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    Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

    Justia Pacificadora e Mediao no Judicirio

    Luiza Maria Gray Novaes

    Rio de Janeiro2012

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    LUIZA MARIA GRAY NOVAES

    Justia Pacificadora e Mediao no Judicirio

    Artigo Cientfico apresentado comoExigncia de concluso de Curso de Ps-GraduaoLato Sensuda Escola deMagistratura do Estado do Rio de Janeiro.Professores Orientadores:Mnica ArealNelson C. Tavares JniorNli Luiza C. Fetzner

    Rio de Janeiro2012.

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    JUSTIA PACIFICADORA E A MEDIAO NO JUDICIRIO

    Luiza Maria Gray Novaes

    Graduada em Direito pela UniversidadeEstcio de S do Rio de Janeiro.Advogada.

    Resumo: Nesse momento de crescente judicializao das relaes sociais, faz-se necessriouma reflexo sobre formas de alcanar uma soluo eficaz para os conflitos levados ao

    judicirio, com a participao direta dos antagonistas na construo desta soluo, atravs damediao. A eficcia da soluo construda seria alcanada atravs do direcionamento daspartes por juzes capacitados na mediao, estimulando, dentro de processo j instaurado,prticas de resoluo consensual de conflitos.Focando na gesto da prestao jurisdicionaleficiente como forma de garantir rapidez, necessrio apontar para uma realidade a de queno basta uma justia clere, mas sim aquela almejada pela sociedade, qual seja, clere, justae pacificadora, com funo integradora. O trabalho discute a possibilidade de incluso damediao dentro de um processo contencioso, cabendo aos magistrados identificar quaislitgios se beneficiariam com a adoo de sesses de negociao conjunta, suspendendo oprocesso at homologao de acordo ou, em caso de insucesso, retomando o feito at decisofinal. Um dos objetivos promover a reflexo sobre a influncia direta do judicirio na

    formalizao de procedimento alternativo que visa ao resgate da responsabilidade pessoal dosenvolvidos pelo litgio, com a correspondente participao destes na soluo.

    Palavras-chave:Justia. Pacificao. Mediao. Processo.

    Sumrio: Introduo. 1. Formas de composio dos conflitos. 2. Diferenas entre prticasconexas:mediao e negociao. 2.1 Mediao e conciliao. 2.2 Mediao e Arbitragem. 2.3A Mediao: conceito e objetivos. 2.4 Princpios definidores da Mediao. 2.5 Tcnicas de

    Mediao. 2.6 A Mediao no Judicirio. Concluso. Referncias.

    INTRODUO

    As sociedades modernas compartilham a experincia da expanso crescente da

    judicializao dos conflitos. Na maioria dos pases democrticos, tribunais e juzes,

    independentemente de sua histria, tradio jurdica e sistemas normativos particulares,

    enfrentam a sobrecarga de trabalho pelo incremento de demandas postas sua apreciao.

    Esse fenmeno pode ser entendido sob dois enfoques: se por um lado indica uma

    maior facilidade de acesso Justia como instituio pacificadora dos conflitos sociais, de

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    outro, demonstra a falta de responsabilidade pessoal dos cidados em resolver pacificamente

    eventuais conflitos de ordemprivada. O resultado negativo desta aparente incapacidade social

    de autocomposio o grande volume de processos ameaando o eficaz funcionamento da

    Justia, podendo levar, em longo prazo, auma perigosa desconfiana em relao ao Poder

    Judicirio e, consequentemente, ao Estado de Direito. A questo da morosidade da Justia

    constitui ou deveria constituir preocupao fundamental de uma democracia participativa.

    Para enfrentar essa questo, h de se cogitar a possibilidade de, entre outras medidas,

    transformar os mtodos alternativos de resoluo de conflitos em instrumentos de atuao

    especfica dentro do Poder Judicirio. Atravs da ativa participao e integrao de

    magistrados, psiclogos, psicanalistas, assistentes sociais e advogados, alm de outros

    profissionais de reas pertinentes, na criao dauma cultura de uso rotineiro desses mtodosde pacificao social dentro do judicirio, com a elaborao de diretrizes e procedimentos

    especficos, de forma a alcanar uma efetiva mudana social. Sob o manto do judicirio, em

    tese, maior seria a aceitao e adesodos litigantes na construo de uma soluo de eventual

    conflito que, em ltima anlise, surge de interesses prprios e divergentes e cuja soluo,

    imposta ou acordada, afetar seu cotidiano diretamente.

    O sistema processual judicial se estrutura em escopos de trs categorias: sociais,

    polticos e jurdicos. Os escopos sociais tendem realizao efetiva da pacificao socialesperada de um ordenamento jurdico direcionam-se, portanto, a eliminar conflitos por

    meio da aplicao de critrios justos na resoluo do litgio. Outra orientao do escopo social

    a educao como misso que o exerccio continuado e eficiente da jurisdio deve cumprir

    perante a sociedade na medida em que conscientiza os seus integrantes acerca de seus direitos

    e obrigaes1.

    A se entender possvel e desejvel essa proposta, os mecanismos especficos de

    mediao precisam ser integrados ao trabalho dirio dos magistrados, dentro do processojudicial, como canais alternativos de exerccio da funo jurisdicional, concebida nos mais

    latos e elevados termos. No podem ser encarados como ferramentas estranhas atividade

    jurisdicional e, muito menos, como atividade profissional subalterna. Os magistrados e

    demais operadores do direito, devem entender que fomentar uma mediao efetiva tarefa

    to, ou mais, essencial e nobre que dirigir processos ou expedir sentenas.

    1AZEVEDO, Andr Gomma de. Estudos de Arbitragem Mediao e Negociao. V. 2. Perspectivasmetodolgicas do processo de mediao: apontamentos sobre a autocomposio no direito processual., e

    DINAMARCO, Cndido Rangel. AInstrumentalidade do Processo, So Paulo: Malheiros, 8. ed., 2000.(disponvel em: http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol2/segunda-parte-artigos-dos-professores/perspectivas-metodologicas-do-processo-de-mediacao-apontamentos-sobre-a-autocomposicao-no-direito-processual. Acesso em 23.09.2012 s 19h22m).

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    Nesse sentido, caberia ao Judicirio disponibilizar a sociedade outros modos de

    resoluo de disputas, alm do meio tradicional de produo de sentenas, por vezes lento e

    custoso dos pontos de vista material e psicolgico e, quase sempre, de resultados nulos no

    plano das lides sociolgicas subjacentes s processuais. Para agentes sociais que

    legitimamente anseiam por solues rpidas, justas e profundas do ngulo de suas razes pr-

    jurdicas e da dinmica da sociedade, pode ser extremamente frutfero tentar resolver os

    conflitos de modo pacfico, mediante consensos que surgem do dilogo e das disposies dos

    prprios interessados, sujeitos e senhores das disputas.

    A fim de analisar a pertinncia temtica do instituto da mediao como tcnica de

    pacificao social, necessrio se faz sua contextualizao histrica, assim como salientar suas

    caractersticas e diferenas com outras formas de composio de litgio, em especial aconciliao.

    1. FORMAS DE COMPOSIO DE CONFLITOS

    Medidas alternativas de soluo de conflitos no so prticas recentes e decorrentes da

    modernidade, e sim tcnicas utilizadas em maior ou menor escala por todos os povos, em

    diferentes momentos de sua histria. Na Repblica Popular da China, por exemplo, o uso daarbitragem como forma de resoluo de conflitos sempre foi aceito, considerando sua

    identidade com os valores e princpios de Confsio, em especial a convico de que uma

    litigncia formal rompe o princpio fundamental dos negcios: que as partes envolvidas

    devem se beneficiar na relao. Ressalte-se que arbitragem mais vantajosa quanto mais

    complexamente inconsistente for o sistema judicial vigente no local.

    A mediao baseia-se na arte da linguagem para permitir a criao ou recriao da

    relao. Implica a interveno de um terceiro neutro, imparcial e independente, o mediadorque desempenha uma funo de intermedirio nas relaes. Em resumo, o mediador

    operacionaliza a qualidade da relao e da comunicao entre as partes cujos interesses

    divergem a ponto de instaurar-se uma situao litigiosa.

    No mbito da resoluo de conflitos, a mediao considerada uma abordagem

    multidisciplinar ou uma disciplina no seu todo. Trata-se de uma abordagem que refora a

    liberdade individual, ou que permite preserv-la. Consequentemente, em relao rea do

    direito que representa uma via de abandono pela pessoa da sua capacidade de decidir, de

    tomar a palavra, de procurar uma soluo, a mediao aparece como um modo natural, ainda

    que considerada como forma alternativa, de resoluo de conflitos.

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    Estruturada como processo, foi reinventada na dcada de 70, nos EUA, tendo-se

    valido precipuamente das tcnicas de negociao apregoadas pela Escolade Negociao de

    Harvard. medida que o instrumento passou a ser utilizado em reas mais delicadasdos

    relacionamentos interpessoais, como nos conflitos de famlia, foi incorporandooutros pilares

    tericos, humanizando-se e objetivando no somente a buscado direito a ser aplicado ao

    conflito, prevalecendo sempre o enfoque nos conflitantes,e no na contenda.

    Atualmente, a mediao acha-se presente no s nos EUA, mas tambm no Canad,

    ealguns pases da Europa, como Gr-Bretanha, Esccia, Espanha, Itlia e Portugal.De fato, no

    Reino Unido, o uso de Alternativas de Resoluo de Conflitos (Alternative Dispute

    Resolution - ADR), ativamente promovido, tanto por sua legislao, como pelo judicirio e

    o governo. Seu sistema de regras processuais civis (Civil Procedure Rules) contm expressapreviso legal objetivando a justa resoluo de casos que lhe so postos a decidir,

    autorizando, inclusive, a suspenso do processo para tentativa de soluo do conflito atravs

    de mediao ou arbitragem. Analisando o regramento processual ingls, especificamente a

    regra de n. 1.4 (2) (e)2, percebe-se que ao magistrado cabe o gerenciamento ativo do processo,

    com o dever de propor o uso de tcnicas alternativas de resoluo de conflitos, dentre outras

    obrigaes, sempre no intuito de alcanar a justa soluo ao litgio.

    Na Argentina h a Lei Federal 24.573, de 04.10.95, instituindo a mediaoobrigatria,e exigindo a criao de cursos de formao para mediadores, cujocertificado possibilita o

    credenciamento no Registro de Mediadores, do Ministrioda Justia, como exigncia para o

    exerccio da funo, sendo que o profissionaltem que ser advogado.

    Na mesma linha, constatamos que a Constituio Federal3, em seu prembulo,

    preconiza:

    Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia NacionalConstituinte para instituir um estado Democrtico, destinado a assegurar o

    exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos deuma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

    2Civil Procedure Rules Regras de Processo Civil

    The overriding objective Do objetivo primordialCourts duty to manage cases Dos deveres do juiz na conduo do processo1.4 (2) Active case management includes: - A conduo ativa do processo inclui:()(e) encouraging the parties to use an alternative dispute resolution(GL)procedure if the court considers that

    appropriate and facilitating the use of such procedure; (encorajar o uso de tcnicas alternativas de resoluo de

    conflitos sempre que o juzo considerar adequado, facilitando o acesso a tais procedimentos)(disponvel em: http://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part01#IDA0PXKC. Acesso em22.08.2012 s 18h49m).3BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF:Senado, 1988.

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    social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluopacfica das controvrsias,promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinteConstituio da Repblica Federativa do Brasil.

    A partir da anlise do primeiro preceito da Magna Carta, pode-se deduzir tratar-se deum dever de toda a sociedade, inclusive o judicirio, fomentar a utilizao de meios que

    possam pacificar a sociedade, de maneira a torn-la mais digna, para o exerccio plenoda

    cidadania.

    O Ministrio do Trabalho foi percussor na busca de possibilidades extrajurdicas para

    resolver os conflitos, procurando assim solucionar as causas no atendidas pela justia

    trabalhista. Citamos a Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000 - prevendo a participao

    dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa -, que em seu artigo 4 apresenta comosolues extrajudiciais dos conflitos a Mediao e a Arbitragem.

    Ainda no Brasil, merece especial meno o Tribunal de Justia do Estado de Santa

    Catarina, cuja resoluo n 11/2001 dispe sobre a instituio do Servio de Mediao

    Familiar. O servio da mediao encontra-se disponvel em alguns Fruns de justia e Casas

    da Cidadania do Estado e possui uma equipe de atendimento composta por mediadores

    familiares das reas de servio social, psicologia e direito, alm de estagirios das respectivas

    reas.

    Destaca-se, tambm, o Setor de Conciliao em So Paulo. Criado em 2003 pelo

    Provimento n. 796 do Conselho Superior da Magistratura do Estado de So Paulo, foi

    posteriormente revogado e substitudo pelo Provimento n. 953, de 09 de agosto de 2005. O

    Provimento n. 953/2005 eliminou o carter provisrio do Setor e estendeu o procedimento

    para as comarcas e foros de todo o Estado de So Paulo.

    O Setor procura solucionar uma aparente dificuldade em cumprir a norma insculpida

    no caputdo artigo 331 do Cdigo de Processo Civil4, que indica que o juiz tem o dever de

    tentar conciliar as partes a qualquer tempo, fato apontado por Kazuo Watanabe 5ao destacar

    que os juzes no desempenham tal papel ativo, com alguns chegando a descumprir

    abertamente a norma legal. O Setor tambm tem por objetivo resolver demandas de forma

    mais rpida do que a justia comum, prevenindo litgios antes do ajuizamento da ao

    4Cdigo de Processo Civil, Art. 331: Se no ocorrer qualquer das hipteses previstas nas sees precedentes, eversar a causa sobre direitos que admitam transao, o juiz designar audincia preliminar, a realizar-se no prazode 30 (trinta) dias, para a qual sero as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar

    por procurador ou preposto, com poderes para transigir.5WATANABE, Kazuo. Cultura da sentena e cultura da pacificao, in YARSHELL, Flvio Luiz e MORAES,Maurcio Zanoide de. Estudos em homenagem professora Ada Pellegrini Grinover.So Paulo: DPJ, 2005. p.687.

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    (conciliao pr-processual) ou extinguindo-os por meio de acordo entre as partes em

    qualquer fase do processo judicial (conciliao processual).

    Ainda quanto regulamentao das ADRs (ou MASCs Mtodos Alternativos de

    Soluo de Conflitos), tramitam dois Projetos de Lei no Congresso Nacional, para

    regulamentar a Mediao. O primeiro de autoria da Deputada Zulai Cobra, o Projeto de Lei

    n. 4.827, de 1998, que institucionaliza e disciplina a Mediao como Mtodo de Preveno e

    Soluo Consensual de Conflitos. De forma concisa e clara, o Projeto de Lei n. 4.827/98,

    conceitua a Mediao (art. 1), define quem pode ser mediador (art. 2), diferencia Mediao

    judicial e extrajudicial (art. 3), institui a Mediao endoprocessual (art. 4), estabelece o

    acordo como ttulo executivo judicial (art. 5), disciplina a Audincia de Tentativa de

    Conciliao (art. 6) e a publicao da lei (art. 7).O segundo projeto proposto em 2001, do Instituto Brasileiro de Direito Processual,

    presidido pelos juristas Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini Grinover, e contando com amplo

    apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, institui e disciplina a Mediao paraprocessual

    como mecanismo complementar de soluo de conflitos no Processo Civil. Previa o projeto

    de lei em questo que os mediadores seriam obrigatoriamente advogados, com pelo menos

    dois anos de experincia, formados e selecionados pela Ordem dos Advogados do Brasil. Tais

    profissionais receberiam honorrios fixados segundo o valor atribudo causa e pagos peloautor. A razo da exigncia de formao acadmica e profissional deve-se ao fato de que o

    projeto inaugura no Brasil a ideia de uma mediao paraprocessual, ou seja, procedimento

    envolvido no processo e dentro do judicirio, inspirado como o foi pela experincia argentina.

    Contudo, est em vias de aprovao, o Projeto de Lei que tramita no Congresso

    Nacional: o Substitutivo (PLC n. 94/02), de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-

    RS), que institui a Mediao como mtodo de preveno e soluo consensual de conflitos na

    esfera civil.Trata-se, na realidade, da fuso das duas propostas j existentes: o Projeto de Lein. 4.827/98 e o Projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual, considerando que

    primeiro procura oficializar e instituir a Mediao no Brasil de forma genrica, ao passo que o

    outro pretende instituir e disponibilizar a Mediao nos Tribunais, prvia ou incidentalmente.

    Apesar do longo perodo de tramitao, ainda no foi aprovada pelo Congresso

    qualquer uma das leis acima referidas, o que significa que no havia, at o ano de 2010,

    regulamentao sobre o instituto da Mediao como alternativa soluo judicial dos

    conflitos. Entretanto, no ano de 2010, o Conselho Nacional de Justia6, no uso de suas

    6BRASIL. Conselho Nacional de Justia CNJ. rgo do Poder Judicirio, conforme artigo 92, inciso I-A, daConstituio Federal (1988), acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004.

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    atribuies administrativas, editou a Resoluo n. 125 disciplinando e regulamentando o

    instituto para a implementao gradual do mtodo dentro do judicirio.

    Reforando a ideia da necessidade de se fomentar e incrementar o uso dos meios

    alternativos de soluo de disputas, a Resoluo do CNJ n. 125 afirma, no pargrafo nico do

    artigo primeiro7, que incumbe aos rgos judicirios disponibilizar ao cidado mecanismos

    alternativos de composio das controvrsias.

    Tratando-se de Mtodos Alternativos de Soluo de Conflitos, deve-se fazer uma

    breve conceituao de cada instituto, comparando os diferentes modos de autocomposio

    com a Mediao para uma melhor compreenso do potencial renovador desse mtodo de

    resoluo de litgio que se distingue pela ativa participao dos prprios envolvidos no

    conflito.

    2. DIFERENAS ENTRE PRTICAS CONEXAS: MEDIAO E NEGOCIAO

    Embora as duas sejam formas de autocomposio desenvolvidas segundo o modelo

    consensual, a diferena entre mediao e negociao simples: o negociador parte

    envolvida. Representa os interesses de um dos participantes, geralmente seu cliente. Isto

    implica que o negociador vai procurar alcanar uma soluo que satisfaa a parte querepresenta. Ao contrrio, na mediao o mediador no se encontra envolvido. Acompanha a

    reflexo de todos os envolvidos diretamente no conflito, permitindo-lhes encontrar um

    acordo. Tal acordo definido de vrias formas, ou seja, baseando-se das abordagens da

    negociao ou, como acima indicado, de forma que seja o mais satisfatrio possvel entre as

    duas (ou mais) partes envolvidas.

    2.1

    MEDIAO E CONCILIAO

    Entre a mediao e a conciliao, h duas diferenas bsicas. Embora muito

    semelhantes, a conciliao se mostra mais produtiva nas relaes de trato nico, a saber,

    aquelas estabelecidas por um evento nico, decorrente de uma relao jurdica no habitual

    entre os sujeitos participantes. Decorre dessa caracterstica a segunda grande distino entre

    7Res. n. 125/2010 do CNJ, Art. 1. Fica instituda a Poltica Judiciria Nacional de tratamento dos conflitos de

    interesses, tendente a assegurar a todos o direito soluo dos conflitos por meios adequados sua natureza epeculiariedade. Pargrafo nico. Aos rgos judicirios incumbe, alm da soluo adjudicada mediante sentena,oferecer outros mecanismos de solues de controvrsias, em especial os chamados meios consensuais, como amediao e a conciliao, bem assim, prestar atendimento e orientao ao cidado.

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    as formas e tcnicas dos mtodos de composio: o papel do terceiro interveniente.

    Basicamente, na mediao, o terceiro apoia as partes na sua reflexo conjunta e na sua

    deciso, ou seja, faz emergir umasoluo construda em conjunto pelos prprios mediandos,

    privilegiando a continuidade da relao. J na conciliao, o terceiro conciliador prope uma

    soluo imediata s partes, visando o encerramento clere do procedimento da forma menos

    gravosa aos envolvidos, porm sem a necessidade do aprofundamento nas causas subjacentes,

    eis que, em regra, as partes no mais tero contato aps o trmino do procedimento. Saliente-

    se que o modelo da composio tambm consensual, porm h uma participao mais

    limitada dos envolvidos no conflito na construo de eventual deciso, que geralmente fica

    limitada aceitao conjunta da proposta do conciliador.

    2.2MEDIAO E ARBITRAGEM

    A participao do rbitro implica em decidir a questo em anlise, deciso esta que

    imposta s partes que optaram pela arbitragem. Trata-se, na realidade, de uma

    heterocomposio de conflitos sob o modelo adversarial, tal qual a soluo judicial. A

    voluntariedade reside na escolha conjunta do rbitro e no consenso em acatar a deciso do

    terceiro, numa soluo imposta e sem a participao ativa dos envolvidos. Os interessadosapresentam ao terceiro (rbitro ou juiz togado) a lide, e este determina a soluo com base nos

    costumes e leis (arbitragem) ou no ordenamento jurdico formal (juiz). Aqui o objetivo

    vencer, o que s ser alcanado pela derrota da parte contrria, segundo a lgica do ganha-

    perde. A deciso, portanto, ser percebida como justa to somente pelo o vencedor, o que,

    em tese, pode frustrar a finalidade precpua do processo (judicial ou extrajudicial), qual seja, a

    pacificao social pela justa composio de litgios.

    Uma prtica ainda marginal desenvolveu-se nos Estados Unidos, (no mbito dasADRs- Alternative Dispute Resolution, ou mtodos alternativos de resoluo de conflitos),

    associando a interveno de um mediador que, quando no consegue fazer emergir uma

    soluo, pode tornar-se rbitro atravs de conveno prvia ou com o acordo das partes, s

    quais o prope ou pedem que decida por eles. Este mtodo ento nomeado med-arb8.

    Ainda com relao s diferenas entre os mtodos alternativos de preveno e soluo

    de conflitos, no que tange ao mediador, importante destacar que se trata de um facilitador do

    8 FLAKE, Richard P. The MED/ARB Process: a view from the neutrals perspective (O ProcedimentoMED/ARB: viso sob a perspectiva do neutro). American Arbitration Assotiation. ADR Currents - TheNewsletter of Dispute Resolution Law and Practice: June Edition. Published: 1998.

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    processo de retomada do dilogo. Diferentemente do rbitro (judicial ou extrajudicial), ou do

    conciliador, ele no interfere diretamente, limitando-se a auxiliar as pessoas que se encontram

    em situao de disputa para que elas mesmas encontrem uma alternativa que lhes convm.

    Dessa forma, a mediao promove a integrao social e a responsabilidade pessoal dos

    envolvidos no cumprimento das condies acordadas, propiciando a retomada da

    autodeterminao de pessoas em relao s suas vidas.

    Ressalte-se que ao mediador no cabe tratar das pessoas em conflito, mas sim tratar os

    conflitos entre as pessoas.

    2.3A MEDIAO: CONCEITO E OBJETIVOS

    Segundo Juan Carlos Vezzulla9, mediao uma tcnica de resoluo de conflitos,

    no adversarial, que sem imposies de sentenas ou de laudos, e com um profissional

    devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preserv-los

    num acordo criativo em que as duas partes ganhem.

    Andr Gomma de Azevedo, em seu Manual de Mediao Judicial10utiliza o conceito

    de Douglas Yarn11, que define mediao como sendo um processo autocompositivo segundo

    o qual as partes em disputa so auxiliadas por uma terceira parte, neutra ao conflito, ou umpainel de pessoas sem interesse na causa, para auxili-las a chegar a uma composio. Trata-

    se de uma negociao assistida ou facilitada por um ou mais terceirosna qual se desenvolve

    processo composto por vrios atos procedimentais pelosquais o(s) terceiro(s) imparcial(is)

    facilita(m) a negociao entre pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas

    posies e a encontrar solues que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades.

    J Garcez12simplifica o conceito, entendendo a mediao como sendo uma frmula

    no adversarial de soluo de conflitos na qual um terceiro, imparcial, auxilia as partes, por

    elas prprias, a chegarem a um acordo entre si, atravs de um processo estruturado.

    Em definitiva, percebe-se que atravs da mediao, as partes so aproximadas e

    auxiliadas na compreenso de seus problemas, tornando-se autoras das decises, preservando,

    9 VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e prtica da mediao. Curitiba: Instituto de Mediao, 1995. p. 15.10AZEVEDO, Andr Gomma (org.). 2009.Manual de Mediao Judicial. (Braslia/DF: Ministrio da Justia ePrograma das Naes Unidas para o desenvolvimento PNUD). 2010, 2. ed., p. 37.Disponvel em: http://www.tjpe.jus.br/concilia/publicacoes/2011-10-18-14-4-livro%20Mediacao%20MJ%202ed%20Internet%2018102011.pdf. Acesso em: 18.09.2012, s 18h13m.)11 YARN, Douglas E. Dictionary of Conflict Resolution. So Francisco: Jossey-Bass Inc., 1999. p. 272; in

    AZEVEDO, Andr Gomma de (Org.). Estudos em arbitragem, mediao e negociao. Braslia: Grupos dePesquisa, 2004. v. 3. p. 313.12GARCEZ, Jos Maria Rossani. Negociao, ADRs, Mediao, Conciliao e Arbitragem. 2. ed. ampl. Rio deJaneiro: Lumen Iuris, 2003. p. 35.

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    assim, sua autonomia e liberdade individual, ainda que com intermediao do terceiro. Esse

    resgate da autonomia fortalece as relaes sociais, primando pela valorizao das pessoas e

    promovendo verdadeira pacificao social, na medida em que enseja a percepo da

    adequao e justia da soluo do conflito, resultado da convergncia de vontades e da livre

    pactuao.

    Para que seja efetiva, a mediao deve ser capaz de promover um dilogo franco entre

    os envolvidos, desarmado das hostilidades que impedem a compreenso da situao alheia. O

    objetivo final do processo alcanar um acordo benfico para as partes; busca-se o ganha-

    ganha, por meio de um procedimento sem perdedores, possibilitando a transformao da

    cultura de conflito em cultura do dilogo. Saliente-se que a viso positiva do conflito

    considerada um ponto importante. O conflito, normalmente percebido como algo negativo, encarado pela mediao como natural e necessrio, por ser instrumental ao crescimento e

    promover mudanas.

    O sucesso da mediao depende da adequada capacitao dos intervenientes

    mediadores, a fim de instruir de maneira adequada os participantes sobre o procedimento, a

    forma de desenvolvimento do programa, as tcnicas passveis de utilizao no caso concreto e

    informar sobre os parmetros legais a serem respeitados. Ressaltar os benefcios e no

    minimizar as dificuldades potenciais sempre uma forma de garantir a lisura do processo,bem como a adeso e confiana das partes. Quando bem conduzido, o processo de mediao,

    por suas peculiaridades, torna-se um meio de soluo eficiente e adequado a conflitos que

    versem sobre relaes continuadas, evitando-se, assim, a crescente judicializao dos

    problemas de convvio social.

    So vrios os seus objetivos, dentre os quais a preveno dos conflitos, a incluso

    social por meio de uma maior conscientizao de direitos e deveres, e o acesso justia.

    A mediao, sendo um meio de resoluo que requer a participao efetiva daspessoas para que solucionem os problemas, ao forar o dilogo e a reflexo sobre as

    responsabilidades pessoais, os direitos e obrigaes recprocos, incentiva uma expanso da

    percepo do indivduo, com a compreenso da realidade alheia. Promove, em definitiva,

    uma responsabilidade pessoal nas relaes interpessoais.

    Dessa forma, e em sendo um mecanismo simples de soluo das controvrsias

    exigindo, ainda, um procedimento diferenciado, trata-se de valioso instrumento de incluso e

    de pacificao social.

    2.4PRINCPIOS DEFINIDORES DA MEDIAO

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    Os princpios da mediao podem variar de pas para pas, entretanto parece haver

    consenso quanto a alguns deles, adotados no Brasil, a saber, a liberdade das partes, a no

    competividade e poder de deciso das partes.

    A liberdade das partes implica em que elas devem livremente administrar o conflito,

    tomando decises durante todo o procedimento, desde a opo pela mediao, passando pela

    escolha do mediador em quem depositaro sua confiana, at a finalizao e encerramento do

    procedimento, seja pela desistncia de uma das partes, seja pela concluso de uma soluo

    construda consensualmente, a ser homologada pelo judicirio.

    A mediao admite duas formas: mandatria e voluntria, esta dependendoda vontade

    das partes ab initio, somente elas podem iniciar e desenvolver o processo de mediao.

    Saliente-se que a liberdade das partes no significa dizer, necessariamente, forma voluntriade mediao, uma vez que o incio da mediao pode se dar por ordem judicial ou por

    clusula contratual de livre adeso impondo-se, inicialmente, uma possvel soluo mediada.

    Entretanto, e a despeito de a mediao dita mandatria no ter incio de forma voluntria, o

    conflito s ser solucionado atravs deste processo por vontade das partes, preservando-se,

    assim, a sua liberdade na mediao, que, caso no seja frutfera, se resolver com o parecer

    tcnico do mediador enviado ao judicirio, dando continuidade ao processo judicial, ou

    iniciando-o, conforme o caso.Quanto aos princpios especificamente dirigidos atuao dos mediadores, o CNJ, na

    j mencionada Resoluo 125/2010, editou o Cdigo de tica de Conciliadores e Mediadores

    Judiciais, elencando-os em seu art. 1 e conceituando-os nos respectivos pargrafos. So eles:

    confidencialidade, competncia, imparcialidade, neutralidade, independncia e autonomia,

    respeito ordem pblica e s leis vigentes.

    A confidencialidade o dever de manter sigilo sobre todas as informaes obtidas na

    sesso, salvo autorizao expressa das partes, violao ordem pblica ou s leis vigentes. Omediador est impedido de ser testemunha do caso e de advogarpara qualquer um dos

    envolvidos. J a competncia exige a qualificao do mediador, nos termos da prpria

    Resoluo, com capacitao anterior sua habilitao profissional junto aos Tribunais e

    formao continuada. A imparcialidade o dever de agir com ausncia de favoritismo, sem

    preconceitos. Impe, tambm, que jamais seja aceito qualquer espcie de favor ou presente.

    Neutralidade dever de manter equidistncia das partes, respeitando seus pontos de vista.

    Atuar com independncia e autonomia significa o dever de atuar com liberdade, sem presses

    interna ou externa. Consequentemente, confere ao mediador o poder de recusar, suspender ou

    interromper a sesso quando entender ausentes as condies necessrias para o desempenho

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    da atividade. Por fim, respeitar a ordem pblica e as leis evitar acordos ilegais ou

    potencialmente nocivos ordem pblica.

    2.5

    TCNICAS DE MEDIAO

    No mbito jurdico, utiliza-se a expresso Mediao, derivada da linguagem

    diplomtica, para indicar a funo do auxiliar do juzo encarregado de aproximar as partes

    litigantes na procura de pontos em que os interesses sejam convergentes, buscando a

    conciliao entre elas13. O mediador, portanto, quem se coloca entre duas pessoas, para que

    elas se aproximem e realizem um negcio, um acordo. Sua funo no a de propor ou impor

    solues ou condies, e sim de direcionamento e conduo, facilitandoo dilogo para que osinteressados possam resolver suas avenas pessoalmente e em conjunto, de forma no

    contenciosa.

    Para tanto, necessrio que o mediador - terceiro facilitador do dilogo, seja pessoa

    qualificada, com formao tcnica nas diversas formas de mediao, podendo utilizar uma ou

    mais tcnicas ao longo do processo, conforme sentir a necessidade.

    Atualmente existem 3 (trs) escolas clssicas para orientar as diferentes formas de se

    trabalhar com a mediao: Modelo Tradicional-Linear de Harvard, o Modelo Transformativode Bush e Folger, e o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb.

    O Modelo Tradicional-Linear de Harvard (Escola de Direito de Harvard), indica serem

    necessrios cinco estgios para o desenvolvimento do procedimento de mediao. Vale

    ressaltar que sua base a mediao passiva, ou seja, no existe a interveno direta do

    mediador, que apenas exercer o papel de facilitador do dilogo entre as partes, utilizando-se

    de tcnicas para alcanar o objetivo principal da mediao Tradicional-Linear, que a

    construo do acordo. Fundamenta-se na teoria e compreenso do conflito, e tem comocaracterstica a diferenciao das pessoas do problema criado, o foco nos interesses ocultos, a

    identificao de opes viveis e mutuamente benficas com critrios objetivos, finalizando

    com a escolha da melhor alternativa possvel.

    No primeiro estgio, denominado de contracting, o mediador estabelece o contato

    entre os interessados, explicando-lhes as regras, parmetros e limites do procedimento da

    mediao. Sua inteno trazer segurana e esclarecimento sobre as vantagens e

    desvantagens de se trabalhar em uma via diversa da judicial.

    13SILVA, De Plcido e. Vocabulrio Jurdico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glucia Carvalho. 26. ed.Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 903.

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    O segundo momento (developing issues, ou elaborando as questes), quando o

    mediador identifica as questes relevantes s partes, tanto os interesses expressados por suas

    manifestaes externas, quanto os interesses ocultos, subjacentes causa aparente. Neste

    caso, o mediador dever trabalhar com a tcnica da escuta.

    Prosseguindo, o Mediador faz uma srie de perguntas aos mediandos e, conforme a

    resposta obtida reformula a questo (rephrasing), ou dentro de um contexto diferente

    (reframing, ou reenquadramento), at que o prprio interessado consiga externar seu

    verdadeiro propsito. Esta uma fase lenta que necessita de pacincia e habilidade,

    principalmente pelo fato das partes serem chamadas a refletir sobre as questes centrais, o que

    gera discusses e desentendimentos. Essa fase, denominada deLooping, permite uma anlise

    e melhor compreenso das atitudes de cada um dos participantes, facilitando a insero deoutras tcnicas destinadas a amenizar o conflito e, consequentemente, incentivar a concreta

    percepo de consenso pelos mediandos. Insta salientar que, nas questes relacionais, a

    Escola de Harvard recomenda ateno com a percepo, emoo e a comunicao, no sendo

    adequado buscar concesses de ordem material para resolver esse tipo de questes.

    Na quarta fase (brainstorming, ou tempestade de ideias), o mediador facilita a

    organizao das ideias, levando os participantes a estabelecerem alternativas razoveis para a

    resoluo da controvrsia. Nesse momento, utilizam-se as informaes relevantes obtidasdurante a aplicao das tcnicas do Looping, para que o dilogo possa fluir com mais

    tranquilidade e eficincia. Observa-se que o momento onde as partes, conhecendo a

    realidade do outro, tero a possibilidade de oferecer propostas eficazes e que preencham suas

    reais necessidades. H intensa troca de idias, criaes livres e, inicialmente,

    descompromissadas com um acordo, porm, passveis de adeso e consenso.

    Na quinta e ltima etapa, uma vez obtido o consenso, o Mediador lavra o acordo

    segundo a deciso dos mediandos, adequando a manifestao de vontade s normas do direitopositivo.

    Essa tcnica proveniente da Escola de Harvard, a base do modelo de mediao

    satisfativa, objetivando a construo de um acordo objetivo, segundo critrios previamente

    estabelecidos.

    J o modelo Circular-Narrativo, embora derivado do modelo tradicional de Harvard,

    no tem como objetivo primordial um acordo. Trata-se de um processo de criao focado na

    comunicao. pela conversa que as pessoas se comunicam, e a mediao, aqui, concebida

    como processo conversacional, onde comunicao analgica (no verbal) e digital (verbal) se

    integram, formando as histrias individuais.

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    Na mediao, necessrio criar espaos onde se possam contar as histrias, incluindo

    as vozes daqueles que no podem falar e ento criar uma nova histria que deixe de lado a

    violncia semnticae acolha a condio complexa de ser humano. A partir dessa narrativa

    que o acordo ser construdo. Nesse sentido, os mediadores funcionam como escritores, pois

    recombinam as narrativas.

    O modelo criado por Sara Cobb14- modelo circular-narrativo -, se utiliza de algumas

    ferramentas conhecidas dos terapeutas familiares: perguntas circulares, conotao positiva,

    reenquadramento, dentre outros. Algumas premissas da tcnica so: a mediao no terapia,

    mas teraputica; pode comear com sesses conjuntas ou privadas e no termina com a

    redao do acordo, mas sim com o meta-acordo; trabalha com as histrias ms ou

    problemticas e no o problema em si (esse s existe em funo do que contado, no comoum fato isolado); os mediadores no so neutros e sim multi-parciais (so responsveis por

    dar voz a cada um dos participantes da mediao); os mediadores so responsveis no s

    pelo processo, mas tambm, sobre o contedo da histria melhor formulada; os mediadores

    devem estar conscientes do poder que exercem e dos juzos que fazem15.

    A mediao transformativa foi um modelo elaborado por Robert A. Bush, terico da

    negociao, e Joseph P. Folger, terico na comunicao. Este modelo criado, aplicado e

    adaptado em todo mundo, tem como objetivo situar o acordo como uma possibilidade,concentrando-se na revalorizao pessoal e no reconhecimento do outro. Busca aumentar o

    eu e a sensibilidade mtua, qualquer que seja o modo de resolver o problema, numa viso

    relacional em oposio viso individualista. A mediao transformativa reconhece os

    conflitos como oportunidades de crescimento, sendo instrumento apto a aproveitar o conflito

    de forma positiva.

    Se o modelo harvardiano tem o acordo como principal objetivo, o modelo

    transformativo visa trabalhar os interesses e necessidades das partes e no somente a posiocristalizada do conflito.

    Observa-se que a transformao na relao entre os litigantes viabiliza uma

    reconstruo dos laos afetivos e, consequentemente, promove o acordo. No modelo

    transformativo o mediador tem como foco a mediao passiva, ou seja, no existe a

    14COBB, Sara. Uma perspectiva narrativa de lamediacin: hacialamaterializacin de la metfora del narradorde histrias. In: FOLGER, Joseph P.; JONES, Tricia F. Nuevasdirecciones em Mediacin: investigacion yperspectivas comunicacionales. Buenos Aires: Paids, 1997. In: MORAIS, Jos Luis Bolzan de; SPENGLER,Fabiana Marion.Mediao e Arbitragem, Alternativas Jurisdio! 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

    2012, p. 143.15Conforme programa internacional O Modelo Circular Narrativo e os Sistemas Familiares, resumo disponvelem http://www.fundacaonacionaldemediacao.com.br/A-Media%C3%A7%C3%A3o-Ajudando-a-Contar-Novas-Hist%C3%B3rias.php. Acesso em: 01.10.2012, s 16h16m.

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    interveno direta do mediador, que se utiliza de tcnicas de negociao para facilitar o

    dilogo entre as partes, para que juntas e de forma autnoma, possam construir uma deciso

    atravs do dilogo. O empowerment, ou fortalecimento das partes, de suma importncia

    para que as mesmas solucionem por si s o conflito. Registra-se que este modelo trabalha o

    conflito na sua integralidade, ou seja: o aspecto emocional, afetivo, financeiro, psicolgico e

    legal. valido ressaltar que na mediao transformativa, o ideal que o conflito seja

    trabalhado por uma comisso multidisciplinar.

    Essas escolas bsicas no so as nicas tcnicas de mediao atualmente

    desenvolvidas. Podemos citar tambm o modelo desenvolvido por Kimberlee K. Kovach16,

    alm do procedimento de mediao criado por Haynes e Marodin17, muito utilizado na

    mediao familiar. O ponto em comum das diversas tcnicas o desenvolvimento damediao em um processo estruturado, composto de estgios demarcados, com cada estgio

    sendo trabalhado com um propsito especfico, possibilitando a construo da relao de

    confiana entre o mediador e os mediandos, a identificao dos problemas subjacentes e

    descobrimento de eventuais pontos em comum entre as partes, finalizando com o acordo

    baseado no consenso, sempre que possvel.

    Em definitiva, tem-se que a mediao oferece vantagens relevantes, dentre as quais

    podemos citar a tranquilidade proporcionada s partes ao se utilizarem de procedimento maisclere, em que seus interesses e expectativas so sopesados e considerados igualmente, sem

    prevalncia de uns sobre outros, a garantia do sigilo do procedimento, e porque no, os

    benefcios financeiros, j que as despesas so rateadas entre os interessados, sendo os custos

    muito inferiores ao de um julgamento. Relevante, tambm, o benefcio trazido pelo resgate da

    autonomia da vontade dos indivduos que participam da mediao, mesmo quando mandatria

    inicialmente, uma vez que no haver imposio de um acordo, sendo de construo

    voluntria e participativa dos prprios interessados e diretamente afetados.No se pode, entretanto, desconsiderar que nem sempre a mediao ser capaz de

    conciliar os interesses em conflito. Ainda que em tese, uma soluo mediada sempre

    possvel, no se pode impor tal soluo queles que se recusam a pactuar entre si. A boa-f

    dos participantes essencial, assim como a sincera vontade em resolver pacificamente os

    problemas apontados. Para que o acordo alcanado tenha fora jurdica e seja exigvel,

    16KOVACH, Kimberlee K. Mediation: principles and practice. St. Paul, Minnesotta, EUA: West Publishing,

    1994. p. 23-39.17Para uma viso mais abrangente das diferentes escolas e tcnicas utilizadas na mediao familiar, bem como omtodo especfico dos autores citados, ver: HAYNES, John M.; MARODIN, Marilene. Fundamentos daMediao Familiar. Traduo de Eni Assumpo e Fabrizio Almeida Marodin. Porto Alegre: ArtMed, 1996.

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    tambm indispensvel que seja levado homologao judicial, tornando-o instrumento formal

    oponvel contra terceiros. Incentiva-se, dessa forma, tomada de decises consciente por

    parte dos mediandos, e o compromisso futuro de cumprir o acordo, que no mais poder ser

    discutido, aps passar pelo crivo do judicirio. Isso em nada altera a voluntariedade do

    processo de mediao, ao contrrio, parece promover e fortalecer a responsabilidade pessoal

    daqueles que dela participaram.

    2.6A MEDIAO NO JUDICIRIO

    Embora a Resoluo 125 de 2010 do CNJ tenha disposto de forma regulamentadora a

    respeito da mediao e conciliao, nosso sistema judicial carente de legislao federal quediscipline os referidos mecanismos.

    O projeto de lei18 que visa instituir o novo Cdigo de Processo Civil atribui maior

    importncia conciliao e mediao, alm de trazer dispositivos tendentes a sistematizar

    esses mecanismos em todo o territrio nacional. O anteprojeto apresentado no Senado Federal

    prev, inclusive, a instaurao do processo de mediao e/ou conciliao durante o curso do

    processo, conforme leitura do artigo 135 do anteprojeto:

    Art. 135. A realizao de conciliao ou mediao dever ser estimulada pormagistrados, advogados, defensores pblicos e membros do MinistrioPblico, inclusive no curso do processo judicial.

    De acordo com o projeto de lei em apreo, permite-se que os tribunais criem setores

    de conciliao e mediao destinados a estimular a autocomposio (artigo 134). Alm disso,

    ressalta a importncia do estmulo realizao de conciliao e mediao por todos os

    magistrados, advogados, defensores pblicos e membros do Ministrio Pblico. Traz, ainda,

    disposies relativas atividade inerente aos conciliadores e mediadores. Nesse sentido,prescreve que os conciliadores tero a atribuio de sugerir solues para o litgio, sendo

    vedada a utilizao de qualquer tipo de constrangimento ou intimidao para que as partes

    conciliem. De outro lado, ao mediador compete auxiliar as pessoas interessadas para que

    compreendam as questes e os interesses envolvidos de forma que possam, por si mesmas,

    identificar as melhores alternativas tendentes a pacificar a relao e solucionar o conflito.

    18 BRASIL. Cdigo de Processo Civil: Anteprojeto. Comisso de Juristas Responsvel pela Elaborao deAnteprojeto de Cdigo de Processo Civil. Braslia: Senado Federal, Presidncia, 2010. (Disponvel em:http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em: 13.11.2012, s 21h23m).

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    O projeto do novo diploma legislativo reconhece a efetividade dos meios alternativos

    de composio e busca a sistematizao dos institutos da mediao e conciliao.

    A realidade revela que as solues tradicionalmente utilizadas, tais como o aumento

    de cartrios dentro dos Fruns, de Cmaras nos Tribunais, secretarias, a redistribuio de

    competncia entre os rgos jurisdicionais, o aumento de previses oramentrias destinadas

    ao Poder Judicirio; as alteraes dos cdigos processuais e a informatizao da justia no

    tm oferecido sociedade os resultados esperados, de modo a possibilitar uma reverso da

    situao vivenciada. A percepo das dificuldades e obstculos se torna mais acentuada com o

    passar dos anos, sendo necessria a criao de novas frmulas que vislumbrem a melhoria da

    justia e promovam a ruptura do sentimento de insegurana instaurado frente s instituies

    pblicas.J. E. Carreira Alvim19escreve que:

    [...] em todo lugar, independentemente da forma de Estado e do sistema deGoverno, as instituies funcionam mal, o povo no confia nelas, e, parafortalec-las, busca-se uma forma de control-las, na certeza de que ocontrole do poder pelo prprio poder (le pouvoir arrte le pouvoir) faliu e jno atende sociedade do limiar do Sculo XXI. (...) Neste contexto,adquire relevncia as alternativas para uma maior eficcia da prestaojurisdicional, como antdoto de uma justia 'lenta cara, complicada,

    burocratizada e inacessvel at para os conflitos tradicionais', alternativasestas que tm sido buscadas, sobretudo, na reestruturao dos processos,atravs da simplificao dos procedimentos.

    Numa mudana de paradigma, o cidado passa a ocupar um novo espao no processo

    de administrao da justia, assumindo funo ativa frente ao acesso justia e diante da

    composio de conflitos, deixando de ser mero espectador para tornar-se agente ativo e

    responsvel na composio de seus problemas com o outro. A mediao favorecer a

    participao do prprio litigante na administrao da justia por meio da manifestao de

    vontade quanto composio do conflito, na identificao da melhor soluo para o conflito e

    no restabelecimento do equilbrio e da paz social.

    A insero da conciliao e da mediao de forma expressa no projeto do novo

    Cdigo de Processo Civil dota o sistema processual de uma maior efetividade quanto ao

    acesso justia, algo que, em outros pases h anos vem sendo implementado. Entretanto, no

    ser suficiente se no houver um trabalho de conscientizao dos operadores do direito, bem

    como da prpria sociedade acerca das facilidades, de eventuais vantagens econmicas, sociais

    19ALVIM, J. E. Carreira.Alternativas para uma maior eficcia da prestao jurisdicional. Revista de Processo,So Paulo, ano 21, n. 84, p. 175, out./dez., 1996.

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    e emocionais de se promover a composio dos conflitos com base na manifestao de

    vontade das partes, extinguindo-se o conflito por meio da conciliao ou da mediao, e no

    pela imposio de uma deciso judicial.

    Seguindo esse raciocnio, o Conselho Nacional de Justia vai encaminhar Cmara

    dos Deputados nota tcnica de apoio aprovao do novo Cdigo de Processo Civil (Projeto

    de Lei 8046/2010), com propostas de ajuste no captulo que trata da conciliao e da

    mediao. O texto aprovado em sesso plenria do Conselho sugere que o novo cdigo

    obrigue os tribunais a criarem ncleos e centros de conciliao, conforme j prev a

    Resoluo 125/2010 do CNJ, alm de tratar a tentativa de acordo amigvel como meio

    prioritrio para solucionar os conflitos judiciais20.

    A tentativa de conciliao e mediao deve ter cunho obrigatrio no desempenho daatividade jurisdicional a ser perseguida em todo o processo, sugere a nota tcnica elaborada

    pela Comisso Permanente de Articulao Federativa e Parlamentar, presidida pelo

    conselheiro Bruno Dantas, e aprovada por unanimidade pelo plenrio.

    CONCLUSO

    Meios esto sendo oportunizados; h muito tempo inmeras reformas do Cdigo deProcesso Civil foram realizadas, de modo a promover a conciliao e o acesso justia. As

    formas alternativas de composio no so mais percebidas apenas como meio alternativo

    extrajudicial de composio, mas, tambm, como um meio dentro do prprio processo,

    enquanto instrumento eficaz de concretizao da justia. neste contexto que se inserem a

    conciliao e a mediao judiciais. No entanto, exige-se um constante esforo quanto

    divulgao e conscientizao da populao, de forma a aumentar sua aceitao e efetiva

    adoo dessas tcnicas por aqueles que se encontram, temporariamente, em uma situao deconflito.

    REFERNCIAS

    ALVIM, J. E. Carreira. .Alternativas para uma maior eficcia da prestao jurisdicional.Revista de Processo, So Paulo, ano 21, n. 84, p.175, out./dez., 1996.

    Artigo/notcia: CNJ aprova nota tcnica de apoio ao novo Cdigo de Processo Civil. Jornal do BrasilBraslia. (Disponvel em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2012/10/02/cnj-aprova-nota-tecnica-de-apoio-ao-novo-codigo-de-processo-civil/ Acesso em: 08.10.2012, s 20h30m.)

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