Artigo Baczko - As reflexões sobre o Imaginário Social versão final

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  • 8/7/2019 Artigo Baczko - As reflexes sobre o Imaginrio Social verso final

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    ISSN 1807-1783 - Publicado em 25 de janeiro de 2011

    CAMPOS, CARLOS EDUARDO DA COSTA. As reflexes sobre o Imaginrio

    Social. Revista histria e - histria. Campinas - SP, UNICAMP, Janeiro, 2011. Site:

    http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=355

    As reflexes sobre o Imaginrio Social

    Prof. Mestrando Carlos Eduardo da Costa Campos1

    A partir dos anos 60 surgiu na Frana uma produo pautada nos sistemas de

    crenas, valores e representaes, que veio a ser denominada de Histria das

    Mentalidades. Tal vertente histrica abordaria o cotidiano, o que escapa aos sujeitos

    histricos, por ser revelador do contedo impessoal do seu pensamento. A Histria das

    Mentalidades seria um termo especfico da cultura francesa, de acordo com os escritos

    de Roger Chartier (CHARTIER, 1990, p.30).

    As mentalidades seriam aquilo que rege os indivduos, sem que eles percebam, eatua no mbito do coletivo, enquanto as idias se pautam nos estudos do indivduo.

    Uma sociedade partilha de contedos de pensamentos, interiorizados nos indivduos,

    sem que seja necessrio explicit-los (CHARTIER, 1990, p.41). Atravs do discurso de

    Chartier, notamos que a Histria das Mentalidades responderia melhor pesquisa do

    que a Histria Intelectual, por estabelecer uma relao entre a Histria e a Antropologia,

    a Sociologia e a Lingstica, assim proporcionando a apreenso de novos objetos como

    gestos, crenas, rituais, educao (ensino e leitura).

    As diferenas sociais no poderiam ser pensadas apenas em termos de fortuna ou

    de prestgio so produzidas devido ao distanciamento cultural, a partilha desigual do

    acesso aos bens culturais resultando em prticas culturais distintas. O alvo da Histria

    das Mentalidades seria a passagem de um sistema a outro, assim compreendendo

    1 Prof. Carlos Eduardo da Costa Campos (NEA/PPGH-UERJ) pesquisador do Ncleo de

    Estudos da Antiguidade sendo orientado pela Prof. Dr. Maria Regina Candido(NEA/CEHAM/PPGH/UERJ PPGHC/UFRJ). Email: [email protected];

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    rupturas, continusmos, processo de hesitaes, retrocessos e bloqueios. Seriam os

    elementos que a diferem da Histria Intelectual, que almejava refletir sobre as maneiras

    de pensar e as relaes com as obras intelectuais e a sociedade (CHARTIER, 1990, p

    53). Assim, percebemos que a Histria das Mentalidades inaugurou um novo campo de

    pesquisa, o qual at aquele momento era deixado margem pelos estudos histricos.

    Dentre esses trabalhos podemos destacar os estudos de Robert Mandrou2 sobre a

    feitiaria na Frana; Jean Delumeau3 com o seu trabalho de historicizao do medo no

    mundo ocidental; Philipe Aris4 com a Histria da Morte (BARROS, 2009, pp.37-38).

    O pensador polons Bronislaw Baczko5 aponta em sua obra Imaginao Social,

    que a Histria das Mentalidades ps em destaque a longa durao em que a imaginao

    social iria atuar, assim como tambm traria a cena: o peso da inrcia dos imaginrios

    nos comportamentos econmicos, demogrficos e etc (BACZKO, 1984, p. 308). O

    historiador Jos dAssuno Barros argumenta que o imaginrio algo que faz parte do

    cotidiano dos indivduos e se faz to presente quanto aquilo a que atribumos o valor de

    real ou considerado como algo concreto (BARROS, 2009 ,p. 91). A pesquisadora

    Maria de Ftima de Souza Santos aponta para a perspectiva de uma relao entre o

    imaginrio e o simblico. Na viso da autora o Imaginrio Social possui como base os

    sistemas de smbolos e essa categoria seria formulada atravs das vivncias, objetivos emetas dos indivduos (SANTOS, 2005, p. 48).

    No incio do seu texto, o intelectual Baczko nos possibilita refletir sobre a

    associao do imaginrio com o poder. Para o autor a imaginao estaria vinculada ao

    plano simblico dos sonhos e seria paradoxal relacion-la com o poder, ao qual

    2

    Ver obra: MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros na Frana do sculo XVII. So Paulo:Perspectiva, 1979. ( Publicado originalmente em: 1968);

    3Averiguar: DELUMEAU, Jean. Histria do Medo no Ocidente. So Paulo: Cia das Letras,1989. (Publicado originalmente em:1978).

    4 Verificar referncias em: ARIS, Philipe. Histria da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro:EDIOURO, 2003. ( Publicado originalmente em:1975);

    5 O autor Baczko nasceu em Varsvia, na Polnia, no ano de 1924. Este filsofo foi responsvelpor coordenar o departamento de Histria da Filosofia Moderna da Academia Polaca dasCincias, no perodo de 1955 a 1968. Baczko leciona filosofia na Universidade de Genebra.

    Ver referncias a Baczko no site: http://www.unicamp.br/~berriel/conselho.htm - Acessado em02/09/2010

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    atribuda certa seriedade, e seria visto como algo concreto e/ou real (BACZKO, 1984, p.

    296). Nos apontamentos de Baczko, percebemos que a esfera poltica se utiliza das

    representaes coletivas, assim almejando se legitimar no poder (BACZKO, 1984, p.

    297). A Professora Maria de Ftima de Souza Santos endossa nossa interpretao ao

    frisar que Baczko analisa o imaginrio como um importante instrumento para se exercer

    o poder (SANTOS, 2005, p.48).

    Um dos pontos basilares do seu escrito est no enfoque sobre a utilizao do

    imaginrio, no momento de enfrentamentos entre poderes que seriam concorrentes. De

    acordo com Baczko, esse conflito de mbito pessoal poderia levar os indivduos a

    produzirem novos mecanismos de combate no plano imaginrio para atingir o seu

    objetivo. Logo, os concorrentes se valeriam do processo de disforizao da imagem doseu adversrio, assim tornando este ser um ilegtimo perante o meio social; ao mesmo

    tempo procurariam uma forma de euforizar a sua figura perante o grupo, assim visando

    legitimar a sua autoridade (BACZKO, 1984, p. 300).

    Um ponto importante dos estudos de Baczko est na relao do mito com o

    imaginrio social. O autor salienta que as narrativas mticas seriam utilizadas pelos

    atores polticos como uma forma de promover a coeso social. Ao analisarmos a

    vinculao entre religiosidade humana e o imaginrio social, so perceptveis as

    diversas prticas utilizadas ao longo da Histria humana, que visaram legitimar as

    hierarquizaes sociais atravs da aplicao do sagrado (BACZKO, 1984, p. 300). Os

    ritos cvicos, dentro dessa perspectiva, emergem como um mecanismo essencial para

    reforar no imaginrio social o poder da ordem vigente e as diferenas existentes na

    sociedade.

    Baczko faz referncia a Michelet para definir o imaginrio no s como o

    espao de expresso das expectativas e aspiraes populares latentes, mas tambm

    como o lugar de lutas e conflitos, entre os grupos sociais com recursos e os desprovidos

    de bens. Segundo Baczko, para Michelet o imaginrio produz um importante peso

    sobre as esferas poltica e social (BACZKO, 1984, p. 303). Seria atravs das imagens

    criadas de si, em uma determinada poca, que uma sociedade manifestaria e esconderia

    as suas intenes, bem como o lugar que lhe caberia naquele contexto histrico

    (BACZKO, 1984, p. 303).

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    O autor aqui citado ressalta que na segunda metade do sc. XIX, os estudos

    sobre o imaginrio comearam a se consolidar mais no campo da psicologia, sociologia

    e antropologia (BACZKO, 1984, p. 303). O imaginrio social passou a ser utilizado

    pelos positivistas para explicar o progresso da civilizao e pelos marxistas nas

    interpretaes dos imaginrios sociais a partir das anlises das ideologias. Baczko

    argumenta que cada classe social ao mesmo tempo, produtora e prisioneira da sua

    ideologia (BACZKO, 1984, pp. 304-305). Para complementar podemos admitir que

    no sculo XX e XXI, o estudo do imaginrio tendeu tambm a transitar pelo campo

    histrico, atravs do desenvolvimento da Nova Histria Cultural.

    Verificou-se uma renovao no campo historiogrfico desde a ltima metade do

    sculo XX. Novos olhares foram lanados sobre os objetos de pesquisa e aplicaesmetodolgicas. Setores da sociedade, que at determinado momento estavam margem

    das anlises foram englobados nos estudos histricos. O historiador italiano Carlo

    Ginzburg, em O Inquisidor, como antroplogo, mostra que o dilogo da Histria com

    a Antropologia teria provocado uma transformao nos eixos de anlises e nas

    aplicaes metodolgicas, para dar conta das especificidades existentes, como vemos

    nas pesquisas da Histria Cultural (GINZBURG:1991,pp. 205-6).

    Notamos que a Histria Cultural rompe com o atrelamento positivista das

    pesquisas centradas somente no domnio do texto oficial, assim englobando como suas

    fontes as pinturas, relatos, testemunhos, panfletos, esttuas, vasos, mapas, arquitetura,

    etc. Tanto que o prprio termo cultura passou a designar tanto os artefatos produzidos

    pelo homem, como as suas prprias prticas no meio social.

    Tal renovao historiogrfica possibilitou o desenvolvimento dos estudos sobre

    o imaginrio social. O filsofo polons Bronislaw Baczko cita Durkheim e Mauss, para

    expor a viso de ambos sobre o imaginrio social. Segundo o autor, para ambos os

    socilogos, a sociedade somente encontraria uma coeso se houvesse a submisso do

    fator psicolgico ao sociolgico. Para o filsofo polons, Mauss possui uma viso

    baseada nas crenas e valores em comum, como sendo expresses de uma conscincia

    coletiva. Assim o autor nos possibilita refletir que a religiosidade seria um elemento

    aglutinador para a sociedade (BACZKO, 1984, pp. 306-307). Weber, na viso de

    Baczko, pensaria a vida social como produtora de valores e normas e, ao mesmo

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    tempo, de sistemas de representaes que as fixam e as traduzem (BACZKO, 1984, p.

    307).

    O filsofo polons afirma que a psicanlise teria destacado o fato de a

    imaginao no ser uma faculdade e, menos ainda, uma forma de poder psicolgicoautnomo, assim ela seria refletida como uma atividade global do sujeito para

    organizar um mundo ajustado s suas necessidades e aos seus conflitos (BACZKO,

    1984, p. 307). Contudo o autor, deixa transparecer que concebe a imaginao como

    uma faculdade da mente tendo em vista esta reflexo: A imaginao a faculdade

    especfica em cujo lume as paixes ascendem, sendo a ela, precisamente, que se dirige

    linguagem enrgica dos smbolos e dos emblemas (BACZKO, 1984, p. 301).

    Os estudos sobre o imaginrio social apresentam uma ausncia de teoria do

    imaginrio social, e assim levam as pesquisas a seguirem diferentes direes e ao

    ecletismo (BACZKO, 1984, p. 308). O termo imaginrio/imaginao possui na viso

    de Baczko, um sentido polissmico e, ao adjetivar com social, pouca preciso seria

    acrescentada ao conceito (BACZKO, 1984, pp. 308-309). O pesquisador polons

    prossegue argumentando que cada gerao traz consigo uma definio particular de

    homem, que seria produto das transformaes histricas, ocoridas ao longo do tempo.

    necessrio frisar que cada perodo possui suas formas singulares de imaginar,

    reproduzir e renovar o imaginrio, assim como possuem modalidades especficas de

    acreditar, sentir e pensar (BACZKO, 1984, p. 309). Jos dAssuno Barros

    converge na direo do pensamento de Baczko, ao frisar que a noo de imaginrio

    seria polmica, complexa e que possuiria diferentes sentidos. Contudo, Barros admite

    que, apesar dos problemas, o conceito de imaginrio foi de grande importncia para os

    estudos histricos (BARROS, 2009, pp. 98-99).

    O conceito de Imaginrio Social foi assim definido por Bronislaw Baczko:

    trata-se de aspectos da vida social, da atividade global dos agentes sociais, cujas

    particularidades se manifestam na diversidade do seu produto. Os imaginrios sociais

    iriam compor uma diversidade de referncias, dentro do extenso sistema simblico que

    qualquer coletividade seria capaz produzir. De acordo como o desenvolvimento do

    imaginrio social com que um grupo elaborasse a sua identidade social seria formulada,

    dessa maneira, uma imagem de si; estipularia a distribuio dos papis e das posies

    sociais, assim ratificando a hierarquia social expressa e inserida pela autoridade. As

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    crenas comuns, como forma de controle e coeso social, serviriam para construir uma

    espcie de cdigo de bom comportamento(BACZKO, 1984, p. 309).

    Sobre a formulao das identidades coletivas salientamos que so elas as

    responsveis por definir o seu territrio e as suas relaes com o meio social e com osoutros. Na tica do autor, seriam utilizadas na construo de representaes dos

    inimigos e dos amigos, etc. O imaginrio social elaborado e consolidado por um grupo

    poderia possuir como ao elementos de conflito, de divises e violncias reais ou

    potenciais em relao ao outro (BACZKO, 1984, p. 309).

    O autor descreve o imaginrio social como sendo um dos mecanismos que iriam

    regular a vida em sociedade. Assim o imaginrio social seria uma forma eficiente de

    controle da coletividade e tambm um meio para a legitimao do poder dos indivduos.

    Logo:Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos conflitos sociais . Baczko

    argumenta que o imaginrio social faz parte de todas as sociedades humanas. O filsofo

    parte do pressuposto que todos os grupos tm necessidade de criar e imaginar, visando,

    assim, legitimar o poder ( BACZKO, 1984, pp. 309-310).

    Notamos no texto, que o imaginrio social se tornaria compreensvel atravs da

    construo dos discursos. O imaginrio se consolida no simbolismo, mas a atribuio

    deste smbolo no se resumiria em constituir uma classificao, no obstante possua

    como sua funo inserir valores, aperfeioando, assim, o comportamento dos indivduos

    e da coletividade ( BACZKO, 1984, p. 311).

    Em suma, podemos frisar que o imaginrio social interage na vida coletiva das

    sociedades humanas. Sua atuao no meio social se estrutura possivelmente atravs de

    uma relao binria de oposio, como: legitimar/invalidar; justificar/acusar;

    tranqilizar/perturbar; mobilizar/desencorajar; incluir/excluir, etc. Alm disso, oimaginrio social dependeria, na viso do autor, dos meios de comunicao para poder

    difundir as idias e assim legitimar seu discurso de poder, de acordo com os interesses

    de um determinado segmento social (BACZKO, 1984, pp. 312-313).

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