Artigo Rufino & Pereira Segregação Imobiliário

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Segregao e produo imobiliria na transformao da metrpole latinoamericana: um olhar a partir da cidade de So Paulo

Segregao e produo imobiliria na transformao da metrpole latinoamericana: um olhar a partir da cidade de So PauloMaria Beatriz Cruz Rufino e Paulo Cesar Xavier Pereira

IntroduoNa discusso atual sobre as transformaes das metrpoles latinoamericanas so correntes as afirmaes sobre alteraes radicais na organizao socioespacial, muitas vezes referendada no uso da noo de fragmentao da produo do espao. Tal fragmentao diz respeito, em grande parte dos casos, aos processos de intensificao da construo da cidade e da modernizao de parcelas do espao urbano. Subjacente a estas preocupaes est o fortalecimento da reflexo sobre dois temas principais: a segregao e a produo imobiliria. Partindo desta constatao, este artigo tem como objetivo problematizar a relao entre os dois temas e compreender como se articulam enquanto processos, de maneira a contribuir para a anlise da produo do espao e estruturao urbana dessas metrpoles.

Entendemos a segregao como processo de diferenciao socioespacial constitudo historicamente e reconhecido como caracterstica intrnseca das cidades contemporneas, particularmente evidenciado nas metrpoles latino-americanas. A produo imobiliria diz respeito ao processo que abrange diferentes formas produo que operam simultaneamente com dinmicas internas peculiares e entrelaamentos entre elas responsveis por um resultado global (JARAMILLO, 1982:150). Dentre essa diversidade de formas deter-nos-emos, principalmente, sobre a forma de produo para mercado, reconhecendo seu papel determinante na lgica de produo das cidades contemporneas. A compreenso da segregao e da produo imobiliria como processos remete a esclarecimentos, uma vez que estas duas noes vinculam-se tambm s manifestaes espaciais concretas, que em nosso entender no se confundem com os processos, pelo contrrio, facilitam sua compreenso. Como manifestao concreta, a segregao apresenta-se em diferentes relaes socioespaciais, historicamente interpretadas em sua totalidade (ou por seus fragmentos) a partir da definio de padres de segregao. A produo imobiliria, por outro lado, se manifesta atravs de seus artefatos imobilirios (casas, apartamentos, shoppings, etc.) cujas caractersticas especficas (construtivas e de localizao) esto relacionadas s relaes sociais inerentes sua forma de produo e relao de foras entre estas, revelando diferentes lgicas de produo do espao.

A partir destas noes, pretende-se recuperar interpretaes histricas e explorar questes tericas sobre estes processos, para avanar no debate atravs da anlise das dinmicas recentes na cidade de So Paulo. Para o desenvolvimento desta proposta, estruturou-se o trabalho em trs partes principais, na primeira apresentamos o debate sobre as transformaes das metrpoles latinoamericanas e recuperamos as discusses sobre os padres de segregao destas metrpoles no sculo XX, a fim de problematizar de que maneira estas interpretaes corresponderiam s lgicas de produo das cidades. Na segunda, procuramos aprofundar a compreenso sobre os processos de segregao e produo imobiliria, levantando questes tericas e explorando uma melhor compreenso da relao entre os mesmos. Na terceira parte, apresentamos as dinmicas recentes na produo do espao da cidade de So Paulo e exploramos a relao entre segregao e produo imobiliria considerando o potencial explicativo das dinmicas destes processos. A forte insero de So Paulo no processo de globalizao, o nvel de organizao dos agentes envolvidos na produo do espao e a intensidade das dinmicas imobilirias fazem da cidade um objeto privilegiado para o debate, na medida em que propicia de forma ntida o exame da manifestao da dominao da produo imobiliria sobre a transformao do espao urbano, como produto das transformaes das relaes sociais na indstria da construo, que j comeam a ser percebida na generalidade das metrpoles latinoamericanas. Desta forma, a cidade de So Paulo se constitui como estudo de caso, na medida em que a generalizao que se alcana desvendando-a se configura a partir das mediaes que estruturam a totalidade concreta, isto , rebatendo o fenmeno e o conhecimento para a sua concreticidade (MARTINS, 1973: 36).1. As transformaes das metrpoles e as lgicas de produo do espao1.1 O debate sobre as transformaes nas metrpoles da Amrica LatinaA partir dos avanos dos processos de reestruturao socioeconmica e da difuso e adoo das novas tecnologias de informao, como partes constitutivas dos fenmenos da globalizao, fundamentou-se um novo marco para a investigao das transformaes urbanas. Autores como Manuel Castells e Saskia Sassen dominam o cenrio internacional da pesquisa urbana e apresentam uma influncia inovadora onde se constatam diferentes interpretaes, desenvolvidas, sobretudo para o contexto das grandes cidades do capitalismo central, como indicou De Mattos (2001) de maneira sistemtica:

Denominaciones como ciudad informacional (CASTELLS, 1989), ciudad global (SASSEN, 1991), metpolis (ASCHER, 1995) ciudad postmoderna (AMENDOLA, 1997), ciudad postfordista (DEMATTEIS, 1998), postmetrpolis (SOJA, 2000), ciudades en globalizacin (MARCUSE E VAN KEMPEN, 2000), entre muchas otras, documentan los esfuerzos que se vienen desarrollando en pos de la identificacin de las tendencias que estaran marcando el trnsito hacia la ciudad del futuro y de aprehender los rasgos y la conformacin morfolgica que la caracterizaranA maioria dessas nominaes e interpretaes coincide na percepo da recuperao da importncia das grandes cidades e do seu crescimento e expanso, pois se constata que a maior parte dos novos fluxos de capitais tende a se concentrar nas regies metropolitanas e, dentro das mesmas, em certas reas particulares, desencadeando processos de transformao e fragmentao (CICCOLELLA, 1999).

Sob o marco dos processos de privatizao, desregulao e abertura econmica, a reestruturao dos espaos metropolitanos passou a constituir um fenmeno onde fatores externos a metrpole e ao pas tendem a avanar sobre fatores internos, ocasionando uma perda de controle sobre os processos econmicos, sociais e territoriais que se desenvolvem nestes espaos urbanos (CICCOLELLA, 1999). A emergncia de novas dinmicas urbanas indica, em alguma medida, uma generalizao do envolvimento no processo de globalizao, que ir depender da natureza e do alcance da influncia desse processo em cada realidade particular (MARCUSE E VAN KEMPEN, 2001).

A velocidade e a violncia das mudanas em curso, sob o marco da globalizao, estimularam uma produo considervel de estudos sobre as transformaes na estrutura urbana para o caso das metrpoles latinoamericanas. Percebe-se nesses estudos um esforo em analisar uma srie de processos resultantes desta nova configurao poltica e econmica e em relacion-los a um conjunto de caractersticas comuns s grandes metrpoles. Da anlise desses estudos, Ciccolella (2007:135) sistematizou como tendncias principais:

- a consolidao de policentrimos, ou em parte tendncias ao mesmo;

- a tendncia de conformao da cidade-regio e do crescimento reticular;

- a expanso da base econmica, especialmente sustentada em servios;

- a difuso ou proliferao de novos objetos urbanos (shoppings, hipermercados, urbanizaes fechadas, etc.).- a suburbanizao difusa, tanto de elites como de setores pobres ou populares;

- o incremento da polarizao social;

- o incremento ou consolidao da segregao residencial.Em muitos dos estudos realizados no contexto latino-americano identifica-se um enfoque de ruptura, interpretando a reestruturao metropolitana recente como uma descontinuidade radical das caractersticas da cidade desenvolvimentista (CICCOLELLA, 2007), fundamentado por um enfoque crtico, que procura particularizar as condies especficas das cidades latino-americanas considerando os impactos dessa nova etapa de desenvolvimento e modernizao capitalista (DE MATTOS, 2002). Da reflexo sobre uma suposta cidade da globalizao no contexto latino americano, o reforo da segregao aparece como resultado predominante:

a cidade da globalizao , acima de tudo, uma cidade polarizada e segregada. Isso porque a reestruturao e a flexibilizao de seus mercados de trabalho no foram capazes de atenuar as desigualdades sociais herdadas do perodo anterior e, em muitos casos parecem aument-la... Dessa maneira se impem novas modalidades de segregao e excluso socioterritorial e os conflitos tendem a se agravar de forma imprevisvel (DE MATTOS, 2004:190).Ao mesmo tempo, a grande mobilidade de capitais internacionais vinculada ao carter liberal das polticas de planejamento e gesto urbana resultou em uma intensificao da produo imobiliria, processo que passa a aparecer como um dos fatores determinantes na reestruturao destes espaos:

Uno de los cambios en que esto es especialmente visible, es el que resulta del impacto que estn teniendo las inversiones inmobiliarias privadas, que es incomparablemente mayor al observable en cualquier otro momento del pasado (DE MATTOS, 2007:83).

A manifestao espacial da intensificao dos investimentos imobilirios passa a ser constatada de forma fragmentada em diversas cidades da Amrica Latina, impondo em determinadas reas das cidades uma imagem comum, que corresponde a espaos que qualificam as cidades para a insero em lgicas globais. Assim, grandes complexos empresariais, hotis de luxo de cadeias internacionais, museus e espaos de cultura e entretenimento desenhados por arquitetos de grife e imensos condomnios fechados passam a fazer parte de quase todas as grandes metrpoles da Amrica Latina.

Reascende-se, neste contexto, o interesse sobre a investigao da segregao, e sua particular relao com novas dinmicas de produo do espao, onde se destaca a intensificao da construo da cidade como produo imobiliria. 1.2 Padres de segregao e as lgicas de produo do espao

Durante grande parte do sculo XX, a metrpole latinoamericana exibiu um padro de segregao interpretado pelo modelo centro-periferia, explicado essencialmente pela dualidade socioeconmica. Grande parte das interpretaes da poca partia da anlise da relao entre os processos de urbanizao e de industrializao, os quais tendiam a promover graves desequilbrios socioespaciais no contexto latinoamericano. Por um lado, constatava-se a concentrao da populao mais rica nas reas centrais bem equipadas, por outro lado, a populao mais pobre distanciava-se do centro indo constituir periferias carentes de acesso a equipamentos e s condies urbanas adequadas. Esse duplo movimento explicitava as diferenas e levava a cidade a um rpido processo de expanso, pautado por baixa densidade, que passou a ser descrito por planejadores como sendo um padro perifrico de crescimento urbano.

Na dcada de 1980, o contexto de estagnao e inflao em muitos dos pases da Amrica Latina mudou a dinmica de crescimento urbano que se estruturava desde o incio dos anos 40 do sculo passado. Nesse contexto, o modelo centro-periferia passou a ser questionado pelas novas dinmicas que passaram a indicar um momento de retrao econmica e, simultaneamente, o chamado esgotamento do padro perifrico e um empobrecimento da populao. Para os planejadores da Secretaria Municipal de Planejamento de So Paulo (SEMPLA,1990), a ao combinada desses processos teria provocado o adensamento demogrfico e a maior participao da populao de baixa renda nas reas mais centrais da metrpole. Assim, foi utilizado o termo reduo perversa da segregao scio-espacial para denominar um processo em que o adensamento e a diversificao social das reas mais centrais ocorriam pela precarizao das condies de habitao (SEMPLA,1990).

tambm a partir da dcada de 1980 que comea a se discutir a alterao da estrutura das cidades e principalmente de suas pores mais perifricas, a partir de transformaes pontuais que se sobrepem ao padro centro-periferia, gerando espaos em que os diferentes grupos sociais esto muitas vezes prximos, porm separados por muros e dispositivos de segurana (CALDEIRA, 2000). Nessa interpretao, a escala tradicional de observao dos padres de segregao questionada e a idia dialtica voluntrio/involuntrio utilizada para explicar diferentes manifestaes da segregao. A emergncia de interpretaes alternativas (ou complementares) ao modelo centro-periferia, atravs da discusso de padres novos de segregao, apesar de exporem a fragilidade desse modelo, no questiona a lgica simplista da produo da cidade industrial, base explicativa do modelo e limitada pela interpretao de que o fato econmico (a industrializao) determinava as condies de consumo do espao.De acordo com Pereira (2005), nessas alternativas havia uma falcia decorrente da perspectiva de se dar primazia ao consumo do espao, supervalorizando-o. Esta supervalorizao privilegia a anlise do espao-produto em detrimento da perspectiva que analisa o processo de produo e da critica sobre a produo do espao (PEREIRA, 2005). Havia nessas interpretaes alternativas uma lacuna explicativa das relaes entre a industrializao e a urbanizao. Assim, embora seja certo que a industrializao faa crescer o urbano, a urbanizao que leva ao aprofundamento das desigualdades na cidade (PEREIRA, 2005).Em sua obra, a Produo Social do Espao, Gottidiener (1993) j pontuava que a produo do espao decorria no apenas dos processos econmicos, mas tambm e, mais especificamente, de uma articulao conjunta entre Estado e setor imobilirio, que formavam uma coalizo de interesses entorno da valorizao imobiliria e representavam a vanguarda das transformaes espaciais.Essa percepo fortalece a sugesto de Pereira (2005) de que as:

desigualdades urbanas tm mais a ver com o processo social de construo imobiliria da cidade (o setor) do que com a industrializao em geral. Por isso, a compreenso das formas de produo do espao urbano, num determinado lugar e num determinado momento, decisiva para se compreender as desigualdades urbanas.A noo de forma de produo do espao construdo foi desenvolvida por Jaramillo (1982), que a definiu como sistemas que relacionan a los hombres entre s, y a stos con los medios de produccin para producir un bien o una serie de bienes (JARAMILLO, 1982: 177). De acordo com o autor, o que especificaria uma determinada forma de produo do espao construdo seria a natureza da relao dos diversos agentes envolvidos em uma estrutura com capacidade de reproduo.

Para este autor existiria ainda uma srie de peculiaridades do setor da indstria da construo que dificultaria a instaurao de relaes capitalistas plenamente desenvolvidas, que seria ainda mais evidente para o caso das formaes urbanas da Amrica Latina. Para ele, seria essa dificuldade que permitiria a coexistncia de diversas formas de produo, o que no significaria diferentes processos de urbanizao. Assim, diferentes formas de produo domstica, encomenda, mercado e estatal aconteceriam simultaneamente, sendo a relao entre estas, explicativas das lgicas de produo do espao em sua totalidade.

A interpretao da cidade sob a idia de centro e periferia caminhou em sentido contrrio ao esclarecimento do espao em sua totalidade. Essa ideia como um modelo de urbanizao deu margem a estudos fragmentados, que obscureceram a compreenso do processo como uma totalidade. Neste contexto se fortaleceu uma viso segmentada e dual da urbanizao, onde uma produo organizada do espao moderna e industrial se contrapunha a outro espao, onde apropriao desorganizada do lote se somava a produo precria da casa-prpria por trabalhadores (PEREIRA, 2005).

Essa perspectiva reducionista resultou em um nmero significativo de trabalhos que, por um lado, buscavam compreender a produo da periferia e, por outro, a verticalizao das reas centrais. Cabe ressaltar que essa viso segmentada do espao urbano coincidia com a diviso espacial das formas de produo predominantes, o que gerava a impresso de se tratarem de lgicas diferenciadas na produo do espao, que pudessem ser investigadas em separado. Enquanto na periferia existia uma predominncia da forma de produo domstica, nas reas mais centrais predominava a produo de mercado. Neste contexto, outras formas de produo eram tambm relevantes. A forma de produo por encomenda detinha um espao significativo, seja no centro, na periferia, ou em localizaes intermedirias e o Estado passava cada vez mais a intervir na produo habitacional atravs de diferentes estratgias (provendo infraestrutura, subsdios, financiamentos e construindo unidades).Nesta coexistncia de formas de produo do espao construdo, aquela constituda por relaes capitalistas mais desenvolvidas (a produo para mercado) tendia a dominar o processo de produo do espao, mesmo no tendo atuao predominante na totalidade do espao da cidade. Tal dominao est vinculada produo da mais-valia e mecanismos mais elaborados de valorizao imobiliria, o que conduzia sua atuao para os espaos onde a captura dessa valorizao fosse mais rentvel, tomando a frente dos processos de diferenciao espacial. O fato da produo para mercado no ter sido uma forma predominante dificultava a percepo de sua dominao na totalidade do processo de urbanizao.

No contexto de crise dos anos 1980, o esgotamento do padro perifrico de urbanizao explica-se pelas limitaes da forma de produo domstica em face do aumento dos preos da terra e das deficientes condies de poupana da populao para a produo da casa. Essa valorizao da terra estava associada tanto s melhorias no espao urbano perifrico, como tambm ao reflexo da valorizao, ainda mais ampliada, das reas centrais que passavam a contaminar as reas mais perifricas. A soluo encontrada por essa populao passou a ser o adensamento, atravs de ocupaes normalmente irregulares de reas j consolidadas, onde se incluam os centros tradicionais que, pelo deslocamento dos investimentos para negcios mais rentveis, encontravam-se como espaos relativamente empobrecidos.

A partir de meados dos anos 1980 e na dcada seguinte, percebe-se o progressivo avano da forma de produo para mercado. Sua atuao restrita, em parte da dcada de 1980, direcionou a produo para empreendimentos imobilirios com requintes de luxo nas reas mais valorizadas, reforando a diferenciao scio-espacial da metrpole. No decorrer da dcada de 1990, a ampliao da disponibilidade de capital para o setor da indstria da construo, em grande parte explicada por sua articulao com o setor financeiro, permitiu a acelerao da produo imobiliria, induzindo a uma reorganizao dos agentes envolvidos na produo de mercado. Com a ampliao de capitais destinados ao setor imobilirio evidente o movimento de concentrao, o qual determinou o fortalecimento das grandes empresas - que passaram a ampliar, ainda mais, o porte de seus projetos e intervenes e o enfraquecimento das pequenas empresas, que passam, ento, a direcionar sua atuao para espaos que anteriormente eram atendidos por outras formas de produo, at mesmo no mercantis. A produo para mercado, at ento restrita as reas mais centrais e valorizadas, passa nas ltimas dcadas a se verificar na totalidade do espao da metrpole. Esse movimento faz com que a forma de produo para mercado, dominante nos mecanismos de valorizao, se torne tambm predominante no processo de urbanizao. Essa dupla caracterizao a transforma em forma hegemnica, dando fora interpretao da cidade a partir da compreenso das relaes sociais estabelecidas dentro desta forma de produo. Assim, o prprio termo produo imobiliria (em geral e a-histrica) se confunde com a forma de produo para mercado (uma forma particular da produo capitalista do espao) e dado esse equvoco h uma transposio inadequada que confunde as duas noes (uma geral e a-histrica e, a outra, a uma forma particular e histrica) com a produo imobiliria de mercado, que corresponde a um momento determinado da histria da cidade. A rigor, ocorre uma naturalizao da forma hegemnica como se a produo para mercado pudesse ser a nica forma de produo da cidade. Isso ocorre, talvez, porque todos imveis so vistos como passveis de serem negociados e, portanto, toda a cidade (edifcios, terrenos e infraestrutura) precificada e considerada empiricamente como mercadoria, no sentido definido por Karl Polanyi. Por isso, que por meio da observao particular desta forma de produo imobiliria que se pretende investigar as transformaes da metrpole e suas relaes com os processos de segregao.

2. Segregao e Produo Imobiliria (para mercado): questes tericasNas discusses atuais sobre as transformaes da metrpole, o reforo da segregao e a intensificao da produo imobiliria para mercado, apesar de serem intensamente discutidos, no esto particularmente relacionados. Com relao segregao, so inmeros os estudos que desenvolvem uma anlise descritiva do espao urbano a partir das diferentes condies socioeconmicas de sua populao. Com relao ao debate da produo imobiliria, predomina um esforo na anlise de produtos ou projetos especficos resultando em abordagens fragmentadas de artefatos urbanos e arquitetnicos, que apontam o aumento da segregao sem aprofundar e problematizar a relao entre estes processos. Entendendo que a compreenso articulada desses processos segregao e produo -contribui para a anlise das transformaes da metrpole, na medida em que permite a discusso simultnea da apropriao e produo do espao, procuraremos explorar questes tericas sobre os dois processos e mostrar os nexos dessa articulao. As referncias mais recentes sobre o tema da segregao mostram uma grande diversidade com relao aos conceitos e definies bem como em relao s abordagens, metodologias e escalas de anlise empregadas pelos diversos autores. Conceitualmente, a segregao predominantemente vista como um processo de diferenciao espacial (HARVEY, 1980; CALDEIRA, 1997; LAGO, 2001; MARCUSE, 2004; PRTECEILLE, 2004), que segundo Marcuse (2004) motivado fundamentalmente por questes como divises culturais, divises funcionais (vinculadas a uma racionalidade econmica) e diferenas no status hierrquico (baseadas nas relaes de poder).

Nos atuais processos de transformao da metrpole, a idia de diferenciao espacial extremamente pertinente, mas exige um esforo muito maior para interpretar a segregao. No se trata mais de realidades territoriais estanques (como historicamente procurou-se mostrar por meio do modelo centro-periferia), mas de uma realidade dinmica, onde a diferenciao pode se apresentar em espaos justapostos, pela condio urbana de acesso (econmico, cultural) ou mesmo, como argumenta alguns autores, por se tratar de processos voluntrios ou involuntrios. As transformaes urbanas atuais refletem diferentes lgicas de apropriao do espao, tanto por aqueles que o utilizam, como por aqueles que o produzem. Nesse sentido, a idia de segregao toma fora quando se pensa formas bsicas de apropriao diferencial do territrio (KOWARICK, 2004: 96). Entendida desta maneira, a segregao se articula intrinsecamente com a produo imobiliria e essa articulao permite uma compreenso dinmica das formas de apropriao e produo do espao.Esse esforo de desenvolver uma compreenso articulada da segregao com a produo imobiliria j foi objeto de anlise diversos autores. Muitos dos debates, entretanto foram limitados problematizao da relao entre a diferenciao dos usos e do preo da terra (entendido como medida de acesso propriedade privada).

Granelle (2004), ao sistematizar historicamente esta discusso, procura mostrar a existncia de duas teses predominantes. Uma construda fundamentalmente por socilogos, e outra, pelos economistas, sobretudo os vinculados com a Nova Economia Americana, que desenvolveram modelos que, a princpio, apontariam para interpretaes mutuamente excludentes. Para esse autor, a contribuio principal das teses desenvolvidas por socilogos reforar os espaos constitudos como um feito que resulta da histria, mostrando a relevncia de se considerar na discusso dos fenmenos de segregao os processos de formao e os valores culturais do territrio. Por sua vez, as teses desenvolvidas, na perspectiva dos economistas, seriam importantes por revelarem o papel de estruturao do mercado sobre uma realidade constituda, indicando que o preo da terra seria responsvel pela reorganizao do socioespacial.Fica implcita na interpretao desse autor francs a idia de que a leitura da distribuio socioespacial da populao explica em parte a estrutura dos preos da terra que se consolida em um dado momento, sendo produto de uma construo histrica. Por outro lado, as mudanas em curto e mdio prazo seriam consequncia dos preos estabelecidos. Entendendo desta forma, Granelle (2004: 93) prope uma seqncia dialtica sntese: usage prix usage.

Embora virtuosa ao considerar as formas de apropriao do espao historicamente consolidadas e ao permitir o conhecimento das estratgias adotadas na produo do espao, essa sntese apresenta uma limitao ao considerar o preo do solo como varivel sntese dos processos de apropriao e de produo do espao, face s novas relaes sociais constitudas no setor imobilirio e a sua forte articulao com o capital financeiro. Se historicamente o preo da terra determinou, em grande medida, o preo dos produtos imobilirios, a racionalidade atual nos mostra que so os produtos imobilirios potenciais, em devir, que indicaro o preo da terra. Que transformaes na produo imobiliria explicam a inverso destas determinaes? A nosso ver, essas transformaes esto particularmente vinculadas ao processo de fortalecimento da forma de produo imobiliria de mercado que se tornou hegemnica sobre as demais formas. Esta hegemonia da produo de mercado se manifesta pelo predomnio na produo capitalista do espao, mas sobretudo pelo domnio desta forma de produo na formao de mais-valia e nos mecanismos de valorizao imobiliria cuja atuao na produo do espao, representa o avano das relaes capitalistas no setor e a definio de novos arranjos de produo como garantia da reproduo ampliada do capital.O setor imobilirio possui, alm das contradies comuns prpria produo industrial capitalista (capital e trabalho), algumas contradies prprias e particulares: a necessidade da terra (e seu carter de obstculo reproduo ampliada); o longo perodo de produo (que implica a condio do pr-financiamento da construo para uma rotao mais rpida do investimento industrial e o alcance de uma rentabilidade normal do capital) e o longo perodo de circulao (que implica a necessidade de um financiamento de longo prazo entre o perodo de incio de utilizao do produto e sua amortizao financeira completa) (TOPALOV, 1974: 16).

A superao destas barreiras, segundo Jaramillo (1982) e Topalov (1974), est vinculada ao avano das relaes capitalista no setor, que convergem para emergncia do importante agente de gesto e produo imobiliria: o promotor imobilirio. Este agente figura de coordenao dos movimentos dos capitais interessados no investimento imobilirio, permitindo acelerar a circulao e uma rotatividade muito maior aos ciclos de produo. A emergncia deste agente imobilirio est particularmente relacionada histria das fontes de financiamento:Pour quapparaisse la promotion immobilire, le prfinancement de la construccion comme son finacemment long terme doivent faire lobjet dun investissement capitaliste: le retour rapide du capital-marchandise de lindustriel la forme liquide doit etr assur par lintervention dun capital de circulation spcifique (TOPALOV, 1974:17). Essa transformao no setor imobilirio facilitar o avano dos capitais financeiros que buscam ganhar com a valorizao dos imveis e, em parte, garantem a superao da barreira colocada pela propriedade fundiria, rivalizando com os proprietrios de terra os ganhos da renda.

O reforo do capital financeiro no setor imobilirio exige, ainda que indiretamente, a ampliao da mais-valia a ser alcanada no setor, isso a garantia da produo do espao como local privilegiado de reproduo ampliada do capital. Surgiro no mbito deste setor estratgias visando o alcance dos preos de monoplio, que propiciaro novas categorias de renda a serem incorporados pelos capitais envolvidos na produo imobiliria, bem como alterao dos custos de produo. Neste sentido, o iderio de marketing apropriado pelo setor, e passa a orientar as estratgias de produo.

O marketing, por meio da pesquisa, concepo do produto e da propaganda, atuaria para gerar aumento do preo de venda (com a formao de preo de monoplio) por meio do estabelecimento de nichos de mercado; da criao de diferenciais competitivos; da criao de grife e da imagem da marca; da construo simblica da localizao e do posicionamento de mercado (COSTA, 2002: 97). Ao mesmo tempo atuaria, tambm, na diminuio dos custos do empreendimento providenciando a reduo dos custos financeiros por meio do aumento da velocidade das vendas e, tambm, da reduo dos custos de produo da obra. Assim, reorganiza-se a concepo e a produo dos imveis estabelecendo-se, assim, a aceitao de padres habitacionais que propiciam otimizao de espaos e de recursos, alm da reduo dos custos do terreno por recriar, simbolicamente, uma localizao valorizando reas onde os terrenos seriam mais baratos. Embora a apropriao do iderio de marketing se concretize principalmente nas grandes empresas, onde os vnculos com os capitais financeirizados globais so mais ntidos, esse iderio passa a influenciar toda a produo imobiliria de mercado. A conseqncia que mesmo nas relaes de produo de mercado menos avanadas, representadas por empresas menores, se presencia, mesmo que de forma parcial, a implantao de estratgias de marketing mesmo em reas antes no apropriadas pelo capital. nesse sentido que entendemos que a compreenso das transformaes na produo imobiliria, considerando a articulao das suas diferentes formas sociais, permite unificar processos que comumente so entendidos como se fossem separados: o espacial e o social, ou o global e o local (PEREIRA, 2006: 222).

Trata-se de uma diferente relao do setor imobilirio com o espao, cada vez mais ntida, tal como Lefebvre j anunciava nos anos 1970:O setor imobilirio se torna tardiamente, mas de maneira cada vez mais ntida, um setor subordinado ao grande capitalismo, ocupado por suas empresas (industriais, comerciais, bancrias), com uma rentabilidade cuidadosamente organizada sob a cobertura da organizao do territrio. O processo que subordina as foras produtivas ao capitalismo se reproduz aqui, visando subordinao do espao que entra no mercado para o investimento dos capitais, isto , simultaneamente o lucro e a reproduo das relaes de produo capitalistas (Lefebvre, 1999: 163 e 164)3. So Paulo: segregao e produo imobiliria (de mercado)Nos ltimos anos, vrios estudos vm se debruando sobre o avano da financeirizao sobre o mercado imobilirio e os efeitos na produo do espao da cidade de So Paulo (BOTELHO, 2005; FIX, 2007; MIELE, 2009). A constatao inicial que este capital financeiro ir atuar de maneira seletiva e concentrada nas reas mais valorizadas das cidades, onde justamente poder obter maiores ganhos. O acompanhamento dos movimentos posteriores destes capitais mostra diferentes arranjos com a produo imobiliria, que ajudam a transformar a organizao do setor, favorecendo a intensificao da produo e sua generalizao por diversos espaos da cidade de So Paulo e de sua regio metropolitana. Esta situao faz da produo imobiliria para mercado da cidade de So Paulo um objeto privilegiado da discusso de seus nexos com a segregao e, desta maneira, permite compreender as transformaes da metrpole.

Nesse contexto, os edifcios empresariais e os grandes conjuntos residenciais destacam-se como os artefatos mais determinantes na reorganizao do espao da metrpole. A produo destes artefatos arquitetnicos e urbanos condiciona diferentes estratgias de localizao e concepo de produtos e revela diferentes nexos com o capital financeiro. Em um primeiro momento, a produo imobiliria financeirizada materializada na consolidao de um eixo empresarial o vetor sudoeste de So Paulo que se estabelece de maneira concentrada como continuidade das reas tradicionalmente valorizadas da cidade. Diferentemente da indstria que se localiza em diferentes reas da metrpole, principalmente em suas franjas perifricas, o novo setor de servios modernos s pode se localizar neste eixo de expanso da centralidade econmica de So Paulo, o que vai revelar diferentes estratgias e interesses que vo constituir o processo de reproduo do espao neste fragmento da metrpole (MIELE, 2008:25).

Se percebido como um processo histrico, a consolidao desse eixo empresarial, que conforma uma nova centralidade, insere-se mais em uma lgica de continuidade do que de ruptura. Ele aparece apenas como um smbolo na paisagem representando uma maior concentrao de capitais, mas deve-se destacar que a realizao dos empreendimentos neste eixo exigiu mecanismos sofisticados de valorizao e rentabilidade da propriedade imobiliria. E, inclusive, avanos importantes nas formas de propriedade imobiliria associadas ao financeiro como a utilizao de Fundos de Investimentos Imobilirios. A intensidade da segregao e a consolidao de um espao fragmentado ocorrem justamente porque se amplia a distncia dessas reas, que j se destacavam por serem valorizadas, com o restante da cidade. Nelas se destaca o uso de artefatos arquitetnicos e urbanos como smbolo de uma paisagem globalizada em um espao beneficiado por diversas intervenes estatais, que cumprem o papel de inserir a metrpole paulista na lgica global.

O Estado oferece as condies contratuais, legais e de infra-estrutura para que os investimentos no espao se realizem atravs da constituio deste eixo empresarial por meio de um mercado imobilirio (que funciona tambm sobre as regras e leis do Estado) ligado elite paulistana, representante dos interesses do capital que procura colocar So Paulo no ritmo da globalizao da economia (MIELE, 2008: 25).

O elevado movimento de capitais nestas operaes permite a superao, simultnea, da barreira colocada pelos altos preos da terra e, tambm, pelo longo tempo de rotao do capital no setor da construo, ao aumentar o volume e a acelerao dos capitais envolvidos. Esses fatores associados aos macios investimentos do Estado em obras pblicas principalmente no sistema virio garantem a produo do espao e da mais valia sob o signo da valorizao imobiliria, que tende a se generalizar nos processos de adensamento e verticalizao dos bairros tradicionalmente residenciais. Embora o vetor sudoeste (eixo empresarial) ganhe grande destaque por seu impacto espacial e por materializar os vnculos com instrumentos financeiros mais sofisticados, na observao da produo residencial que sero percebidas as explicaes sobre o processo de generalizao da produo imobiliria em inmeros espaos distribudos por toda metrpole. A produo imobiliria residencial, ao contrrio da produo de edifcios empresariais, tende a se localizar em diferentes reas da cidade e por ter entre sua clientela famlias desprovidas de poupana tm maior necessidade de capital de circulao para financiar o consumo habitacional.

A aproximao mais forte do mercado imobilirio com o capital financeiro, no caso da produo residencial, acontece a partir de 2005 com a intensificao do processo de abertura de capitais de grandes incorporadoras. A partir da, constata-se uma grande valorizao das aes destas empresas, paralela emergncia de um suposto boom imobilirio.

Nesse perodo, se consolida a engenharia financeira necessria para um modelo de construo de casa prpria no pas, legitimado pelo Estado brasileiro a partir da reformulao do marco regulatrio (FONSECA, 2004) e da ampliao da oferta de financiamentos, o que faz com que a produo de imveis destinados classe mdia se tornasse extremamente atrativa. Cabe destacar que o bom desempenho apresentado pelas incorporadoras nos ltimos anos estava baseado em uma intensa produo imobiliria de mais alto padro em bairros valorizados que comeavam a apresentar indcios de saturao.

Consideramos que o conjunto dessas transformaes que explica a intensificao da atuao das grandes incorporadoras nas reas mais perifricas e nos demais municpios da Regio Metropolitana de So Paulo, substituindo agentes tradicionais da produo, promovendo o deslocamento de classes mdias que no conseguem mais aceder propriedade privada nas reas mais centrais e intensificando a ocupao do territrio atravs de produtos com novos formatos e novas estratgias de financiamento e marketing.

Essa produo imobiliria tem papel decisivo na organizao socioespacial da metrpole, apropriando-se de um padro histrico de segregao e revigorando-o para obter reduo de custos e, simultaneamente, mais rentabilidade por meio da intensificao de uso em terrenos mais baratos. Ao mesmo tempo atua de maneira contraditria na reverso, inclusive simblica, do iderio de periferia. Por um lado, promove a valorizao por meio do uso do marketing imobilirio na resignificao de bairros e reas antes desvalorizados. Por outro lado, desenvolve condomnios fechados verticalizados - onde se explora a padronizao e a reduo das reas privativas em oposio a generosas reas livres com equipamentos de lazer - que no guardam relaes com sua localizao e transformam esses espaos, na maioria das vezes, em um novo fragmento urbano. A resultante comum das estratgias do marketing imobilirio no mercado residencial a intensificao da valorizao imobiliria e a redefinio do crescimento urbano. So Paulo, no esta mais definindo o seu crescimento pela franja ou seja pela incorporao de reas, cada vez, mais distantes e precrias. Isso, no que dizer que a dinmica extensiva deixou de acontecer, mas que essa dinmica deixou de ser definidora do crescimento urbano. Agora esse crescimento definido, de outra maneira, pela dinmica da produo imobiliria intensiva que se manifesta como uma nova lgica de crescimento, que intimamente se subordina a metropolizao dos espaos: um urbanismo sem urbanizao. (PEREIRA, 2005).Assim, o crescimento redefinido e, visivelmente, consolidado na paisagem por meio de seus novos artefatos e megaprojetos, que so agora dominantes na definio de novas relaes de apropriao do espao. A busca continua de oportunidade para a valorizao imobiliria e de novos espaos para a realizao do capital, por meio da produo do espao capitalista mais desenvolvido no interior da prpria metrpole, define o atual processo de metropolizao. De certa maneira, h uma substituio da idia anteriormente preponderante do espao urbano, como condio de reproduo do capital (industrial em geral), para a de que o objetivo , imediatamente, a produo do espao, passando a ocorrer, ento, uma subordinao direta do espao ao investimento industrial (imobilirio) e reproduo do capital. A generalizao da lgica de produo imobiliria hegemnica encontrar uma estrutura marcada por diferenas, que tende a se tornar ainda mais desigual e mais segregada, porque, ao contrario do que o senso comum imagina, a ao da produo imobiliria de mercado ao subordinar o espao no tende a uniformizar a organizao socioespacial, mas a diferenci-la ainda mais. Esse aprofundamento da desigualdade o que a anlise mais crtica nos leva a perceber, pois parte da enorme rentabilidade requerida pelo setor imobilirio alcanada a partir da apropriao da estrutura de segregao historicamente herdada e da ampliao da valorizao imobiliria dessa estrutura, que se d pela redefinio da segregao com elevao do gradiente de preos. As diferenas entre reas centrais e perifricas continuaro existindo, mas se multiplicaro e sero redefinidas apresentando fragmentaes, que aproximaro e, por vezes, distanciaro a localizao das atividades e dos grupos sociais urbanos.

So Paulo, como uma das cidades mais ricas da Amrica Latina, expe a clara contradio da hegemonia desta lgica de produo: presencia a reproduo ampliada de um setor imobilirio extremamente desenvolvido e manifesta as maiores desigualdades na apropriao do espao urbano, pois as condies mais afluentes da vida moderna e da metropolizao do espao convivem com condio de vida mais precria, a dos atuais moradores de rua das metrpoles contemporneas (PEREIRA, 2005).Consideraes finaisEmbora as cidades no convirjam para um modelo nico, algumas mudanas tendem a ocorrer em todas elas. Inicialmente, existe uma primeira predisposio a relacionar essas mudanas comuns aos processos de globalizao, como fenmeno geral cujo envolvimento particular de cada cidade depender da natureza e do alcance da influncia do processo em cada realidade. No desprezando a globalizao como causa geral, para a discusso da transformao da metrpole latinoamericana central reconhecer como mudana comum a emergncia da nova lgica de produo do espao, a partir da hegemonia da produo imobiliria para mercado.

Essa lgica marca mundialmente a formao urbana contempornea e particulariza a metrpole latinoamericana, pois a hegemonia das relaes capitalistas mais desenvolvidas, em termos de produo do espao nessas metrpoles, se associa com as heranas da condio colonial. A segregao na metrpole latinoamericana tende a consubstanciar a maneira mais miservel de permanecer na cidade (morador de rua) com a maneira mais desenvolvida de acesso habitao (condomnio) por meio do financiamento da produo imobiliria para mercado, que se associa ao capital financeiro e se beneficia da histria urbana marcada por sequelas coloniais. Nesse sentido, embora essas metrpoles apresentem condies mais violentas e brutais do que a dos pases mais desenvolvidos, no deixa de ser pertinente contribuirmos para a anlise crtica da estrutura urbana das cidades latinoamericanas contemporneas entendendo sua transformao como uma seqncia dialtica, conforme foi proposto por Granelle (2004), onde uma produo hegemnica sustenta-se sobre um territrio estruturado sobre outras lgicas e tende a tornar mais complexa as relaes de apropriao do espao. A compreenso da relao entre segregao e produo do espao contribui para explicar a natureza das transformaes em termos de apropriao do espao, do valor e do significado da riqueza imobiliria.

A dinmica urbana de So Paulo, nesse sentido, nos serve de exemplo acabado para desenvolvimento de reflexes crticas e talvez ilumine a compreenso de condies extremas, como as da Amrica Latina. O avano da produo imobiliria para mercado significou a hegemonia das relaes de produo capitalista do espao e tende a dissolver de forma lenta o monocentrismo excludente e, tambm, as noes de centro e periferia, mas tende a criar experincias mais violentas de existncia urbana. A subordinao do espao ao capital o tornou fonte privilegiada da mais-valia e da reproduo das relaes de produo capitalistas, e o artefato imobilirio, cada vez mais, uma raridade a ser bem paga.O que nos induz a levar essas reflexes desenvolvidas para o caso de So Paulo para o conjunto das metrpoles latinoamericanas? Entendemos que apesar das particularidades, essas manifestaes no so apenas locais e as dinmicas socioespaciais aproximam, cada vez mais, cidades como Buenos Aires, Santiago e So Paulo. Fique claro, que na raiz da transformao dessas metrpoles est a subordinao do espao que reflete cada vez mais a (re)produo das cidades latinoamericanas, agora de maneira mais profunda, porque capturada pelos movimentos mais abstratos da reproduo do capital. A conseqncia comum dessa subordinao, cada vez mais real e fictcia, ser a produo do espao como raridade e a multiplicao dos movimentos do capital. Trata-se, portanto, de um futuro incerto para So Paulo e para essas metrpoles. Onde a persistncia dessas lgicas de produo do espao determinar apenas diferentes estratgias para uma produo industrial hegemnica futura e, tambm, continuidade das relaes de apropriao do espao. Assim, cabe inovar na busca do possvel, pois a reiterao dessas estratgias e relaes tende a negar a sociedade urbana.BibliografiaBOTELHO, A. Relaes entre o financiamento imobilirio e a produo do espao na cidade de So Paulo: casos de segregao e fragmentao espaciais. Scripta Nova. Revista electrnica de geografa y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, nm. 194 (18). [ISSN: 1138-9788]

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TOPALOV, Christian. Les Promoteurs immobiliers: Contribution lanalyse de la production capitaliste du logement en France. Paris: Editora Mouton, 1974. As formas de produo de construo da cidade corresponderiam a diferentes relaes sociais de produo espao. Numa classificao das diferentes formas de produo, conforme Pereira (2004: 19), teramos: produo domstica, produo por encomenda, produo para mercado e produo estatal. Discutiremos estas formas de produo de forma mais detalhada no item 1.2 deste trabalho.

As formas do espao de assentamento so produzidas pelas foras scio-estruturais dominantes que controlam a sociedade. Esse insight cumpre a promessa inicial da cincia urbana, isto revelar os segredos da organizao social pelo estudo de suas formas materiais (GOTTDIENER, 1997: 95)

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Entendemos que a designao reduo da segregao refere-se idia de que a segregao necessariamente significa um distanciamento fsico territorial, o que parece ser redutor, pois a condio de desigualdade, inerente ao processo da segregao, se manifesta por diferentes relaes espaciais.

A interpretao dicotmica do par voluntrio/involuntrio para explicar as diferentes manifestaes da segregao impossibilita uma interpretao do todo da cidade. A deciso voluntria individual ou de um grupo em isolar-se em um condomnio fechado, gera imediatamente seu oposto, que a impossibilidade de acesso por outros. Ao mesmo tempo a idia da segregao involuntria, de grupos residentes em comunidades pobres ou violentas, obscurece o fato, que foi justamente a intensidade dos processos imobilirios nas proximidades que induziram a essa situao. A atuao do Estado sobre esses grupos normalmente leva a processo de realocao, ou mesmo de urbanizao mais ampla, que pode de fato legitimar um avano para a atuao do imobilirio formal.

De maneira mais detalhada, o autor (JARAMILLO, 1982: 176) utiliza o texto clssico Calculo econmico y formas de propiedad de Charles Bettelheim e identifica um conjunto de posies dentro da forma de produo - trabalho direto, controle tcnico da produo, controle econmico direto da posio e controle econmico indireto e seria justamente a natureza dentro de cada uma destas posies que definiria a relao com os meios de produo e a relao entre estes. O autor define ainda a noo de motor da produo, que corresponderia as razes que determinariam as estratgias do controle econmico. Das relaes particulares dentro de cada uma das formas de produo, se definiria o carter da formao do valor do produto imobilirio (valor de uso/valor de troca).

A necessidade da terra (e seu carter de obstculo a reproduo ampliada); o longo perodo de produo (que implica a condio do pr-financiamento da construo para uma rotao mais rpida do capital industrial e o alcance de uma rentabilidade normal) e o longo perodo de circulao (que implica a necessidade de um financiamento de longo prazo entre o perodo de incio de utilizao do produto e sua amortizao financeira completa) (TOPALOV, 1974:16).

Jaramillo classifica como formas de produo: a produo por encomenda, a promoo privada, auto-construo e a produo capitalista desvalorizada por parte do Estado. Para uma classificao mais adequada substitumos: promoo privada por produo para mercado; autoconstruo por produo domstica e produo capitalista desvalorizada por parte do Estado por produo estatal.

Ressalta-se o carter ambguo destes estudos isolados a partir das explicaes de PEREIRA (2005): " importante salientar que a verticalizao se constitui num produto, que compreende desde edifcios de trs andares a arranha-cus. A autoconstruo, por outro lado, refere-se a um processo de construo da casa pelos prprios moradores. A interpretao do crescimento da cidade pelo modelo centro-periferia associa um produto s reas centrais e a forma de produo domstica s reas perifricas. Essas associaes ambguas exprimem impreciso de critrios e uma incoerncia do modelo, pois num caso o critrio o produto imobilirio, o edifcio vertical; e no outro, o critrio a forma de produo, a autoconstruo da casa prpria".

A forma de produo estatal em sua forma pura isto o Estado assumindo o controle tcnico e econmico da produo bastante incomum, sendo pouco conhecido o alcance dessas experincias, sobretudo pelo silencio dos pesquisadores. Todavia, inegvel a necessidade de reconhecer as diversas possibilidades do Estado, como agente imobilirio, de interferir no processo produtivo.

Esses mecanismos sero apresentados e discutidos na terceira parte deste trabalho, quando se discute a produo imobiliria da cidade de So Paulo.

Devido a restrio de capital para emprstimos, principalmente na segunda metade da dcada de 1980, a demanda solvente restringiu-se a aqueles com capacidade de pagamento dos imveis em perodos mais curtos.

As formas de produo domstica e produo por encomenda praticamente no encontraro espao na cidade. Por outro lado, a produo estatal se aproximar cada vez mais de uma produo de mercado, uma vez que o Estado facilitar sua reproduo, direcionando sua atuao no aprimoramento das estruturas de financiamento da produo e do consumo da mercadoria habitao.

As mercadorias so aqui definidas, empiricamente, como objetos produzidos para a venda no mercado; por outro lado, os mercados so definidos empiricamente como contatos reais entre compradores e vendedores (Polanyi, 1984: 84)

A discusso da diferenciao dos usos do solo foi particularmente desenvolvida pelos tericos da renda da terra, cuja produo e discusso foi bastante intensa nos anos 70. Ver a respeito em Grannele (2004).

O autor analisa os trabalhos de HALBWACHS M., 1909, Les expropriations et le prix des terrains Paris(1860-1900), Paris, Socit Nouvelle de Librairie et dEdition; FIREY W. 1947, Land Use in Central Boston, Harvard University Press (Greenwood Press, Publishers, New York, 1968); BURGESS E. W., 1925, "The Growth of the City : an Introduction to a Research Project" in BURGESS E. W., MAKENSIE R.D., PARK R. E. (ed.), The City, Chicago, The University of Chicago Press, 47-62. BURGESS E. W., 1929, "Urban Areas" in SMITH T. V., WHITE L. D. (ed.), Chicago : an Experiment in Social Science Research, Chicago, The University of Chicago Press, 113-138.

Le point fort des thses sociologiques est de montrer que lusage des sols dpasse largement les phnomnes de march, et cela chaque fois quil y a des mutations profondes de lusage des sols, que ce soit pour lurbanisation de terrains neufs ou pour le recyclage de terrains urbaniss. Les marchs prvoient mal le long terme. Historiquement la cration des beaux quartiers a t chaque fois un pari sur structures nouvelles, anticipant largement lavance le fonctionnement du march (GRANELLE, 2004: 93)

Mais une fois une certaine structure des usages du sol relativement bien tablie, les thses conomiques illustrent en revanche les mcanismes habituels du march. Le sol est allou au plus offrant et la structure des usages du sol est donc dtermine par le march. Celui-ci joue principalement court et moyen terme, mais ragit son tour sur le long terme par le jeu des anticipations des agents. (GRANELLE, 2004:93)

A limitao da varivel preo do solo particularmente iluminada pelos fenmenos que observamos na atualidade, onde a formao do preo do produto imobilirio envolve questes mais complexas.

O autor define o promotor imobilirio como um agent social qui assure la gestion dum capital immobilier de circulation dans sa phase de transformation em marchandise logement (TOPALOV, 1974:15).Para o caso brasileiro, comum em tradues ser feita a substituio pelo termo Incorporador, que corresponde ao termo juridicamente definido. Por reconhecermos que essa traduo pode trazer redues a uma conceituao bastante aprofundada, optamos por utilizar o termo promotor.

Para que aparea a promoo imobiliria, o prefinanciamento da construo e seu financiamento a longo termo devem ser objeto de um investimento capitalista: o retorno rpido do capital-mercadoria do (capital) industrial a forma lquida devem ser assegurados pela interveno de um capital de circulao especfico traduo livre.

Entendemos por preo de monoplio o determinado apenas pelo desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores, sem depender do preo geral de produo ou dos valores dos produtos(Marx, 2008: 1027 a 1028). O excedente desse preo sobre o valor do produto realiza importante lucro suplementar, que converte-se em renda e desta forma pertence aos proprietrios dos capitais envolvidos na produo.

A busca do profissional de marketing no mercado de trabalho e o desenvolvimento desta nova especialidade dentro do complexo organizacional da indstria da construo significam, portanto, o entendimento da necessidade de uma viso empresarial mais preocupada com seu posicionamento dentro da evoluo do mercado imobilirio.J notamos anteriormente, no entanto, que nossa anlise entende essas mudanas no somente como uma transferncia de foco da questo da produo para o mercado no caso, da construo para o imobilirio (COSTA,2002:73).

Exemplos dessas estratgias podem ser encontrados na racionalizao do projeto e do canteiro, no barateamento dos acabamentos, na diminuio das reas molhadas, da metragem total dos apartamentos e da rea construda e, mais importante ainda, a reduo da frao ideal dos terrenos na composio do preo final das habitaes.

Botelho (2005) indica que em levantamento realizado junto Comisso de Valores Mobilirios e empresas ligadas emisso desses papis, pde-se perceber que a grande maioria dos FIIS (Fundos de Investimentos Imobilirios) e dos CRIs (Crdito de Recebveis Imobilirios) lanados na cidade de So Paulo a partir de 1994 concentram-se no chamado vetor sudoeste, rea que engloba as reas mais valorizadas da cidade ou em forte processo de valorizao (como as reas da Av. Paulista, Av. Faria Lima, Av. Eng. Luis Carlos Berrini, Av. das Naes Unidas etc.).

De acordo com pesquisa realizada no site da BOVESPA-NOVOS MERCADOS constatou-se que das 20 empresas de incorporao com capitais abertos, 15 eram empresas de So Paulo.

Deve-se ressaltar que outros fatores so tambm explicativos do boom imobilirio. Royer(2009) destaca a melhoria do ambiente regulatrio, que significou maior segurana jurdica para os incorporadores, construtores e investidores e a melhoria do crdito para a pessoa fsica a partir da reduo das taxas de juros, do aumento dos prazos de pagamentos e da diminuio dos valores de entrada. Alm dessas medidas especficas, deve-se destacar o contexto macroeconmico, com a queda da taxa referencial de juros da economia.

Como exemplos da transformao do Marco Regulatrio referente a Produo Imobiliria vale citar a lei n. 9.514/1997, que dispe sobre o Sistema Financeiro de Imobilirio, institui a alienao fiduciria de coisa imvel e a Lei n. 10.931 que dispes sobre o Patrimnio de Incorporaes Imobilirios, Letra de Crdito Imobilirio, Cdula de Crdito Imobilirio, Cdula de Crdito Bancrio.

Deve-se destacar que esse direcionamento da produo impunha algumas limitaes, j que boa parte das empresas focava para a produo de imveis para a classe mdia alta e alta em razo da maior poupana dos compradores, que facilitava o encaixe de preo no ciclo de implantao e reduzia a necessidade de investimento por parte das empresas. Nesse sentido, o direcionamento da produo para a classe mdia exigia das empresas o aumento de sua capacidade de investimento para produo (ROCHA LIMA JR.; GREGRIO, 2008).

Botelho (2005) destaca que no perodo anterior foi bastante intensa a atuao das cooperativas. As cooperativas so solues encontradas pelos agentes imobilirios para a promoo habitacional destinada a uma faixa de renda da populao que possui condies de pagar por um imvel, mas que no atendida pelo Estado, tendo em vista a inoperncia do SFH e seus altos custos para o consumidor, e pelo mercado imobilirio tradicional, voltado para as camadas de rendas mais altas da populao, o que garante maior retorno para os promotores imobilirios.

Foi o que Rodrigo Lefvre demonstrou em seu estudo sobre a verticalizao do bairro de Moema quando apontou para o paradoxo de que as taxas de lucro nos terrenos baratos so significativamente maiores(LEFVRE,1979:104)

De uma forma geral, a produo imobiliria privilegiar a multiplicao de equipamentos, servios e cenrios nos edifcios, mas desprivilegia uma produo arquitetnica diferenciada, e ao contrrio, se apia muitas vezes na padronizao, na repetio e na larga escala.

O processo que subordina as foras produtivas ao capitalismo se reproduz aqui, visando subordinao do espao que entra no mercado para o investimento dos capitais, isto , simultaneamente o lucro e a reproduo das relaes de produo capitalistas. Os lucros so imensos e lei (tendencial) de queda da taxa de lucro mdio muito eficazmente bloqueada. (Lefebvre, 1999: 164)

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