade - orientando,dialogando e pesquisando juntos, criam por assim dizer um tripé: professorda escola básica – licenciando – professor da universidade, que vem serevelando um modelo muito mais interessante e dinâmico de trabalharpela qualidade do ensino do que aquele em que escola e universidade nãodialogam. Além do mais a integração da escola e a universidade em moldessemelhantes aos aqui exemplificados, contribui para elevar e reconhecer aescola como um legítimo espaço de produção de conhecimento epossuidora de uma série de saberes próprios construídos no seio de seucotidiano e por profissionais que tem sim produzido conhecimento aindaque esse tenha sido sistematicamente desqualificado ou ignorado. (veranálise da questão em MONTEIRO, 2005).

A escola básica revelada por pesquisas recentes que buscam conhecê-la em toda a sua complexidade e entende-la, sem carregar preconceitoshistoricamente enraizados em nossa sociedade e sobretudo em nossaacademia, começam a evidenciar que o espaço escolar merece o status delegítimo espaço de produção de conhecimento. Tal espaço é operado porprofissionais que ainda que muitas vezes por inúmeras contingências edemandas, nem sempre preparados como poderiam (e gostariam!), nempor isso deixaram de produzir, refletir e deter saberes legítimos e importantes.Não são, os professores e as escolas, meros reprodutores de conhecimentosproduzidos por outros. São sujeitos de sua própria ação!

A produção realizada nas escolas por professores e alunos em geralnão é registrada em forma de artigos ou textos, ou quando o são costumamnão sair do âmbito daquela escola, se não do próprio professor. Esseaspecto também pode ser alterado para uma nova rotina de produçãotextual voltada para a investigação/publicação/divulgação científica pornovas ações formativas como as de parcerias dialógicas entre asuniversidades e as escolas básicas.

Vale ressaltar que as ações formativas nas escolas são formativas emtodos os seus sentidos pois acabam influenciando não apenas a formação

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dos alunos licenciandos mas também a dos alunos da escola básica epromove a atualização constante dos professores o que na atual realidadeda maioria das escolas brasileiras é um fato pouco comum.

Uma experiência como a do projeto de integração escola básica e auniversidade citado neste texto vem ao mesmo tempo confirmandosuposições e revelando novas questões estimulantes em relação ao ensinode ciências mas também em relação à formação dos futuros docentes. Ofomento às pesquisas sobre esses temas e, sobretudo a pesquisa dentrodas escolas com a participação ativa dos professores da escola básica,não apenas como objetos de investigação mas, e principalmente, comosujeitos pesquisadores de sua própria prática, é essencial para melhorformação dos futuros docentes e da construção de uma escola tambémmelhor, atualizada e dinâmica.

Esse novo papel dos professores da escola básica bem como esseespaço de pesquisa e produção de conhecimento então legitimado, tem apossibilidade de criar uma nova forma não só de formação contínua eatualizada para todos os sujeitos envolvidos como também revelar umanova forma de fortalecimento da profissão e do profissional, tanto emtermos de sua prática didática em sala de aula, como também criandouma nova forma de articulação entre os professores facilitando novasabordagens didáticas (como por exemplo, integração de conteúdos eestratégias didáticas) e até mesmo favorecendo a articulação e organizaçãoda estrutura de ensino nas escolas.

Um novo cotidiano da ação docente na escola básica: atividades queestimulem a leitura crítica de artigos teóricos e a aplicação das teorias naprática do cotidiano escolar, a discussão dessas abordagens e práticasbem como dos resultados obtidos na aplicação dessas novas abordagens,a procura de novas formas de ensino, a pesquisa sobre as concepçõesprévias dos alunos e as mudanças conceituais desses ao longo dasatividades didáticas experimentadas por eles; o convívio e estímulo dessarotina de pesquisa, reflexão e experimentação na própria escola e aindadurante a fase de formação desse futuro docente. Todas essas ações seunem para criar um cenário muito mais condizente com um ensino dinâmico,criativo e coerente com o que se espera para nossos alunos. E assim o étanto se falarmos dos nossos alunos da escola básica como de nossosalunos licenciandos visto que esse modelo é também para estes um métodode ensino muito mais eficiente e estimulante.

É claro que questões as mais variadas nessa complexa relação escola-universidade precisam ser superadas. Muitas delas novas, outras jáconhecidas. Por exemplo: o perigo da hierarquização dessa relação e aconseqüente desconfiança por parte das escolas; à resistência à mudança

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na rotina do professor que nessa nova abordagem, precisa dispor de umanova organização de seu tempo e de suas ações cotidianas na escola paraatender a demanda dessa nova proposta. Proposta essa que, se por umlado favorece a criatividade, discussão e ajuda o professor, demanda deste,momentos de preparação e discussão com os licenciandos das novasabordagens planejadas bem como dos seus resultados.

No outro extremo dessa linha de união escola-universidade estão osanseios da universidade sobretudo quando esta se abre para “ouvir” aescola e tentar participar não ditando “como fazer” mas dialogando eaprendendo também com a escola na tentativa de experimentar e realmentesuperar os problemas que existem nas tentativas de por em prática asteorias. Entretanto, a despeito de toda e qualquer dificuldade que exista jáconhecida ou que ainda se descubra com esse contato mais e mais intenso,a interação escola básica e universidade me parece ser óbvia e natural(estranheza para mim é o contrário ter sido a regra por tanto tempo!) enão deve deixar-se enfraquecer nem muito menos terminar.

A minha experiência de cinco anos participando de um exemplo deparceria entre escola básica e universidade, revelou-se como umaestimulante prática profissional, tendo obtido resultados muito estimulantesaté aqui, ainda que tenha muito que amadurecer e se aperfeiçoar. Resultadosesses que posso pontuar tanto no âmbito vivencial quanto no âmbitoacadêmico do ensino de ciências e de produção acadêmica.

Não foram poucas as manifestações de satisfação e estímulo por partedos alunos da escola e também da maioria dos licenciandos que passarampela escola nesse projeto. Manifestações essas que têm se revelado nãoapenas em um maior prazer de trabalhar e aprender naquele espaço, mastambém verificados em resultados em termos de melhoria do aprendizadopor parte dos alunos. Sem contar que esse modo de trabalhar em parceria,me parece ser uma forma mais eficiente de levar o licenciando a se envolverem estudos sobre ensino-aprendizagem, incluindo aí a pesquisa e leiturade textos afins e produção de trabalhos acadêmicos na área.

O envolvimento do licenciando no seu trabalho orientado na escola ea facilitação no estabelecimento de pontes entre a teoria aprendida nasdisciplinas acadêmicas e a prática na sala de aula é talvez o maior ganhoem termos de formação que o licenciando tem nessa possibilidade deatuar como aprendiz e pesquisador na escola. O estudante universitáriopode e deve participar como observador mas também deve fazê-lo deforma atuante no cotidiano escolar e isso é de enorme valor tanto emtermos de formação acadêmica fortalecendo seus conhecimentos formais,quanto na formação de saberes que serão de grande valor na sua futuraatuação docente (e com uma vantagem extra – ele pode refletir sobre tais

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saberes desenvolvidos por ele e por seus professores, muito antes deiniciar sua própria atuação profissional) isso pode contribuir para um futuroprofissional mais consciente de sua própria atuação e das tensões queexistem por trás dela.

Mesmo quando problemas vários atrapalham, como por exemplo: ainexperiência em trabalhar dessa forma, a falta de uma estrutura defuncionamento da escola que favoreça esse tipo de trabalho, tempo divididocom outras demandas de outras instituições de ensino que o professortambém atua, entre outras tantas, a atuação em conjunto com a universidadefornece uma grande gama de possibilidades estimulantes. Estas se bemaproveitadas são enriquecedoras tanto para o professor como eprincipalmente para os futuros docentes.

A ação formativa no espaço escolar, que é tema deste encontro a meuver deve ser incentivada, fortalecida, aprofundada e privilegiada uma vezque é na escola que esse profissional atuará, mas também porque a escolaé sim um local de produção de conhecimento e de aplicação edesenvolvimento de saberes, ainda que esses não sejam na maior parte dasvezes registrados e muito menos publicados em periódicos especializados.A escola deveria ser vista como o natural, melhor e mais importante local deaprendizagem para a formação do futuro professor e, portanto deveria sertambém local de desenvolvimento e pesquisas em educação.

Por fim são diversas as formas ou especificidades que podem terdiferentes estratégias formativas nas escolas ou que integrem escolas euniversidades, entretanto acredito que em todas elas, dois aspectos devemestar presentes: o contato do licenciando com o universo escolar, nãoapenas no final do seu curso, mas iniciado mais cedo durante seu cursoacadêmico e que privilegie uma prática que passe a ser uma característicados cursos de licenciatura; e a forma de atuação do licenciando na escolapautada na reflexão, pesquisa e experimentação científica acompanhadapor professores orientadores da universidade e em conjunto com osprofessores da escola básica. A meu ver estes pontos são centrais noprocesso de mudança, e creio melhoria, na formação dos novos docentes,pois promovem uma verdadeira estratégia de formação voltada paraatender de fato às características da ação profissional do professor.Profissional este que tem demandas especiais e não encontradas em outrasatividades profissionais. Além disso, esses dois pontos respeitados etornados prática disseminada contribuiriam a meu ver para corrigir umahistórica “falta da devida atenção” com a importância de atender àsespecificidades existentes na formação desse profissional. Concordo comMonteiro (2005) em sua afirmação de que é preciso abrir espaços paraque os professores da escola básica participem se expressando sobre

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todos os aspectos de sua própria formação e sejam ouvidos. Essa meparece ser a maneira mais lógica de buscar alternativas para melhoria daformação e da atuação desse profissional que ao longo da história e emdiferentes lugares, foi por vezes glorificado, em outras, criticado eculpabilizado por fracassos dos alunos, sendo sempre tão contestado.

Referências bibliográficas

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EXPERIÊNCIA E ALTERIDADE NA FORMAÇÃO DEPROFESSORES: O PROJETO “NARRANDO A

POTENCIA DA ESCOLA PÚBLICA”1

Anelice Ribetto (FFP-UERJ)

O projeto “Narrando a potencia da escola pública” é um projetoexperimental coordenado pela professora Anelice Ribetto que começou aser desenvolvido no espaço-tempo da disciplina “Estágio SupervisionadoII”, do Curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professoresda Universidade do Estado do Rio de Janeiro no primeiro semestre doCiclo letivo de 2009.

Esse relato de pesquisa e de experiência de formação está marcadopelo desafio de encontrar uma maneira e um espaço de conversa com outros,que é, no mesmo movimento, um dos desafios do próprio projeto: em quelíngua vamos a contar aquilo que nos acontece? (LARROSA, 2006)

O projeto está atravessado pelas palavras-conceitos experiência(LARROSA, 2001), resistência, potência e alteridade (SKLIAR, 2003)na educação (que é) do outro a partir da possibilidade de nos experimentarcomo sujeitos na cena pedagógica priorizando a discussão de aquilo queirrompe e interrompe como diferença e como acontecimento. Nessesentido, se interessa por pensar os olhares do pesquisador, do educador,dos estudantes desde uma cena pedagógica diferente de aquela que temprivilegiado historicamente a mesmidade: se trata de pensar na resistênciae potência de saberes outros saberes criados no cotidiano da educação eas maneiras em que narramos esses saberes outros.

Uma das questões problematizadoras que instigaram a criação desseprojeto foram as freqüentes falas e escritas sobre a escola pública que,muitas vezes, encontramos como relato de experiência na forma derelatórios de estágio supervisionado, e, mesmo, como um discurso quaseobvio sobre as práticas escolares: esses relatos sobre a escola públicatêm tido como referência um olhar centrado nas faltas, naquilo que a escolapublica não consegue dar conta, na falha, nas ausências... mas, como foique criamos essas crenças sobre o estágio e sobre a escola?

Em que língua?

A lógica hegemônica dos cursos de formação de professores durante

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boa parte do século XX fundamentou-se na concepção epistemológicada racionalidade técnica. Nesta concepção, que coloca teoria de um lado ea prática de outro, configura-se uma relação de subordinação das disciplinaspedagógicas – consideradas as disciplinas práticas, em detrimento dasteóricas – consideradas as disciplinas científicas. Nesta mesma lógica, oE.S. foi sendo definido nos currículos dos cursos de licenciatura até a vigênciada LDB 9394/962 como uma disciplina de complementação. Ou seja,seria a parte prática –a que só existe para complementar a teoria- aquelaque o aluno observaria e criticaria nas escolas campo.

No contexto de produção de discussões resultantes dos movimentosde redemocratização do Brasil, a questão teórico-prática da disciplinaEstágio Supervisionado tornou-se objeto de estudo e de projetos dediferentes autores (Candau & Lellis, 1999) que propõem sob diferentesformas a unidade entre teoria e prática. Essas autoras denunciam queas orientações do estágio eram dirigidas em função de atividades deprogramas a priori, sem que tenham surgido das discussões entreeducador-educando, no cotidiano da sala de aula, da escola e dacomunidade. Assim, o conhecimento da realidade escolar através dosestágios não favorecia as reflexões sobre uma prática criativa etransformadora, nem possibilitava a reconstrução ou definição de teoriasque sustentassem o trabalho do professor.

Implícito nesse modelo há uma marca do paradigma moderno queinstituiu o conhecimento cientifico como conhecimento universal e acabadodo mundo. O espaço de produção desse saber –teórico- seria a universidade.Colocando o Estágio supervisionado nesse contexto, entenderemos por queele foi entendido –numa consideração tecnicista e instrumental- como ainstancia através da qual os saberes teóricos seriam aplicados na prática. Oespaço de produção de práticas –consideradas representações de crenças,tradições, preconceitos e senso comum- seria a escola.

Garcia e Alves (2000) defendem que o problema da onipotência dateoria acadêmica está na divisão e desqualificação histórica do trabalho,na qual quem trabalha não pensa. As autoras advertem ainda que avalorização da teoria em detrimento da prática desconsidera que na salade aula há uma teoria em movimento. Portanto, os professores pensam eproduzem teoria, que constitui a expressão do pensamento e tomada deposições desses profissionais em situações concretas de ensino.

A prática pedagógica e o estágio devem ser entendidos como campode formação dos futuros professores. Assim, quando se fala de relaçãoteoria-prática deve se entender que tanto a universidade quanto a escolatransformam-se em espaços de formação colaborativa e que oaprofundamento teórico das questões pedagógicas deve partir de uma

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prática dialética que permita a compreensão da complexidade do cotidianoescolar. Alem do repertório de conhecimentos que constituem a identidadede um curso de formação de professores é necessário reconhecer elegitimar, fundamentalmente através do estágio, a escola como espaço deconstrução de conhecimentos.

Isso significa questionar o olhar acostumado que sabe com antecipaçãoaquilo que irá ver –uma escola fundada só na falta- e repensar como têmsido produzidos esses relatos faltosos produzidos por um olhararrogantemente tecnicista com pretensões de se saber neutro, objetivo, e,fundamentalmente, de que forma, ou em que língua, têm sido narrados.

Quando no começo desse texto trouxe a pergunta de Larrosa emque língua vamos contar aquilo que nos acontece? Não me referi aoespanhol, ao francês, ao português ... Com essa pergunta, o autor trata dechamar atenção sobre a importância da linguagem e apelar para distinguiras diferentes línguas que podem existir numa língua, em qualquerlíngua (2006:26), pois o problema não é só o que dizemos e o quepodemos ou não dizer, senão, e sobretudo, como o dizemos: o modocomo diferentes maneiras de dizer nos colocam em distintas relações como mundo, com nos mesmos e com os outros. Falar e escutar, ler e escrevernão são ferramentas que se dominam com maior ou menor habilidadesenão um problema no qual se jogam coisas muito mais graves que aeficiência da comunicação.

Larrosa diz que na universidade, fundamentalmente naqueles níveis emque os estudantes iniciam a pesquisa, se problematiza intensamente o método,mas não a leitura e a escritura, e que esse fato não significa que esses nãosejam lugares de potentes mecanismos de controle. Se não fosse poresses mecanismos seria impossível a imposição generalizada e aposterior naturalização da língua (2006:29) Essa língua funciona comouma espécie de língua de ninguém, uma língua neutra e neutralizada daqual tem se apagado qualquer marca de subjetividade.

Uma língua que é a linguagem dos científicos, dos que se situam nocampo educativo desde a legitimidade da língua e só desde o planejamentotécnico, os que usam o vocabulário da eficácia, da avaliação, da qualidade,dos resultados, dos objetivos.

Embora essa língua seja só uma língua ela foi erigida como A Língua.Nos relatórios trazidos pelos alunos vemos como essas marcas estão

presentes e como as práticas de estágio têm sido hegemonicamente narradasnuma língua amputada dos saberes e sabores da (auto) biografia.

Mas, uma língua para narrar o que?

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Experiências...

O projeto prevê a participação dos estudantes do curso de pedagogiae das licenciaturas da FFP/UERJ em algumas instâncias escolares e acriação –por parte deles- de duas diferentes narrativas sobre asmovimentações nesses territórios observando e relatando como seconcretiza a proposta político-pedagógica da escola e seus processos deorganização e gestão do coletivo escolar, como traduções singulares deatores da comunidade escolar e do mundo da vida cotidiana.

Uma das duas narrativas produzidas está formada por um conjuntode contos, imagens visuais fixas ou audiovisuais, poemas... inspiradosnaquilo que afeta, toca e marca os estudantes de pedagogia: a escrita deuma (possível) narrativa da experiência.

O conceito de experiência que me foi apresentado por Jorge Larrosaatravés de um texto curto apresentado no COLE do ano de 2001.

Esse texto tem provocado –nos últimos anos- muita discussão emdiferentes grupos do campo da educação, sendo uma referência quasenaturalizada ao escrever, pesquisar, conversar sobre educação. Mas,tentarei, brevemente e me apoiando no texto de Larrosa, dar uma certadensidade a essa palavra muitas vezes banalizada como sinônimo deacumulação de anos em certo espaço e como alguma coisa ligada a umaprática que não reconhece a teoria em movimento como parte sua.

Larrosa diz sobre a necessidade de pensar a experiência e desde aexperiência e possibilitar, talvez, um pensamento da educação e da pesquisaa partir desse exercicio de experimentação. A experiência é isso que mepassa, diz o autor, mas o isso dessa frase supõe, então, um acontecimento,ou seja, o passar de alguma coisa ou de algo que não sou eu. E esse algoque não sou eu significa alguma coisa que não depende de mim, que nãoé uma projeção minha, que não é o resultado das minhas palavras, nemdas minhas ideias, nem das minhas representações, nem dos meussentimentos, nem projetos, nem das minhas intenções, que não dependedos meus saberes, nem poderes, nem da minha vontade. Esse “que nãosou eu” –para Larrosa- significa que é “outra coisa diferente de mim”,outras coisas diferentes das que eu falo, diferentes das que eu sei, diferentesdas que eu sinto, penso, antecipo, diferentes do que eu posso, do que euquero. A isso, o autor (junto com outros) chama de “princípio de alteridade”–ou de exterioridade ou, ainda, de alienação.

A experiência, na exterioridade do acontecimento, não deve serinteriorizada, mas, mantida como exteorioridade. Essa alteridade não deveser identificada mas, mantida como radical alteridade. A experiência –para Larrosa- não reduz o acontecimento (nem se reduz ao acontecimento)

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mas, sustenta o acontecimento como irredutível… irredutível às minhaspalavras, ideias, projetos, saberes, poderes, e tanto mais...

Mas a experiência supõe, também, em segundo lugar, que algo mepassa. Não aquilo que passa na minha frente, mas, a mim, ou seja, emmim. A experiência supõe, então, não um acontecimento exterior a mim,mas o lugar da experiência sou eu. É em mim – ou nas minhas palavras, ounas minhas ideáis, ou nas minhas representações, nos meus sentimentos,nos meus projetos, etc aonde a experiência tem lugar. Larrosa chama issode “princípio da subjetividade” ou, também, da reflexividade ou datransformação. Chama dessa forma porque o lugar da experiência é osujeito, mas trata-se de um sujeito que é capaz de deixar que algumacoisa passe com ele, ou seja, que alguma coisa passe com as suas palavras,com os seus saberes, projetos, representações, com sua vida.

Trata-se de um sujeito exposto. Por outro lado –segundo o autor-esse princípio supõe que não há experiência em geral, que não háexperiência de alguém: cada um faz e padece a sua experiência. Isso éúnico e singular. Larrosa diz que a experiência supõe, também, que algoou alguma coisa passa desde o acontecimento até mim, que alguma coisaou algo me vem ou me (ad)vém. Isso presupõe riscos e perigos.

De fato, o autor lembra que o verbo “experimentar”, o que sería “fazeruma experiência com algo” ou “padecer uma experiência com algo” se diz,em grego, ex/periri. E desse periri vem, em castelhano, a palavra “peligro”e, em português, “perigo” Este seria o primeiro sentido desse passar. Larrosachama isso de “princípio da passagem” mas, dá, também, um sentido amais. Se a experiência é isso que me passa, o sujeito da experiência écomo um território, no qual isso que passa deixa marcas, rastos, feridas.Isso faz –diz o autor- com que, em princípio, o sujeito é um sujeito não ativosenão um sujeito passional: a experiência não se faz, senão que se padece.Esse principio é chamado por Larrosa de “princípio da paixão”.

Olhares...

Participaram dessa proposta – entre março de 2009 e janeiro de2010- mais de vinte alunos dos Cursos de Pedagogia, Ciências Biológicase Geografia da FFP/UERJ e mais de oito escolas públicas e privadas dasredes de Niterói e São Gonçalo.

A forma de trabalho do projeto supõe entre cinco a seis idas para asescolas que acolha o projeto. Paralelamente, os alunos participam deconversas na universidade a partir do material produzido a partir da escolae de algumas leituras sugeridas. Nos primeiros encontros tentamos pensarnosso olhar, entender ou nos estranhar com aquilo que acreditamos ver,

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porem, aquilo que definimos desde essa perspectiva como a realidade, aescola, o aluno, a sala, a professora, etc.

Convocamos alguns parceiros para tentar entender esse processointersubjetivo que constitui o olhar: Von Foerster, Don Juan de Castañeda,o filme Janela da Alma, o Zoom, e tantos mais... nesse mesmo movimentotentamos entender as formas em que vamos produzindo discursos, narrandoaquilo que definimos –desde nosso olhar- como a realidade, a escola, oaluno, a sala, a professora, etc. A maioria das vezes se apresenta comoverdade dada que o relato escrito é a maneira mais adequada de dar contadas nossas práticas, isso não é novidade entendendo que a ciência moderna–e a escola como instituição filiada a ela- instituiu como discurso do saber anarrativa escrita. Mas uma narrativa escrita pretensamente objetiva, neutra,instrumental. Assim, a maioria dos Relatórios de estágio que os alunosapresentam para a discussão coletiva respondem a um formato préestabelecido que supõe a escrita legitimada pela academia.

Um dos momentos que mais movimentam aos alunos é quandoproponho que as questões que vamos a trabalhar na e com a escola serãonarradas noutra língua, uma língua que nos permita, tal vez, falar, escreverpara e desde a experiência. Assim, cada ida à escola as alunas têm umareferencia de observação. Essas referencias ajudam a focar nosso olhar,embora esse foco não descuide o contexto mais amplo:

- O estagiário como viajante ou como turista;- Os fazedores –sujeitos- da escola;- O espaço escolar e suas marcas;- Projetar pedagógicamente...- A escola como espaço de cruzamento de culturas...

Para cada uma dessas referencias convocamos alguns parceiros paranos ajudar a ampliar nosso horizonte de pensamento em relação a cadaproblema-referencia.

A cada ida as alunas participam das instancias educativas institucionaise é nesse contexto que devem produzir duas narrativas: uma delas, escrita,deve contemplar aquilo que foi vivenciado no estágio.

Para melhor entender essa vivencia, os alunos devem tentar discriminaraquilo que vêem, aquilo que pensam sobre o que vêem e aquilo que sentemante o que vêem. Essa discriminação logo nos ajuda a entender como –muitas das vezes- achamos que vemos objetivamente alguma coisa queestá lá fora de nós e logo nos deparamos com que aquilo que vemos estácontaminado por aquilo que pensamos, sentimos...

A segunda narrativa deve se inspirar em alguma coisa que tenhainterrompido nosso olhar, alguma coisa que tenha nos feito pensar ou sentir

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alguma coisa que ainda não tínhamos pensado ou sentido... é apossibilidade de escrever a partir do acontecimento, do que chega semser esperado e irrompe nossa tranqüilidade do olhar... e ai, a narrativapoderá ser conto, poema, desenho, fotografia, filme, e tanto mais...

O objetivo dessa criação de diversas narrativas está baseado numatoma de partido explicita pela não hierarquização epistemológica dosdiferentes saberes, conhecimentos, experiências e narrativas confrontandoa legitimização única e centralizada do conhecimento cientifico e da escritainstaurado pela modernidade.

O material produzido é trazido para as rodas de conversas com aprofessora supervisora. O uso a palavra conversa é uma escolha política-epistemologica chave no projeto porque essa palavra sugerehorizontalidade, oralidade e experiência... uma língua que não diminua,não rebaixe, não crie inferior e superior... uma língua com voz, comtom, com ritmo, com corpo, com subjetividade. (LARROSA, 2006:38)

No final do semestre, os estudante realizam uma Oficina de contaçãodos próprios contos ou de exposição das imagens produzidos no percursodo estágio, para alunos e educadores da escola campo. No final dosemestre os estudantes e professoras escolhem os contos, imagens, etc.para a organização de um livro de contos que é socializado pela Internet eentregue em dvd para cada escola e universidade participantes.

As narrativas...

Vão, a continuação, algumas observações e contos produzidos pelasestagiarias e os desenhos produzidos pelos alunos das escolas.

Planejar e projetar pedagogicamente (Estudante: PriscillaGuilles)

Relatório III.O que eu vejo?Vários papéis com muitas coisas escritas.O que eu penso?Ao ver penso ser uma apostila, pela organização e

estrutura física. Nesta apostila, penso conter diversos assuntos sobre oprojeto político pedagógico, pois li na capa que aquela apostila era projetopedagógico da escola. Ao pensar no projeto escolar, logo penso estábem organizado de acordo com a lei e sendo posto em prática.

O que sinto?Para sentir precisei realizar um movimento de toque eleitura acerca do projeto e logo fui sentindo que aquilo que pensava nãocondizia com o que lia. Não consegui sentir teoria e prática atreladas. Édifícil descrever o que sentir, foi um misto de sentimentos, me senti confusa,enganada, era como se aquele projeto fosse uma farça. Por que foi construídose não era totalmente executado? Adiante explicarei melhor o projeto.

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O conto III: A festa

Era um dia muito feliz para princesa Lili, pois ela estava preparandoa lista de convidados para sua festa de aniversário, mas tinha um,porém, a menina só queria convidar meia dúzia de gatos pingados,aqueles que sempre levam presentes. Então começou a convidar.

Lili: Keka, Keka, venha a minha festa.Keka: Festa? Adoro festa, mas só vou se você convidar o Duende.Lili: Duende, Duende, venha a minha festa.Duende: Festa? Adoro festa, mas só vou se você convidar o saci.Lili: Saci, Saci, venha a minha festa.Saci: Festa? Adoro festa, mas só vou se você convidar o unicórnio.Lili: Unicórnio, Unicórnio, venha a minha festa.Unicórnio: Festa? Adoro festa, mas só vou se você convidar a

Bela e a Fera.Lili: Bela e Fera, Bela e Fera, venham a minha festa.Bela e Fera: Festa? Adoramos festa, mas só vamos se você

convidar à coruja.Lili: Coruja, Coruja, venha a minha festa.(...)E a lista de convidados da Princesa foi crescendo, crescendo,

crescendo... Ela não entendia porque os convidados sempre tinhamoutros convidados para acrescentar. Então resolveu perguntar ao seuamigo espelho encantado, quer dizer atrapalhado.

Lili: Espelho, espelho meu, existe outra princesa mais bonita doque eu?

Espelho: Sim, eu.Lili: Você? E desde quando você é princesa?Espelho: Iiiii... desculpas, desculpas, me enganei. É claro que não

existe princesa mais bonita do que eu, quer dizer você.Lili: Vamos deixar de conversa fiada que a dúvida é outra. Por

que todos os convidados sempre tinham outros convidados paraacrescentar a minha lista?

Espelho: Ora bolas, por que todos sabiam que você não queriaconvidar todo reino e só parte dele.

Lili: E o que tem demais?Espelho: Você já viu festa com meia dúzia de gatos pingados?Lili: Gatos? Mas eles nem foram convidados!Espelho: Hahaha, não se faça de desentendida. Uma bela festa

tem que ter movimento, gente para lá, para cá, animação e aparticipação de todos. Imagina quão chato seria a sua festa com

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parte do reino e não com o todo.Lili: Você é tontinho, mas até que está certo. A minha festa vai

ser inesquecível com todo reino reunido.

As brincadeiras e as culturas da escola (Estudante: FláviaCantuária)

Relatório IV.O que vejo?Vejo um grupo de meninos brincando de futebol, meninos e meninas

explorando os brinquedos do precário parquinho (escorrego, balanço egangorras). Depois alguns (geralmente meninos), correm um atrás do outro,outros brincam de provocar e acabam brigando. A violência entre elesestá presente em quase todos os momentos, quer meninos quer meninas.Geralmente a professora intervém e pune, deixando os envolvidos semrecreio. Na maioria das visitas, as situações foram as mesmas. Vejo umaamarelinha pintada no chão e bem desbotada, quase imperceptível; noespaço onde está desenhada, os meninos jogam bola. No refeitório vejoduas meninas cantando e brincado com as mãos, estavam felizes, (issovocê pensa) mas de repente, uma professora grita e chama a atençãodelas por uma estar sentada na mesa, elas ficam desconcertadas (isso

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você pensa) e param de brincar.O que penso?Penso que o espaço destinado a recreação não oferece condições de

segurança para as crianças, o que deixa as professoras inseguras em deixá-los mais livres. Também penso por que elas não participam com eles?Porque não trazem outras opções de lúdico para as crianças?

O que sinto?Sinto falta de ver algumas das brincadeiras que vivenciei na escola,

quando criança, como pular corda, roda, amarelinha, brincadeiras cantadas,entre outras. Sinto que a cultura das brincadeiras do recreio desta escolaé muito pobre.

Conto IV: A Tristeza de Dona Amarelinha

Era uma vez uma brincadeira chamada Dona Amarelinha, nãosabia por que tinha este nome, já que só naquele dia, havia mudadode cor umas três vezes: ficou azul de raiva quando passaram porcima dela e nem perceberam, ficou vermelha de vergonha quandoum cachorro fez cocô em cima dela e finalmente ficou desbotada detão esquecida e abandonada.

Estava tão para baixo e triste, que quase não percebeu a chegadado compadre pião.Rodando, Rodando e Rodando, o compadre falou:

__ Oi comadre amarelinha, por que você está tão triste?__ Ora compadre, você não vê como estou desbotada, esquecida

neste canto? As crianças de hoje não querem mais saber demim,quando estão em casa só querem saber de brincar com aquelepessoal moderninho, o videogame, o computador e ficar grudadosnaquela tal de D. Televisão. - resmungou.

__ Comadre, eu acho que você está com ciúmes. - disse o pião.__ Não é ciúme não, é que eu acho ,que pelo tempo que existo

no mundo, mereço um pouquinho mais de consideração.Sou conhecidaem vários países , meninos e meninas brincam comigo lá. Os estudiososacreditam que eu tenha nascido com os povos Gregos, veja só!! Semcontar que sou muito mais econômica, não preciso de energia elétricae ninguém precisa pagar prá brincar comigo. Mas, que adianta todaessa fama se ninguém se lembra de mim por aqui? – lamentou.

__È comadre, não fica assim não. Isso não acontece só com você,há muitas brincadeiras e brinquedos amigos, na mesma situação.Lembra da comadre Bolinha de Gude? Da comadre Peteca? Docompadre Rolimã?Um montão de gente que já até esqueci seus nomes.Eu mesmo,ando esquecido pelas pessoas... Hoje , dei a maior sorte,

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um menino me encontrou num baú do avô dele e por isso estou aquirodando feliz da vida!Na verdade, quem está bem da nossa turma é otal do compadre Futebol, ele está com a bola toda! Meninos e meninas,adultos e crianças, se amarram nele!

__É verdade! Esse é que tem sorte mesmo!- concordou.__ Bem comadre, a conversa ta muito boa, mas eu tenho que

aproveitar e rodar mais um pouquinho... Sei lá quando vão brincarcomigo de novo... Tchau!

__ Tchau, compadre. Boa Sorte!Eles não notaram, mas perto deles estavam, ouvindo a conversa

toda, uma menina e um menino. Eles perguntaram a Dona Amarelinhae seu Pião, se poderiam brincar com eles. A felicidade foi tão grande,que mal conseguiam acreditar no que estavam ouvindo. De repenteD. Amarelinha ficou tão linda e colorida, e Seu Pião rodava sem parar,que outras crianças se aproximaram e foi uma festa só.

A partir daquele dia os amigos Pião e Amarelinha, fizerampropagandas dos outros amigos e assim as crianças descobriram queexistem muitas formas diferentes de brincar e se divertir.

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Escrita e pensamento com nome próprio

O projeto traz como discussão necessária a possibilidade de pensarnuma linguagem para a experiência, para poder elaborar (com outros) osentido e os sem sentidos da nossa experiência. A experiência que é sem-pre singular, não individual nem particular. E o singular é precisamenteaquilo com o que não pode haver ciência, mas, paixão. Na experiência oreal se apresenta na sua singularidade por isso o real é inidentificável,irrepresentável, incompreensível ou, em outras palavras aparece comoincomparável, único, insólito...

A experiência não pode ser antecipada, não tem a ver com o tempo dosplanejamentos, da previsão, da predição e da prescrição... por isso a experi-ência sempre é daquilo que não se sabe, não se pode, não se quer... para umalíngua que permita narrar a experiência é necessário falar, escrever, ler, escu-tar, pensar em nome próprio, em primeira pessoa, com as próprias pala-vras com as próprias ideas, ou seja, se colocar na língua desde dentro,sentir que as palavras que usamos tem a ver com a gente, que as pode-mos sentir como próprias quando as dizemos, que são palavras que nosdizem embora não seja de nós de quem falam (LARROSA, 2006:38).

Falar (ou escrever) em primeira pessoa não significa falar de si mesmo,se colocar um mesmo como tema ou conteúdo do que se diz, mas, falar ouescrever desde sim mesmo, se colocar a sim mesmo em jogo no que se dizou se pensa... falar ou escrever em nome próprio significa abandonar aseguridade de qualquer posição enunciativa para se expor na insegurançadas próprias palavras, na incerteza dos próprios pensamentos.

Falar e escrever em nome próprio significa também fazê-lo comalguém e para alguém (p.38)

Referencias bibliográficas

ALVES, Nilda, GARCIA, Regina Leite (Orgs.) O sentido da escola. 2ªedição. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.CANDAU, V. e LELIS, I. A relação teoria-prática na formação do educador.IN: CANDAU, V. (org.) Rumo a uma nova Didática. Petrópolis: Vozes, 1999.LARROSA, Jorge. Notas Sobre a Experiência e o Saber de Experiência.Meio Digital. Palestra proferida no 13º COLE-Congresso de Leitura doBrasil, realizado em UNICAMP/ SP, 17 a 20 de julho de 2001.

. Una lengua para la conversación. IN: LARROSA, Jorgee SKLIAR, Carlos (coord.) Entre Pedagogía y Literatura. BuenosAires: Miño y Dávila, 2006.SKLIAR, Carlos. http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_05/03_skliar.pdf (2003) Acessado no dia 1/8/2009.

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Notas

1 A primeira inspiração para a escrita desse texto foi a comunicação “Narrando aPotência da Escola Pública”,escrita conjunta assinada pela professora Anelice Ribettoe as alunas Ana Paula Peclat, Eliza Antonia Marques da Silva Martins, Flávia CantuáriaNobre Andrade, Priscilla Gomes Guilles Mattos, Socciaray Jesus Oliveira e apresentadano II Encontro Articulando a Universidade e a Escola Básica no Leste fluminense:ações, reflexões e alternativas futuras, realizado na FFP/UERJ, 2009.As alunas do curso de Pedagogia da FFP/UERJ desenvolveram o estágiosupervisionado II nas seguintes instituições: Escola Municipal Leda VargasIanerinne (São Gonçalo); CIEP Mora Guimarães (São Gonçalo); Colégio UniversitárioGeraldo Reis – COLUNI (Niterói); Escola SOL (Saúde, Orientação e Liberdade)(Niterói); Escola Municipal Luiz Gonzaga (São Gonçalo); Escola Estadual AlbertinaCampos (São Gonçalo); Escola Municipal Alberto Torres (São Gonçalo); ColégioGay Lussac (Niterói) e Escola Municipal André Trouche (Niterói).2 A partir desse momento, o E.S. é definido como componente curricular diferenciado.

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H. P. ComunicaçãoEditora