Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    1/13

    89

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    O

    A PRIVATIZAO DO SANEAMENTO

    objetivo do artigo analisar as tentativas de pri-vatizao de sistemas de saneamento bsico emmunicpios do Estado de So Paulo, desde a pro-

    perincias internacionais, pases que adotaram polticaseconmicas similares adotada no Brasil, como Argenti-na, Chile, Mxico, Peru e outros pases latino-america-nos e do leste europeu, privatizaram grande parte dos seusservios de saneamento.

    No Brasil, no entanto, e at o final de 1998, no haviaum marco regulatrio que permitisse privatizar as compa-nhias estaduais concessionrias de servios de saneamen-to (as Cesbs). Apesar de alguns governos de Estado tereminteresse em seguir esse caminho, como os do Rio de Ja-neiro, Esprito Santo, Tocantins e Bahia, entre outros, dis-

    putas entre governadores e prefeitos envolvendo contro-vrsias legais sobre quem era de fato o verdadeiro detentorda titularidade do poder concedente, principalmente nasregies metropolitanas, provocaram, por longo tempo, umimpasse nas privatizaes. Pode-se, ainda, observar queos esforos do Governo Federal nesse perodo se dirigi-ram para criar os marcos regulatrios apropriados que tor-

    nassem vivel a privatizao de empresas estatais de ou-tros setores da infra-estrutura, menos conflituosos, deixandoo de saneamento bsico para ltimo termo. De qualquerforma, esse impasse no afetou os mais de mil municpiosdo pas no-operados pelas Cesbs, para os quais, depoisda promulgao da Lei de Concesses, no havia mais im-

    pedimentos legais para privatizar seus servios de sanea-mento. Bastava que o prefeito aprovasse um Projeto de Lei(PL) na Cmara Municipal para esse fim.

    mulgao da Lei de Concesses de Servios Pblicos (no

    8.987), em 1995, at o ano de 1998, evidenciando princi-palmente a atuao, as estratgias e os constrangimentosinstitucionais enfrentados pelos atores envolvidos.

    O setor de saneamento, estatal desde o primeiro go-verno Vargas, com a promulgao da referida lei queestabeleceu diretrizes para a concesso de servios pbli-cos e solucionou em grande parte o marco legal requerido

    para a privatizao de sistemas municipais de saneamen-to passou a ser o alvo de empresas nacionais e multina-cionais, que se empenharam em abrir o novo e expressivomercado paulista, formado por uma grande empresa esta-dual, a Saneamento Bsico de So Paulo (Sabesp), e qua-se trs centenas de servios municipais autnomos.

    A opo privada na gesto de sistemas de saneamento

    parecia um caminho inevitvel. Ela fazia parte de um pro-cesso amplo de reforma do Estado em que temas como adesestatizao, a modernizao do setor pblico e a des-regulamentao passaram a fazer parte da ordem do dia.

    Nesse contexto, no existiam muitos motivos para se acre-ditar que especificamente esse setor seguiria um caminhodiferente ao de outros setores da infra-estrutura geridos

    pelo Estado, que passaram para a iniciativa privada empoucos anos. Da mesma forma, observando algumas ex-

    Resumo:O texto analisa as tentativas de privatizao de sistemas municipais de saneamento bsico no Estadode So Paulo entre 1995 e 1998, salientando a atuao, estratgias e constrangimentos enfrentados pelos prin-

    cipais atores envolvidos, isto , as empresas multinacionais interessadas em expandir seus mercados ante aresistncia dos setores que defendem o status quo.

    Palavras-chave: saneamento bsico; privatizaes; municpios.

    OSCARADOLFOSANCHEZ

    Doutorando do Departamento de Cincia Poltica da USP

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    2/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    90

    Dentro desse universo de municpios, o Estado de SoPaulo apresentava o conjunto potencialmente mais pro-missor de servios municipais candidatos a serem pri-vatizados, no apenas pelo grande nmero de populao

    atendida (mais de 14 milhes de habitantes), mas tambmpela qualidade do desenvolvimento econmico dos muni-cpios onde estavam instalados. Foi assim que em abril de1995 a empresa multinacional francesa Suez-Lyonaise desEaux, em consrcio com a brasileira CBPO, obteve a con-cesso para operar os servios de saneamento da cidadede Limeira, prspero municpio da regio de Campinasque parecia ser o primeiro de uma nova era de saneamen-to privado no Estado.

    Ao analisar, porm, os resultados desse processo, pas-sados quatro anos da promulgao da referida lei, observa-se que as privatizaes completas de servios no avan-

    aram, mesmo com o empenho de muitos atores interessa-dos, principalmente diversos prefeitos. Esse fato intrigante,

    porque vrios estudos demonstram os fortes recursos depoder dos Executivos, dentro do sistema poltico-partid-rio vigente (Limongi e Figueiredo, 1995). Eles possuemmecanismos institucionais e de barganha que lhes permi-tem, em geral, controlar as decises dos legislativos e dequase todas as instncias que poderiam ter algum tipo de

    poder de veto dentro do municpio. Mesmo assim, os pre-feitos que tentaram uma privatizao completa de suas re-des de saneamento no conseguiram ultrapassar as instn-cias que se interpuseram na consecuo dos seus objetivos.A privatizao em Limeira passou a ser, em So Paulo, umaexceo e no a regra. O presente artigo evidenciar essaquesto e tentar analisar quais as foras que se interpuse-ram ao poder dos prefeitos e como se organizaram para de-fender a gesto estatal do saneamento.

    A primeira parte explica a composio do setor de sa-neamento dentro do marco poltico-institucional brasi-leiro, observando a predominncia dos atores integradosou ligados ao aparelho do Estado. Na segunda, as condi-es que propiciaram a entrada de um novo ator em bus-ca de mercados: as empresas multinacionais. Na tercei-

    ra parte, o campo da disputa, isto , os municpiospaulistas que tentaram privatizar seus servios de sanea-mento e os argumentos utilizados para esse fim. Na quartae ltima parte, o jogo entre os atores nas arenas institu-cionais, de influncia e coercitivas em processos de pri-vatizao nos municpios de Limeira, Guarulhos e Jacare,no Estado de So Paulo.

    Por ser um estudo de caso, no ser possvel generali-zar os resultados obtidos mas o trabalho pode contribuir

    para o entendimento, dentro de um estudo mais abrangente,das diversas modalidades de relacionamentos e conflitosentre o setor estatal da economia e o setor privado nos

    processos de privatizaes.

    OS SETORES E O SETOR SANEAMENTO

    Quem se ope privatizao de um servio pblico?Quais so seus interesses? Como se mobiliza? Trabalhandocom categorias olsonianas, Licnio Velasco Jr. (1997: 40-41) nos oferece uma resposta bastante convincente a es-sas questes: Os grupos de interesse, defensores dostatusquo administradores e associaes dos funcionrios dasempresas, sindicatos de classe, ou companhias consumi-doras ou fornecedoras , se enquadram como as coalizesdistributivas descritas por Olson (1982, cap. 1 a 3). Os

    beneficirios das empresas estatais so poucos e os bene-fcios percebidos so concentrados e significativos. J os

    beneficirios mais imediatos da privatizao so difceisat de ser identificados. A sociedade aparece como a

    beneficiria, mas de forma difusa. Nesse sentido, a mobi-lizao contra as privatizaes, por parte dos grupos inte-ressados na manuteno dostatus quo, tende a ser auto-mtica e com alto grau de coeso, o que se contrape mobilizao dos que apiam ou que se beneficiam desta

    poltica.A primeira impresso que fica do texto acima a ime-

    diata fora de mobilizao dos atores contrrios privati-zao contra um adversrio difuso. No entanto, os pro-gramas de privatizao dos governos federal e estaduaisforam levados muito adiante na dcada de 90, o que sig-nifica que os beneficirios difusos tinham recursos de

    poder superiores, ou pelo menos souberam jogar com maiseficincia. Assim, o caso que veremos a seguir talvez sejauma exceo, ou talvez temporalmente no se sustente sehouver mudanas nas correlaes de foras, mas pode nosdar melhor compreenso de como se desenvolve esse jogoe como cada lado utiliza os recursos a seu alcance. Poroutro lado, tambm levanta a questo das especificidades

    de cada setor, que no podem ser ignoradas nem desliga-das do seu desenvolvimento histrico. Comearemos en-to definindo os atores ligados ao aparelho do Estado e aestruturao do setor de saneamento dentro do marco po-ltico-institucional brasileiro.

    Segundo Pierre Muller, a interveno pblica se orga-niza sob duas lgicas: a territorial e a setorial, cada umacom racionalidade prpria. No primeiro caso o sistemasocial a ser regulado compreende um entorno geogrfico.

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    3/13

    91

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    No segundo, a interveno pblica procura regular a re-produo de uma entidade mais abstrata, constituda porum domnio de atividade construda verticalmente: ossetores (Muller,1986:72), que podem ser entendidos

    como um conjunto de papis sociais estruturados emuma lgica vertical e autnoma de atuao dentro dasociedade. assim que vo se formar progressivamen-te novos espaos de reproduo (como os setores in-dustriais, agrcolas, de sade, de transportes e outros) decarter a-territorial, conferindo aos indivduos identida-des profissionais. Nessa perspectiva, os setores aparecemcomo totalidades sociais que se organizam em objetivosespecficos do ramo e tendem a transformar seus objeti-vos setoriais em fins ltimos, ou seja, em interesse geralda sociedade. Por exemplo, a lgica do setor da sadevai no sentido de acrescentar indefinidamente as despe-

    sas com a sade, porque a vida humana no tem preo;ou a lgica das instituies militares vai no sentido deacrescentar sem limites as despesas com armamento, por-que a segurana no tem preo (Muller, 1986:73).Em sntese, os setores representam a cristalizao deuma identidade profissional, e no territorial, de gru-

    pos sociais .Embora a setorializao das sociedades como modo

    de organizao dominante seja um fenmeno tpico do Es-tado moderno, ela se organiza dentro de marcos concre-tos de relaes, que respondem aos particulares proces-sos poltico-institucionais de formao e evoluo dosEstados. Portanto, importante entender brevemente comose insere o setor de saneamento dentro da sociedade bra-sileira. A inteno mostrar o predomnio histrico dosatores que operam dentro do aparelho do Estado.

    Segundo Eli Diniz (1995:34), o governo Vargas (1930-45), durante a construo do Estado moderno brasileiro,conferiu alta capacidade s elites estatais para contro-lar os recursos pblicos. Concedeu burocracia estatalno s um alto grau de autonomia na definio dos rumosdo desenvolvimento, mas na delimitao dos prprios ob-

    jetivos dos setores. Da mesma forma, Campelo de Souza

    (1976:86) mostra que essa autonomia burocrtica no sedeu por uma eficincia racional/formal segundo o para-digma weberiano das organizaes burocrticas. A cen-tralizao burocrtica varguista deveu-se a uma ttica deabsoro e cooptao dos agrupamentos de interesses,regionais e setoriais. Esse mecanismo permitiu a partici-

    pao subordinada das elites empresariais na estrutura depoder, institucionalizando uma forma de negociaobipartite, que Diniz denomina corporativismo setorial

    (1995:36), envolvendo empresrios e burocratas (comexcluso dos trabalhadores) em polticas setoriais.

    O saneamento no existiu como um verdadeiro setorat o final da dcada de 50 porque no possua estrutura

    nem burocracia capacitada para desenvolver as funesde mediador setorial1que possibilitasse absorver seu cor-respondente meio empresarial dentro do aparelho do Es-tado. Estruturou-se como tal no comeo da dcada de 60,quando, decorrido algum tempo do processo de industri-alizao e urbanizao, foi gerada a escala adequada paraa realizao de grandes investimentos e planejamento noabastecimento de gua, que originou as grandes empresasestaduais de saneamento (as Cesbs), dentro das quais seintegrou o componente privado.

    Para a estruturao do setor, foi importante o adventodo governo militar. Para a tecnocracia do regime, a falta

    de saneamento comprometia o objetivo de desenvolvimen-to econmico. Na ausncia de capitais privados dispostosa investir na rea, os investimentos pblicos, com a cria-o de empresas estatais, foram considerados um requisi-to para promover a eficincia econmica e oferecer con-dies de infra-estrutura para o setor industrial. Buscou-se,no entanto, uma coerncia global com os pressupostostecnocrticos e centralizadores do regime, ou seja, foi ela-

    borado um projeto para o saneamento, no qual se tentoualcanar uma racionalidade tcnica na aplicao das ver-

    bas, baseado em um planejamento prvio e centralizadoque se pretendia nico e homogneo para o territrio na-cional.

    Implementado de forma gradual, o projeto criou, em1969, o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), coman-dado pelo BNH e operado regionalmente pelas Cesbs,quase todas criadas com o plano. Embora de propriedadedos governos estaduais, as Cesbs eram subordinadas sdiretrizes federais e deveriam obter a concesso dos ser-vios de saneamento dos municpios do seu Estado e ope-rar em forma de monoplio. Esse fato gerou resistnciasde administraes municipais das cidades de mdio e gran-de portes, principalmente nos Estados de Minas Gerais,

    Rio Grande do Sul e So Paulo, muitas das quais no ade-riram ao Plano Federal e continuaram operando seus sis-temas de saneamento de forma autnoma, mesmo abrin-do mo dos recursos federais.

    Com o modelo em referncia, o saneamento se colo-cou entre os denominados sistemas fechados, cuja prin-cipal caracterstica era uma combinao de dominnciado planejamento setorial da Unio e um arranjo tarifrio-financeiro com funes redistributivas inter-regionais, e

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    4/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    92

    comeou a se formar uma burocracia de elite dentro dasempresas e a se consolidar uma capacitao nacional emengenharia e projetos. Tambm abriu um nicho para queas empreiteiras nacionais assumissem um papel de desta-

    que nos grandes empreendimentos do setor.Durante esse perodo, e para representar o conjunto dos

    interesses do setor, foi criada a Associao Brasileira deEngenharia Sanitria e Ambiental (Abes), integrada porfuncionrios tcnicos das agncias federais e das Cesbs,

    por fabricantes de materiais e equipamentos, por empre-sas de consultoria e empreiteiras de obras pblicas. A Abesexerceu o monoplio de representao do setor at meta-de da dcada de 80 (Jorge, 1987:138). 2

    Enquanto existiu o regime militar, a simbiose Abes/Cesbs em anis burocrticos foi quase completa. Porm,nos ltimos anos do regime, mudanas na ordem poltico-

    econmica conduziram ao aparecimento de diversas for-mas de participao margem dessa estrutura corporativasetorial, esvaziando-a em sua capacidade de exercer omonoplio da representao de interesses (Diniz, 1995:38).

    Nessa linha, surgiram na dcada de 80 dois novos com-ponentes organizados no setor: a Associao Nacional dosServios Municipais de Saneamento (Assemae) forma-da principalmente pela alta burocracia dos servios desaneamento dos municpios que no havia aderido s Cesbs

    e sindicatos, em especial a Federao dos Trabalhado-res Urbanitrios (FNU).3Embora os novos atores repre-sentassem interesses diferentes aos da Abes/Cesbs, diver-gindo em muitos aspectos, o consenso bsico era que a

    prestao dos servios de saneamento deveria ser opera-da diretamente por rgos do Estado, inclusive dos fabri-cantes nacionais de equipamentos, materiais e empresasde engenharia que com o tempo aprenderam a lidar comos agentes pblicos responsveis pelos servios. As prin-cipais divergncias eram quanto ao nvel apropriado degesto, estadual ou municipal, e quanto distribuio dosrecursos federais.

    Assim, o setor de saneamento entrou na dcada de 90estruturado em uma conformao hbrida, ou seja, a coe-

    xistncia da organizao setorial tradicional da Abes/Cesbs(em So Paulo Abes/Sabesp) e os grupos mais vinculadosaos municpios, principalmente a Assemae e a FNU. A

    parti r de 1995, porm, com a ascenso de FernandoHenrique Cardoso presidncia e a promulgao da Leide Concesses, um novo ator entra em cena para disputaro mercado de gua com os atores ligados ao aparelho doEstado: as operadoras privadas, isto , grandes empreiteirase principalmente empresas multinacionais.

    A ENTRADA DE UM NOVO ATOR

    O desenvolvimento e a propriedade dos servios desaneamento em quase todos os pases do mundo estive-

    ram historicamente nas mos dos Estados, inclusive nosEstados Unidos, onde dos mais de 50 mil operadores exis-tentes em 1995, apenas 15% eram privados. No fim dadcada de 80, principalmente desde a privatizao dosservios de saneamento na Inglaterra, esse mercado co-meou a sofrer mudanas com a entrada de capitais priva-dos na operao dos servios. A abertura das barreirasnacionais no negcio da gua colocou as empresas fran-cesas Suez Lyonnaise des Eaux e Vivendi (ex-Gnraledes Eaux) como lderes mundiais. Elas dominaram o mer-cado porque aprenderam a lidar com suas caractersticas

    particulares: um mercado extremamente fragmentado e

    dirigido pelo poder pblico.Embora a Frana seja um pas com ampla tradio em

    servios estatais, o abastecimento de gua uma daspoucas excees. Desde o comeo, no sculo XIX, essaatividade esteve nas mos da iniciativa privada. AVivendi, por exemplo, obteve seu primeiro contrato mu-nicipal no comeo do governo de Napolen III, em 1853.A Lyonnaise, nessa poca, tambm j existia. No modelodesenvolvido na Frana, os governos locais conservavama propriedade da infra-estrutura enquanto as empresas

    privadas concorriam pelos contratos de gesto para ofe-recer o servio. Esse modelo permitiu o aparecimento deempresas fortes e especializadas para lidar com um mer-cado fragmentado e pblico. Com o passar do tempo es-sas empresas aprenderam que uma das principais ferra-mentas para obter sucessos comerciais era cultivar relaesestreitas com funcionrios eleitos, e com eles criaram umforte lobbyque ajudou a aventar as constantes ameaasde estatizao dos servios de gua. Com essa grandeexperincia, as empresas francesas estavam em excelen-tes condies para oferecer seus servios quando o mer-cado mundial se abriu no final dcada de 80 (Owen,Iskandar e Taylor, 1999).

    Pouco depois, comearam a atuar na Amrica Latina,obtendo concesses para operar em grandes cidades, comoBuenos Aires, Santa F, Crdoba e Tucumn (Argenti-na), Valdivia (Chile), Bogot (Colmbia) e na cidade doMxico, entre outras. Mas as francesas no foram as ni-cas. Entre as empresas multinacionais interessadas nomercado latino-americano estavam tambm as inglesas,

    North West Water e Thames Water, e a espanhola, guasde Barcelona. A partir de 1995 essas empresas comeam

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    5/13

    93

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    a operar no mercado brasileiro e em quase todas as tenta-tivas de privatizao de servios de saneamento aparecemcomo as principais interessadas.4Essas empresas, no en-tanto, no se limitam operao de servios de saneamento

    bsico, mas atuam em vrios ramos de servios ambientais,incluindo as reas de limpeza de ruas e disposio de re-sduos industriais, entre outras.5Tambm controlam, pormeio de subsidirias, fbricas de materiais e equipamen-tos. O interesse no se limita em obter concesses paraoperar servios, mas visa criar um mercado cativo parasuas prprias fbricas, verticalizando assim todo o ciclo

    produtivo. Isso explica a resistncia dos empresrios na-cionais privatizao dos servios.

    A chegada das operadoras multinacionais teve o incen-tivo de setores do governo federal. Os operadores finan-ceiros (BNDES e CEF) eram favorveis a programas de

    reestruturao que implicassem a privatizao tanto dasCesbs como de autarquias municipais. O BNDES, princi-

    palmente, atuou como um catalizador entre os agentespblicos dispostos a privatizar e os agentes privados dis-postos a investir no saneamento mas, erroneamente, noassociou esse processo com a adoo do marco regulat-rio, o que resultou, pelo menos at o ano 2000, um entra-ve para a privatizao de empresas estaduais6(Arretche,1999:34), mas no dificultou a privatizao pelas autar-quias municipais, para as quais a Lei de Concesses erasuficiente. Na realidade, a primeira experincia de gesto

    privada de servios de saneamento no novo contexto foiem Limeira, nos primeiros meses de 1995, logo acompa-nhada por vrias outras tentativas. A seguir, vejamos oque aconteceu em So Paulo.

    O CAMPO DA DISPUTA

    Embora existissem em 1995, no Estado de So Paulo,625 municpios, a privatizao dos servios de saneamentoestava limitada por dois condicionantes. O primeiro deve-se existncia, no Estado, da Sabesp. O prefeito de ummunicpio concedente dessa empresa, para poder privati-

    zar, deve primeiro rescindir o contrato de concesso, oque legalmente muito complexo (Sanchez, 2000:35). Essefato limitou os provveis candidatos a 295 municpios, dos625 existentes no Estado, pois a Sabesp operava em 330.O segundo condicionante o fator escala econmica.Realmente, os servios de saneamento bsico so mono-

    plios naturais, servios de utilidade pblica em que aexistncia de mais de um produtor mostra-se anti-econ-mica. A lgica a reduo dos custos pelo aumento da

    escala de produo permitindo a prestao do servio comtarifas mais baixas que em regime de concorrncia. O pro-

    blema, quando o monoplio privado, atingir uma pro-duo em escala necessria para equilibrar as tarifas aces-

    sveis, o retorno dos investimentos e a gerao de lucros,sem considerar os subsdios estatais. E essa condio notornaria vivel a privatizao completa de servios de sa-neamento em municpios com populao abaixo de 50 milhabitantes.7Mesmo assim, de 295 municpios em condi-es legais de privatizar seus servios de saneamento, ain-da teramos 54 com a escala econmica apropriada. E nesses que nos deteremos.

    O processo de privatizao normalmente comea coma chegada ao municpio de representantes das operado-ras privadas, que a partir de 1995 adotaram uma agres-siva poltica de assdio s autoridades locais tentando

    mostrar as vantagens de privatizar o saneamento dassuas cidades. Essas empresas, a pedido ou no do pre-feito, procuram informaes tcnicas nos DAAEs ouSAAEs,8elaboram um estudo de viabilidade para a con-cesso (total ou parcial) dos servios e o apresentamao prefeito, formal ou informalmente, que avalia se conveniente a concesso. Em caso positivo, contratauma empresa de consultoria para elaborar o edital e aseguir envia um PL Cmara Municipal. Se aprovadoo PL (o que nem sempre acontece), o prefeito publicao edital e mais tarde feita a licitao pblica. Mesmodepois de realizada a licitao, a qual normalmenteenfrenta contestaes judiciais de sindicatos, associa-es ou de empresas que se sentiram prejudicadas, esta

    pode ser cancelada (mais adiante veremos por qu). Esseprocesso se repetiu, em suas dife rentes formas, em to-dos os municpios onde se tentou privatizar.

    Ao serem examinadas as tentativas de privatizao,isto , a vontade poltica de um prefeito em privatizar osaneamento de sua cidade considera-se vontade efetivaapenas quando enviado um PL Cmara Municipal pe-dindo autorizao , devem-se observar quais foram osmunicpios que tentaram privatizar, o resultado da vota-

    o do PL e se a concesso foi efetivada.Nove prefeitos enviaram PLs s Cmaras Municipaispara privatizar seus servios de saneamento mas apenasquatro foram aprovados e os cinco restantes, rejeitados(ou retirados pelo prefeito antes da votao).9Mesmo as-sim, apenas um processo foi concretizado, o de Limeira.

    Um dos principais argumentos de defesa da entrada dainiciativa privada na operao de servios municipais desaneamento era que a empresa faria os investimentos ne-

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    6/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    94

    IBGE de 1991. Na verdade, e dentro dessa lgica, esseseria um argumento vlido para privatizar apenas no mu-nicpio de Guarulhos, onde as coberturas eram de 86% e52%, porm nesse municpio o edital de privatizao no

    previa coberturas a alcanar.Por outro lado, salvo excees, como o municpio de

    Mato, as autarquias de So Paulo so superavitrias ouse auto-sustentam sem recorrer a recursos oramentrios,mesmo considerando em alguns casos o excesso de fun-cionrios11e as tarifas subsidiadas para moradores na fai-xa de consumo de at 10 metros cbicos, praticadas porquase todos os sistemas municipais. Isso significa que osservios de gua, como regra, so rentveis.

    Pode-se supor que o principal interesse dos prefeitosem privatizar os servios seria a remunerao que as em-

    presas privadas pagariam ao municpio pela concesso.

    necessrio, porm, observar que a concesso em sanea-mento do tipo no-onerosa, ou seja, a empresa ganha-dora no paga ao municpio pela concesso, apenas secompromete a investir na melhoria dos servios. No h,

    praticamente no mundo inteiro, concesses onerosas por-que o objetivo bsico de uma mudana de gesto nessesetor a universalizao dos servios no apenas para oconforto da populao, mas, e principalmente, como ins-trumento preventivo de sade pblica.12

    Por fim, no existiam servios altamente endividados,porque as autarquias municipais no tm grande capaci-dade de endividamento. Os recursos para investimentose/ou capacitao tcnica so da prpria autarquia ou or-amentrios do municpio. Eventualmente obtm recur-sos na CEF ou de programas estaduais, como o Sanebasee o Fehidro.13Nessas condies, torna-se evidente o leg-timo interesse das empresas privadas: altas coberturas jinstaladas, servios rentveis, concesses no-onerosas,recursos para investimentos do BNDES. Mas, vistos deoutro ngulo, quais foram os argumentos utilizados pelos

    prefeitos? Se um prefeito realmente quiser privatizar, umaboa empresa de consultoria pode elaborar argumentos quejustifiquem tal alternativa, como por exemplo em Jacare,

    onde se argumentou que existiria uma forte demanda degua para consumo industrial. Ademais, como nenhumservio possui um funcionamento perfeito, determinadosaspectos tcnicos, operacionais e a previso de objetivosempresariais a serem alcanados podem ser elementosimportantes para uma razovel justificativa. Dessa forma,o prefeito tendo decidido privatizar os servios, comeao jogo na arena institucional, na qual vai tentar se valerdos recursos de poder que seu papel lhe confere.

    TABELA 1

    Municpios que Tentaram a Privatizao Completa de seus

    Sistemas de Saneamento

    Estado de So Paulo 1995/98

    MunicpiosPartido do Pro je to de Lei na Priva tizao

    Prefei to Cmara Mun ic ip al Efet ivad a

    Limeira PMDB Aprovado Sim

    Jacare PMDB Aprovado No

    Guarulhos PMDB Aprovado No

    Leme PFL Aprovado No

    Catanduva PMDB Rejeitado No

    Indaiatuba PMDB Rejeitado No

    Valinhos PMDB Rejeitado No

    Mato PT Rejeitado No

    Rio Claro PPB Rejeitado No

    Fonte: Jornal da Assemae;TRE.

    cessrios para permitir o aumento dos ndices de cobertu-ras das redes de gua e esgotos existentes, porque haviafalta de recursos dos rgos pblicos gestores dos sistemas(Moreira, 1996 e 1998; BNDES, 1998). Esse argumento,

    porm, no generalizvel. Dos 54 municpios do Estadocom sistemas municipais e mais de 50 mil habitantes, 47apresentavam um ndice de cobertura de abastecimento degua superior a 90%, e em 43 a cobertura de esgotos cana-lizados era superior a 75% j em 1991. Os ndices de co-

    bertura de 90% e 75% para gua e esgoto so respectiva-mente os mnimos recomendados pela ONU para atenders populaes urbanas.10Dos sete sistemas municipais comcobertura deficientes, cinco deles Campo Limpo Paulis-ta, Vrzea Paulista, Itarar, Hortolndia e Mogi das Cruzes

    outorgaram a concesso dos seus servios Sabesp nosanos de 1997/98, o de Mogi das Cruzes de forma parcial.Ou seja, com exceo de Guarulhos e Atibaia, os sistemasmunicipais autnomos restantes de So Paulo possuem bons(ou muito bons) ndices de cobertura de redes de gua eesgoto. Esse no foi, portanto, um motivo relevante que

    justificasse as tentativas de privatizao.Por exemplo, no edital de privatizao no municpiode Jacare se estipulava que as coberturas deveriam che-gar, nos primeiros cinco anos de concesso, a 98% as degua, e a 91% as de esgoto, mas j existiam coberturas de95% e 90%. Em Limeira, Catanduva e Leme os editais

    previam a universalizao em cinco anos, e as coberturasj eram de 98% e 93% em Limeira ; 99% e 96% emCatanduva, e 99% e 95% em Leme, segundo dados do

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    7/13

    95

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    O JOGO

    Quando um prefeito tenta dar a concesso de seus ser-vios de saneamento, so duas as alternativas: ou opta por

    empresas privadas ou pela Sabesp. Como a empresa esta-dual no participa de concorrncias pblicas,14a opodo prefeito deve ser feita antes de enviar o PL CmaraMunicipal. No h disputa direta nas concorrncias entrea Sabesp e as empresas privadas. A opo entre uma eoutra deve ser do prefeito. Qualquer que seja a opo, aresistncia concesso comea na Cmara Municipal embora em menor medida quando a escolhida a Sabesp

    no momento do envio do PL pelo prefeito, que precisaser aprovado por maioria qualificada.

    Para a aprovao do projeto, o prefeito conta semprecom o apoio fechado de seu grupo, que no necessa-

    riamente se confunde com sua base de sustentao naCmara Municipal, da qual apenas uma parte. Como necessrio um amplo nmero de votos para aprovar o PL,a capacidade e os meios disponveis de ambas as partes(por um lado, o grupo do prefeito, e por outro, a oposi-o) para convencer os vereadores do grupo intermedi-rio que normalmente votam com o prefeito mas que noso de seu grupo decidiro o resultado. Se o prefeitono consegue convencer um nmero suficiente de verea-dores, retira o projeto.

    A principal resistncia ao PL surge dos vereadores quefazem oposio sistemtica ao prefeito, mas essa resis-tncia no pode ser interpretada em funo da condioideolgico-partidria dos vereadores sobre o papel doEstado na proviso de bens e servios. Em Indaiatuba, porexemplo, a oposio ao projeto de privatizao do prefei-to do PMDB, Flavio Tonin, foi liderada pelo vereadoreleito pelo PFL, Tadao Toyama. Em Mato, a principaloposio ao projeto do prefeito do PT, Adauto Scardoelli,foi do vereador do PMDB, Edson Correia. Em Limeira, aoposio ao projeto do prefeito do PMDB, Jurandir Pai-xo, foi de Luiz Carlos Pierre, do PT, junto com DaviPoleti, do PFL. No entanto, a disputa na Cmara Munici-

    pal pela aprovao do PL no fica circunscrita a esse es-pao. Existem fontes de presso externa sobre os verea-dores do grupo intermedirio para votar contra: a primeirase d pelos sindicatos dos trabalhadores do DAAE/SAAEem questo; a segunda, promovida pela ao da Assemaee, em algumas situaes, tambm da Sabesp. Nesse mo-mento no h divergncias entre os atores do setor. Pelosfortes recursos de poder do prefeito, o interesse comum dominar principalmente a arena de influncia, isto , o

    espao em que os grupos e indivduos disputam o dom-nio sobre a opinio pblica e no qual cada um busca mol-dar as concepes sociais sobre os assuntos em pauta.

    O grupo de vereadores de oposio normalmente no

    tem os conhecimentos tcnicos necessrios para questio-nar as necessidades que o prefeito, amparado por umaconsultoria prvia, justifica para privatizar os servios.

    Nesse sentido, a ao desses vereadores poderia pareceruma pura oposio destrutiva ao projeto do prefeito. Tam-

    pouco o conhecimento vem dos sindicatos, que possuemalguma capacidade (de acordo com o municpio) paramobilizar determinados grupos sociais, principalmente osligados igreja catlica e outros sindicatos, a pressionaros vereadores. Em geral no possuem propostas concre-tas, a no ser as de cunho ideolgico (o saneamento deveser uma funo do Estado), mas que pode ser confundi-

    da apenas com interesse corporativo. A ao tcnica e oconhecimento que vo fundamentar a oposio e refinar a

    posio dos atores locais dando-lhes as bases para conso-lidar um movimento coerente de opinio pblica, contr-rio privatizao, so da Assemae.

    Nas audincias pblicas que precedem a votao doprojeto (em geral presentes os formadores de opinio dacidade: jornalistas, engenheiros, padres, professores, eoutros lembrando que no se est lidando com megaci-dades, como Rio de Janeiro ou So Paulo e a ao dessas

    pessoas extremamente capilar), a Assemae manda suatropa de choque, formada por um pequeno grupo deassessores tcnicos e jurdicos capacitados para enfrentaro prefeito e as empresas de consultoria em que ele se apiano campo do conhecimento.

    Depois de expor um diagnstico da situao do SAAE/DAAE em questo, a Assemae invariavelmente apresenta

    projetos concretos para solucionar os eventuais proble-mas, tanto de questes tcnicas como administrativas e/ou financeiras. A capacidade de seus representantes paratornar compreensvel uma questo de natureza complexa,inclusive discutir os aspectos obscuros (para os leigos) doseditais de concesso, dificulta a defesa dos argumentos

    em favor das privatizaes. Por outro lado, expe, porexemplos internacionais e principalmente com o casoLimeira, que uma privatizao seguida de um aumen-to de tarifas. E esse um elemento de influncia muitoimportante, porque quando os servios de saneamento sodeficientes, principalmente quando falta gua nos domi-clios, qualquer soluo proposta para o problema, inclu-sive um aumento de tarifas ou at a privatizao dos ser-vios, pode ser aceitvel para a populao. No entanto,

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    8/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    96

    como os problemas de abastecimento de gua e coleta deesgotos no Estado de So Paulo no so graves, ao con-trrio, os sistemas municipais possuem em geral boas co-

    berturas, a ameaa de aumento tarifrio (real ou imagi-

    nrio) torna-se um elemento de presso muito forte, depoisde eficientemente divulgado.

    A seguir, e convencidos desses argumentos, jornais,emissoras de rdio do municpio, movimentos popularese, em alguns lugares, a igreja catlica,15entram na cam-

    panha de presso sobre os vereadores j em posse de ele-mentos concretos para sustentar uma discusso fundamen-tada. Ou seja, o papel da Assemae no apenas um trabalhode reflexo tcnica e de elaborao de propostas de no-vas medidas de interveno. Seu principal papel no muni-cpio transformar uma realidade relativamente obscuraem um programa de ao poltica coerente, fornecendo as

    ferramentas necessrias para superar a assimetria de in-formao. Essa presso sobre os vereadores, facilitada pelanecessidade de se obter maioria qualificada para aprovaro projeto de lei, fez os prefeitos desistirem da privatiza-o em cinco dos nove municpios em questo, emboraem alguns, como Rio Claro, nem foi necessria a ao ins-titucional da Assemae, mas apenas dos membros dessaorganizao atuantes no prprio municpio. Em sntese,dominar a arena de influncia como fator de presso so-

    bre os vereadores tornou-se a primeira e grande instnciade veto s privatizaes.

    Em quatro municpios, no entanto, os recursos de po-der dos prefeitos mostraram-se superiores s pressesexternas e conseguiram aprovar o PL: Limeira, Jacare,Guarulhos e Leme. Assim, a luta do setor continua forada Cmara Municipal, na arena institucional, principal-mente com aes na justia. Aqui a oposio foi em certamedida facilitada por suspeitas de concorrncias dirigi-das com a manipulao dos editais. A experincia adqui-rida pela privatizao em Limeira possibilitou Assemaemunir os sindicatos e outras organizaes com os meiosnecessrios para a batalha judicial. Por outro lado, houvea interveno da Sabesp atuando tambm na arena coer-

    citiva, que pelo seu impacto foi capaz, na sua rea de in-fluncia, de constranger os agentes da privatizao. Ve-jamos o que aconteceu nos municpios de Limeira,Guarulhos e Jacare.

    Limeira

    Em 1994, o prefeito de Limeira, Jurandir Paixo(PMDB), contratou a empresa de consultoria Socienco,

    sob o critrio de notria especializao, para fazer umestudo de viabilidade a fim de outorgar a concesso dosistema de saneamento da cidade ao setor privado.

    O processo de concesso comeou na quarta-feira, 27

    de abril de 1994, quando o prefeito enviou um PL C-mara Municipal em regime de urgncia especial. Comoa Cmara se reunia apenas s segundas-feiras, foi convo-cada uma reunio extraordinria para sexta-feira, dia 29.O projeto, sem passar por nenhuma comisso temtica,foi direto para o relator que, em poucas horas, deu pare-cer favorvel. Convocada uma nova reunio extraordin-ria para o domingo, foram apresentadas 30 emendas, masa bancada ligada ao prefeito rejeitou todas e aprovou o

    projeto original por 15 votos a 6. Poucos dias depois (emmaio desse ano) foi lanado o edital. Uma das exignciasera as empresas concorrentes j terem operado sistemas

    de saneamento em cidades com pelo menos 10 mil domi-clios (aproximadamente 40 mil habitantes). Como noexistiam no Brasil empresas privadas que cumprissem talrequisito, a vencedora deveria estar assim obrigatoriamentecoligada a uma operadora estrangeira. Porm, uma em-

    presa nacional interessada, a Buzolin, entrou na justia econseguiu suspender a concesso questionando as exign-cias do edital.

    No ano seguinte, em 1995, j na vigncia da Lei deConcesses, foi feito um novo edital e a licitao realiza-da no ms de abril, quando a classificao final das em-

    presas participantes e suas propostas no foram apresen-tadas, apenas foi declarado vencedor, como j se esperavana cidade, o consrcio formado pelas empresas CBPO (doGrupo Odebrecht) e a francesa Suez Lyonnaise des Eaux,que assumiu a operao dos servios dois meses depoiscom o nome de guas de Limeira. A concesso foi no-onerosa, pelo prazo de 30 anos, e a nova empresa se com-

    prometeu a investir R$ 98 milhes, dos quais 40% noscinco primeiros anos.

    Nos primeiros meses de concesso, as tarifas aumenta-ram em parte pelo repasse do ISS que no era cobradoanteriormente. Tambm a cota mnima de consumo sub-

    sidiado baixou de 10 para 5 metros cbicos. Seguiram-seinmeras denncias sobre a queda da qualidade do servi-o, noticiadas quase diariamente na imprensa local e re-gional. A Cmara Municipal instaurou pouco depois umaCPI para investigar a privatizao. As suspeitas eram deirregularidades no edital, indcios de enriquecimento il-cito do prefeito e o fato de a empresa de consultoria con-tratada antes da privatizao ter vnculos empresariais como Grupo Odebrecht, uma das ganhadoras da concesso.

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    9/13

    97

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    Depois de trs meses de investigaes, a CPI apresentoucomo resultado dois relatrios, um do grupo de oposioao prefeito e outro do grupo que o apoiava. Este ltimofoi considerado oficial e no apontou irregularidades.

    No ano seguinte, o Ministrio Pblico (MP) impetrouuma ao civil solicitando a anulao da concesso. A aofoi deferida na 4aVara de Justia da cidade. Tambm oMP solicitou uma ao cautelar requerendo o seqestrodos bens do prefeito, acusado de fraude e enriquecimentoilcito, porm indeferida porque o juiz considerou as pro-vas inconsistentes. Nesse mesmo ano, o Tribunal de Con-tas do Estado (TCE) apontou graves irregularidades no

    processo.16Essa foi, at dezembro de 1998, a nica con-cesso total efetivada em municpios com populao su-

    perior a 50 mil habitantes no Estado de So Paulo.17

    Em Limeira houve mobilizao poltica, principalmente

    de partidos opositores ao prefeito, mas Jurandir Paixoconseguiu ultrapassar todas as instncias adversas e le-vou adiante a privatizao. Deve-se observar, no entanto,que ela comeou formalmente em 1994 e concretizou-senos primeiros meses de 1995. Tanto a Sabesp, que estavase reestruturando e definindo sua poltica nesse perodo,como a Assemae ainda no estavam preparadas para agircontra adversrios desse porte.

    O processo vitorioso em Limeira foi um forte impulsopara as empresas privadas, principalmente as francesas,tentarem entrar no Estado de So Paulo. Mas por outrolado proporcionou ao setor saneamento um aprendiza-do que utilizaria com muita competncia nas posteriorestentativas de concesso, principalmente em sua funoestratgica para influir nos municpios, alm de capaci-dade para enfrentar suspeitas de manipulao de licita-es. Limeira foi na realidade uma vitria de Pirro paraa Lyonnaise des Eaux em So Paulo. Ficou com m-famano Estado.

    Guarulhos

    Observando a forma de atuao da Lyonnaise em Li-

    meira, assim como nos processos de concesso nos quais aempresa esteve envolvida nas cidades de Mendoza e Crdo-ba, na Argentina, ela parece seguir, pelo menos na Amrica-Latina, um determinado padro. Dificilmente a empresaentra em uma concorrncia sem ter algum tipo de acordo

    prvio com as autoridades que comandam o processo.18

    Vejamos o que aconteceu no municpio de Guarulhos.Depois de obter a concesso em Limeira, a empresa

    francesa apostou na concesso do maior municpio do

    Estado de So Paulo (com exceo da capital). EmGuarulhos, localizado na Regio Metropolitana, o prefei-to Vicentino Papotto (PMDB) enviou, em maio de 1996,um PL Cmara Municipal pedindo autorizao para con-

    ceder iniciativa privada a gesto completa dos serviosde gua e esgotos.

    Um parecer feito por uma empresa de consultoria con-tratada pelo prefeito apontava a concesso como uma res-

    posta falta de gua em alguns bairros, uma vez que omunicpio comprava gua por atacado da Sabesp e noera suficientemente abastecido por ela. A provvel con-cessionria, ademais, deveria buscar fontes alternativas decaptao para diminuir essa dependncia. Outra soluoapontada era a resoluo de deficincia de cobertura dasredes de esgoto, que nesse ano alcanava pouco mais de50% dos domiclios, a pior da RMSP.

    O PL foi aprovado na Cmara Municipal em 13 de ju-nho de 1996 por 18 votos a 3. No entanto, a votao foianulada pela justia porque no foi permitida a apresen-tao de emendas ao projeto, contrariando o regimentointerno da casa. A segunda votao aconteceu no dia 16de agosto e o projeto voltou a ser aprovado pelo mesmo

    placar (18 a 3). Assim como em Limeira, todas as emen-das apresentadas foram indeferidas. No dia 3 de setem-

    bro, o SAAE publicou um aviso para que as empresas in-teressadas retirassem o edital e marcou-se para o dia 23de outubro a data de abertura dos envelopes. Os princi-

    pais concorrentes concesso eram as francesas Lyonnaisedes Eaux e Vivendi. Tambm como em Limeira, a imprensalocal noticiava antecipadamente que a Lyonnaise seria avencedora da concorrncia.

    Durante o perodo de tramitao do projeto de lei acon-teceram audincias pblicas na Cmara Municipal e emuma universidade da regio, e foram chamadas a partici-

    par a Sabesp e a Assemae. As complexidades da opera-o do SAAE e das regras tcnicas do edital demandarama presena de pessoas do setor.19 Os representantes daAssemae, fazendo um diagnstico sobre a situao doSAAE, mostraram que o principal problema era operacio-

    nal. Existiam deficincias na cobertura de esgotos, masos investimentos necessrios reduziam-se a redes coleto-ras domiciliares. Segundo a Assemae, o municpio no

    precisava investir no tratamento nem na disposio finalporque Guarulhos era um sistema complementar ao ope-rado pela Sabesp em toda a RMSP. Quanto falta de gua,o SAAE tinha perdas (fsicas e principalmente de fraudesna leitura de hidrmetros) de mais de 40%. O fato de maiorimpacto sobre a populao e a mdia local, no entanto, foi

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    10/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    98

    mostrar os aumentos de tarifas e a suposta queda de qua-lidade dos servios que ocorreu no municpio de Limeiradepois de a Lyonnaise ter assumido os servios.

    Por outro lado, a Sabesp, interessada em operar no

    municpio, se props a assumir a concesso, comprome-tendo-se a alcanar, em cinco anos, 100% de coberturadas redes de gua e 85% das de esgotos, que nesse mo-mento eram de 86% e apenas 52%, respectivamente. Parachegar a esse resultado, a empresa calculava investir R$180milhes, mas o prefeito alegou que pelo estudo da empre-sa de consultoria por ele contratada seriam necessriosinvestimentos da ordem de R$780 milhes e que outrasempresas estavam dispostas a investir esse valor. Consi-derando a licitao de cartas marcadas, o vice-presidenteda Sabesp, Antnio Marsiglia Neto, declarou em audin-cia pblica que a gua fornecida pela Sabesp ao munic-

    pio era subsidiada e ameaou cortar o subsdio caso oSAAE fosse transferido a uma operadora privada, o quecausaria um brusco aumento de tarifas. Alm disso, aempresa no se comprometeria em abastecer de gua su-ficiente esse municpio, porque daria prioridade a outrosmunicpios da regio, de gesto pblica (Jornal daAssemae, jun. 1996:11).

    Com o material debatido nessas audincias e princi-palmente com as ameaas da Sabesp os jornais e asemissoras de rdio do municpio comearam a fazer umacampanha contrria privatizao, enfatizando principal-mente um inevitvel aumento de tarifas numa gesto pri-vada e as suspeitas de que a concorrncia era manipula-da. Em pleno perodo eleitoral, o prefeito VicentinoPapotto percebeu que esse movimento estava prejudican-do seu candidato, Pascoal Thomeu. Para no sofrer pre-

    juzos eleitorais, acabou enviando um novo PL Cmarano dia 23 de outubro, cancelando a concesso.

    No entanto, pouco antes de o prefei to cancelar a con-cesso, dirigentes da Lyonnaise procuraram a Sabesp paranegociar regras claras para uma futura compra de gua

    por atacado. No possvel provar a resposta dos diri-gentes da Sabesp mas possvel inferir que, por ter tam-

    bm interesse na concesso, sua resposta fosse negativa.Alguns dias depois, ao cancelar a concesso, o prefeitojust ificou sua atitude alegando que o processo de priva-tizao est sendo explorado politicamente e poder tra-zer prejuzos irreversveis ao municpio na medida emque afasta licitantes em potencial (grifos meus) (Jor-nal da Assemae, out. 1996:10). As empresas se retira-ram da disputa pela falta de garantias da Sabesp no for-necimento de gua.

    Concluindo, na tentativa de privatizao em Guarulhos,embora o papel da Assemae na assessoria aos vereadorese aos sindicatos tenha sido importante para dar bases con-cretas mobilizao contrria privatizao, o poder de

    coero da Sabesp teve tambm um papel relevante. Noclculo da empresa, o importante era no deixar as fran-cesas ganharem. Mantendo a gesto com a prefeitura,

    poderia obter a concesso com os prximos prefeitos.

    Jacare

    A participao do setor tambm pode ser constatadana tentativa de privatizao no municpio de Jacare. Nessemunicpio, em janeiro de 1996, o prefeito Thelmo Cruz(PMDB) enviou um PL Cmara Municipal pedindo au-torizao para outorgar a concesso total dos servios de

    saneamento do municpio prestado pelo SAAE. O prefei-to justificou o pedido alegando falta de condies finan-ceiras para ampliar o consumo industrial e construir esta-es de tratamento de esgotos. O municpio possui 173mil habitantes e est situado na regio de So Jos dosCampos. O SAAE nesse ano abastecia de gua 95% dosdomiclios e 90% possuam rede de esgotos, mas no exis-tia tratamento. A consultoria prvia e a preparao do editalforam realizadas por pessoas ligadas Fundao Escolade Sociologia e Poltica de So Paulo.20Os prprios re-

    presentantes dessa Fundao foram os encarregados dedefender a privatizao nas audincias pblicas.

    Nos primeiros dias de maro desse ano, o PL foi apro-vado na Cmara Municipal, mas (novamente) por proble-mas regimentais houve uma segunda votao, quando o

    prefeito obteve outra vitria. Entretanto, apenas em outu-bro o edital foi lanado, marcando para o dia 5 de dezem-bro a abertura dos envelopes, menos de um ms antes damudana de prefeito.

    O movimento de oposio no municpio apresentoucaractersticas similares s de Guarulhos. Comeou coma mobilizao de alguns vereadores de oposio e o sin-dicato dos trabalhadores do SAAE/Jacare, recebendo aju-

    da da Assemae e da Sabesp para a luta travada na arenade influncia.Alm de participar das audincias pblicas, nas quais

    municiou a imprensa local com elementos concretos so-bre os problemas de privatizar os servios, a Assemaeprestou assessoria jurdica ao sindicato para que ele en-trasse com uma ao popular na justia contra a privati-zao. J a Sabesp que nesse municpio no tinha podercoercitivo como em Guarulhos novamente se apresen-

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    11/13

    99

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    tou como alternativa, recusada pelo prefeito com a ale-gao de que a Lei de Concesses exigia uma licitao

    pblica. A empresa entrou ento com um mandado de se-gurana na justia alegando que o edital feria a Lei de

    Licitaes. Ao mesmo tempo, a empresa Estacon Enge-nharia entrou com um pedido de impugnao do edital noTribunal de Contas do Estado.21

    Nos primeiros dias de dezembro, o juiz da primeira varado Frum de Jacare, concedeu liminar suspendendo aconcesso com base na ao popular promovida pelo Sin-dicato dos Trabalhadores do SAAE (e elaborada pelaAssemae). O juiz acatou a tese de que o edital de conces-so feria a Lei de Licitaes ao restringir a participaode empresas. Em janeiro do ano seguinte o novo prefei-to, Benedicto Lencini (PSDB), enviou um PL CmaraMunicipal cancelando a privatizao.

    A partir de 1997, com a ascenso dos novos prefeitos,as tentativas de privatizao praticamente cessaram, comexceo de Mato, que foi abortada pela atuao conjun-ta da Assemae e dos sindicatos. Nesse municpio, a pro-

    posta da Assemae de tornar viveis os servios de sanea-mento (que eram deficitrios) acabou sendo adotada eimplementada pelo prefeito.

    CONCLUSO

    A opo por privatizar servios de saneamento muni-cipais no Estado de So Paulo foi limitada por alguns fa-tores condicionantes. No primeiro, de ordem legal, osmunicpios concedentes da Sabesp eram ligados empre-sa por contratos assinados nas dcadas de 70 e 80, pelo

    perodo de 30 anos, com clusulas que dificultavam a res-ciso e privilegiavam a prpria Sabesp na hora da sua re-novao. No segundo, de ordem estrutural, a operao

    privada era potencialmente vivel em municpios que apre-sentavam escala econmica de produo. Isso limitou a54 os que cumpriam esses requisitos. Observa-se, no en-tanto, dentro desse universo, que quando se tentou uma

    privatizao total dos servios existiu um terceiro con-

    dicionante, um fator poltico, isto , uma forte e organiza-da resistncia de diversos atores sociais agrupados nochamado setor saneamento. Formado no Estado basi-camente pela Sabesp, pela Assemae e por sindicatos, essesetor, embora representasse interesses muitas vezes diver-gentes, reuniu o que cada um tinha de mais forte para de-fender seu mercado.

    O nmero de 54 municpios expressivo em um pasonde predominam as Cesbs. Esse fato em grande parte foi

    produto das polticas prvias ao Planasa em So Paulo,que criaram as condies para que eles resistissem em seincorporar Sabesp durante o perodo autoritrio(Sanchez, 2000:25-28). Como resultado, formou-se uma

    burocracia municipal que aprendeu com o tempo a lidarcom carncias administrativas e de recursos. No perododa re-democratizao criou-se a Assemae, que tem em SoPaulo sua principal base.

    Durante as tentativas de privatizao, a Assemaeaportou o conhecimento tcnico que ajudou a combater aassimetria de informao, possibilitando ao setor polticodas cidades, mdia, aos movimentos sociais e, princi-

    palmente, aos sindicatos, meios para organizar movimen-tos de resistncia coerentes na luta para dominar, sobre-tudo, a arena de influncia. J os sindicatos mostraramum poder de mobilizao expressivo quando municiados

    de meios efetivos para agir.A existncia no Estado de uma Cesb, como a Sabesp,

    no um impedimentoper se entrada do setor privado.O fato significativo que a Sabesp implementou duranteo perodo em questo uma poltica empresarial com oobjetivo de tornar a empresa mais eficiente e expandir suarea de atuao dentro do Estado. Assim, atuou, por umlado, como fora intimidatria. Se houve apenas nove pre-feitos que tentaram formalmente uma privatizao com-

    pleta de seus servios de saneamento, em grande parte foiresultado da poltica expansiva da empresa no Estado. Ouseja, qualquer prefeito que tenta uma concesso dos ser-vios deve antes construir fortes argumentos para respon-der pergunta: por que outorgar a empresas privadas eno Sabesp? Por outro lado, obstruda de participar deconcorrncias, criou regras informais no jogo ao ameaarcortar subsdios em Guarulhos. Dentro de sua principalrea de influncia, a RMSP, a Sabesp, um ator interessa-do em condies privilegiadas, tornou as regras formaismenos decisivas, em virtude de seu alto poder coercitivo.

    A resistncia foi facilitada por aspectos institucionais/legais como, por exemplo, a necessidade de maioria qua-lificada nas Cmaras Municipais para aprovar os projetos

    de privatizao. No entanto, a experincia de Limeiramostrou que os impedimentos poderiam ser ultrapassados com os fortes recursos de poder dos prefeitos se noencontrassem pela frente uma resistncia coesa. Por ou-tro lado, as aes das agncias federais no perodo, prin-cipalmente do BNDES indutor da privatizao dos ser-vios pecaram por no considerar as especificidadesqualitativas e institucionais de cada Estado. Ou melhor, oque pode ser bom para um Estado no ser necessaria-

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    12/13

    SOPAULOEMPERSPECTIVA, 15(1) 2001

    100

    mente para todos os outros. Em So Paulo, o cruzamentodessas condies e a induo privatizao de um servi-o pblico razoavelmente eficiente tornaram necessriocriar incentivos que extrapolaram uma legtima e ho-

    nesta busca por mercados.

    NOTAS

    E-mail do autor: [email protected]

    Agradeo a colaborao e comentrios da profess ora Maria Herminia Tavares deAlmeida e a ajuda da Fapesp.

    1. Os mediadores setoriais so os agentes do setor com capacidade e viso deconjunto para elaborar polticas pblicas (Pierre Muller, 1986).

    2. Antes da criao da Abes, os engenheiros sanitrios se reuniam na AssociaoInteramericana de Engenharia Sanitria (Aidis), criada em 1946. A seo brasi-leira da Aidis foi fu ndada no Rio de Janeiro em 1948 e a de So Paulo , em 1949.Durante esse perodo, alm dos prestadores de servios municipais e estaduais,existiam 13 agncias federais que lidavam com saneamento bsico, embora de

    forma no-exclusiva, como a Sudene, o DNOS e o DNOCS, e tinham modelos degesto e interesses diferentes. A partir do Planasa, as Cesbs praticamente mono-poliz aram a prestao dos se rvios.

    3. A Assemae congrega advogados, administradores de empresa e principalmen-te engenheiros sanitrios. Foi fundada em 1984 por iniciativa de sanitaristas daFundao Nacional de Sade (Funasa), autarquia do Governo Federal, para de-fender os interesses dos municpios no-concedentes das Cesbs. Embora contecom associados em todo o pas, a principal base da Assemae est no Estado deSo Paulo. J a FNU tem base nacional, congrega 62 sindicatos, rene trabalha-dores dos setores de energia eltrica, gs e saneamento e nesses setores atua pormeio de sua Secretaria de Saneamento.

    4. Por exemplo, a Vivendi controla, desde 1997, 38% da Cesb do Paran, a Sanepar.Ademais, na tentativa de privatizao (no-concretizada) da Cesb do Rio de Ja-neiro, a Cedae, o provvel consrcio vencedor seria formado pela Vivendi, com40%, Lyonnaise des Eaux, tambm com 40%, e Thames Water, com 20%. A pri-meira capital de Estado a privatizar os servios de gua f oi Manaus, em maro doano 2000. A empresa vencedora foi a Lyonnaise.

    5. A empresa Vega Engenharia, por exemplo, que presta servi os de recolhimen-to de lixo e limpeza de rua para a Prefeitura de So Paulo, pertence Lyonnaisedes Eaux. No ano de 1998, a empresa convidou o prefe ito Celso Pitta para vi sitarsua sede na Frana, pagando todas as despesas (segundo denncia da jornalistaRosely Forganes, da Rdio Eldorado). Pouco depois de sua volta da Frana, oprefe ito denunciou a fal ta de contrato de concesso do Municpi o com a Sabesp ese props a entrar na justia para recuperar a concesso dos servios para poste-riormente privatiz-los. Quem comandaria o processo seria o ex-senador pelo Ama-zonas Gilberto Miranda, que tem ligaes comerciais com a Lyonnaise, mas ainiciativa no avanou. De qualquer forma, o Ministrio da Fazenda aceitou osrecursos de uma futura privatizao dos servios para completar a conta grfi-ca (os 20% que so pagos vista) da renegociao da dvida da prefeitura, novalor de R$1,9 bilho. Por outro lado, pouco mais tarde, os servios de sanea-mento da cidade de Manaus base dos negcios de Miranda foram concedi dos Lyonnaise.

    6. O principal entrave para a privatizao das Cesbs que essas empresas soconcessionrias dos municpios e para privatizar deveriam receber autorizaode todas as Cmaras Municipais dos municpios concedentes. Por esse motivo,

    os governadores dos Estados do Rio de Janeiro e Esprito Santo, entre outros,no conseguiram privatizar suas empresas. Uma alternativa tentada foi dividir aempresa e privatizar apenas nos municpios onde as Cmaras Municipais autori-zaram, mas este caminho s deu certo no Amazonas. De fato, existem situaesmuito diferentes. No Municpi o de So Paulo, por exemplo, o governo do Estado responsvel pelos servios de sde 1893 e a Sabesp (de propriedade do governo)a obtm mais de 70% do seu faturamento e no tem contrato formal com a em-presa . Resci ndir um cont rato informal de mais de 100 anos demandar, no fu-turo, um longo processo judicial.

    7. Este nmero, 50 mil habitantes, bastante arbitrrio porque o interesse priva-do tambm depende da qualidade dos sistemas de saneamento existentes; masserve para nossos propsitos pois alguma variao de populao, para mais oupara menos, no mudar ia a lgica da anli se.

    8. Os servios municipais de saneamento so oferecidos por algum rgo da ad-ministrao direta ou por uma autarquia municipal, que responde pelo nome ge-nrico de Servios Autnomos de gua e Esgoto (SAAEs) ou DepartamentosAutnomos de gua e Esgotos (DAAEs). Quando se menciona algum desses ser -vios municipais, faz-se com o nome de DAAE/SAAE, embora alguns no sejamautarquias.

    9. Vrios outros prefeitos tambm tentaram privatizar os servios de saneamentode suas cidades, como o de Campinas, por exemplo, mas no chegaram a enviar oPL Cmara Municipal porque, em consultas prvias, perceberam que havia poucaspossi bilidades do projeto ser aprovado.

    10. Estes dados so do censo realizado pela Fundao IBGE em 1991. Desse anoem diante as coberturas melhoram em muitos municpios. Porm, ante a falta deinformaes completas e confiveis, optou-se por utilizar as do IBGE.

    11. Por exemplo, dois anos aps obter a concesso, a guas de Limeira haviadiminudo o nmero de funcionrios de 440 para 220.

    12. O BNDES apenas se convenceu de que esse modelo o adequado para osetor de saneamento somente no ano 2000. (O Estado de S.Paulo, 10/10/2000).

    13. O Programa Estadual de Financiamentos para obras de Saneamento (Sanebase)foi criado em 1991. um programa de crdito para os sistemas municipais, finan-ciado com recursos do oramento do Estado e int ermediado pela Sabesp. O Fun-do Estadual de Recursos Hdricos (Fehidro) foi institudo pela Lei Estadual n o

    7.663/91 para financiar, tambm com recursos oramentrios, programas esta-duais e municipais de conservao de recursos hdricos.

    14. O problema das Cesbs em participar de concorrncia pblica que elas nose sujeitam s normas das empresas privadas, quanto s obrigaes trabalhistas etributrias, exigidas na Lei de Concesses.

    15. No municpio de Leme, por exemplo, alguns padres faziam campanha contraa privatizao nas missas.

    16. O parecer no00925/010/96 do conselheiro Flvio Biazzi apontou quatro irre-gularidades: 1) que o contrato de concesso tinha sido homologado no mesmo diaem que se adjudicou a sentena; 2) que o edital de concorrncia no indicou osbens reversveis; 3) que a classi ficao final das empresas parti cipan tes da lic ita-o e suas propostas no foram torn adas pblicas; e 4) que o contrat o de conces-so no tinha referncias sobre o valor total da concesso.

    17. Em dezembro de 1999, depois de quatro anos de processo, a Justia cancelouo contrato de concesso apontando inmeras irr egularidades. A empresa guasde Limeira apelou da deciso.

    18. Nessas duas cidades argentinas, os processos de pri vatizao dos servios degua foram cancelados na justia por denncias de acordo prvio e manipulao

    do edital entre essa empresa e as autoridades que comandavam o processo(Assemae, 1996:13).

    19. Um ex-deputado estadual que participou do movimento, em depoimento aoautor desse trabalho, disse: Ns fizemos uma audincia pblic a e outros debatesna Cmara Municipal, em que convidamos pessoas do setor. Nesse sentido foiextremamente importante a ajuda de Rodolfo Costa e Silva, Joo Batista Peixotoe a assessora jurdica Tnia Nahum [todos da Assemae]. Eles nos passaram mui-tas informaes, imprescindveis para enfrentar com sucesso a privatizao, por-que tnhamos dificuldades para enfrentar os aspectos tcnicos do processo.

    20. Tratava-se de pessoas que ocuparam cargos de direo na Sabesp durante ogoverno Fleury. No municpio de Catanduva a consultoria prvia tambm foirealizada por pessoas da Fundao Escol a de Sociologia e Poltica de So Paulo.

    21. Entre a Lei Municipal no3.763/96, que autorizou a concesso, e o edital existiamcritrios de julgamentos diferentes para decidir qual seria a empresa vencedora.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ARAUJO, R. e LOUREIRO, R. Limit es e possibilidades de desce ntral izaoadministrativa: o setor de saneamento bsico no Estado de So Paulo. SoPaulo, Fundap, 1998.

    ARRETCHE, M. O processo de descentralizao das polticas sociais no Brasile seus determinantes.Tese de Doutorado. Campinas, Unicamp, 1998, mimeo.

    __________ . Polt ica nacional de saneamento: a reest rutur ao das compa-nhias estaduais. Braslia, Ipea, 1999.

    ARRETCHE, M. e AMARAL, K. A regulao na perspectiva das entidades re-presenta tivas do setor saneamento.Relatrio no7, So Paulo, Fundap, 1995.

  • 7/23/2019 Artigo 7 - A Privatizacao Do Saneamento

    13/13

    101

    A PRIVATIZAODOSANEAMENTO

    ASSEMAE. Concesses privadas: radiografia de um equvoco. Braslia, Assemae/gua e Vida, 1996.

    ASSEMAE/FNS.Diagnstico nacional dos ser vios municipais de saneament o.So Paulo, gua e Vida/Assemae /FNS, 1995.

    BARAGLIO GRANJA, S.Desest atizao e pr ivat izao da infra-est rutur a dosetor de saneamento em So Paulo . So Paulo, Fundap, 1996.

    BNDES.Informe In fra-Estru tura . Rio de Janeiro, n.20 e 23, 1998.

    CABES XVII. Catlogo brasileiro de engenharia sanitria e ambiental: guiado saneamento ambiental no Brasil 1992/1993. Rio de Janeiro, ABES, 1994.

    CAMPELO DE SOUZA, M. do C.Estado e parti dos pol tic os no Brasil (1930 a1964).So Paulo, Ed. Alfa Omega, 1976.

    COSTA, G.Avali ao da po lti ca de planejamento implantada no setor de sa-neamento bsico no perodo 1971/83 em So Paulo . So Paulo, 1992, mimeo.

    COTTA, T. Burocr acia, capac idade de Es tado e mudana estru tura l. Braslia,ENAP, 1997.

    DINIZ, E.Empresariado, s indicatos y pol tica econmica en la nueva repbl i-ca: Brasil, 1985-1986. Estabilizacin y respuesta social. Santiago, Prealc-OIT, 1990.

    __________ . Governa bilid ade, democracia e reforma do Es tado: os desaf iosda construo de uma nova ordem no Brasil dos anos 90. Revis ta Dados.Rio de Janeiro, v.3, n.3, 1995.

    DINIZ, E. e BOSCHI, R.R. A consolidao democrtica no Brasil: atores pol-ticos, processos sociais e intermediao de interesses. In: DINIZ, E.;BOSCHI R.R. e LESSA R. (orgs.). Modernizao e conso lidao demo-crtica no Brasil: dilemas da Nova Repblica. So Paulo, Vrtice, 1989.

    FONSECA, F. e SANCHEZ, O. O processo de reforma do Estado nas unidadesfederativas: o caso de So Paulo . So Paulo, Cedec, 1998, mimeo.

    HAGGARD, S. e KAUFMAN, R. Estado y reforma econmica: la iniciacin yconsolidacin de las polticas de mercado.Revis ta Desarrollo Econmico.Buenos Aires, n.139, 1995.

    IBGE. Censos demogrficos 1970/1980/1991. Rio de Janeiro.

    JOHNSON, B.; SAES, F.; TEIXEIRA, H. e WRIGHT, J. Servios pblicos noBrasi l: mudanas e perspect ivas . So Paulo, Ed. Blcher, 1996.

    JORGE, W.A pol tica nacional de saneamento ps-64 . Tese de Doutorado. SoPaulo, FAU/USP, 1987, mimeo.

    LIMONGI, F. e FIGUEIREDO, A. Os partidos pol ticos na Cmara dos Depu-tados.Dados. Revista de Cincias Sociais. Rio de Janeiro, v.38, n.3, 1995.

    MARQUES, C. Agnci as estatais, engenheiros e empre iteiras na produo deinfra-estrutura urbana no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. So Paulo,Unicamp, 1998.

    MOREIRA, T. Saneamento bsico: desafios e oportunidades. Rio de Janeiro,BNDES, 1996.

    __________ .A hora e a vez do saneament o. Rio de Janeiro, BNDES, 1998.

    MULLER, P. Un schma dnalyse des politiques sectorielles.Revue fr ancaisede sciense politique. Paris, Presses de la fondation nationale des sciencespoli tiques, n.2, Avril , 1986.

    OLIVEIRA, C. e SANCHEZ, O. Saneamento bsico no Brasil e no Estado deSo Paulo. Cadernos Cedec. So Paulo, n.62, 1996.

    OLSON, M. The rise and decline of nations: economic growth, stagflation, andsocia l rig idit ies. New Haven and London, Yale University Pr ess, 1982.

    OWEN, D.; ISKANDAR, S. e TAYLOR, A. Por todo el planeta, privatizacionescon acento frances. JornalEl Cla rin. Buenos Aires, 29/08/1999.

    PEIXOTO, J.B. O barulho das guas. So Paulo, gua e Vida, 1994.SANCHEZ, O.guas de So Paulo: as tentativas de privatizao do saneamen-

    to (1995/8).Dissertao de Mestrado. So Paulo, DCP/USP, 2000.

    SEADE.Perfi l municipa l 1980 /91 . So Paulo, 1993.

    SECRETARIA DE ECONOMIA E PLANEJAMENTO. Saneamento bsico, 1970/So Paulo. So Paulo, 1970.

    SERRA, G. Urbanizao e centralismo autoritrio. Tese de livre-docncia. SoPaulo, FAU/USP, 1987.

    VELASCO Jr., L. A economia poltica das polticas pblicas: as privatizaes e areforma do Estado. Textos para discusso 54. Rio de Janeiro, BNDES, 1997.