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CRISTIANE REGINA TAVARES CARDOSO DANIELE LIMA GARCIA MEURER O JOVEM E O CRACK A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NO ADOLESCENTE USUARIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS JOINVILLE 2010

Artigo O Jovem e o Crack

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Page 1: Artigo O Jovem e o Crack

CRISTIANE REGINA TAVARES CARDOSO

DANIELE LIMA GARCIA MEURER

O JOVEM E O CRACK

A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

NO ADOLESCENTE USUARIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

JOINVILLE

2010

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CRISTIANE REGINA TAVARES CARDOSO

DANIELE LIMA GARCIA MEURER

O JOVEM E O CRACK

A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

NO ADOLESCENTE USUARIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Artigo Científico apresentado ao Curso de Terapia Ocupacional, da Faculdade Guilherme Guimbala, como requisito parcial para obtenção do titulo de Terapeuta Ocupacional, sob orientação do Prof. Dr. Alexandre Broch.

.

JOINVILLE

2010

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AGRADECIMENTOS

As minhas irmãs queridas, especialmente a Isabela, por me estimular a escolher

esse curso e a aceitar esse desafio.

Aos meus pais pelo amor incondicional e torcida durante toda essa jornada.

A Marlene Bonelli pelo incentivo, apoio e me fazer acreditar em mim mesma.

Ao Ermesom pelo amor, paciência e consolo nos momentos difíceis.

Minha gratidão a todos os meus amigos com quem tenho contato diário e que tanto

me agregam como pessoa, pelo apoio e compreensão.

A Alexandre Broch por sua sabedoria, pela atenção dedicada e por ter sido muito

mais do que um orientador.

Cristiane Regina Tavares Cardoso

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar á Deus, por ter me ajudado, e ter me dado entendimento

para superar todas as dificuldades encontradas pelo caminho, pois sem Ele eu não

chegaria até aqui!

Sou imensamente grata pela dedicação e apoio em todos os sentidos do Professor e

Terapeuta Ocupacional Alexandre Broch.

E não poderia deixar de dedicar algumas palavras ao meu amado e querido esposo

Roberval Meurer que de forma companheira e amorosa me fortaleceu nos momentos

em que mais precisei durante a conclusão deste artigo.

Á todos os que desejam trabalhar com reabilitação de usuários de psicoativos e

principalmente aos Terapeutas Ocupacionais, que dedico a publicação deste artigo.

Daniele Lima Garcia Meurer

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TÍTULO: O JOVEM E O CRACK – A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL NO ADOLESCENTE USUARIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

AUTORES: CRISTIANE REGINA TAVARES CARDOSO DANIELE LIMA GARCIA MEURER

ORIENTADOR: Professor e Terapeuta Ocupacional Alexandre Broch

RESUMO

Neste artigo busca-se esclarecer a fase da adolescência e suas especificidades de comportamento, justificando assim algumas das motivações do usuário de crack. Considerando ainda a dinâmica familiar, que muitas vezes se encontra desestruturada, e contribui também como facilitadora para o adolescente procurar as substâncias psicoativas. No caso do crack, abordamos a negligencia por parte da família, pois esta, por vezes, apresenta pais ausentes e ausentes também de relacionamentos saudáveis como diálogos e afetividade; necessidades básicas da formação. O adolescente enfrenta uma fase de formação de identidade na natural transição da criança para o adulto, fechando-se com as informações adquiridas até então (da família ou da base substituta) e colocando essas em teste com a sociedade – se experienciando com as informações que possui, mesmo que essas sejam insuficientes e autodestrutivas. A Terapia Ocupacional é a ciência que tem por objetivo reabilitar pessoas que perderam ou precisam adquirir uma função, seja esta motora, mental ou social. Para o tratamento de usuário de psicoativos, o terapeuta utiliza recursos terapêuticos, como, atividades de argila, pintura, música, teatro entre outros, para o processo de reabilitação do indivíduo em conjunto com o seu grupo de origem, que pode ser a família, casa lar, família substituta ou qualquer outro responsável pelo adolescente. Enfatizamos o uso do crack, substância que apresenta um alarmante índice de consumo conforme as últimas pesquisas realizadas. O crack age de uma forma rápida em todos os sentidos, tanto quando se refere ao tempo de chegada no cérebro, quanto ao seu tempo de efeito. Constatou-se especificidades importantes na reabilitação do adolescente usuário de crack; essas que diferem da reabilitação da dependência química convencional reconhecida até então, anterior a essa substância psicoativa.

Palavras-Chaves: Uso e abuso. Drogas. Adolescência. Dependência Química. Drogadicção. Toxicomaníacos. Saúde Mental. Reabilitação. Terapia Ocupacional. Substâncias Psicoativas.

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A todos os terapeutas ocupacionais que lutam e acreditam na A todos os terapeutas ocupacionais que lutam e acreditam na A todos os terapeutas ocupacionais que lutam e acreditam na A todos os terapeutas ocupacionais que lutam e acreditam na reabilitação do indivíduo que faz uso e abuso de substâncias reabilitação do indivíduo que faz uso e abuso de substâncias reabilitação do indivíduo que faz uso e abuso de substâncias reabilitação do indivíduo que faz uso e abuso de substâncias psicoativas.psicoativas.psicoativas.psicoativas.

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O homem que se torna paciente pela perda da capacidade de lutar O homem que se torna paciente pela perda da capacidade de lutar O homem que se torna paciente pela perda da capacidade de lutar O homem que se torna paciente pela perda da capacidade de lutar pelo que acredpelo que acredpelo que acredpelo que acredita, busca outro homem, o terapeuta, para ajudáita, busca outro homem, o terapeuta, para ajudáita, busca outro homem, o terapeuta, para ajudáita, busca outro homem, o terapeuta, para ajudá----lo.lo.lo.lo. O terapeuta, então, lhe proporciona a oportunidade de resgatar a O terapeuta, então, lhe proporciona a oportunidade de resgatar a O terapeuta, então, lhe proporciona a oportunidade de resgatar a O terapeuta, então, lhe proporciona a oportunidade de resgatar a

capacidade de lutar em prol de si mesmo.capacidade de lutar em prol de si mesmo.capacidade de lutar em prol de si mesmo.capacidade de lutar em prol de si mesmo.

Rui Chamone JorgeRui Chamone JorgeRui Chamone JorgeRui Chamone Jorge

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1 INTRODUÇÃO

A fase da adolescência e os fatores que a compõem não são novidades para

as famílias que a presenciam, porém, o que muitos desconhecem, são as diversas

dinâmicas familiares que podem possuir um funcionamento patológico e afetar o

desenvolvimento do adolescente que enfrenta uma fase transitória e de diversas

modificações em seus mais diferentes aspectos. A família é base para todo e

qualquer indivíduo, e se esta base não tiver caráter consolidado, onde as carências

do indivíduo deveriam ser supridas, o mesmo pode procurar outros meios de

compensação.

As substâncias psicoativas tem sido o modo mais buscado para essa

espécie de substituição, pois nela o indivíduo encontra satisfação e alienação,

mesmo que temporária, para seus conflitos não resolvidos. Atualmente o

adolescente que faz uso de psicoativos já não é mais uma exceção, pois verifica-se

constância nos casos de uso e abuso de tais substâncias. O Crack é uma substância

essa que possui um enganoso baixo custo, muito atraente aos jovens, mas que,

quando comparado a outras substâncias, possui um tempo de efeito (psíquico e

orgânico) bem menor. Conjuntamente ao término do efeito, apresenta grande

necessidade fisiológica da nova dosagem.

Os adolescentes, em geral, são muito curiosos de experimentar tudo. É uma fase em que a característica principal é a procura, dentre as muitas opções, do caminho que se vai seguir. [...] Como a adolescência é um período curto em relação à vida do ser humano, a densidade do uso de drogas nessa época torna-se muito maior, ou seja, acabam-se usando muitas drogas em poucos anos. Além disso, na adolescência mais comum o uso de drogas quando o jovem está passando pela onipotência pubertária (oposição às regras existentes) e pela onipotência juvenil (minimização de riscos, maximização de prazeres), pois, achando que pode fazer tudo sem que nada de ruim aconteça, o jovem abusa da droga, pensando que não vai se prejudicar sem se viciar (TIBA, 1995, p. 86).

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O presente trabalho visa abordar justamente estas questões, investigando

formas de intervenção da Terapia Ocupacional no processo de reabilitação destes

adolescentes, resgatando seus valores com o apoio da família, considerando que o

principal problema não está nas substâncias, mas sim na causa, o que motivou este

adolescente a procurá-las. Desta forma, acredita-se que o indivíduo possa se

reestruturar aliado a uma dinâmica familiar saudável. O indivíduo usuário de Crack

faz-se disfuncional perante as exigências sociais. Apresentando sentimentos de

baixo valor ou baixa auto-estima, não dispondo de recursos para desempenhar seu

papel produtivo, que é indispensável para a valorização do indivíduo. Assim justifica-

se a abordagem da Terapia ocupacional em cima das potencialidades em atividades

construtivas.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Substância psicoativa é toda e qualquer substância que altera o

funcionamento normal do Sistema Nervoso Central. Seu uso se sobressai entre os

jovens adolescentes, independentemente da classe social que o mesmo se

encontra. Com relação a isso, notou-se que a porta de entrada para o mundo das

substâncias psicoativas não costuma ser a maconha, pois apesar do que se

imaginava até então, as pessoas normalmente iniciam pelo álcool ou através do

fumo. É importante observar que nem todo adolescente que ingere álcool ou fuma

vai fazer uso de psicoativos no futuro ou ficar dependente, mas é uma porta de

entrada como já referido.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é qualquer substância química ou a mistura delas capaz de modificar uma ou mais funções do organismo vivo, resultando em mudanças de ânimo, de entendimento ou de comportamento (OMS, 2000, p. 313).

Outra forma de defini-la é considerar que pode conduzir o indivíduo a uma

espécie de auto-administração, provocando danos à saúde e às suas relações

sociais. Os psicoativos atuam no cérebro afetando as atividades mentais, sendo por

essa razão denominadas psicoativas.

2.1.1 Tipos de substâncias psicoativas

As substâncias psicoativas podem ser naturais ou sintéticas. As naturais são

obtidas através de fungos, plantas, de animais ou de alguns minerais, já as sintéticas

são fabricadas em laboratório, necessitando de técnicas especificas. As substâncias

psicoativas se dividem em 3 tipos clássicos:

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2.1.1.1 Substâncias que diminuem a atividade mental

Também denominadas como depressoras, afetam o funcionamento cerebral,

fazendo com que o mesmo funcione mais lentamente. Essas substâncias diminuem

a atenção, a concentração, a tensão emocional e a capacidade intelectual. São

aquelas em que o usuário sente-se mais calmo, mais a vontade, devido ao

relaxamento prazeroso, reduzem a insônia, a ansiedade e a depressão. O uso

prolongado causa efeitos físicos e/ou psíquicos: como dificuldades na fala, no

pensamento, na memória, aumentam a irritabilidade e causa alterações no humor.

As doses altas levam a convulsões, depressão respiratória e cerebral, levando a

morte. Ex.: Ansiolíticos (tranqüilizantes), Neuropléticos, Barbitúricos, Meperidina,

Narcóticos (Morfina, Ópio, Heroína e a Codeína) (KOSOVSKI, 1998).

2.1.1.2 Substâncias que aumentam a atividade mental

Conhecidas como estimulantes, afetam a atividade cerebral, fazendo com

que funcione de forma mais acelerada. O usuário fica mais alerta, tendo a impressão

de poder, força e dinamismo, acreditando que devido ao estímulo consegue maior

produtividade no trabalho e sente-se mais corajoso. Este tipo de substância provoca

alterações no funcionamento do organismo como taquicardia, problemas

respiratórios, pressão arterial, temperatura corporal, insônia e falta de apetite. Ex.:

Antidepressivos, Anfetamina, Cocaína, Crack (KOSOVSKI, 1998).

2.1.1.3 Substâncias que alteram a percepção

São chamadas de substâncias alucinógenas, provocam distúrbios no

funcionamento do cérebro, fazendo com que ele passe a trabalhar de forma

desordenada, numa espécie de delírio. Leva o usuário a alucinações, com distorções

de cores e formas. Ex.: LSD, Mescalina, Maconha, Psilocibina e a Fenilciclidina

(KOSOVSKI, 1998).

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2.2 DEPENDÊNCIA QUÍMICA OU USO E ABUSO DE SUBSTÂNCIAS

PSICOATIVAS NA ADOLESCÊNCIA?

A dependência química é uma síndrome médica já definida à nível

internacional. O diagnóstico é realizado mediante uma variedade de sintomas que

indicam que o indivíduo apresenta comprometimento e graves prejuízos devido ao

consumo de substâncias psicoativas. A definição como síndrome implica em

diversos sintomas que não necessitam estar todos presentes ao mesmo tempo para

o diagnostico ser realizado, resultando em uma variedade de quadros clínicos que se

apresentam aos diferentes serviços de atendimento, garantindo as diferenças

individuais entre os pacientes dependentes.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu dependência química como:

Estado psíquico e às vezes igualmente físico, resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância que se caracteriza por mudanças de comportamento e outras reações, compreendendo sempre um impulso para tornar a substância de modo contínuo ou periódico, com o objetivo de reencontrar seus efeitos psíquicos e às vezes evitar o sofrimento de sua falta. Este estado pode ou não ser acompanhado de tolerância. Um mesmo indivíduo pode ser dependente de várias substâncias simultaneamente (Organização Mundial de Saúde - OMS,1969).

A partir das definições destacadas acima, notamos que a dependência

química é um fenômeno que ocorre em indivíduos que apresentam prejuízos de

ordem física, psíquica e social, diferenciando-se assim, daqueles que fazem uso

esporádico ou mesmo abuso de substâncias.

Silveira (1995, p.2) observa essa diferenciação quando diz:

Tanto para o usuário recreativo quanto para o dependente a droga é fonte de prazer, porém para o dependente ela passou a desempenhar papel central em sua organização, ocupando lacunas importantes e tornando-se indispensável ao funcionamento psíquico do sujeito.

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Tanto o uso abusivo quanto o crônico podem levar a prejuízos importantes

para o indivíduo, como afirma Ballone (2006, p.3):

Além do uso agudo de drogas modificar o funcionamento cerebral de forma crítica, momentânea e aguda, o consumo prolongado pode causar alterações bastante abrangentes na função cerebral, alterações estas que persistem por muito tempo depois da pessoa parar com o uso da substância.

Além dos danos orgânicos e psíquicos, a dependência pode abranger a vida

social do indivíduo prejudicando-o no desempenho escolar, no desempenho do

trabalho, nas áreas sociais e muitas vezes com a lei.

Entretanto na fase da adolescência não acontece a dependência

propriamente dita, mas sim uso e abuso de psicoativos, ou seja, o adolescente inicia

usando ocasionalmente por curiosidade, em festas com grupos de amigos que até o

momento são seu referencial, e caso ele viva conflitos familiares ou tenha dificuldade

para encarar seus problemas e resolvê-los, usa a substância como fuga, pois sob

efeito do psicoativo ele adia a solução do problema ou possui a falsa noção da sua

resolutividade.

Justino et al. (2007, p.3) destaca:

[...] o diagnóstico de dependência ou abuso de substâncias na adolescência implica que estes apresentem prejuízos e disfunções causados pelo uso. Entretanto, há poucos estudos sobre a aplicabilidade dos critérios existentes para o diagnóstico de abuso e dependência para adolescentes.

Scivoletto (2001) argumenta que a maioria dos estudos que procuram validar

os critérios diagnósticos atuais é realizada com pacientes adultos.

No entanto, o que aparenta ser um escape conduz à autodestruição do

próprio indivíduo, que com o uso contínuo não consegue mais suportar o mundo real,

buscando continuamente nas substâncias um alívio temporário, desencadeando

assim um círculo vicioso. Mas, independente da freqüência com que a mesma é

utilizada, gera riscos e conseqüências ao usuário conforme afirmações e citações

destacadas acima.

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Conforme Moraes apud Kosovski (1998, p.29):

[...] ao drogar-se, o indivíduo buscaria realizar uma fantasia de autovalorização patológica, segundo o qual o mundo real seria incapaz de satisfazê-lo em seus desejos e ambições, pelo que o drogado vai para um estrato próprio, onde ele é um autêntico ditador e onde suas fantasias são os personagens principais do teatro do faz-de-conta propiciado pela alienação conseqüente à intoxicação voluntária.

2.3 CRACK

O crack é uma substância derivada da cocaína misturada com bicarbonato

de sódio, amônia e água destilada que resulta nas pedras que são fumadas em

cachimbo ou lata; nesta última se amassa a mesma, se coloca cinzas de cigarro

junto com a pedra, fazendo orifícios na lata. Acende-se e a pedra vai se consumindo

e o usuário “traga” a fumaça pelo bocal. É cerca de 6 a 10 vezes mais forte que a

cocaína. Porém, pelo fato de ser fumado, é absorvido pela mucosa dos pulmões, que

é um órgão intensamente vascularizado e com grande superfície, levando a uma

absorção instantânea. Assim, a substância entra na circulação cerebral, alterando a

atividade do cérebro. Em 10 a 15 segundos, os primeiros sintomas são sentidos,

enquanto que inalando o pó de cocaína estes mesmos sintomas só aparecem depois

de 10 a 15 minutos. É uma substância acelerada em todos os aspectos (KOSOVSKI,

1998).

O custo do Crack é mais baixo comparado a Cocaína, o que é considerado

um suposto atrativo. Uma dose custa cerca de 5 reais, porém como a duração dos

efeitos é muito rápida, cerca de 10 minutos, o usuário logo volta a consumir, o que

confirma que o seu baixo custo é um ledo engano. Ocorre o desencadear de um

consumo desenfreado. Por causa dos efeitos rápidos e intensos do Crack, o usuário

costuma manifestar uma “fissura” avassaladora (vontade incontrolável de sentir os

efeitos prazerosos que a substância provoca).

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O perfil do usuário de crack passa essencialmente pela solidão, já que boa

parte dos usuários gosta de consumir a substância sozinhos, em hotéis ou motéis, a

não ser que não tenham recursos para o mesmo, consumindo em grupo. A quase

ausência do cheiro do crack (levemente cheiro de borracha queimada) facilita seu

uso em qualquer local, este sendo um dos fatores que contribuiu para disseminar

seu uso alarmante. Pesquisas apontam que o consumo do crack iniciou por

indigentes nos Estados Unidos, inicialmente conhecido como cocaína dos mendigos,

e após se disseminou por todas as classes sociais. O fato é que o uso abusivo de tal

substância leva o indivíduo à total mendicância, mantendo seu rótulo de origem.

Os efeitos psíquicos produzem sensação de poder, excitação e euforia. São

altamente estimulantes, causam taquilalia, idéias paranóicas, ansiedade, delírio

persecutórios intensos, alucinações e agressividade. E os efeitos físicos causam

insônia, inapetência, dilatação das pupilas, febre, sudorese, aumento da pressão

arterial e taquicardia. Em alguns casos evoluem para complicações cardíacas e

circulatórias, convulsões e coma. O uso prolongado pode levar à destruição de

tecido cerebral.

Como sintomas psiquiátricos observa-se que o uso repetido tende a

aumentar os seus efeitos excitatórios e euforizantes, o indivíduo pode apresentar

sintomas psicóticos, tais como: desorientação, comportamento estereotipado,

preocupação indevida com minúcias e idéias paranóicas, bem como alucinações

táteis, podendo-se referir à tentativa de “arrancar bichinhos da pele”. As alucinações

geralmente cessam com a interrupção do uso da substância, podendo persistir as

idéias delirantes e psicóticas (KOSOVSKI, 1998).

2.4 ADOLESCÊNCIA

A adolescência é por natureza uma fase transitória entre a infância e a vida

adulta, onde todos os aspectos devem ser levados em conta: biológicos,

psicológicos, sociais, culturais e ambientais.

Acontecem modificações corporais como, por exemplo: alterações na

estrutura dos ossos, nos órgãos digestivos, no sistema glandular e no circulatório.

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Mesmo em períodos não-emotivos, o corpo atravessa um estado de

desequilíbrio. Encontra-se, portanto, em condições de vulnerabilidade e totalmente

desorganizado por estímulos emocionais relativamente sutis. Para muitos

adolescentes a vida consiste em passar de um episódio emocional para outro, é um

período em que o jovem está muito sensível e frágil ao meio externo.

Os adolescentes buscam impor um tempo próprio, onde tudo deve acontecer

“já” e “agora mesmo”. Observa-se uma baixa tolerância à frustração e um deficiente

controle de impulsos.

A adolescência representa uma fase típica de dicotomia (lados opostos) e

dualismo (opiniões opostas), onde ele se sente adulto, e busca sua liberdade e auto-

afirmação. Nesta busca, sente-se frustrado com uma série de limitações pessoais e

princípios sociais. É uma fase de ajuste e desajuste, um período de transição e

mudanças que requer grande esforço de adaptação.

A vaidade pessoal e o desejo de ser auto-suficiente ficam evidentes na adolescência: conhecida como a onipotência juvenil, devido a isso, o adolescente prefere não pedir ajuda, pois isso pode denegrir a sua auto-imagem. Com uso de substâncias psicoativas esse quadro piora, pois o usuário não admite que a mesma lhe faça mal, julga que nunca será um viciado, pode parar quando quiser. No início ele pode sentir uma sensação de alívio em relação ao problema que está vivendo, porém isso não significa que o problema deixou de existir, o indivíduo simplesmente adiou a solução do mesmo, mas agora ele se encontra com um problema a mais: os psicoativos. Entretanto, existem alguns adolescentes que se consomem ostensivamente, chamando bastante a atenção dos outros sobre si, pode ser uma forma, embora inadequada, de pedirem ajuda (TIBA, 1995, p.113).

2.4.1 Comportamento

As emoções motivam todo comportamento do adolescente e nenhum outro

aspecto do seu desenvolvimento tem maior importância do que sua vida emocional,

considerando que quase todas as suas dificuldades envolvem esse aspecto.

Na realidade, deve-se procurar compreender, não somente as emoções que expressa, mas estar alerta para as emoções que tenta esconder. Os sentimentos a respeito de si mesmo e dos outros, bem como o julgamento que a seu ver os outros fazem dele, dominam toda a vida do adolescente (CAMPOS, 1987. p.52).

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Existem varias situações que demonstram intensa emoção entre os

adolescentes, pois os mesmos são pressionados a encarar e solucionar problemas

nunca vivenciados até então. O adolescente é desafiado com problemas, tais como:

Preparação profissional e independência econômica; formação de atitudes maduras

para com o sexo; estabelecimento de interesses heterossexuais; busca de

significado e finalidade da vida; descoberta de seu eu e de seu lugar no mundo;

independência do lar e estabelecimento de novas relações fora do grupo familiar;

entre outros. Evidenciando assim como a emoção está envolvida na vivência de

todos esses problemas do adolescente (CAMPOS, 1987).

A satisfação de seus desejos e a concretização de suas esperanças

conduzem emoções agradáveis, mas os conflitos e frustrações desencadeiam sérias

perturbações emocionais. Qualquer pessoa que vive ou se relaciona com um

adolescente pode observar que suas experiências emocionais constituem um

acompanhamento extremamente importante de seu processo de desenvolvimento.

Até mesmo os adolescentes bem ajustados têm suas tribulações, experiências

altamente satisfatórias e excitantes, pois estas fazem parte da fase da adolescência.

As atitudes emocionais se misturam em pólos opostos entre o otimismo, a

cooperação entusiástica, o retraimento e a depressão pessimista (OSÓRIO, 1989).

Quando um adolescente está treinado a fazer o que é socialmente aceitável,

estará pronto para assumir o controle de seu comportamento. Contudo, as decisões

tomadas por ele próprio tendem a estar condicionadas por suas emoções. Quando

as emoções de um adolescente exercem uma influência muito acentuada sobre suas

atitudes e comportamentos, suas reações emocionais não-controladas podem

interferir seriamente na capacidade para usar sua liberdade de decidir e de portar-se

de acordo com o que lhe é permitido. Assim, o controle habitual das emoções é

essencial para a satisfação, ajustamento e sucesso do adolescente (PALÁCIOS et

al. 1995).

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2.4.1.1 Características comportamentais

a) Busca de si e da identidade adulta, onde está abandonando sua auto-imagem

infantil e construindo uma nova.

b) Tendência grupal: processo de afastamento dos pais, substituindo-os pelo

grupo;

c) Necessidade de intelectualizar e fantasiar;

d) Crises religiosas, extremismo do total ateísmo para o total fanatismo;

e) Deslocação temporal onde as urgências são enormes e às vezes irracionais.

f) Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade, variação entre

masturbação e o começo do exercício genital aceitando sua genitalidade;

g) Atitude social combativa e reivindicatória: o adolescente sente a necessidade

de contestar para se auto-afirmar perante a sociedade;

h) Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta: vive os

extremos tentando encontrar o equilíbrio;

i) Separação progressiva dos pais onde o afastamento se faz necessário e

proporciona a formação da sua própria personalidade;

j) Permanentes oscilações de humor.

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2.4.2 Principais teorias referentes a fatores predisponentes da dependência

química na adolescência

Percebeu-se, durante o desenvolvimento deste artigo, que o maior problema

não é a substância em si, mas o que leva estes adolescentes a procurá-las.

Para uma pessoa fazer uso ou abuso de psicoativos é necessário ter

ultrapassado o limite de sua autopreservação, isto é, submeter-se a todos os riscos

desse envolvimento, complicações e conseqüências.

Todos têm conhecimento de que a drogadição apresenta causas múltiplas e que se relaciona com quase todas as áreas do conhecimento e práticas do homem contemporâneo; entretanto, os drogaditos têm uma conduta estereotipada, facilmente percebida no olhar, no andar, no pensar, no desejar somente a droga, no agir somente pela e para a droga (JORGE, 1991. p.41).

Existem vários motivos que impulsionam e determinam que o indivíduo faça

o uso de psicoativos e dentre eles encontramos os fatores biológicos, psicológicos e

sociais que se correlacionam entre si. Pais que fizeram uso ou abuso de substâncias

psicoativas aumentam a probabilidade de o filho também fazer uso, pois seu uso

afeta geneticamente tanto o usuário como o feto, podendo causar severas

complicações no desenvolvimento da criança.

A desestruturação familiar tão comum em nossos dias, ou mesmo diante de

maus exemplos dos pais que, mesmo exigindo determinado comportamento de seus

filhos, não são bons paradigmas. Muitos adolescentes usuários também relatam que

buscam os psicoativos como forma de auto-afirmação.

Como está em plena auto-afirmação, principalmente pelo enfrentamento e pela oposição este onipotente têm muitos pontos vulneráveis para a iniciação com drogas. Dependendo de como for atingido, provocado ou adorado, ele pode não experimentar drogas (TIBA, 1995, p.16).

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Justamente por ser uma fase de evoluções é natural essa necessidade de

opor-se às normas procurando auto-afirmação, porém, quando o mesmo é mal

compreendido pelos adultos e reprimido violentamente, esta tendência pode agravar-

se estereotipando os comportamentos anti-sociais, facilitando de tal modo que pode

propiciar o uso de psicoativos.

Referente a este assunto, Silva (1972, p.11) declara:

A juventude até mesmo por imperativo biopsicológico é eminente contestadora. Rejeita os valores vigentes, chegando a paroxismos extremistas. Adere, não raro, a teorias libertárias, ideológicas exóticas, correntes pseudofilosóficas, modismos dos bem-pensantes.

Como a adolescência também é uma fase de novas descobertas e de

caráter exploratório, aumentam-se as propensões para a procura de psicoativos.

A tendência grupal é uma das principais características da adolescência,

ponto crucial para a crescente disseminação de psicoativos, pois o indivíduo, para

não ser excluído do grupo, ou para provar que não é mais criança, experimenta as

substâncias psicoativas como ato de superioridade.

O uso ou abuso de tais substâncias pode ser ilustrado como o uso de

“muletas”, uma espécie de fonte ilusória em busca de alívio para as frustrações,

distúrbios emocionais, pobreza e carências múltiplas. Da mesma forma,

adolescentes que apresentam inibições nas relações interpessoais, principalmente

em relação ao sexo oposto, podem procurar os psicoativos em festas ou bailes para

atenuar a timidez.

Crianças carentes e vítimas de maus tratos compõem o grupo de maior

risco, considerando ainda as características de cada uma, o momento e o meio. A

criança e o adolescente refletem drasticamente a problemática dos pais, e devido a

isto, é muito comum encontramos o pai alcoólatra, a mãe que usa calmantes e o filho

que fuma maconha. Nota-se aí a mesma tentativa de “fuga da realidade”.

Page 21: Artigo O Jovem e o Crack

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2.5 DINÂMICAS FAMILIARES E ADOLESCENTES DA DEMANDA DE

DROGADICÇÃO

A família é o núcleo responsável pela formação da consciência cidadã do

adolescente e também é o apoio irrestrito no processo de adaptação das crianças

para a vida em sociedade. A mesma também é responsável por uma boa educação

que, conseqüentemente, gera uma base sólida e segura no contato com as

adversidades apresentadas pela vida.

Para Tiba (1995, p.68):

Dizer palavras afetuosas, dar boa comida, boa roupa, fazer carinho não basta. Educar é também ensinar o que são responsabilidade, honestidade, justiça, gratidão, autopreservação, solidariedade. Não basta apenas amar; é preciso transmitir uma filosofia de vida saudável.

E ainda complementa:

Muitos pais amam seus filhos, mas não os educam. Temem cobrar deles responsabilidade, pensando em não sobrecarrega-los. Mas, ao contrário do que se pensa, são justamente esses filhos superprotegidos, sem limites reais, os afetivamente mais carentes. Tendo de tudo, sentem-se frustrados como se lhes faltasse algo que não pode ser materialmente preenchido. E querendo preencher esse vazio interno, suprir essa angústia, podem chegar à droga e facilmente ficar viciados, pois, além do prazer, a droga “desliga-os” da angústia interior, da carência afetiva (TIBA, 1995. p.68).

Em muitos casos, onde se encontram famílias desestruturadas ou

repressoras, costuma-se achar que a única solução para acabar com o “vício” do

filho é prender o traficante. Não vêem que antes de procurar os culpados ou

inocentes, deveriam questionar a estrutura familiar.

Referindo um exemplo, a família pode se colocar na posição de vítima,

acusar as más companhias, sendo o filho a ovelha negra, o centro do problema.

Psicólogos mostram que é justamente esse filho que sustenta a estrutura familiar de

uma forma deficitária e sofredora, e, se ele mudar de atitude e criar

responsabilidade, vai revelar para a família a desestrutura que essa possui.

Page 22: Artigo O Jovem e o Crack

21

Às vezes, inconscientemente, chegam a desejar que o filho continue como

está para, assim, justificar seus fracassos. Nestes termos é fundamental estender o

tratamento à família.

Outra questão que gera problemas na dinâmica familiar é o fato de que a

mulher saiu para ingressar no mercado de trabalho, dividindo com o homem o papel

de provedora e educadora dos filhos, e aponta a transformação da relação familiar

para uma forma igualitária. Contudo, esta nova forma de relação criou competição de

autoridade, dificultando o estabelecimento de limites e confundiu a definição de

papéis.

Algo comum em muitos casos, sem que a família note, é que o adolescente

pode conseguir atrair a atenção dos demais familiares. O indivíduo pode aprender a

manipular e apreender todos numa espécie de “rede de auto-proteção”. Assim, ele

poderá conseguir que os pais patrocinem (com atitudes e dinheiro) sua posição, e

dos irmãos tentará ganhar o “direito” de proteção e sigilo de muitas situações, que se

chegassem aos ouvidos dos pais, ficaria em “situação de risco”. Neste caso, o

indivíduo pode tornar os familiares compadecidos com “aquele ser escravizado por

alguma substância psicoativa”.

Neste exemplo também, os outros filhos podem se sentir abandonados, visto

que já perceberam a manipulação do dependente químico. Pressionarão os pais

para que enxerguem o que está acontecendo. Os pais podem ficar ainda mais

perdidos, porque agora já não sabem mais para onde olhar, o que provavelmente

desencadeará uma ativação dos sistemas de defesas e potencializarão as

acusações mútuas.

A negligência familiar é o aspecto mais importante na formação de

adolescentes usuários de Crack. Geralmente ocorrem em famílias onde os pais não

desempenham vínculos afetivos com seus filhos, desprovendo-os de auto-estima,

causando assim, um forte processo autodestrutivo. Vivem num ambiente de

violência, vulnerabilidade social e de falência das relações familiares. Essas

questões, aliadas a negligência, favorecem a permanência de crianças e jovens nas

ruas, possibilitando comportamentos de risco como o consumo de Crack. Esses

adolescentes têm dificuldade de aceitação de regras de convivência, usam também

o Crack como forma de expressão de agressividade e revolta.

Page 23: Artigo O Jovem e o Crack

22

Algo muito importante de se destacar, é que estes casos referidos acima de

dinâmica familiar patológica são comuns, porém não se pode generalizar. Estes

foram apenas alguns exemplos de situações que acontecem muitas vezes na

sociedade.

2.6 DEFINIÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Terapia Ocupacional é uma ciência dotada de recursos para tratar e reabilitar

indivíduos que tiveram suas funções prejudicadas, estas que podem ser congênitas

ou adquiridas, permanente ou temporária. O terapeuta ocupacional visa promover a

independência do indivíduo, adequando o meio às suas necessidades.

Segundo Finger (1986, p.1)

Terapia Ocupacional é a arte e a ciência de orientar a participação de indivíduos em atividades selecionadas para restaurar, fortalecer e desenvolver a capacidade, facilitar a aprendizagem daquelas habilidades e funções essenciais para a adaptação e produtividade, e promover e manter a saúde.

Resgatar a autonomia do indivíduo é um dos principais objetivos da Terapia

Ocupacional, preparando o indivíduo para desempenhar seu papel ocupacional.

Como refere Rui Chamone Jorge (1984, p.13) “O terapeuta ocupacional procura

prover o indivíduo de condições laborativas que o levem a mudanças de

comportamento e sentimentos”.

As atividades com fins terapêuticos e ocupacionais proporcionam ao

indivíduo uma possibilidade para o fazer, resgatando sua capacidade ou tornando-o

capaz. Afinal, o homem é dotado do fazer, do ocupar, sendo estes os componentes

que apresentam sua existência.

Barja e Ribeiro (2008, p.1) referem que “[...] a terapia ocupacional (TO)

desempenha um papel fundamental, pois utiliza diversas atividades como

instrumento de trabalho”.

Page 24: Artigo O Jovem e o Crack

23

A Terapia Ocupacional se utiliza da atividade humana como recurso

terapêutico, promovendo em sua totalidade o resgate da funcionalidade.

Restaurando as habilidades essenciais do indivíduo.

A Terapia Ocupacional tem por objetivo a busca da autonomia, da

independência e da qualidade de vida, tendo como instrumento de ação as

atividades da vida cotidiana, que somente podem ser ditas terapêuticas quando são

realizadas “[...] em um contexto em que exista um terapeuta ocupacional e alguém

que a busque para fazer terapia ocupacional [...]” (TEDESCO, 1996, p. 94).

A Terapia Ocupacional é uma área vasta de conhecimento e capacidade

para auxiliar o indivíduo a exercer suas funções humanas, sejam elas relacionadas a

ações motoras, cognitivas ou na esfera biopsicossocial.

2.6.1 Papel da Terapia Ocupacional no tratamento do uso e abuso de

substâncias psicoativas

O papel da Terapia Ocupacional se baseia em resgatar valores e funções do

indivíduo, cujos foram prejudicados pelo uso e abuso de psicoativos, almejando

tornar o indivíduo o mais independente possível.

Para Finger (1986, p.8), “o objetivo da Terapia Ocupacional é o de

proporcionar uma situação terapêutica na qual os pacientes tenham a oportunidade

de expressão e sublimação das necessidades emocionais”.

Sendo assim, o terapeuta busca refinar ou aderir às habilidades práticas do

controle da vida, e isto inclui o contexto social, controle financeiro, trabalho,

resolução de problemas, dentre outros aspectos que fazem parte da vida do

indivíduo.

O Terapeuta Ocupacional tem o papel de intervir para ajudar o indivíduo a equilibrar fatores emocionais e recuperar competência. O Terapeuta pode adaptar as demandas do desempenho de tarefas, tornar o ambiente mais agradável, ensinar, capacitar e realizar um novo repertório de habilidades ou ajudar o indivíduo a readquirir habilidades perdidas; onde o mesmo deverá participar ativamente (HARGERDORN, 1999 p.18).

Page 25: Artigo O Jovem e o Crack

24

O terapeuta desenvolve um modelo de tratamento de acordo com as

necessidades que cada indivíduo apresenta. Busca os motivos que levaram este

indivíduo a procurar tal substância, pois é através da investigação da causa que

pode-se iniciar um tratamento eficaz.

O tratamento da Terapia Ocupacional para os dependentes químicos enfoca os problemas relacionados com suas capacidades de comunicação, destreza recreativas, saídas emocionais e o conhecimento do que os motiva a ação. As metas especificas para cada dependente químico são traçadas de acordo com as necessidades especificas de cada um (SPACKMAN, 1998, p.581).

Nota-se então o amplo papel desempenhado pelo Terapeuta Ocupacional no

contexto do tratamento. O terapeuta possui tal capacidade que, por meio das

atividades, proporciona novas possibilidades e finalidades no processo de

intervenção, garantindo assim uma variedade de ação, expressão e um novo olhar

para sua existência.

A Terapia Ocupacional visa, por meio de atividades, trabalhar a motivação e

afetividade do indivíduo, proporcionado, assim, uma forma de recuperar sua

identidade.

“Com a realização das atividades abre-se um campo de aquisições,

habilidades e prevenção, que pode operar como fator de fortalecimento nos

processos de potencialização da inclusão sócio – cultural” (CASTRO et al. 2001, p.

55).

Desta forma a Terapia Ocupacional busca estimular o indivíduo, por meio de

experiências laborativas, que conduzam às mudanças de comportamento e

sentimentos. A intervenção serve para auxiliar o indivíduo a equilibrar fatores

emocionais e resgatar suas habilidades para o mundo real.

Page 26: Artigo O Jovem e o Crack

25

2.6.2 Papel da Terapia Ocupacional com a família

A família exerce relevante importância no tratamento, é primordial sua

participação. Tendo conhecimento disto, o terapeuta ocupacional propõe a inclusão

da família no decorrer do tratamento.

Destacamos aqui, que esta pode ser família substituta, casa lar ou qualquer

outro órgão ou pessoa responsável pelo adolescente.

O usuário de drogas é vítima de si próprio. Antes de mais nada, ele próprio sofre as conseqüências da sua ação e pode-se dizer que o ambiente familiar é também vitimizado e identificam-se assim, inicialmente, as vítimas do uso abusivo de substâncias que provocam dependência física ou psíquica (KOSOVSKI, 1998, p.17).

Para iniciar o tratamento propriamente dito, se faz necessário uma

investigação da causa do problema, e na maioria dos casos de adolescentes

usuários de substâncias psicoativas, a motivação se encontra na família. O que

justifica a importância da participação da mesma.

Após a investigação, o terapeuta considera todos os aspectos que

necessitam ser tratados, e desenvolve um plano de tratamento com metas a serem

conquistadas.

O tratamento da Terapia Ocupacional para os dependentes químicos enfoca os problemas relacionados com suas capacidades de comunicação, destreza recreativas, saídas emocionais e o conhecimento do que os motiva a ação. As metas especificas para cada dependente químico são traçadas de acordo com as necessidades especificas de cada um (SPACKMAN, 2002 p.581).

Page 27: Artigo O Jovem e o Crack

26

O terapeuta ocupacional, por ter uma visão ampla da dimensão do problema,

engloba a família para receber tratamento, de tal forma que busque a reestruturação

da dinâmica familiar, ou orientação para que a mesma tenha consciência e colabore

ativa e positivamente, para alcançar um tratamento eficaz.

[...] a família é encarada como um conjunto de pessoas entre as quais existem de um modo repetitivo interações circulares, ou seja, o comportamento de um dos seus membros afecta todos os outros elementos e estes funcionam em reciprocidade. Assim, a terapia está orientada para uma mudança na estrutura familiar pois, quando a estrutura familiar é transformada, as posições dos membros nesse grupo ficam alteradas e, por consequência, as experiências de cada indivíduo mudam (PARDAL, 2000, p.24).

Para tanto, o terapeuta ocupacional pode fazer uso de alguns princípios.

Segundo Gomes (1992) para orientar de modo consciente esta família:

• O usuário não tem noção da gravidade de seu estado e acha sempre que as

coisas são mais fáceis do que imaginam;

• O usuário sente necessidade de se testar, expor-se a situações de risco para

ver se seu esforço está valendo a pena;

• Terá dificuldades para organizar novas rotinas e vivenciar a abstinência;

• É essencial a família retomar ou adotar um diálogo franco e aberto (relação

entre a verdade e a mentira);

• A família é o único segmento social capaz de transformar uma situação

insuportável (uso de psicoativos), em uma situação de acomodação

sustentável (equilíbrio).

Page 28: Artigo O Jovem e o Crack

27

2.7 ABORDAGENS DA TERAPIA OCUPACIONAL

O terapeuta ocupacional, assim como qualquer outro profissional, utiliza

abordagens teóricas para fundamentar o aspecto da prática no decorrer da sua

atuação terapêutica. É a partir destas que se elaboram atividades para intervenção,

de caráter reabilitativo durante o tratamento do indivíduo. De tal forma se procede a

escolha da abordagem para cada tipo de tratamento. Para o tratamento do usuário

que faz uso e abuso de substâncias psicoativas, usa-se principalmente 3

abordagens que se adaptam as necessidades que o indivíduo requer.

2.7.1 A Terapia Ocupacional Psicodinâmica

É uma abordagem que compreende o psiquismo em seus processos

dinâmicos, fundamentada nos princípios da psicanálise, a qual visa elaborar e

resolver conflitos intrapsíquicos, objetivando reestruturar, reorganizar e desenvolver

a personalidade.

Esta abordagem enfoca primordialmente o indivíduo, em seus conteúdos

internos, auxiliando-o a compreender os significados dos sintomas manifestos,

encontrando assim alternativas mais adequadas para enfrentar o sofrimento

psíquico.

Para tanto, se utiliza de um leque de atividades e, cada uma delas, com um

objetivo especifico, cujas serão detalhadas mais a diante, entretanto, para

exemplificar temos as atividades construtivas, plásticas e as dinamizadoras de afeto

e embotamento afetivo.

2.7.2 Abordagem Cognitivo Comportamental

É uma abordagem que considera de que forma o paciente vê a si mesmo e

às pessoas que fazem parte do seu convívio social, auxiliando o indivíduo a

encontrar novas formas de enfrentar as dificuldades que se apresentam a ele.

Page 29: Artigo O Jovem e o Crack

28

Sejam elas no que se refere a sentimentos, a sociedade, ou a necessidade

de utilizar substâncias para se sentir melhor. É uma forma de mostrar ao indivíduo

que é possível atuar de modo diferenciado.

2.7.3 Abordagem Sistêmica Familiar

É uma abordagem que integra no tratamento, o grupo de origem do

indivíduo, este podendo ser a família, casa lar ou família substituta.

Estuda, assim, tanto o indivíduo, quanto seu papel diante deste grupo de

origem, o qual pode ter sido fator predominante para a procura de substâncias

psicoativas. A família apresenta, em muitos casos, um comportamento patológico.

Desejam, inconscientemente, que o filho seja o único “culpado”, ocultando assim a

verdadeira desordem familiar. É uma forma de estabilidade para esta família. O que

evidencia a inclusão desta no tratamento do indivíduo, pois se conscientizada, pode

contribuir grandiosamente para a reabilitação do indivíduo. Estas desordens se dão

por problemas de relacionamentos entre pais, violência, alcoolismo, uso e abuso de

psicoativos, entre outros.

Carbone (2007, p.23) refere que “O aspecto fundamental é a de que o ser

“doente” ou a pessoa que apresenta problemas é apenas um representante

circunstancial de alguma disfunção no sistema familiar”.

É um modelo diferenciado porque enfatiza o transtorno individual como

expressão de comportamentos inadequados de interações familiares, enquanto que

os outros modelos tradicionais de práticas psicoterapêuticas consideram o

tratamento do transtorno mental apenas na intervenção de conteúdos internalizados

causadores de conflitos, focalizando unicamente o indivíduo no processo

terapêutico, mesmo que seus transtornos sejam decorrentes do seu meio.

Page 30: Artigo O Jovem e o Crack

29

2.8 INTERVENÇÕES DA TERAPIA OCUPACIONAL COM O USUÁRIO DE CRACK

As atividades são os recursos terapêuticos utilizados pela Terapia

Ocupacional no ato de reabilitar, pois através do fazer é resgatada a autonomia do

indivíduo.

Mata (2004 p. 31) refere que “as mãos que geram consciência à medida em

que através delas você consegue plasmar, no mundo externo, aquilo que lhe é

interior”.

Para tanto, o terapeuta ocupacional usa atividades especificas para

proporcionar ao indivíduo uma forma de expor seus conflitos internos, que estão

reprimidos, e que muitas vezes o mesmo não consegue verbalizar.

2.8.1 Atividades Construtivas

São utilizadas como forma de atenuar sentimentos de incapacidade e

desvalorização, favorecendo a elevação da auto-estima. Geralmente indivíduos que

foram totalmente negligenciados por seu grupo de origem e consequentemente pela

sociedade, apresentam tais características.

As atividades construtivas visam o desenvolvimento de habilidades

propositando ao indivíduo a resolução de problemas de desempenho, o qual faz do

produto uma meta a ser alcançada e, o meio de como fazer torna-se simplesmente

um caminho para atingir a meta.

“As atividades construtivas têm o propósito de desenvolver habilidades,

tarefas básicas, funções preliminares, hábitos da interação com objetos não

humanos adequados e atividades selecionadas para desenvolver estas habilidades”

(SCHWARTZ et al, 1987, p.210).

Page 31: Artigo O Jovem e o Crack

30

Tais experiências oportunizam ao indivíduo o desenvolvimento de

capacidade, habilidades e destrezas fundamentais para uma vida mais produtiva e

satisfatória em virtude da autonomia que todo ser humano necessita.

“São atividades altamente estruturadas e minimizam as necessidades de

tomadas de decisões. Elas proporcionam oportunidades de testar a realidade

estruturada, com suficiente auxílio ao aumento da sua integração” (SCHWARTZ et

al, 1987, p. 16).

A Terapêutica Ocupacional não faz mero uso das atividades como meio de

ocupação, mas é caracterizada como uma forma dinâmica de reabilitar.

Rui Chamone Jorge cita que “[...] as ocupações antes de serem entendidas

como um trabalho qualquer, precisam ser compreendidas como um modo ativo de o

paciente intervir no mundo a assim, ativamente, estar consigo mesmo e com os

outros” (1990, p.13).

Para Jorge (1990), a Terapia Ocupacional foi entendida como um método

que usa as mãos para tratar, e essas, instrumentos suficientes para fazer a síntese

entre o utilitário e a subjetividade humana, sem o auxilio de qualquer outro

instrumento, são capazes de estabelecer o equilíbrio e materializar o imaterial.

2.8.2 Relações moralizantes de Philipe Pinel

O tratamento moral, segundo o conceito de Pinel, visa a valorização do

paciente. Através do desenvolvimento de seus conceitos surgiu uma forma

diferenciada de tratamento.

Segundo Pinel:

A terapia ocupacional foi então introduzida como parte integrante da sua reforma; Pinel afirma que: o trabalho constante modifica a cadeia de pensamentos mórbidos, fixa as faculdades do entendimento, dando-lhes exercício e, por si só mantém a ordem num agrupamento qualquer de alienados (PINEL apud PRADO DE CARLO, BARTALOTTI, 2001. p.22).

Page 32: Artigo O Jovem e o Crack

31

Pinel enfatizou a relação entre o paciente e as pessoas que lhe oferecem

cuidado como um potente recurso terapêutico.

Dentre suas propostas de adequação para um tratamento eficaz, Pinel

destacava a importância da promoção de atividades laborativas de caráter

terapêutico, específicas para cada paciente.

“O homem que se torna paciente pela perda da capacidade de lutar pelo

que acredita, busca outro homem, o terapeuta, para ajudá-lo. O terapeuta, então, lhe

proporciona a oportunidade de resgatar a capacidade de lutar em prol de si mesmo”

(JORGE apud MATA, 2004, p. 29).

Acerca do tratamento moral Benetton apud Prado de Carlo e Bartalotti (2001,

p. 22) comenta:

O trabalho produtivo passa a ser enfatizado e através dele, espera-se alcançar a reinserção social. O trabalho é visto como um instrumento da Terapia Ocupacional Médica, prescrito e orientado pelos médicos, sendo núcleo central do “Tratamento Moral”, determinando a relação estreita até hoje conservada entre psiquiatras e terapeutas ocupacionais.

2.8.3 Atividades Expressivas

As atividades expressivas possibilitam a exteriorização do “inconsciente”,

quando o indivíduo já não consegue verbalizar tais sentimentos que o oprimem.

“Atividades expressivas são entendidas como expressões da realidade

psíquica interna, inconsciente”. (AZIMA; WITTKOWER apud TEDESCO, 2007, p.32);

A tenacidade e a plasticidade das atividades expressivas possibilitam uma

comunicação ausente de verbalização, onde o indivíduo projeta seus conteúdos

psíquicos, expondo assim seus conflitos internos.

“As atividades expressivas são possuidoras de função diagnóstica; função de

percepção de mudanças e função terapêutica” (AZIMA; WITTKOWER apud

TEDESCO, 2007, p.34);

Page 33: Artigo O Jovem e o Crack

32

Estas atividades são propostas a indivíduos que foram vitimas de situações

traumáticas, conforme afirma Liberman:

Neste sentido, os sujeitos e as famílias que vivem acontecimentos da ordem do inevitável, particularmente nos casos traumáticos, buscam os mais diversos recursos na tentativa de elaborar e lidar com as novas realidades que se apresentam. [...] as artes podem ter um lugar fundamental, pois constituem veículos facilitadores para o contato com as realidades. Ao mesmo tempo, possibilitam a emergência de atos criativos, expressivos, mediadores da comunicação entre as pessoas, da (re)descoberta de habilidades e de novos jeitos de viver; ou seja, de outras subjetividades (LIBERMAN, 1997 . p.12).

As atividades expressivas são instrumentos que permitem ao mesmo tempo

organizar a desordem interna e reconstruir a realidade externa, pois, na medida em

que as “imagens do inconsciente” vão sendo expostas, torna-se possível de ser

tratada, pois identificou-se no objeto (desenho, pintura) os conflitos até então

internalizados.

O importante é que as atividades se destinam a despertar e expressar sentimentos, paixões, tendências, e tem o poder de induzir o paciente a evocar e experimentar todos os sentimentos possíveis. Assim como o pensamento pode explicar a menor coisa e justificar as menores ações, também as ocupações livres e criativas podem suscitar todo o tipo de sentimento, não importando qual seja o assunto (JORGE, 1990, p.15).

A atividade serve de método para o indivíduo se expressar, pois o mesmo,

inconscientemente, revela a mais pura e real verdade que se encontra oculta até

então, onde o indivíduo não consegue fingir ou continuar escondendo. É algo que

não está mais no seu controle, ou seja, ele é levado a se expressar.

[...] Não é possível mentir quando se fabrica. Os erros, os acertos, os objetos são sempre obra intencional, ainda que não conscientes, pois, embora seja a mente que busca, com mais freqüência é a mão que encontra, e o ato de fazer traz em seu bojo, necessariamente, o pensar (JORGE, 1990, p.14).

Page 34: Artigo O Jovem e o Crack

33

Pois conforme Jorge (1995, p.37) “Toda fabricação tem seu destino último na

busca do instrumento adequando ao discurso e do prazer, nunca se fabrica algo por

fabricar.”

Para tanto utiliza-se:

2.8.3.1 A Pintura

Através da pintura é possível fortalecer as relações afetivas. Nota-se nas

cores e formas da pintura uma expressão de sentimentos.

Cada cor sugere um sentimento. A simples aplicação da mesma sobre o

papel traz uma mensagem inteira da situação, interesse e conhecimento da vida e

das coisas que o paciente tem naquele instante.

2.8.3.3 A Argila

É um material de caráter construtivo, possui um potencial expressivo e

emocional.

No trato com argila, o homem descobre, sem consciência de esforço, que sua liberdade cresce à medida que ele aumenta sua capacidade de dar a esse material pesado a leveza de seu pensamento. E isso é facilitado [...] pela extrema plasticidade e naturalidade do material, que sempre sugere novas formas [...] (JORGE, 1980, p.43).

A argila é um recurso que objetiva a expressão de conteúdos ocultos,

oportuniza o indivíduo a trabalhar diversos aspectos emocionais; pois o mesmo é

envolvido inconscientemente ao manipular o material com suas próprias mãos.

[...] a escultura adequadamente compreendida e praticada é uma aventura total e empenha o corpo inteiro, direta e indiretamente, numa luta muscular, numa coordenação de tensões que, em relação ao material, pedra ou argila, são agressivas em relação ao resultado almejado são pacificas e conciliadoras [...] (JORGE, 1990, p. 43).

Page 35: Artigo O Jovem e o Crack

34

A utilização da argila considera o critério da prematuridade, onde o terapeuta

deve ter certeza do momento exato para a aplicação da mesma. Tal antecipação

pode resultar em mais resistência por parte do indivíduo. A argila, dentro do

processo terapêutico é de natureza ansiogênica, ou seja, causa ansiedades em seu

processo de manipulação, como refere Jorge:

A atividade de argila está voltada para a expressão profunda do ego.a resistência que esse material pode produzir é dada exatamente pelas suas grandes vantagens: plasticidade e tridimensionalidade. Em modelagem, a única forma de se conseguir alguma defesa é não pegar a argila, pois, nesta técnica, ela fica reduzida a zero, e o sentimento de desnudamento eleva-se a dez. frente a essa realidade, o ego avalia o perigo e experimenta certa ansiedade (JORGE, 1980, p.45).

A argila proporciona ao indivíduo uma intensa relação identificadora entre

aquele que manuseia e o seu material manuseado. E esta profunda relação é a

constatação de que, quando se modela, modela-se a si mesmo, e por isso é

extremamente ansiogênico para aquele que é reprimido. Essa identificação traz a

resistência.

2.8.3.2 A Música

A música é um instrumento capaz de libertar conteúdos reprimidos. Quando

utilizada em grupo, confronta a pessoa à seus conflitos e força o indivíduo a superá-

los contando com a mútua ajuda energética de todo um grupo que está vivenciando

o mesmo processo e momento.

De acordo com as considerações de Jorge, a atividade de música se faz

funcional para o inicio das relações entre terapeuta e paciente. Por ser de tendência

positiva, possibilita desmanchar tensões e sentimentos de resistência presentes no

indivíduo trazidos por ele na sessão terapêutica “e isto porque fazer ritmo

proporciona energia” (JORGE, 1980, p. 42).

Page 36: Artigo O Jovem e o Crack

35

Muitas emoções e sentimentos são reprimidos pela sociedade e pelo

indivíduo devido a circunstâncias que o conduziram a isto. O canto é uma ferramenta

extremamente funcional, pois a música remete ao indivíduo à emoções e expressões

de conteúdos de sua natureza. O objetivo do canto é exatamente este, a expressão

emocional. Tal método é indicado à indivíduos que apresentam intenso

comportamento de projeção; projetam seus conteúdos internos no meio externo. E

também é recomendado para indivíduos com falta de capacidade para se

desprender do sentimento de auto defesa.

2.9 INTERVENÇÕES DA TERAPIA OCUPACIONAL COM A FAMÍLIA DO USUÁRIO

DE CRACK

A Terapia Ocupacional intervém com atividades propostas de acordo com as

necessidades que cada família apresenta, cada atividade desenvolvida tem um

objetivo especifico. Entende-se que através de atividades grupais, pode-se apoiar e

ajudar a família, já que a mesma deve ser inclusa no tratamento.

2.9.1 Grupos de apoio ou auto-ajuda

O grupo apresenta um potencial terapêutico e tem por objetivo possibilitar a

expressão e a gratificação de ansiedades, facilitando o aprendizado e as mudanças

de comportamento.

2.9.2 A Abordagem aplicada ao trabalho grupal

A abordagem aplicada ao trabalho grupal se baseia nas teorias sobre

dinâmica das interações, seus processos grupais, seus efeitos sobre o

comportamento e as reações dos membros destes grupos. Nesta abordagem o

importante é o grupo, sendo que todas as experiências individuais são exploradas

através dele.

Page 37: Artigo O Jovem e o Crack

36

É possível ter grupos de base analítica e também usar outras abordagens,

como a cognitiva ou humanista. Em Terapia Ocupacional, o grupo pode enfocar uma

determinada atividade para facilitar o processo grupal (HAGEDORN, 1999).

2.9.3 Dinâmicas de grupo e Vivências grupais

Utilizadas como aliadas ferramentas, que proporcionam interação e

influência mútua, já que a problematica é o elemento em comum encontrado no

grupo. Trabalha-se diversos processos dinâmicos que os separam de um conjunto

aleatório de indivíduos. Estes processos incluem normas, papéis sociais, relações,

desenvolvimento, necessidade de pertencer, influência social e efeitos sobre o

comportamento. O campo da dinâmica de grupo preocupa-se fundamentalmente

com o comportamento de pequenos grupos.

A interpretação e análise da dinâmica das interações ou da participação nas atividades pode existir até certo grau. No entanto, o principal objetivo do grupo é permitir que o paciente participe de modo a explorar suas relações e seus problemas pessoais por meio de interações e, compartilhando o processo grupal, aprimore suas habilidades de comunicar as próprias necessidades e ser sensível às necessidades dos outros (HAGERDORN, 1999, p.121).

O papel desenvolvido pelo terapeuta no processo de dinâmica grupal, em

relação ao tratamento da família do usuário de substâncias psicoativas, é o de

facilitador desse processo, onde o modelo de liderança utilizado é fundamental. É um

processo que ocorre lentamente até o grupo estar devidamente consolidado e

integrado.

Page 38: Artigo O Jovem e o Crack

37

2.9.4 Teatro

A Terapia Ocupacional se utiliza do recurso teatral como uma espécie de

“canal” o qual permite a expressão sentimental de uma forma lúdica. Através da

dramatização do cotidiano é possível ilustrar de modo evidente as questões

necessárias a serem trabalhadas. Citando Moreno (2003 p. 381), “o Psicodrama

quando bem conduzido usa entre outros elementos, a projeção de processos,

situações, papeis e conflitos reais em um meio experimental”.

Por meio do teatro, o terapeuta ocupacional encontra uma forma de

proporcionar a auto descoberta e também a interação social, podendo assim

fortalecer a relação com o outro por meio da afetividade que é desenvolvida neste

contexto.

É esta a perspectiva de muitos terapeutas que buscam reorganizar suas práticas de atuação. Para tanto, além dos referenciais provenientes da área, são mobilizados também – e principalmente – outros campos do conhecimento como: a antropologia, psicologia, filosofia, educação, as artes, entre outras. Vale dizer que, neste contexto, as artes são compreendidas como meios, ferramentas que possibilitam o estabelecimento de vínculos e, ao mesmo tempo, permitem a “materialização” dos conteúdos emocionais, sentimentos e desejos e a efetivação de processos de expressão, conhecimento de si, do outro e do mundo (LIBERMAN, 1997, p.12).

A Terapia Ocupacional se utiliza dessa e de outras muitas técnicas para o

reabilitar, buscando bem estar, socialização, expressão de sentimentos, troca de

experiências, vivencias e outras tantas possibilidades que o indivíduo necessita

experimentar. No teatro e em seus componentes o grupo expressa e aprende de

uma forma espontânea e natural coisas do seu cotidiano.

Page 39: Artigo O Jovem e o Crack

38

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo representa um panorama com aspectos diferenciais acerca de

literaturas na terapêutica ocupacional voltada para o tratamento de usuários de

crack. Por meio desta revisão foi abordado um conjunto de temas no que se refere à

problemática do uso e abuso de substâncias psicoativas.

Apontamos a fase da adolescência como uma fase de vulnerabilidade, onde

o indivíduo apresenta conflitos ao passar da infância a fase adulta. Neste momento

crítico que o adolescente vive, ele necessita da ajuda do seu grupo de origem para

apoiá-lo e suprir toda e qualquer necessidade que o mesmo venha a ter.

Quando a família se encontra desestruturada, ela deixa de passar os valores

e a base que este adolescente tanto necessita para enfrentar seus conflitos.

Aumentam, assim, a probabilidade do indivíduo procurar as substâncias psicoativas

para suprir este vazio. E o crack tem sido o mais procurado por tais adolescentes,

tanto por seu custo ser relativamente baixo, quanto pelo seu fácil acesso.

Com base nisso, a Terapia Ocupacional intervém com métodos e

abordagens para as especificidades que o usuário apresenta. O terapeuta

ocupacional é um profissional dotado de capacidade para atuar neste aspecto.

Por meio deste artigo afirmou-se por renomados autores o alto potencial das

atividades terapêuticas utilizadas. Tais atividades conseguem externalizar conteúdos

reprimidos por estes indivíduos, que encontraram no crack uma forma de “fugir” da

sua realidade.

Tais recursos, como a argila, a pintura, a música, o teatro e entre outros

citados no artigo, revelam uma forma de tratar, pois quando o terapeuta identifica o

real conflito do indivíduo, o qual é a causa do problema, torna-se possível a

reabilitação deste usuário.

Evidenciou-se, assim, fundamental a contribuição da Terapia Ocupacional no

tratamento de usuários que fazem uso e abuso de substâncias psicoativas como o

crack.

Page 40: Artigo O Jovem e o Crack

39

Mas devido à falta de literaturas que envolvam tais métodos e recursos da

Terapia Ocupacional, vale-se dizer que é de extrema importância o surgimento de

mais estudos neste sentido, para assim ampliar a atuação da Terapia Ocupacional

no tratamento do crack.

Page 41: Artigo O Jovem e o Crack

40

4 REFERÊNCIAS

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