Artigo Elisiana Blumenau Em Cadernos

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Blumenau em cadernos

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  • Marcas da vida na hora da morte: identidade e memria por meio dos cemitrios e seus acervos.

    Elisiana Trilha Castro1

    Graduada em Histria (UDESC), mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFSC) e doutoranda em Histria (UFSC).

    RESUMO: O presente artigo apresenta a estreita relao das comunidades teuto brasileiras e seus cemitrios. Como produto do momento derradeiro, muitos destes espaos ainda no so vistos como documentos e como bens culturais e contam com poucas aes de preservao. Mas por meio de pesquisas e levantamentos foram evidenciadas importantes elementos desta relao identitria entre os imigrantes teutos e seus descendentes, com seus espaos de sepultamentos. Este artigo apresenta tais elementos para evidenciar a necessidade de lanar novos olhares sobre os acervos funerrios.

    Para muitos o cemitrio apenas o lugar do fim, da despedida, da tristeza e da saudade e a possibilidade de pensar em um cemitrio como tema de pesquisa pode soar

    como imprprio ou mesmo incmodo. Tal desconforto em muito se relaciona com o modo como tratamos a morte e aqueles que so tocados por ela nos dias atuais: com o

    isolamento e o silncio constrangido que muitas vezes rouba a palavra quando estamos diante de algum que perdeu um ente querido.

    Mas se pensarmos na longa histria humana, sempre acompanhada pela morte, tais atitudes parecem no condizer com uma relao to duradoura. A morte, sempre presente, j esteve bem mais prxima espacialmente ou arquitetonicamente e tambm por meio de seus ritos. A morte prematura, por constantes epidemias, os cemitrios no

    interior aglomerado das cidades, com velrios e cortejos no meio citadino, a preocupao com o lugar onde deveria ser enterrado formaram o pano de fundo da

    relao do homem com a morte por muitos sculos de histria. No, que a morte no causasse temores e repulsas. Mas talvez, nunca como antes ela se fez to ausente da vida, por meio de cemitrios jardins, de velrios isolados e do luto no partilhado.

    1 Este artigo apresenta algumas das reflexes contidas na dissertao de mestrado: CASTRO, Elisiana

    Trilha. Aqui tambm jaz um patrimnio: identidade, memria e preservao patrimonial a partir do tombamento de um cemitrio (o caso do Cemitrio do Imigrante de Joinville/SC, 1962-2008). Florianpolis, SC, 2008. 1 v. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnolgico. Programa de Ps-graduao em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade. Atualmente a pesquisadora se dedica ao inventariamento de cemitrios e participar de trs projetos: o levantamento detalhado do cemitrio da comunidade de Santa Maria, municpio de Antonio Carlos (SC), o projeto de inventariamento dos cemitrios da regio da Coxilha Rica, Lages (SC) e coordena o Grupo de Estudos Cemiteriais - Interditus, com sede em Blumenau (SC) que desempenha atividades relacionadas com a preservao dos cemitrios em Santa Catarina e est inventariando cemitrios da cidade de Blumenau.

  • Neste cenrio onde a morte assunto non grato, o cemitrio, seu lugar por

    excelncia, tambm hostilizado. Mas no meio de sua paisagem formada por cruzes, epitfios e flores, tambm so encontradas possibilidades de pensar o homem e suas aes. Quando dado ao cemitrio o direito de pronunciar-se, do enredo de tantas memrias, surgem registros de histria, memria e tambm de identidades.

    no cemitrio que sobrevivemos de alguma forma. Na materialidade e imaterialidade das aes ali empreendidas, quando o local onde algum est sepultado

    sinalizado deixamos marcado de forma singular nossas representaes, crenas e identidades. Ali, dentre outros, se estabelece o ato de rememorar, de impedir de alguma

    forma o esquecimento, pela celebrao da memria em um processo de perda, de luto. Em outra relao com o cemitrio, estabelecida pela possibilidade de t-lo como

    fonte, a histria e a identidade daqueles que o construram so evidenciadas. Assim ocorre com os cemitrios de comunidade teuto-brasileiras, especificadamente, em Santa

    Catarina. Em muitas cidades catarinenses formadas por imigrantes de origem germnica, como Blumenau, Joinville, So Bonifcio, Antnio Carlos, dentre outros

    presentes em diferentes regies do Estado, o contato com tais stios destacaram uma forte relao identitria entre tais comunidades e seus cemitrios. Muito influenciados pelos princpios do luteranismo, tanto os espaos de sepultamentos catlicos2 como acatlicos, apresentam caractersticas materiais e imateriais procedentes desta confisso

    religiosa.

    Arquitetonicamente falando, a apresentao dos cemitrios teuto brasileiros

    distinta dos comumente conhecidos como convencionais ou secularizados3 no Brasil e se aproximam de uma tipologia cemiterial, conhecida por Beaux-Arts que influenciou a tipologia cemiterial na Alemanha, independente da confisso religiosa. Tais caractersticas arquitetnicas, tambm so encontradas em cemitrios de origem inglesa, como o Cemitrio ingls na Argentina, que tambm possui influncia da religiosidade acatlica. Tais consideraes reforam a relao dos cemitrios com as crenas

    religiosas que acompanham os fiis em diferentes fases da vida, e tambm na morte.

    2 Cemitrios como o da localidade de Imbiras - Igreja do Bom Jesus de Iguape em guas Mornas (SC), o

    da localidade de Barra Clara - Igreja de So Jos, em Angelina (SC) e o da localidade de Maracuj - da Capela de So Francisco em Anitpolis (SC). 3 Entende-se por cemitrios pblicos secularizados ou convencionais aqueles, em sua maioria, surgidos

    no Brasil no sculo XIX e que se caracterizam pela presena de sepultamentos realizados em construes funerrias, como tmulos ou mausolus, podendo tambm aparecer na forma de cova simples, fora do espao interno das igrejas. Tambm conhecido como a cu aberto, tradicionais, extramuros ou monumentais.

  • Tmulos no cemitrio ingls em Buenos Aires (Argentina)

    Fonte: Acervo pessoal da autora, 2008

    O resultado desta aproximao, entre a religio protestante e a postura religiosa de teutos e, tambm de ingleses, acaba por formar espaos de sepultamentos onde impera pouca monumentalidade e poucos santos, mausolus e alegorias. Mas para

    compreender a forma como os luteranos materializam no cemitrio, por meio das opes arquitetnicas e tambm de seus ritos fnebres, suas crenas religiosas acerca da

    morte, o que foi determinante para a configurao formal de muitos cemitrios de localidades teuto-brasileiras em Santa Catarina, preciso refletir sobre suas concepes religiosas.

    Para a doutrina luterana, os vivos no podem interferir no destino dos seus

    falecidos. Atos e ritos durante o enterro e depois dele, no podem favorecer algum, que durante sua vida, no agiu de acordo com as leis de Deus. A morte vista como o fim

    de uma etapa definida por cada fiel, no cabendo depois da morte, ritos que possam mudar o que foi traado por suas escolhas. Com isso, de acordo com a Confisso Luterana, s existem dois lugares para as almas aps a morte: o Paraso, onde repousam as almas dos justos junto a Deus e que, portanto, no precisam da interveno dos vivos, e o Inferno, de onde as almas condenadas jamais podem sair, no havendo o Purgatrio, como lugar de passagem para os mortos.

    Assim, a inexistncia do Purgatrio ou a ineficcia de qualquer ao pela salvao do morto, parece explicar, juntamente com suas recomendaes de uma vida mais austera, a quase ausncia de ornatos, santos ou outras esculturas ou da necessidade de investimentos desta ordem nos tmulos. Tais atitudes acabam por gerar

  • um conjunto de sepultamentos formados, em sua grande maioria, por somente lpides, epitfios e fotos.

    Desta forma, pode-se afirmar que perde o sentido o investimento em ritos e cultos, o que acaba por criar uma despedida focada mais na famlia enlutada e em um sepultamento, sem grandes solenidades, e sem missas de stimo dia, por exemplo, acontecendo somente um culto para pedir conforto famlia enlutada.

    Para o luterano, que no cr na possibilidade de interceder pelo falecido, os

    cultos do Dia de Finados e o uso de velas nos cemitrios, prticas comuns para os catlicos, no fazem parte de sua postura funerria. O que no pode ser confundido com

    desprezo ou com uma relao, na qual o corpo ou morto no tem valor, mas da convico de que o fiel est salvo por suas aes em vida ou pelo arrependimento sincero.

    Tais atitudes, tambm encontradas, dentre os calvinistas, parecem anular a

    eficcia creditada, por religies como a catlica, em ritos e cultos posteriores ao sepultamento em prol da alma do falecido. Tambm para os luteranos, que no crem

    nos santos e probem imagens, o uso mesmo da imagem de Cristo na cruz crucificado em tmulos, igualmente no bem-vinda, sendo recomendando somente a cruz sem Jesus. Aos luteranos recomendado, no enfatizar o martrio, uma vez que, como afirma o pastor Luis Dirceu Wasserberg, membro da comunidade luterana de

    Florianpolis, ningum sabe realmente como ele foi, e ele no est mais na cruz, porque j ressuscitou (WASSERBERG, 2007). As imagens do Cemitrio do Imigrante a seguir, apresentam parte desta concepo:

    Formatos tumulares do cemitrio do Imigrante Joinville (SC)

    Fonte: Acervo pessoal da autora, 2008

  • Em estreita relao com suas crenas religiosas o cemitrio tambm se

    configura em um espao onde outras relaes esto presentes. Mais do que importantes registros culturais, a forma como so construdos os tmulos e a opo por diferentes formas de representar a memria do morto permitem, por meio de sua anlise, conhecer o contexto ao qual pertencem. So anlises que podem se basear em suas simbologias e opes estticas, que vo desde grandes ornamentos at pequenas esculturas ou a completa ausncia de volumes quaisquer no lugar onde foi colocado o corpo.

    Em uma comparao com a religio catlica, preciso salientar, que os ritos e elementos funerrios catlicos e, principalmente, sua arte funerria, devem representar,

    em grande medida, a preocupao com o destino do morto, um destino que pode ser mudado por meio de oraes e outros atos de intercesso. A crena de que possvel interceder pela alma, pela possibilidade dela estar no Purgatrio, refora a necessidade da realizao de ritos por parte dos vivos para os seus mortos, j que a [...] idia de purgatrio pressupunha, portanto, uma esfera de interao entre os mundos dos vivos e o dos mortos, na qual era possvel para os vivos - mediante muito esforo - intervir no

    destino dos mortos (VILAR, 1995, p. 96). Tal crena na possibilidade da intercesso pelos mortos junto a Deus parece

    refletir nas representaes estticas e nas configuraes dos cemitrios catlicos. Estes geralmente apresentam grande nmero de imagens de santos, anjos e virgens, como um prolongamento destes ritos, marcados pela f no poder dos ritos funerrios, de mudar o status da alma dos que j partiram.

    Durante muitos anos depois da criao dos primeiros cemitrios conhecidos como pblicos ou secularizados, tambm pelo porte e pelos investimentos na sepultura era possvel reconhecer aqueles que tinham posses e dentro do espao cemiterial, o lugar onde eram sepultados tambm dava status ao morto e a sua famlia. Philippe ries em seu clssico Histria da Morte no Ocidente apresenta as mudanas nas concepes acerca do espao cemiterial e como, com a criao dos cemitrios pblicos as classes

    mais abastadas puderam expor sua posio por meio de uma refinada arquitetura que envolvia monumentalidade, ornamentao e investimentos de grande monta.

    A ligao do Estado religio catlica, que perdurou por anos depois do

    surgimento dos primeiros cemitrios pblicos, mesmo diante da proibio dos sepultamentos nas igrejas, no determinou o fim do domnio religioso catlico sobre este espao: sua presena passou a ser vista tambm na arquitetura funerria dos cemitrios convencionais ou pblicos (ARIS, 2003).

  • Arquitetura monumental do cemitrio Central de Montevideo (Uruguai) Fonte: Acervo pessoal da autora, 2008

    Esta comparao apontou que, os cemitrios, podem se apresentar de diferentes formas, sendo influenciados de forma importante, pelos preceitos religiosos e culturais.

    No caso dos cemitrios luteranos do sculo XIX at as primeiras dcadas do XX, possuem uma esttica formada, em grande medida, por um grande nmero de sepulturas horizontais e poucos mausolus, com tmulos, geralmente, compostos por uma lpide (cabeceira) na parte superior do sepultamento, diferente dos cemitrios de influncia catlica, como mostra a imagem do cemitrio do bairro da Velha em Blumenau.

    Cemitrio do bairro da Velha, Blumenau (SC) Fonte: Acervo pessoal da autora, 2010

  • Arquitetonicamente, os cemitrios protestantes, e de uma forma geral os

    cemitrios de origem germnica, diferenciam-se dos catlicos por apresentarem uma paisagem mais uniforme e uma regularidade quanto ao formato de seus tmulos. Sem os santos, que no fazem parte dos referenciais religiosos dos luteranos, estes cemitrios costumam apresentar grande quantidade de tmulos compostos por pedra lapidar. So placas verticais com inscrio geralmente localizada na parte superior do sepultamento, podendo vir junto ao tmulo horizontalizado, como mostra a citao abaixo:

    Os protestantes, uma vez que no praticavam sepultamentos em igrejas, tinha um espao distribudo mais uniformemente, sem distines aparentes entre os defuntos. J no catolicismo, a variedade de espaos funerrios oferecidos pressupunha a prpria diferenciao entre os mortos ( PEREIRA, 2007, p. 38).

    Durante o levantamento para a realizao do Inventrio de cemitrios de imigrantes alemes Grande Florianpolis4 foram encontradas cabeceiras de grande porte, que se destacavam das demais construes tumulares, em vrios dos cemitrios

    visitados. Sendo a cabeceira, o elemento localizado na parte superior da sepultura, onde geralmente est os dados sobre o morto, epitfio e ornamentos, a presena constante

    destas grandes cabeceiras, indicou ser a mesma uma das caractersticas de tais espaos de sepultamentos teutos. Na ausncia de mausolus, por seu porte e ornamentao, foi possvel identific-las como um elemento de distino arquitetnica no espao cemiterial e foram denominadas de cabeceiras proeminentes durante a anlise do

    acervo e das caractersticas destes cemitrios. Ainda na descrio dos principais elementos da configurao dos cemitrios de

    comunidades teuto-brasileiras, podemos destacar que nestes cemitrios comum encontrar lpides e epitfios com inscries em alemo, os quais alm dos dados que do identidade ao morto, costumam acrescentar a cidade natal destes imigrantes. Em caso de sepultamento feminino, comum encontrar o sobrenome de solteira junto ao nome adquirido com o casamento, evidenciando ainda mais, o testemunho histrico e o seu valor patrimonial.

    Nos cemitrios teutos do sculo XIX possvel perceber a preferncia pela alvenaria e a utilizao de poucos santos e anjos, alm da opo por representaes

    4 Este inventrio foi publicado em livro intitulado: CASTRO, Elisiana Trilha. Hier ruht in Gott:

    inventrio de cemitrios de imigrantes alemes da regio da Grande Florianpolis. Blumenau (SC): Nova Letra, 2008.

  • como cruzes. Esta tipologia, muitas vezes, faz com que eles sejam confundidos com um parque, ou um jardim, algo que dificilmente acontece com cemitrios convencionais, j que congregam arquitetura de seus sepulturas rvores e vegetao em cume de morro. O uso de vegetao, principalmente plantas e flores, geralmente plantadas sobre o tmulo tambm uma caracterstica destes cemitrios. Sobre as caractersticas materiais deste cemitrio, Alcdio Mafra de Souza, fornece um panorama geral dos cemitrios protestantes:

    Entre as representaes funerrias mais comuns esto a cruz ou a pedra tumular com epitfio, mas tambm podemos encontrar representaes como o ramo de palma e a ncora. Tambm comum arte em ferro, com ornamentaes em forma de cruzes e coraes. Apesar de alguns destes cemitrios possurem representaes e alegorias funerrias, fato que apresentam poucas esttuas e, portanto, uma paisagem mais uniforme formada muitas vezes por carreiras de pedras tumulares, formando um espao de grande simplicidade, alinhando-se os tmulos em meio a velhas rvores, muitas das quais j centenrias, ao longo de recantos bem ajardinados (SOUZA, 1992, p. 88).

    Na citao anterior, o autor destaca alguns elementos funerrios caractersticos

    dos cemitrios protestantes, a palma e a ncora e outros smbolos decorativos como flores, coraes e mos-juntas. Tais ornamentos tm sua simbologia como foco de vrios estudos, como na obra Cemitrios do Rio Grande do Sul organizado pelo professor Harry Rodrigues Bellomo (2000). O ramo de palma e a ncora, na maior parte dos estudos sobre arquitetura funerria, tm significados ligados religiosidade crist e, podem ser relacionados, no caso da palma, vitria, esperana e a entrada de Jesus em

    Jerusalm, e a ncora, segurana e a f que se firma em Cristo, dentre as muitas possibilidades de interpretao sobre a adoo e a presena destes smbolos na

    arquitetura tumular.

    Na questo da arte funerria preciso considerar que a presena ou a escolha de determinados smbolos, ornamentos e formatos tumulares, alm de envolver questes religiosas, envolve tambm questes estticas e de gosto daqueles que o constroem,

    como tambm a disponibilidade de modelos e fornecedores e as condies financeiras para a aquisio destes elementos.

    Ainda sobre a paisagem dos cemitrios, Mirtes Timpanaro (2006) apresenta as caractersticas de um tipo cemiterial que se assemelha aos cemitrios protestantes relacionados aos imigrantes alemes, os cemitrios norte-americanos. Sobre o cemitrio Mount Auburn em Massachussets ela destaca que nele [...] nascia a tradio americana

  • das sepulturas marcadas por pequenas cruzes ou estelas arredondas com nomes e datas

    circulando por seus cemitrios (TIMPANARO, 2006, p. 67). Estes cemitrios norte-americanos, tal como os cemitrios protestantes, so diferentes da tradio francesa e da italiana de grande influncia no Brasil, na qual a natureza recuou e cedeu espao arte em seus tmulos.

    Os ritos mais comuns nestes cemitrios so as flores e a ocorrncia de poucas velas. Em muitos dos cemitrios de comunidades teutas tambm so encontradas a

    prtica de cultivar jardins nos tmulos. Geralmente so covas simples com flores plantadas sobre o espao do corpo sepulto. Uma prtica que remete aos jardins tambm cultivados nas casas de muitas cidades de colonizao germnica.

    Fora do Brasil cemitrios formados por comunidades teutas tambm apresentam configuraes muito parecidas com as descritas acima. o caso do cemitrio alemo de Buenos Aires, que se destaca pela presena de um grande conjunto tumular formado apenas por lpides, com poucas alegorias. Outro elemento importante deste cemitrio a presena de vegetao incorporada ao sepultamento, cobrindo os tmulos e compondo

    o cenrio. So elementos arquitetnicos, aqui j descritos, indicando que tais grupos incorporam em seus cemitrios, seus referenciais religiosos e culturais, como

    apresentada nas imagens a seguir. A pesquisa de campo confirmou como os cemitrios, de forma significativa, configuram-se em elementos de expresso cultural destes

    imigrantes, que em diferentes partes do mundo, apresentaram basicamente as mesmas formas de representar suas crenas e atitudes diante da morte.

    Vista do Cemitrio Alemo em Buenos Aires (Argentina)

    Fonte: Acervo pessoal da autora, 2008

    Vegetao incorporada aos tmulos no Cemitrio Alemo em Buenos Aires (Argentina) Fonte: Acervo pessoal da autora, 2008

    Na realizao do "Inventrio de cemitrios de imigrantes alemes da regio da Grande Florianpolis", que visitou 104 cemitrios em 13 municpios, tambm ficou

  • evidente a relao identitria das comunidades teuto-brasileiras com seus cemitrios. A

    partir da anlise de seus acervos, 66 cemitrios tiveram destaque nesta relao e foram considerados representativos para as comunidades teuto-brasileiras. Eles apresentaram caractersticas em comuns que identificavam estes locais com as referncias culturais destas comunidades, dentre elas, esto:

    lpides e epitfios em alemo;

    cruzes de madeira e de ferro, que geralmente apresentam detalhamento artstico

    utilizadas como lpides e muitas com epitfio;

    adoo de tons de azul em lpides e cabeceiras no mesmo tom, tambm utilizado

    na pintura de portas, janelas e casas; lpides com epitfio ou no, em cermica;

    poucas imagens de santos e alegorias;

    apresentavam como ritos mais comuns, as flores em formas de coroas e ramos e flores plantadas sobre as sepulturas que pareciam remeter a prtica de manter os

    jardins domsticos; sepultamentos ocorridos entre as ltimas dcadas do sculo XIX e as primeiras

    do XX;

    dentre os epitfios em alemo encontrados, as mensagens mais comuns so: Hier ruht in Gott - Aqui descansa em Deus, Ruhe Sanft - Descanse em paz. Esses, juntamente com geb. que provm de geboren, que significa nascido, e ges. que vem de gestoren - que significa falecido;

    adio do sobrenome de solteira na lpide, junto ao nome da sepultada; localizao em stio elevados;

    apresentavam um sentido de sepultamento mais recorrente, voltados em direo

    ao leste (nascente do sol).

    No caso da direo das sepulturas, tal como a construo das igrejas catlicas, que tambm obedecia um sentido determinado, muitos cemitrios parecem seguir o

    sentido dos altares, voltando seus sepultamentos para o nascente, o leste ou oriente, de onde para as crenas presentes nos preceitos religiosos cristos, Jesus Cristo retornar no Juzo Final. O estudo de Rubenilson Brazo Teixeira (2006) acrescenta que a [...] orientao das igrejas no sentido leste-oeste, com o altar voltado para o sol nascente e a fachada para o poente, uma tradio milenar que remonta ao incio da era crist [...]

  • (TEIXEIRA, 2006, p. 21). A relao entre a direo das igrejas, o sentido dos sepultamentos, e as crenas na nova vinda de Cristo, foi percebida por meio de diferentes estudos que indicaram que sepultar os mortos voltados para o ponto leste, pode representar a crena no Juzo Final, como um representativo do nascimento ou renascimento dos mortos, que pela crena crist, ressuscitaro na volta de Cristo.

    Consideraes finais Dentre sepulturas e flores, os cemitrios podem apresentar mais do que a face de

    um momento que pe a prova muitas das crenas contemporneas: a morte. Na morte tambm reafirmamos prticas culturais e so expostas posturas relacionadas com o

    grupo cultural ao qual pertencemos. Traos de religio, cultura e memria so encontrados tambm no modo como sepultamos e rememoramos um ente querido.

    Mas distanciado do cotidiano, os cemitrios e seus acervos, sofrem com demrito de representar em tempos de beleza e juventude eternas, o lugar que nos avisa que ainda no sabemos como fazer para viver para sempre, apesar dos avanos tecnolgicos e cientficos, de corpos congelados, de concepes programadas.

    Esquecidos nas polticas de preservao patrimonial os cemitrios poucos so citados nos programas e projetos culturais e seguem sem contar com o olhar da grande maioria das instituies e pesquisadores.

    A proposta dos inventrios que venho realizando, e que ajudaram a compor este estudo, evidenciar a necessidade de aes voltadas a estes bens culturais. Contando com poucas aes, seu acervo frgil a cu aberto, segue perdendo importantes registros.

    No caso dos cemitrios das comunidades teuto brasileiras encontradas em muitos municpios catarinenses, os elementos aqui apontados como relacionados com sua

    postura religiosa e com suas prticas culturais tambm esto ameaados, no s pelo tempo e intempries, mas pelo olhar que no consegue perceber que, dentre as muitas

    cruzes que marcam o lugar do corpo sepultado, esto documentos de sua histria.

    Bibliografia

    ARIS, Philippe. Histria da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

    BELLOMO, Harry Rodrigues (Org.). Cemitrios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

  • PEREIRA, Jlio Csar Medeiros da Silva. flor da terra: o cemitrio dos pretos novos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond; IPHAN, 2007.

    SOUZA, Alcdio Mafra de. Guia dos bens tombados em Santa Catarina. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura, 1992.

    TEIXEIRA, Rubenilson Brazo. Igreja e cemitrio na provncia do Rio Grande do Norte: interaes entre o sagrado e o profano. In: Mercator - Revista de Geografia da UFC, ano 05, nmero 09, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 22 out. 2007.

    TIMPANARO, Mirtes. A morte como memria: imigrantes nos cemitrios da Consolao e do Brs. Programa de Ps-Graduao em Histria Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, USP, 2006.

    VILAR, Hermnia Vasconcelos. A vivncia da morte no Portugal medieval: a estremadura portuguesa, 1300-1500. Cascais: Redondo, 1995.

    WASSERBERG, Luis Dirceu. Entrevista oral [agosto 2007]. Alice de Oliveira Viana e Elisiana Trilha Castro. Florianpolis: Comunidade Evanglica Luterana de Florianpolis, 2007. Mdia digital. Entrevista concedida sobre a postura da confisso luterana com relao morte. Arquivo Pessoal da autora.