Artigo Sobre Teatro Jesuítico-2

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  • 7/23/2019 Artigo Sobre Teatro Jesutico-2

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    ISSN 1982-5935

    Kauiza Araujo de Barroswww.unioeste.br/travessias

    TEATRO JESUTICO: UM INSTRUMENTO DA PEDAGOGIA JESUTICA.

    JESUTICO THEATRE: AN INSTRUMENT OF PEDAGOGIA JESUTICA.

    Kauiza Araujo de Barros1

    RESUMO: O teatro anchietano foi utilizado pelos jesutas como um instrumento para que a educaodos gentios acontecesse. Esse artigo tem como enfoque central a utilizao deste instrumento, nosculo XVI, perodo este que o teatro com essa finalidade foi inaugurado tanto nos colgios da Europacomo aqui no Brasil. E tambm o interesse em estudar, especificamente Anchieta por ser considerado o

    primeiro literato em terras braslicas, que com os seus autos religiosos e morais ensinava aos gentios anova cultura aqui implantada.

    ABSTRACT: The theatre anchietano was used by the Jesuits as a tool for the education of theGentiles happen. This article is the central focus as the use of this instrument, in the sixteenth century,this period that the theater was opened for this purpose both in the colleges of Europe as here inBrazil. And also the interest in studying, specifically Anchieta be considered by the first literato inbraslicas land, which with its autos religious and moral teaching to the Gentiles new culture hereimplanted.

    PALAVRAS-CHAVE:Jesutas, Teatro, Anchieta, Brasil.

    O teatro jesutico, especificamente o Teatro Anchietano, era utilizado como forma de ensinar

    aos ndios, e tambm aos alunos do colgio, a cultura e religiosidade portuguesa do sculo XVI,

    transformando-se desta forma em um amplo instrumento pedaggico jesutico. O recorte do sculo

    XVI, acontece por conta de que foi neste perodo em que o teatro foi inaugurado como instrumento

    pedaggico nas escolas jesuticas da Europa e no Brasil, e a nfase em Anchieta acontece por conta

    dele inaugurar a literatura em terras braslicas. E como escreve Paulo Romualdo Fernandes, ele o

    primeiro estrangeiro a escrever em brasileiro. (FERNANDES, 2001, p.8).

    Os jesutas, com o teatro, mostravam algumas conquistas obtidas com os indos, pois houve a

    abolio de supersties e antropofagias, e a implementao da lei do amor, o sentido de lealdade, o

    esquecimento das injrias, a reao contra a inveja e a harmonia entre todos. Mesmo que em alguns

    momentos os ndios fossem considerados inconstantes.

    1Mestrado em Histria da Educao Vinculada como mestranda em Histria da Educao, com o tema: O Teatro

    Jesutico: um instrumento da pedagogia jesutica; pela Universidade Metodista de Piracicaba, tendo como orientador o

    Prof. Dr. Jos Maria de Paiva. Graduada em Filosofia pela mesma Universidade [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Quando os meninos, vestindo as roupas tpicas das tribos e cantando na sua lngua nativa,

    comoviam os prprios pais, estimulando-os a levar a vida de acordo com as leis crists.

    (PISNITCHENKO, 2004, p.51)

    Os Autos Anchietanos, alm de lidar com os mistrios e com as moralidades, se estendiam ao

    adro da igreja e ao rito litrgico materializando as figuras fixas como: anjos, demnios, o Bem e o Mal,

    a Virtude e o Vcio e o uso de danas, demnios enfeitados com penas, msicas e evolues com arcos

    e flechas, totalmente caracterstico do teatro jesutico brasileiro que, sem dvida, era um conjunto de

    prticas no estranhas tradio indgena. E as representaes aconteciam, na maioria das vezes,

    quando havia recepes de pessoas importantes ou das imagens e relquias.

    No podemos nos esquecer de que o teatro, por mais que tenha o seu lado pedaggico, nasceu

    sombra da religio catlica. Pois ele era um recurso didtico da catequese, tanto dos povos nativos

    (ndios) como dos colonizadores portugueses. Um exemplo disso se encontra na maioria dos autos

    anchietanos que dramatizam a vitria de foras da cristandade sobre os demnios, estes (os demnios)

    so quase sempre caracterizados como seres stiros que se utilizam desta caracterizao para brincar

    com os costumes indgenas. E esse tipo de comunicao era feito para ilustrar e/ou eternizar as

    verdades da F, isto , serviu para tocar o fundo da alma dos nativos. Ento, como esta mensagem

    no podia ser apresentada com termos clssicos, ento da se deu a adaptao para a realidade brasileira,

    Uma peculiaridade no teatro anchietano a sua utilizao de at quatro lnguas nos autos, por

    conta de seu heterogneo pblico: o espanhol, o portugus, o tupi e o latim; e desta forma consegue-se

    explicar o contexto histrico, pois:

    O cenrio do Brasil-Colnia no possibilitava que, como acontecia na Europa, o texto fosse todoem latim. Sendo assim, fica-nos mais visvel a razo de Anchieta chegar a utilizar em seus autosat mesmo quatro idiomas: o latim, o portugus, o espanhol e o tupi, maneira direta de atrair o

    pblico dos missionrios, os indgenas. (RUCKSTADTER, 2005, p. 27)

    A utilizao do espanhol, que era lngua da terra natal de Anchieta, foi mais usado nos autos

    representados em vilas e cidades, onde havia mais falantes dessa lngua, ou quando os visitantes eram

    espanhis. A utilizao do latim foi introduzido por insistncia do Geral de Roma e se utilizou em

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    representaes nos colgios, para exerccio dos alunos nesta lngua. Enquanto que o tupi e o portugus

    era para aqueles que no Brasil residia.

    Mas a utilizao da lngua indgena, em um primeiro momento no foi vista com bons olhos,

    por conta de que os ndios brasileiros no tinham palavras correspondentes a Deus, religio, f e etc., e

    a traduo poderia causar um grande erro teolgico. No entanto, percebendo que a pedagogia s

    poderia acontecer desta forma, aceitaram o uso da lngua nativa, desde que algumas palavras fossem

    deixadas em portugus e castelhano.

    Ao ocorrer esta traduo, a troca de experincia entre os missionrios e os indgenas aproximou

    os universos culturais e propiciou aos jesutas um melhor entendimento acerca da religio e dos

    costumes indgenas:

    Por tornar possvel a transferncia de significado e inteno entre colonizador e colonizado, atraduo torna possvel a articulao das linhas gerais da subjugao contida na converso...Aocolocar lnguas em movimento, a traduo tende a desvirtuar as intenes originais,

    proporcionando, mas tambm subvertendo, as bases ideolgicas da dominao colonial.(Eisenberg, 2000,p.72)

    Outra peculiaridade no teatro anchietano a unio de temas nativos e cristos. Anchieta e os

    outros jesutas perceberam que tal unio poderia atrair mais ainda o pblico nativo, pois os ndios j

    tinham uma inclinao natural para a msica e para a dana, e da ao teatro era um passo. Os jesutas

    utilizavam-se no teatro dos elementos indgenas, tirados da fauna e da etnologia e unia aos santos da

    igreja.

    no teatro...da mesma forma como em toda atividade missionria, procuravam adaptar-se, medida do possvel, s peculiaridades dos povos pagos. (Miller, 1949,p.451)

    Segundo o texto O teatro jesutico na Europa e no Brasil no sculo XVI, no auto

    intitulado Recebimento que fizeram os ndios de Guarapari ao Padre Provincial Maral Beliarte, existe uma

    novidade em vista dos outros autos: Anchieta substitui um santo da igreja por uma divindade

    indgena,confirmando, desta forma, que muitas vezes no momento de se escrever uma pea iam buscar

    caracteristica na vida dos santos, nos dogmas da Igreja e nas prprias circunstancias ocasionais que

    motivavam as representaes, e unia temas pagos e cristos no qual a virgem Maria, personagem

    catlico, representada pela divindade indgena Tupansy:

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    Como outrora Tupansyte destroou e esmagou,

    assim me mandou aquirachar-te a cabea a ti:arrogante, aqui estou! (JOS DE ANCHIETA, 1977, p. 243).

    E isso demonstra a importncia que a Virgem Maria tem para Anchieta e para os jesutas, pois

    era pertinente que os ndios aceitassem os smbolos principais do cristianismo, a partir da flexibilidade

    de adeso. Desde o incio da evangelizao, as devoes marianas ocuparam o centro da vida religiosa

    da colnia.

    Os cenrios das representaes influenciava nos contedos e na composio do auto. Eram trs

    os tipos de cenrio de representao: 1 nas aldeias dos ndios evangelizados ou semi-evangelizados; 2

    nas cidades, dentro ou fora das igrejas, para a populao em geral (nestes as finalizaes aconteciam

    em cortejos ou procisses) e 3 nas salas das escolas dos colgios. E a partir disso gostaria de enfatizar

    que este artigo baseia-se principalmente nos cenrios 1 e 2, ou seja, totalmente voltado ao teatro para os

    indgenas, no prestando-se tanta ateno ao colgio, que tambm de extrema importncia se

    perceber.

    O cenrio para as representaes era quase sempre natural (principalmente nas aldeias em que

    era representado ao ar livre, tendo-se como fundo a floresta), tambm na representao havia umdeslocamento no espao (tambm tido nas festividades indgenas), com dilogos nem sempre

    relacionados entre si; as figuras simblicas, s vezes no sacras; a comunicao proporcionada pela

    msica e dana, instrumentos indgenas de sopro e percusso; e principalmente a viso do teatro como

    um aspecto ldico, entendido como jogo, brincadeira. As vestimentas era aparatosas e cheia de penas.

    O cerimonial indgena foi utilizado por Anchieta para a realizao dos autos, pois ele

    desenvolveu um esquema que costumava ser repetido: uma introduo ou um ato inicial lrico; a parte

    central dialogada (que s vezes tinha dois atos) e a despedida (acompanhada de msicas, cantos e

    danas). J o pblico (que era de colonos, ndios e s vezes de visitantes) e os atores eram escolhidos

    entre os mais extrovertidos, sendo eles brancos, ndios ou mamelucos. E os recursos utilizados eram

    mnimos e simples, segundo nos conta Crrea:

    para imitar o vento havia um ndio que enchia a bochecha e soprava fragorosamente, com acabea para fora dos bastidores, enquanto outros, que imitavam diabos, rolavam no tablado.

    Alis, tambm construam alapes para os demnios (interpretados pelos ndios) aparecerem ousumirem. (CRREA, 1994, p. 30)

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    Com a introduo de canto e danas nos autos para atrair os povos indgenas, mesclados com a

    mensagem crist, Anchieta, principalmente no Auto da Pregao Universal, criticava a antropofagia,

    poligamia e aos demais costumes considerados pagos, para a construo de uma nova sociedade.

    Desta forma, uma nova sociedade nascia, pautada em relaes mercantilistas, isto , uma nova maneira

    de produzir e reproduzir a vida.

    A estrutura do teatro anchietano era feita de uma forma que a representao no coubesse

    apenas em palco, mas tambm em torno dos aldeamentos e perto das igrejas. As peas duravam horas e

    eram, como j dito anteriormente, feito de canto, danas e dilogos.

    Os dilogos teatrais com personagens da vida social indgena,a lngua deles sendo falada e para

    que seu espectador entendesse sobre a maneira boa de viver (modo portugus de se viver) e o que

    mau (os rituais e costumes indgenas): criando desta forma um teatro evidentemente pedaggico, no

    sentido em que tambm eram os autos religiosos e de moralidades.

    Anchieta, no teatro, se utilizou muito da fala, por saber o sagrado significado que ela

    representaria para os espectador indgena. Porque a fala para os indgenas era de extrema importncia a

    partir do fato deles no escreverem e assim toda a sua histria ser transmitida, at os dias de hoje, sob

    forma oral. A palavra falada no era apenas um instrumento para a transmisso de pensamentos, mas

    sim, um instrumento cheio de signos/significados, religiosidade e histria indgenas. Alm do uso dapalavra falada, a imagem tambm fazia bastante efeito aos ndios, principalmente quando as imagens

    fazia parte do seu repertrio natural, e desta forma, era percebido o entrelaamento das culturas

    europias com a indgena, tornando os ensinamentos cada vez mais perceptveis aos ndios.

    Aos quatorze anos, Anchieta convive em um ambiente de mltiplas culturas (africana, europia,

    nativa). Em 1548 ingressa no Colgio, perodo este de maior efervescncia das idias humanistas (pois

    este perodo considerado o de transio do mundo medieval para o mundo moderno).E tambm

    neste perodo acontece a ruptura da unidade crist ocidental com a Reforma Protestante, e a partir da a

    igreja comea a se apoiar, para conter o avano do protestantismo, no tribunal da Santa Inquisio e na

    Companhia de Jesus.

    Portugal, neste perodo, destacava duas caracteristicas principais: por um lado, tratava-se de um

    mundo rural em crise, por conta das novas circunstncias e por isso um grande nmero de pessoas

    estavam indo migrar para Lisboa; por outro lado, encontra-se nela um aspecto moderno, urbano, o

    grande comrcio e a vida da corte. O rei era responsvel por grande variedades de empreendimentos

    em Portugal, e sua forma de promov-los dependia centralmente do comrcio martimo, pois caso o

    trfico de pimenta cessasse, se prev dvidas e fome. ( BELLINI, 1997,p. 10). O reino portugus ou

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    era catlico ou no era considerado reino, e segundo Hespanha, tudo o que fosse estranho cultura

    catlica portuguesa, era recusado, pois a identidade portuguesa era inseparvel da catlica, e aquele que

    no fosse catlico poderia ser desnaturalizado. E o teatro em Portugal, por conta das crticas de Gil

    Vicente, chegou a no ser bem visto.

    A chegada da Companhia no Brasil em 1549, trouxe tambm uma crena de que sua tarefa aqui

    era de evangelizar, e havia sido preparada pela providncia, fazendo com que os missionrios

    acreditassem que isso fosse algo fcil, isto , a converso dos gentios iria acontecer de uma forma

    tranquila, mas com o decorrer do trabalho perceberam que os maus-costumes dos ndios era de tal

    forma enraizado que atrapalhava a converso verdadeira. E uma forma de facilitamento, os jesutas

    desenvolveram os aldeamentos, que era um espao onde diversos ndios viveriam sob a tutela do

    Estado portugus na Amrica e seu cotidiano seria constantemente vigiado pelos padres jesutas.

    Sendo que este mundo hispano-portugus e este mundo indgena dizem bemmais que dois grupos humanos, tambm representam a fronteira entre o civilizadoe o no-civilizado (isto, claro, sob a tica europia). (SOARES, 2004,p.2)

    Quando Anchieta chegou no Brasil aos vinte anos, ele comeou a escrever poemas, autos e

    cartas histricas, religiosas e poticas com descries da vida e da flora e fauna brasileira, e sua

    formao como dramaturgo aconteceu no meio dos ndios, sem livros e ligada totalmente ao mundo

    portugus, metropolitano e colonial. Ele escreveu com o objetivo de catequizar e evangelizar os ndios

    e os colonos, e com a instrumentalizao do teatro, ele conseguiu tranformar o Brasil pago em

    catlico e cristo:

    Como se esta comunidade no tivesse existncia passada ou mesmo presente e reconhecesse em Josde Anchieta algum superior (como visto hoje) que lhes ensinasse uma cultura e uma maneirade viver. Como se essa comunidade que existia ou que se formara muito antes da chegada dos

    jesutas no contasse com pessoas vivas e atuantes: ndios guerreiros e canibais, homens europeusdegredados.(...) Como se os ndios guerreiros, que tinham na guerra e na vingana talvez aprincipal forma de organizao de sua sociedade, fossem meninos mal ajuizados indo para oteatro levar caro.(FERNANDES, 2001, p. 16)

    Uma das caractersticas do teatro anchietano a utilizao de autos, inspirado no teatro de Gil

    Vicente (1465-1537) com o qual Anchieta teve contato ao estud-lo em Coimbra. Os autos so

    composies religiosas-pastoris, que tem como tema central os valores da poca. J Gil Vicente,

    considerado um grande dramaturgo do sculo XVI exprime a vida nacional de Portugal. As peas

    vicentinas eram cheias de conselhos e advertncias, aludindo cobia, s privanas, ao poder do

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    dinheiro, criticando todos os vcios e apreciando com plena liberdade a sociedade portuguesa,

    utilizando-se do Teatro como rgo da opinio pblica. Ento o teatro vicentino pode ser considerado

    como a vida em ao, pois era considerado como a pintura da sociedade em que se chocavam os

    defeitos dos homens. importante reconhecer a influncia vicentina no teatro de Anchieta, e tambm

    de seus compatriotas Caldern, de La Barca e Tirso de Molina, mas que em Anchieta um teatro de

    moralidades e de mistrios, mas muito mais singelo, linear em seus conflitos e tratamento dos temas,

    no se esquecendo do sincretismo de culturas sobre o qual se estrutura o tpico auto anchietano.Outra

    caracteristica do teatro vicentino e consequentemente anchietano a temtica do bem versus o mal.

    Mas tambm encontramos mais caracteristicas pertencentes tanto a Gil Vicente como a

    Anchieta. Os dois viam o Demnio como malvolo, mas galhofeiro e fanfarro, e o Anjo outro

    personagem frequente em ambos dramaturgos, que se utilizavam destes personagens para enfatizar o

    confronto do bem versus o mal.

    A composio dos autos sempre era motivada por um acontecimento, que geralmente era a

    titulao do auto, como, por exemplo,Na festa de So Loureno, Na festa de Natal ou Pregao Universal, Dia

    da Assuno em Reritibae etc. E quando era representado, os autos eram naturalmente adaptados para as

    circunstncias em que estavam e devido as contingncias aconselhadas. Sendo que o nico auto

    conservado inteiro foi o Auto do Recebimento que fizeram os ndios de Guaraparim ao Padre Maral Beliarte.Anchieta entrou em contato com a cultura indgena, seus costumes, usos, idiomas e chegou a

    escrever uma Gramtica de Tupi, e foi nesta lngua que ele escreveu o Dilogo da F ou Doutrina

    Crist, que era considerado uma espcie de livro de instrues para preparar os ndios ao batismo e a

    uma vida em obedincia moral. Ou seja, falar com o ndio em sua prpria lngua tornou-se to

    fundamental, que estabeleceu a comunicao entre os jesutas (que poderiam introduzir seu universo) e

    os ndios (receptores dos novos conhecimentos portugueses).

    Pensando no encontro do ndio com os missionrios, percebemos que houve uma

    descontextualizao por conta de que a cultura pura (europia) ao entrar em contato com a cultura

    indgena (impura), foi contaminada e substituda pelo que Gruzinski denomina de lgica mestia, na

    re-adaptao das novas identidades e formaes sociais.

    As fontes sobre o Brasil colonial revelam a dialtica do encontro entre ndios e missionrios emque, de um e de outro lado, houve um constante trabalho de transformao no plano das prticase dos smbolos, as primeiras veiculando os segundos e sendo, ao mesmo tempo, determinadas porestes (Pompa, 2002, p.23)

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    Alguns autores afirmam de que os ndios do sculo XVI no tinham uma religio, mas tinham

    uma idia de divindade, chegando at a afirmar de que os ndios no tinham nem f, nem lei, nem rei,

    desta forma, os jesutas consideravam como uma boa maneira de ensinar aos ndios, pois como eles no

    tinham religio, era apenas necessrio fazer com que a religio europia penetrasse na cultura

    indgena, e para isso eles se utilizaram (como feito no teatro) de elementos da cultura nativa como

    forma de veicular a f catlica. E os elementos europeus, aqueles que faziam sentido cultura indgena,

    foram absorvidos por ter uma significao.

    Vendo a idia de Pompa, tomo a liberdade de tambm afirmar de que no houve uma aceitao

    passiva, do lado indgena, mas tambm ao mesmo tempo no houve uma resistncia, mas sim uma

    negociao em andamento, para um melhor entendimento na soluo dos problemas, principalmente,

    lingustico existente entre os indgenas e os missionrios.

    Os jesutas culpavam o atraso das populaes indgenas aos diabos e os feiticeiros, que eram os

    xams, os pajsou carabas, que falsificavam e corrompiam as puras imagens da f. Eram eles que

    tornavam os nativos em inconstantes levandos os catequizados de volta aos antigos costumes, por

    conta desta inconstncia foi percebido a inutilidade de batismos em massa e a necessidade de um

    trabalho mas intensivo com os nativos:

    ...no nos parece bem bautizar muitos em multido, porque a esperientia ensina que poucos vema lume, e he maior condenao sua e pouca reverentia do sacramento do bautismo (Leite, 1954-1957, vol.I, p.346)

    A partir desses dados, concluo de que o teatro foi a forma utilizada pelos portugueses para que

    os ndios entendessem, com instrumentos visuais, o que realmente os missionrios queriam deles:

    torn-los portugueses-braslicos, tanto que se apropriaram dos signos indgenas de uma forma que

    transformaram os ndios em cristos. Sendo que essa atividade extra-curricular2, principalmente s

    crianas, ajudava a regular os costumes indgenas nos adultos,e contribuiu para a formao

    educacional do Brasil no sculo XVI.

    2 Utilizando-me de um termo contemporneo.

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    http://www.seol.com.br/mnemehttp://www.seol.com.br/mneme
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    Minibiografia da autora:

    Vinculada como mestranda em Histria da Educao, com o tema: O Teatro Jesutico: um instrumento

    da pedagogia jesutica; pela Universidade Metodista de Piracicaba, tendo como orientador o Prof. Dr.

    Jos Maria de Paiva. Graduada em Filosofia pela mesma Universidade. Informaes acadmicas:

    Artigo completo publicado na revista Pros: caderno de pesquisa em filosofia, vol. 1; com o tema:

    Marques de Sade: Entre o desejo e o prazer, 2005

    Participaes em cursos de Extenso:

    Universitria em Biotica Piracicaba, 2005

    A vida humana e suas trajetrias Ortega y Gasset Piracicaba, 2005.

    Comunicaes e resumos publicados em anais de Congressos:

    Seminrio de Dissertaes e Teses da Universidade Metodista de Piracicaba Piracicaba, 2007.

    VII Colquio Internacional do Centro de Estudos e documentao sobre o pensamento antigo -

    Campinas, 2005.

    I e II Seminrio de Pesquisa em Filosofia Piracicaba, 2005

    IV Encontro Nacional do GT de Histria Antiga Rio de Janeiro, 2004

    XII Encontro Internacional de Iniciao Cientfica So Paulo, 2004

    II Mostra Acadmica da Universidade Metodista de Piracicaba Piracicaba, 2004

    II Seminrio Internacional Archai Piracicaba, 2004

  • 7/23/2019 Artigo Sobre Teatro Jesutico-2

    12/12

    travessias nmero 02 [email protected]

    ISSN 1982-5935

    Kauiza Araujo de Barroswww.unioeste.br/travessias

    Participaes em Congressos:

    VI Encontro Nacional de Histria da Educao no Brasil UFSCAR.

    VII Encontro Nacional de Histria da Educao no Brasil - UNIFAI