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ARTICULANDO TEORIA E PRÁTICA NA RELAÇÃO UNIVERSIDADE E ESCOLA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE QUÍMICA E BIOLOGIA Ivete Maria dos Santos Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC Resumo Este trabalho tem por finalidade verificar sob o ponto de vista dos bolsistas de Iniciação à Docência (ID), em que medida o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID vem contribuindo para a articulação entre teoria e prática e a aproximação do espaço de formação e do exercício profissional, e quais as implicações para a formação e desenvolvimento profissional. Inicialmente fez-se uma breve análise histórica do papel da universidade pública na formação de professores para a Educação Básica, destacando os dilemas enfrentados ao longo dos anos, principalmente no que se refere à articulação teoria-prática e a relação universidade-escola. Nesse sentido, buscou-se diferenciar o conceito de prática e práxis docente, sendo o último utilizado para fundamentar o estudo. Posteriormente, fez-se a descrição da finalidade e características gerais do PIBID, enfatizando como o programa busca aproximar a universidade e a escola pública, favorecendo ao licenciando a vivência prática da teoria. Para atingir o objetivo da pesquisa buscou-se conhecer o ponto de vista de dez licenciandos em Química e Biologia do PIBID/UESC que participaram do programa entre os anos de 2011/2013. O instrumento de coleta de dados utilizado foi o questionário, composto por treze questões discursivas onde os sujeitos poderiam manifestar suas impressões acerca do programa e as possíveis contribuições para a sua formação. Os resultados indicaram que os licenciandos consideram o programa como uma possibilidade de estreitamento da relação universidade-escola, sendo um elemento importante na articulação teoria e prática. Além disso, nos relatos dos licenciandos identificamos a necessidade de valorização e melhorias das condições de trabalho do professor da Educação Básica. Palavras-chave: formação inicial. PIBID. Ensino de Ciências. Introdução A formação de professores continua sendo um território fértil para investigação educacional. A pesquisa em Ensino de Ciências têm se aprofundado no assunto e os estudos apresentam relevantes contribuições. (CARVALHO & GIL-PEREZ, 1998; PEREIRA, 1999; POZO & CRESPO, 2009). A avaliação crítica do modelo formativo e a busca por alternativas que possam atender as necessidades da sociedade atual, tem impulsionado um crescimento relevante no número de pesquisas que visam contribuir na implementação e aprimoramento das políticas públicas de formação desses profissionais. A preocupação com a relação entre teoria educacional e prática docente, vem ocupando destaque na pesquisa. A propósito, a visão de formação baseada na Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 01684

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ARTICULANDO TEORIA E PRÁTICA NA RELAÇÃO UNIVERSIDADE E

ESCOLA: AS CONTRIBUIÇÕES DO PIBID PARA A FORMAÇÃO INICIAL

DE PROFESSORES DE QUÍMICA E BIOLOGIA

Ivete Maria dos Santos

Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

Resumo

Este trabalho tem por finalidade verificar sob o ponto de vista dos bolsistas de Iniciação

à Docência (ID), em que medida o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Docência - PIBID vem contribuindo para a articulação entre teoria e prática e a

aproximação do espaço de formação e do exercício profissional, e quais as implicações

para a formação e desenvolvimento profissional. Inicialmente fez-se uma breve análise

histórica do papel da universidade pública na formação de professores para a Educação

Básica, destacando os dilemas enfrentados ao longo dos anos, principalmente no que se

refere à articulação teoria-prática e a relação universidade-escola. Nesse sentido,

buscou-se diferenciar o conceito de prática e práxis docente, sendo o último utilizado

para fundamentar o estudo. Posteriormente, fez-se a descrição da finalidade e

características gerais do PIBID, enfatizando como o programa busca aproximar a

universidade e a escola pública, favorecendo ao licenciando a vivência prática da teoria.

Para atingir o objetivo da pesquisa buscou-se conhecer o ponto de vista de dez

licenciandos em Química e Biologia do PIBID/UESC que participaram do programa

entre os anos de 2011/2013. O instrumento de coleta de dados utilizado foi o

questionário, composto por treze questões discursivas onde os sujeitos poderiam

manifestar suas impressões acerca do programa e as possíveis contribuições para a sua

formação. Os resultados indicaram que os licenciandos consideram o programa como

uma possibilidade de estreitamento da relação universidade-escola, sendo um elemento

importante na articulação teoria e prática. Além disso, nos relatos dos licenciandos

identificamos a necessidade de valorização e melhorias das condições de trabalho do

professor da Educação Básica.

Palavras-chave: formação inicial. PIBID. Ensino de Ciências.

Introdução

A formação de professores continua sendo um território fértil para investigação

educacional. A pesquisa em Ensino de Ciências têm se aprofundado no assunto e os

estudos apresentam relevantes contribuições. (CARVALHO & GIL-PEREZ, 1998;

PEREIRA, 1999; POZO & CRESPO, 2009). A avaliação crítica do modelo formativo e

a busca por alternativas que possam atender as necessidades da sociedade atual, tem

impulsionado um crescimento relevante no número de pesquisas que visam contribuir

na implementação e aprimoramento das políticas públicas de formação desses

profissionais.

A preocupação com a relação entre teoria educacional e prática docente, vem

ocupando destaque na pesquisa. A propósito, a visão de formação baseada na

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201684

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supremacia do domínio do conteúdo específico e de algumas técnicas de ensino, tem

sustentado ao longo do tempo o modelo da aplicabilidade técnica na formação do

professor. Essa realidade tem contribuído para que a universidade seja considerada o

único espaço de formação, sendo a escola apenas um espaço de aplicação. Essa visão

desconsidera a escola como unidade de formação, responsável pelo desenvolvimento e

aprendizagem profissional dos professores, podendo contribuir para superação do

distanciamento entre a teoria e a prática docente.

Buscando contribuir na solução dos problemas enfrentados na formação inicial

de professores, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)

apresenta nos seus objetivos a inserção do licenciando no seu futuro espaço de trabalho,

além de contribuir para a articulação entre teoria e prática tão necessárias à formação

dos discentes. Nesse sentido, procuramos compreender de que maneira os licenciandos

que participaram do programa analisam a relação entre a universidade e a escola? Como

ocorre a articulação entre teoria e prática no programa? E, de que maneira o PIBID

influencia no desenvolvimento profissional dos licenciandos?

Diante desses questionamentos, a pesquisa em questão tem como objetivo

verificar, sob o ponto de vista dos licenciandos em Química e Biologia, em que medida

o PIBID vem contribuindo para a articulação entre teoria e prática e a aproximação dos

espaços da formação e do exercício profissional, e quais as implicações para a formação

e desenvolvimento profissional.

A Universidade Pública e a Formação de Professores

No Brasil, a instalação dos primeiros cursos de formação de docentes

antecedeu à instalação da universidade, tendo por finalidade a preparação de

profissionais para atender o ensino primário (PENIN, 2001). Contudo, é no início do

século XX, mais precisamente na década de 30, que se manifesta a preocupação com a

formação de professores para o “secundário” (correspondendo aos atuais anos finais do

ensino fundamental e ao ensino médio), em cursos regulares e específicos. Até então,

esse trabalho era exercido por profissionais liberais ou autodidatas. A partir da formação

de bacharéis, nas poucas universidades existentes, acrescentou-se mais um ano com

disciplinas da área de educação para a obtenção da licenciatura, cuja finalidade era a

formação de docentes para o atendimento do ensino secundário (GATTI, 2010).

Ao longo dos anos, desde a sua criação até os dias atuais, a formação de

professores no país ainda sofre com antigos problemas decorrentes de sua origem.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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Primeiro o processo aligeirado e improvisado de formação docente, no intuito de

atender a crescente demanda das redes pública e privada de Ensino Fundamental e,

segundo, das consequências advindas da adoção do modelo chamado de "3+1":

bacharelado em área disciplinar e apenas um ano de formação em educação para

obtenção de licenciatura, o que permitia ao profissional lecionar em escolas. Este

modelo pauta-se no princípio da racionalidade técnica, onde o perfil de formação

supervaloriza a teoria em detrimento da prática, reservando a esta espaços isolados no

currículo.

De acordo com Duarte et al (2009), o Ensino de Ciências talvez seja o ramo da

Educação como um todo que tem sofrido esta influência mais diretamente. Estudos

realizados deixam claro que os cursos de licenciatura, em especial de Química e

Biologia, apresentam problemas, tendo em vista que não estão formando profissionais

capazes de atuar eficientemente nas escolas de Ensino Fundamental e Médio de nosso

país.

A reflexão já produzida por vários autores sobre a formação de professores de

Ciências (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 1998; MALDANER, 2006; SILVA e

SCHNETZLER, 2008) tem apontado e criticado o predomínio do modelo de formação

no qual o professor é concebido como técnico, e sua atividade profissional como

aplicação de teorias e técnicas na solução de problemas, ou seja, dirigida por uma

racionalidade instrumental ou técnica. Os autores supracitados têm destacado a

necessidade da integração das contribuições teóricas da pesquisa acadêmica aos

problemas envolvidos na prática, de modo que se possa refletir sobre essa prática e agir

de maneira a produzir reformulações teórico-práticas nos cursos de ciências.

A aproximação universidade-escola contribuindo para a articulação entre teoria e

prática

Os cursos de formação inicial de professores, da maneira como vêm sendo

desenvolvidos não são suficientes para que este profissional desempenhe uma prática

pedagógica consciente que leve a transformação de si próprio e dos seus futuros alunos.

Vários autores (PIMENTA, 1995; NÓVOA, 1997; ZEICHNER, 2010) evidenciam a

importância da unidade entre a prática e teoria durante a formação dos professores, bem

como, uma maior aproximação entre a universidade e a escola.

A articulação dos conhecimentos acadêmicos e dos conhecimentos escolares

constitui um aspecto relevante para formação docente. De acordo com Roldão (2007) é

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201686

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preciso superar a visão desses dois campos como entidades separadas, para

compreendê-los como domínios que se integram no saber profissional requerido pela

ação de ensinar. Contribuindo com esta discussão, Zeichner (2010) tem questionado os

modelos tradicionais de formação de professores, que tomam o conhecimento

acadêmico como a fonte legítima de conhecimento, desqualificando o conhecimento

escolar. A partir da análise de diferentes experiências de aproximação entre

universidade e escola o autor propõe a criação de espaços híbridos que possam reunir de

forma mais igualitária os conhecimentos dos professores da educação básica e da

universidade, na construção dos conhecimentos profissionais.

Corroborando com essa ideia, Canário (2001) ressalta a necessidade de maior

aproximação entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos práticos. O autor

questiona a visão dicotômica das relações teoria-prática predominante nos cursos

universitários de formação de professores, que se reflete em uma organização curricular

“em que se procede a uma justaposição hierarquizada de saberes científicos, mais

saberes pedagógicos, mais momentos de prática” (CANÁRIO, 2001, p.32).

Nesse contexto, a indissociabilidade entre teoria e prática é um elemento

necessário na construção dos conhecimentos profissionais, de modo a propiciar ao

futuro professor a construção de uma práxis pedagógica que o permita fazer com que

seus alunos sejam capazes de intervir e transformar a sociedade de que faz parte, sendo

cada vez mais participativo.

Contudo, para aprofundarmos o conceito de unidade entre teoria e prática, é

necessário compreenderemos o conceito de prática e práxis pedagógica. A palavra

prática deriva do grego “praktikós”, de “prattein”, e tem o sentido de agir, realizar,

fazer. Diz respeito à ação. Ação que o homem exerce sobre as coisas, aplicação de um

conhecimento em uma ação concreta efetiva (JAPIASSU e MARCONDES, 1993,

p.199). A prática tem uma dimensão prático-utilitária quando tenta resolver apenas as

necessidades imediatas.

Já a práxis, por sua vez, é “a atividade humana que produz objetos, sem que

por outro lado essa atividade seja concebida com o caráter estritamente utilitário que se

infere do prático na linguagem comum” (VÁZQUEZ, 1977, p. 5). Nesse contexto, a

práxis tem um caráter consciente e intencional. Nesse trabalho a prática pedagógica é

compreendida como forma específica de práxis, pois se fundamenta em uma prática

social dirigida por objetivos, finalidades e conhecimentos.

Diante disso, consideramos que a teoria e a prática encontram-se em

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201687

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indissolúvel unidade. Nesse sentido, Pimenta (1995) ressalta que

A atividade teórica por si só não leva à transformação da realidade;

não se objetiva e não se materializa, não sendo, pois práxis. A prática

também não fala por si mesma; teoria e prática são partes constituintes

da práxis (PIMENTA, 1995, p 63).

Nesse contexto, a prática pedagógica não pode ser compreendida como uma

simples aplicação de teoria numa lógica espontaneísta e com resultados imediatos. A

prática pedagógica se constitui enquanto ação reflexiva guiada por intenções

conscientes e planejada.

O PIBID

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) foi criado

pelo governo federal por meio da CAPES em 2007 e tem como base legal a Lei nº

9.394/1996, a Lei nº 12.796/2013 e o Decreto nº 7.219/2010. Segundo a portaria nº 096,

de 18 de julho de 2013, o programa tem por finalidade “fomentar a iniciação à docência,

contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para

a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira” (BRASIL, 2013, p.1).

O programa funciona por meio de projetos propostos pelas instituições de

ensino superior (IES) que concorrem por meio de editais públicos, podendo ser

reprovado, aprovado parcialmente ou totalmente. Os projetos denominados

institucionais são formados por subprojetos de acordo com as áreas das licenciaturas

existentes nas IES, as quais também podem propor subprojetos interdisciplinares.

Quando aprovado, o projeto institucional será coordenado por um coordenador

institucional auxiliado pelo coordenador de gestão, sendo desenvolvido por grupos de

licenciandos chamados de bolsistas de Iniciação à Docência, que serão orientados pelo

professor da educação básica, chamado bolsista supervisor e pelo professor das IES,

chamado coordenador de área. Todos os integrantes do programa recebem uma bolsa

auxílio de acordo com tipo de função que desempenha no projeto. Além disso, o projeto

contará com repasse de recursos financeiros para custear suas atividades.

De acordo com a portaria nº 096/2013, entre as principais finalidades do PIBID

podemos destacar:

- Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de

licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e

educação básica;

- Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de

educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e

participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201688

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docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a

superação de problemas identificados no processo de ensino-

aprendizagem;

- Contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à

formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas

nos cursos de licenciatura (BRASIL, 2013, p.1).

Nesse contexto, o programa oferece a oportunidade de reconhecimento da

Universidade e da escola como espaço articulado de formação. Além disso, ao

adentrarem no espaço da escola, os licenciandos terão a oportunidade de conhecer e

atuar nas situações reais de ensino de maneira consciente e planejada podendo promover

maior articulação entre teoria e prática.

Percurso Metodológico

Para responder ao objetivo proposto neste trabalho, nos apoiamos na

abordagem qualitativa, pois permite a descrição, análise e avaliação dos dados de forma

articulada e aprofundada, sendo o pesquisador seu principal instrumento (LUDKE E

ANDRÉ, 1986). Com o propósito de analisar as implicações do PIBID, na formação e

desenvolvimento profissional de futuros professores, o caminho metodológico orientou-

se para conhecer o ponto de vista de dez licenciandos de Química e Biologia da

Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) que participaram do programa entre os

anos de 2011/2013.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi o questionário aberto, composto

por treze questões discursivas onde os sujeitos poderiam manifestar suas impressões

sobre o programa e as possíveis contribuições para a sua formação.

As questões foram selecionadas a partir de aspectos considerados relevantes,

de modo que os objetivos desta pesquisa fossem alcançados. Para a análise dos dados

foi utilizado a Análise Textual Discursiva (ATD) que consiste em um processo auto-

organizado de construção de compreensão que emerge de uma sequência recursiva de

três componentes: “desconstrução dos textos do corpus, a unitarização; estabelecimento

de relações entre os elementos unitários, a categorização; o captar do novo emergente

em que a nova compreensão é comunicada e validada” (MORAES, 2003, p. 193).

Resultados e discussão

Conforme mencionado anteriormente foram 10 sujeitos que integraram a

pesquisa, sendo cinco do PIBID de Química e cinco do PIBID de Biologia, com idade

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201689

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entre 20 e 28 anos, e com tempo de participação no programa entre 8 e 24 meses. Os

indivíduos foram identificados através de números seguido do nome do curso e as

respostas obtidas foram agrupadas e analisadas de acordo com as três categorias a

seguir:

A relação entre universidade-escola

Na visão dos estudantes é evidente a contribuição do PIBID na aproximação

universidade-escola, conforme podemos identificar nos fragmentos.

Eu percebo que o PIBID estreita a relação entre a escola e universidade,

fortalecendo a parceria entre essas duas instâncias que eu considero crucial para a melhoria da qualidade do ensino público no Brasil.

(Estudante 1- Biologia)

O PIBID é uma ponte entre a universidade e a escola. Além da

possibilidade de devolver profissionais para as escolas que hoje são

atendidas pelos PIBID, o programa estreita as relações escola-universidade, pois por muito tempo as instituições de ensino superior só

estavam preocupadas com projetos que envolviam apenas o âmbito acadêmico. (Estudante 2 - Biologia)

Os relatos dos licenciandos apresentam dois aspectos que merecem destaque:

na visão do estudante 1 a aproximação entre as duas instituições possibilita melhorias

para educação pública. Para o estudante 2, essa proximidade também possibilita a

formação continuada do professor da escola. Vale ressaltar que os aspectos apresentados

pelos estudantes não se encontram entre objetivos do PIBID, tendo em vista que sua

finalidade está centrada na figura do licenciando, no que diz respeito ao seu

desenvolvimento profissional. Todavia, a partir desses relatos é possível identificar

outras possíveis contribuições do programa.

Contudo, o estudante 2 também ressalta o fato de que nem sempre a

universidade teve a preocupação de se aproximar da escola, ficando durante muito

tempo isolada, se restringindo as atividades acadêmicas. Roldão (2007) tem destacado a

necessidade de articulação dos conhecimentos acadêmicos e dos conhecimentos

escolares, considerando esse aspecto fundamental para formação docente. Sendo

necessário superar a visão desses dois campos como espaço compartimentado de

produção de conhecimento. Essa visão reduz as intervenções que as instituições

produzem em seu cotidiano, perpetuando a ideia equivocada de que a universidade que

produz o conhecimento e a escola que o coloca em prática.

Embora os estudantes admitam as contribuições do programa na relação

universidade-escola, observamos em suas narrativas alguns aspectos que fragilizam essa

aproximação, conforme são apresentados nos relatos a seguir:

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201690

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Sim ainda é um pouco tímida essa relação mais acredito que com mais

esforço e simpatia dos seus coordenadores o PIBID tende a ser bem mais

aceito e incorporado pela gestão escolar. (Estudante 3 - Química)

O programa pode contribuir bastante na relação escola e universidade,

mas é preciso maior participação do coordenador do projeto na escola,

pois ele representa à universidade e o supervisor a escola, mas o supervisor vai mais à universidade e o coordenador vai pouco à escola.

Isso atrapalha essa relação. (Estudante 4 - Química)

De acordo com os fragmentos acima é possível perceber que os estudantes

atribuem ao coordenador do projeto uma função importante nessa aproximação. Nos

relatos fica evidente que ainda existe um distanciamento entre o professor da

universidade e a escola. A portaria nº 096, de 18 de julho de 2013 (BRASIL, 2013)

destaca entre as funções do coordenador de área, elaborar, desenvolver e acompanhar as

atividades previstas no subprojeto. Contudo o documento não esclarece como deve ser

realizado esse acompanhamento.

De acordo com Maldaner (2006) a interação entre professores da escola, pro-

fessores da universidade e alunos da graduação é benéfica para ambos, pois possibilita

discutir as dificuldades encontradas no ensino e, além disso, permite desenvolver a ideia

da pesquisa como princípio educativo na prática, tanto na formação inicial quanto na

formação continuada de professores.

1. Aproximação entre teoria-prática

Nos relatos que seguem os pesquisados falam sobre a relação entre a teoria

abordada no curso e a prática no PIBID. Segundo as estudantes 10 e 5 é possível

observar a relação entre os conceitos estudados e situações práticas como, por exemplo,

na aplicação de metodologias.

Eu sempre achei que a teoria é uma coisa e a prática é outra, pois

geralmente não é mostrada pra gente a relação entre elas na universidade. A minha experiência no PIBID me ajudou a perceber essa

relação. Ir pra escola acompanhar as aulas, elaborar atividades usando

metodologias que antes só lia na universidade, me ajudou a perceber essa relação, e também a compreender as limitações na aplicação das

metodologias, o que antes eu ouvia na sala e achava que era como uma receita de bolo era só aplicar e pronto. (Estudante 10 - Química)

Hoje eu leio os textos de maneira mais crítica e discuto mais na sala de aula, pois tenho mais experiência. Por exemplo, quando estudamos

algumas metodologias no curso, às vezes eu já trabalhei com ela na

escola, assim eu posso contar minha experiência para os colegas e a discussão fica mais real. (Estudante 5 - Biologia)

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201691

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A partir dos relatos é possível perceber que as experiências vivenciadas no

PIBID contribuem para aprimorar e aproximar a teoria e prática na universidade. Além

disso, também é possível identificar como ocorre a articulação entre teoria e prática no

programa. Nos fragmentos a seguir, os estudantes 6 e 7 relatam alguns momentos

importantes:

No PIBID eu consigo perceber a relação existente entre a teoria e

prática, pois a teoria não fica solta, distante. Nós procuramos por meio da teoria compreender as questões que ocorrem na escola e assim pensar

alternativas de melhorar a situação. Nossas ações são planejadas e

constantemente avaliadas. Por exemplo, quando planejamos o ensino de algum conceito novo, nós levamos em consideração o que a literatura

fala sobre o assunto, às dúvidas que os alunos costumam apresentar e as

sugestões para o ensino daquele conceito. Mas a gente também não descarta a realidade dos alunos daquela escola, pois também fazemos

sondagem sobre o que eles já sabem, etc. A partir daí, nós discutimos no grupo e propomos algo na classe, assim fica mais fácil relacionar a

teoria e a prática. (Estudante 6 - Biologia)

No PIBID eu vivo essa relação de teoria e prática. Nós não pegamos a

teoria e aplicamos de qualquer jeito na escola. Nós primeiro temos que

conhecer a realidade e a partir daí pensar nas ações que iremos fazer. Pra isso nós discutimos todos os passos, antes, durante e depois, pois

assim dá próxima vez podemos fazer sempre melhor. (Estudante 7 -

Química)

Os relatos acima apresentam um conceito de prática pedagógica como uma

ação reflexiva guiada por intenções conscientes e planejada. Nesse sentido, essa

concepção está em consonância com a ideia de práxis defendida por Vázquez (1997)

como uma atividade humana que produz objetos, sem que por outro lado essa atividade

seja concebida com o caráter estritamente utilitário.

Na medida em que os licenciandos buscam conhecer a realidade da escola eles

passam a interpretar a teoria a partir do contexto da escola possibilitando assim o

desenvolvimento de uma visão crítica da teoria e da prática. Nesse sentido, Silva e

Schnetzler (2008) destacam que a interface teoria-prática compõe-se de uma interação

constante entre o saber e o fazer, entre conhecimentos acadêmicos e o enfrentamento de

problemas decorrentes da vivência de situações próprias do cotidiano escolar.

2. Implicações para a formação e o desenvolvimento profissional

Os depoimentos analisados apresentam os desafios enfrentados pela profissão

docente atualmente. Os licenciandos apresentam aspectos positivos que foram

agregados mediante a experiência no PIBID. Contudo também mostram aspectos

relevantes que acabam interferindo no exercício da profissão, conforme podemos

identificar nos relatos a seguir:

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201692

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Eu sempre vi o exercício da docência como algo de muita

responsabilidade, pois é um compromisso muito grande ser um

auxiliador da construção do conhecimento de alguém. O PIBID me fez

ver que apesar dos desafios eu não podia fugir da responsabilidade de ser professor. (Estudante 2 - Biologia)

O PIBID ajuda me tornar um profissional mais preparado para exercer a profissão. Mas a vivência na escola também mostra o quanto a nossa

profissão é desvalorizada pelos governantes, pois as condições de trabalho não são boas. A professora da escola que faz parte do projeto

tem todo o suporte para realizar as coisas que ela deseja, pois pode

contar com os bolsistas para ajudar. Eu vejo que ela tem muitas aulas e muitos alunos, não seria possível fazer a quantidade de coisas que já

realizamos se ela estivesse sozinha. O professor da escola tem pouco tempo para elaborar coisas diferentes e levar para a escola. Quando vejo

essa realidade fico angustiada com o exercício da profissão. (Estudante 8

- Química)

A experiência na docência é sempre bem vinda quando falamos de

atuação como docente e na formação de professor. A experiência nunca é demais e nos leva a ter mais estratégias e ferramentas para trabalharmos

a favor da educação de qualidade e igual a todos. (Estudante 9 -

Biologia)

O PIBID me faz ter mais clareza sobre o que é a docência, hoje eu me sinto mais segura sobre como agir na escola e isso com certeza vai me

ajudar muito quando me tornar professora, mas a experiência também me mostra as dificuldades no exercício da profissão, o trabalho do

professor ainda é pouco valorizado. (Estudante 3 - Química)

É possível identificar que os relatos apontam a vivência no contexto escolar

como um importante elemento na construção da identidade dos futuros professores,

tornando-os capaz de analisar a sua prática de maneira crítica. Além disso, o contato

direto com o ambiente escolar possibilita aos licenciandos compreender a complexidade

do trabalho docente, bem como, as questões referentes à valorização da profissão. De

acordo com Gatti (2010), a carreira docente tem se mostrado cada vez menos atraente,

um número significativo de licenciandos não pretende exercer a profissão, ou acabam

desistindo no início da carreira pelas condições de exercício e/ou salariais da profissão.

Algumas Considerações

Os licenciandos pesquisados reconhecem a contribuição do PIBID na sua

formação. No que se refere a relação universidade e escola, os licenciandos identificam

o programa como uma possibilidade de estreitamento das relações entre a duas

instituições. Contudo, destacam que essa aproximação ainda é tímida em virtude da

universidade não ter manifestado sempre essa preocupação. Além disso, é preciso maior

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

EdUECE- Livro 201693

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participação do coordenador de área (professor universitário) no espaço escolar como

uma forma de contribuir na aproximação da universidade e escola.

Quanto à relação teoria e prática, o estudo destaca que o PIBID tem contribuído

para essa articulação tanto nas atividades realizadas no programa quanto na vivência dos

licenciandos nos respectivos cursos. Vale ressaltar que a compreensão de prática

manifestada pelos entrevistados está distante da perspectiva utilitarista, pois, percebe-se

uma ação planejada e refletida dos participantes do programa no desenvolvimento das

atividades.

No tocante as implicações para o desenvolvimento profissional, são perceptíveis

as contribuições do programa, na medida em que possibilita a vivência orientada dos

licenciandos no futuro espaço de exercício profissional. Todavia essa experiência

também permite que os futuros professores identifiquem os problemas enfrentados na

profissão, principalmente no que se refere à valorização do professor.

Essa constatação alerta para o fato de que embora seja fundamental a existência

de programas como o PIBID que contribua para formação docente, também, é

importante destacar que ações pontuais não interligadas com a implementação de

políticas que visem melhorias na perspectiva da carreira docente, poderão distanciar o

licenciando do exercício profissional. Nesse sentido, para a valorização do magistério é

necessário além de programas como o PIBID, o reconhecimento social da profissão que

requer salários mais dignos e melhores condições de trabalho.

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Nível Superior – Capes. Portaria n°96, de 18 de julho de 2013 - Aprova

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