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O TURISTA, O MORADOR E O USO DO ESPAÇO URBANO: INTERAÇÕES ESPACIAIS EM GRAMADO E CANELA Décio Rigatti Professor do Departamento de Urbanismo Faculdade de Arquitetura UFRGS e do PROPUR/UFRGS. Colaboração: Acadêmicas de arquitetura da UFRGS: Daniela Reckziegel e Fernanda Zanetti. N RS-235 São Francisco de Paula Cônego João Marcheti João Pessoa Godolfredo Raimundo Vale do Quilombo Taquara Júlio de Castilhos Canastra/Burges Osvaldo Aranha Estrada para o Caracol Av.das hortências Estrada para linha Bonita Borges de Medeiros Estrada para Serra Grande Garibaldi São Pedro RS -235 Gramado/Canela RS-235 São Francisco de Paula Cônego João Marcheti João Pessoa Godolfredo Raimundo Vale do Quilombo Taquara Júlio de Castilhos Canastra/Burges Osvaldo Aranha Estrada para o Caracol Av.das hortências Estrada para linha Bonita Borges de Medeiros Estrada para Serra Grande Garibaldi São Pedro RS -235 Gramado/Canela PAISAGEM URBANA PAISAGEM URBANA

Artigo Sobre Turismo e Paisagem Em Canela e Gramado

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  • O TURISTA, O MORADOR E O USODO ESPAO URBANO: INTERAESESPACIAIS EM GRAMADO E CANELA

    Dcio Rigatti

    Professor do Departamento de UrbanismoFaculdade de Arquitetura UFRGS e do PROPUR/UFRGS.

    Colaborao: Acadmicas de arquitetura da UFRGS:Daniela Reckziegel e Fernanda Zanetti.

    Integrao Local Gramado e Canela R5

    Legenda

    N

    RS-235 So Francisco de Paula

    Cnego Joo Marcheti

    Joo Pessoa

    Godolfredo Raimundo

    Vale doQuilombo

    Taquara

    Jlio deCastilhos

    Canastra/Burges

    Osvaldo Aranha

    Estrada para o Caracol

    Av.das hortncias

    Estrada paralinha Bonita

    Borges de Medeiros

    Estrada paraSerra Grande

    Garibaldi

    So Pedro

    RS -235Gramado/Canela

    Integrao Global Gramado e CanelaRS-235 So Francisco de Paula

    Cnego Joo Marcheti

    Joo Pessoa

    Godolfredo Raimundo

    Vale doQuilombo

    Taquara

    Jlio deCastilhos

    Canastra/Burges

    Osvaldo Aranha

    Estrada para o Caracol

    Av.das hortncias

    Estrada paralinha Bonita

    Borges de Medeiros

    Estrada paraSerra Grande

    Garibaldi

    So Pedro

    RS -235Gramado/Canela

    PAISAGEM URBANAPAISAGEM URBANA

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    Paisagem Ambiente: ensaios - n. 16 - So Paulo - p. 69 - 107 - 2002

    Dcio Rigatti

    RESUMO

    O objetivo central deste trabalho o de examinar as modalidades deestruturao espacial de cidades tursticas, verificando como o espaose organiza de forma lgica para permitir o acesso e a movimentaodos turistas, ou os estranhos ao sistema espacial considerado, alm deestruturar a vida cotidiana dos moradores. A partir do exame de duascidades: Gramado e Canela, cidades gachas que possuem no turismoum forte componente de sua base econmica, pretende-se analisarem que medida o espao atua como uma instncia das relaes entreestranhos e moradores.

    ABSTRACT

    The main goal of this paper is to analyze the role played by space in theorganization of patterns of movement and encounters between residentsand strangers in cities where tourism is a key aspect of its economy. Asa case study, two cities in the Rio Grande do Sul state are studied:Gramado and Canela.

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    O TURISTA, O MORADOR E O USO DOESPAO URBANO: INTERAESESPACIAIS EM GRAMADO E CANELA

    1 Introduo

    O turismo tem comparecido neste final de sculo como uma impor-tante atividade econmica que, para algumas cidades, longe de serum subproduto, constitui-se na essncia da base econmica. Semconsiderarmos esta discusso para cidades que possuem um lastrohistrico considervel, como o geral de cidades, por exemplo, aseuropias, e que so destinos tradicionais de turistas, queremoscentrar nossa ateno em algumas realidades mais recentes e maisprximas, no sentido de examinarmos de que modo a organizao daatividade econmica e a organizao espacial correspondem ou noa processos simultneos. Interessa-nos, em particular, examinarcomo essas duas formas de organizao se estruturam no sentido defornecer uma clara identificao do que sejam os lugares dos turistas os estranhos e os lugares dos moradores, os lugares do consumoturstico e os lugares da vida cotidiana.

    Este estudo tem como objetivo, ento:

    a) Analisar as relaes entre organizao econmica e organizaoespacial para o caso de cidades tursticas do Rio Grande do Sul,tendo como estudo de caso as cidades de Gramado e Canela.

    b) Verificar de qual modo o espao se articula, no sentido de promo-ver padres de encontro e movimento entre as categorias sociaisde moradores e estranhos.

    2 As Duas Cidades

    Gramado e Canela so duas cidades da regio serrana gacha quese tm destacado como destino de grande nmero de turistas quebuscam essas cidades para seus perodos de frias ou lazer. Aatratividade dessas cidades tem muita relao com os aspectosnaturais da paisagem, seu clima e um forte marketing centrado na

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    valorizao desses aspectos1 . Assim, matas, quedas dgua, friorigoroso no inverno, temperatura amena no vero, compem oquadro segundo o qual se consolida a atratividade do produtoturstico para essas reas. No entanto, os fatores de atrao no soexclusivamente associados a esses aspectos ligados natureza dolugar, mas e em grande medida s cidades em si, sua infra-estruturaturstica acomodaes, alimentao arquitetura peculiar independentemente da avaliao crtica que dela se possa fazer ,sua estrutura urbana, seus atrativos mais ligados ao consumoturstico no sentido um pouco mais estrito. Neste sentido, pode-sefalar de Gramado e Canela como localidades nas quais o turismo um produto de consumo que, hoje, est na base de seu desenvol-vimento econmico.

    Esse produto turstico se complexifica, gerando uma gama de setoreseconmicos que, mesmo diversificados, encontram no turismo suaforma de expresso de realizao econmica. Deste modo, setorescomo o moveleiro, o de chocolates, o de malharia, o de artesanatoem geral, so partes integrantes e associadas s atividades conside-radas mais de infra-estrutura, como o setor hoteleiro, de alimentao,transporte e comunicao, os mais elementares de serem considera-dos em qualquer infra-estrutura turstica.

    De particular interesse, tambm, so os reflexos desta atratividadesobre o mercado de terras que, nos casos em exame so cruciais, umavez que dizem respeito ou podem implicar no comprometimentomesmo dos atrativos que se constituem em razo de ser da atividadeturstica nessas cidades. Dessa maneira, a expanso urbana na formade loteamentos e condomnios por unidades autnomas para seremutilizados como reas residenciais voltadas ao veraneio bem como aintensidade de construo no interior das cidades, se no so rigoro-samente controladas, podem comprometer os aspectos ambientais ede paisagem urbana que concedem base atividade turstica. Nesteparticular j se pode visualizar, especialmente para Gramado, aperda de reas de vegetao nativa para a implantao de empreen-dimentos imobilirios. H, portanto, tanto uma modificao na pers-pectiva do processo de incorporao de reas naturais para uso

    (1) No caso especfico do estudo de caso, poderamos acrescentar, tambm, a busca de uma identidade arquitetnicavinculada a um tipo de colonizao, no caso, germnica. Na realidade, tanto Gramado quanto Canela foram colonizadasem um perodo de expanso das colnias velhas, sejam elas germnicas, com origem no vale dos sinos, sejam elasitalianas, que se expandem a partir da regio de Caxias do Sul. Portanto, mesmo que seja buscada uma cara germnica,principalmente para Gramado, a colonizao italiana quantitativamente mais forte nessa regio.

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    urbano quanto na escala e tipologia das edificaes no interior dotecido mais consolidado.

    Deste modo, o quadro montado para a sustentao da atividadeturstica possui um carter instvel e frgil, requerendo um constantecontrole sobre as iniciativas individuais, sob pena de sua descarac-terizao e comprometimento irremedivel. A explorao econmicada atividade turstica, para que seja sustentvel, necessita de garan-tias tanto para os investidores quanto para o turista, que haja umacongruncia mnima entre expectativas e realizaes. A ao decontrole global sobre os destinos da cidade deve poder condicionaras iniciativas individuais aos objetivos e razo de ser do desenvolvi-mento urbano fundado na atividade turstica. Assim, controle ambien-tal, do uso e ocupao do solo urbano, da incorporao de novasreas rea urbana ocupada, infra-estrutura de saneamento, trans-porte, comunicaes, entre outras, so vitais para a manuteno dafuno turstica.

    Todas as atividades, voltadas para o turista ou no, assumem umalocalizao no espao da cidade e seu conjunto e relaes propemuma certa estrutura urbana que por suas caractersticas configuracio-nais produz, em grande medida, o sistema de relaes tambm entreas pessoas, sejam elas moradoras ou estranhas. O turista conside-rado um estranho na medida em que vem de fora do sistema espacialde destino, move-se, consome, relaciona-se com outros estranhos e,em alguma medida, com os moradores ou seja, os membros maisfixos da vida da cidade e depois se retira.

    Toda a cidade e sua estrutura fsica, especialmente a dos espaospblicos, representa o campo de relaes entre duas categoriassociais distintas: a dos estranhos e a dos moradores (Hillier, Hanson,1984) e grande parte das formas de relaes entre essas categoriasest proposta pelas caractersticas configuracionais do espao urba-no. Isto , a morfologia urbana prope, ela mesma, espaos de maioracessibilidade geral e, portanto, onde estranhos podem transitar commaior liberdade e possuir um maior controle espacial e, tambm,espaos de menor acessibilidade geral, mais associados presena,controle e movimento por parte dos moradores.

    Esta uma caracterstica essencial dos espaos urbanos e sua relaocom a sociedade. Isto significa que a sociedade, de algum modo,molda e adapta o espao no sentido de facilitar ou dificultar asmodalidades de encontro possveis entre categorias sociais distintasde moradores e estranhos.

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    Esses aspectos, em cidades que dependem economicamente dagrande presena e movimento de estranhos, como o caso decidades tursticas, so mais acirrados, medida que as interfacesnecessrias no podem eliminar as formas de controle espacial,nem por parte dos moradores, nem por parte de estranhos. Osprimeiros para que mantenham, em certa medida, o domnio deseus espaos cotidianos e, os segundos, para que as interfaces noespao no causem nem sensao de insegurana, nem de estra-nhamento, o que estaria em contradio com o funcionamentoadequado da atividade turstica.

    So essas ambigidades que se pretende desvendar, ao mesmotempo em que se pretende deixar mais claro de que modo essasdiferenas so diferenas estratgicas do ponto de vista da organi-zao do espao para determinadas modalidades de organizaosocial dessas localidades. Estas questes sero objeto de avalia-o a partir da aplicao do instrumental metodolgico enunciadoa seguir.

    3 Aspectos Metodolgicos

    A anlise proposta pressupe o exame das cidades de Gramado eCanela do ponto de vista da oferta de bens e produtos voltados aoconsumo turstico e daqueles ligados reproduo cotidiana dosmoradores, assim como uma detalhada avaliao de suas estruturasmorfolgicas. Para tanto se proceder coleta e anlise da distribui-o do uso do solo, distinguindo-os por diversas categorias como:alojamento, alimentao, comrcio local, comrcio de bens para oconsumo turstico malhas, chocolate, artesanato, etc. tanto paraGramado como para Canela. Como apoio, efetuar-se- uma brevedescrio do processo histrico de formao dessas cidades.

    Os aspectos configuracionais responsveis pela descrio das estru-turas de acessibilidade das duas cidades e dos potenciais de usosocial do espao sero examinados pela utilizao de algumastcnicas de representao e anlise, denominadas de sintaxe espacial(Hillier, Hanson, 1984).

    A tcnica de sintaxe espacial tem por meta fornecer um referencialinterpretativo para o espao com base nos seguintes postulados:

    a) Todo assentamento formado por um sistema contnuo de espa-os abertos, cuja forma resulta modalidades pelas quais os edif-cios e outros tipos de barreiras so agregados.

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    b) Todo assentamento, visto como uma seqncia de espaos aber-tos e sistema edificado, campo da interface de duas categoriassociais que se utilizam do mesmo: os estranhos ou visitantes e oshabitantes ou moradores. Todo assentamento palco, portanto,das relaes que se estabelecem entre os moradores entre si edestes com os estranhos.

    O objetivo da anlise sinttica descrever o assentamento com baseno padro medido destas relaes, por meio de suas propriedadessintticas. Em outras palavras, descrever de que maneira o sistemacomo um todo se relaciona a cada uma de suas partes constituintese de que forma a multiplicidade destas relaes produz uma estruturasubjacente.

    Temos impressas no espao urbano duas dimenses fundamentais daorganizao da morfologia urbana: uma dimenso local, dada pelascondies de relao mais imediatas entre o sistema edificado e oespao pblico para o qual o sistema edificado possui interfaces,privilegia a interface entre moradores do sistema; uma dimensoglobal, que estrutura o conjunto espacial e permite compreender nos de que maneira se organizam as partes do sistema, mas tambmcomo so estruturadas as relaes que se do no conjunto do tecidourbano e as relaes entre as categorias sociais consideradas.

    Essas dimenses podem ser objetivamente medidas por suas proprie-dades sintticas. Tanto as propriedades sintticas quanto as princi-pais medidas utilizadas nesses procedimentos podem ser consultadasem outros trabalhos publicados nesse mesmo peridico2 . Aqui, limi-taremo-nos a registrar uma breve informao para facilitar o entendi-mento do leitor.

    Para as finalidades do trabalho, trabalharemos apenas com a medidade integrao a qual chave na anlise sinttica, uma vez que rela-ciona cada espao do assentamento com todos os demais, fornecen-do informaes sobre a acessibilidade de cada um deles a todos osoutros do tecido considerado. O conceito de integrao est relacio-nado noo de profundidade. Na representao axial do sistemaurbano, que mapeia a acessibilidade e as conexes de todos osespaos entre si, cada linha axial est ligada a todas as demais tantodiretamente quanto por meio de um certo nmero de linhas inter-venientes ou passos, que intermedeiam a passagem de um espao

    (2) RIGATTI, Dcio (1995, 1998 e 2000).

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    a outro. A profundidade entre quaisquer duas linhas dada pelo n-mero de passos que intervm na passagem da primeira para a segun-da linha. A profundidade entre duas linhas A e B que se interceptam um. Nos demais casos, a profundidade medida pelo nmeromnimo de linhas que devem ser cruzadas para, partindo de umadeterminada linha, atingir uma outra qualquer no conjunto: umalinha tem profundidade dois, em relao linha raiz, se h uma linhaextra intervindo e assim por diante.

    Uma linha rasa, ou seja, de menos profundidade, tem por efeitopuxar para si todas as demais, integrando o conjunto (Figura 1). Porsua vez, uma linha profunda afasta de si todas as demais, resultandoem um espao mais segregado do conjunto, de acessibilidade menosdireta3 .

    A condio de integrao espacial est relacionada noo desimetria/assimetria de uma dada morfologia, que trata da relao dedois espaos com, no mnimo, um terceiro. Uma descrio ditasimtrica quando a relao entre dois espaos for igual para ambos,assim como a de ambos para um terceiro. Como na Figura 2a, arelao de A para B simtrica, assim como as relaes de amboscom C. Sistemas espaciais simtricos so mais rasos ou mais integra-dos. Na situao 2b verifica-se que a relao de A para B comrelao a C no a mesma que a relao de B para A, dado que Bintermedeia a passagem de A para C. Este tipo de relao ditaassimtrica e envolve uma profundidade maior entre os espaos,ocasionando uma maior segregao espacial.

    (3) Para explicaes mais detidas sobre integrao/ncleo de integrao, recomenda-se o exame das seguintes obras:HILLIER, B.; HANSON, J.; PEPONIS, J. (1987); HILLIER, B. (1989); TEKLENBURG, J. A. F.; TIMMERMANS, H. J. P.;WAGENBERG, A. F. van (1991).

    sistema de profundidade mnima

    seqncia linear deespaos: profundidade mxima

    1

    5

    4

    3

    2

    1

    Figura 1Crdito: Autor

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    O sentido sociolgico de simetria/assimetria diz respeito s relaesque se estabelecem no espao urbano. Segundo Hillier, Hanson(1984), h uma maior tendncia integrao entre categorias sociaisem descries simtricas, enquanto a assimetria estaria relacionadaa uma maior segregao entre estas categorias. Evidnciasempricas4 sugerem uma relao entre a propriedade de integraotal como definida e padres de movimento ou, melhor dizendo, entreesta propriedade e a previsibilidade de movimento. Desta forma, umavez que os espaos mais integrados so aqueles nos quais h umamaior probabilidade de movimento e de encontro entre habitantes evisitantes locomovendo-se, as atividades dependentes de movimentoali estariam localizadas, enquanto as reas mais segregadas seriamprimariamente residenciais.

    A distribuio dos espaos de maior integrao, em virtude de suarelao com o padro de movimento e de distribuio das atividadesurbanas, compe uma das caractersticas bsicas dos assentamen-tos, diferenciando-os entre si, permitindo a identificao de campospotenciais de encontro e a forma pela qual o leiaute urbano participana gerao desse campo potencial.

    O que importante resgatar a respeito das medidas sintticas queelas no se constituem apenas em uma ferramenta que possibilitadescrever de forma mais precisa os diversos leiautes urbanos, masfundamentalmente so teis para mostrar como esses diferentesleiautes so gerados e atendem a propsitos sociais distintos, sendopassveis de serem compreendidos pela prpria estrutura dos assen-tamentos. Desta forma, as condies peculiares de cada configura-o urbana podem informar sobre o posicionamento e formas decontatos possveis de diferentes categorias sociais presentes no inte-rior de um espao urbano.

    (4) RIGATTI, Dcio (1991); RIGATTI, D. (1993); HILLIER, B.; HANSON, J.; PEPONIS, J. (1987); HILLIER, B. et al. (1993).

    Figura 2Crdito: Autor

    A B

    C

    A

    B

    C

    2a

    relao de simetria

    2b

    relao de assimetria

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    4 Gramado e Canela, Cidades Tursticas

    Gramado e Canela se situam na regio nordeste do estado do RioGrande do Sul, na regio serrana. Gramado dista de Porto Alegre115 km e, Canela, 120 km (Figura 3). A regio foi colonizada princi-palmente no sculo 20, primeiramente pela explorao das reservasde araucrias e, posteriormente, pela agricultura e pecuria, comparticipao de alemes e italianos j descendentes de imigrantesdas colnias mais antigas do estado, seja da regio de NovoHamburgo, no caso dos alemes, seja da regio de Caxias do Sul, nocaso dos italianos, os quais se estabelecem em pequenas proprieda-des rurais da regio. A colonizao mais tardia desta parte do estado atestada pelos recentes processos emancipatrios. Gramado seemancipa apenas em 1954, enquanto Canela se emancipa um pou-co antes, em 1944.

    Os dois municpios, em funo principalmente das caractersticas declima e paisagem, passam a constituir-se em destino para turistas doBrasil inteiro, tendo o turismo como parte importante de suas baseseconmicas.

    Embora no dispondo de dados comparativos para Canela, as infor-maes sobre a movimentao de turistas em Gramado do umaidia da relao entre moradores fixos e visitantes (Tabela 1).

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    TABELA 1FLUXO TURSTICO EM GRAMADO

    Janeiro de 1999 a setembro de 2000

    Observa-se em Gramado que, mensalmente, a populao flutuanteoriginada do fluxo turstico varia em 1999, de 4 a 18 vezes o total dapopulao fixa da cidade, o que d uma idia do impacto desse fluxodo funcionamento da cidade. Isto reforado pelo crescente nmerode visitantes nos ltimos anos ultrapassando, em 1999 e em 2000, de2 milhes de turistas.

    5 As Estruturas Urbanas de Gramado e Canela

    Para o exame das estruturas urbanas de Gramado e Canela, com autilizao de procedimentos de sintaxe espacial, procederemos auma anlise em separado de cada uma das cidades para, finalmente,examinarmos as duas em conjunto.

    O passo seguinte, uma vez avaliados os sistemas espaciais em ques-to, verificar as maneiras de as atividades urbanas se distriburemnas cidades, sendo que os levantamentos de campo para estesaspectos levaram em considerao no apenas a distribuio dasatividades em si, mas tambm se cada uma delas est associada aouso por parte de moradores ou se so atividades mais voltadas paraturistas, ou seja, ao estranho ao sistema espacial.

    Fonte: www.gramadosite.com.br

    Mensal Acumulado 99/98 2000 Mensal Acumulado

    1999 99/00

    Jan. 99 144.925 144.925 61% Jan. 00 204.413 204.413 41%

    Fev. 99 112.796 257.721 34% Fev. 00 176.321 380.734 48%

    Mar. 99 133.259 390.980 36% Mar. 00 207.082 587.816 50%

    Abr. 99 155.639 546.619 33% Abr. 00 252.414 840.230 54%

    Mai. 99 164.674 711.293 39% Mai. 00 206.898 1.047.128 47%

    Jun. 99 160.866 872.159 46% Jun. 00 232.998 1.280.126 47%

    Jul. 99 203.200 1.075.359 53% Jul. 00 294.632 1.574.758 46%

    Ago. 99 216.667 1.292.026 61% Ago. 00 255.134 1.829.892 42%

    Set. 99 160.754 1.452.780 60% Set. 00 241.533 2.071.425 43%

    Out. 99 201.783 1.654.563 63% Out. 00

    Nov. 99 218.938 1.873.501 64% Nov. 00

    Des. 99 448.735 2.322.236 60% Des. 00

    TOTAL 99 2.322.236 60% TOTAL 00 1.047.128

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    Finalmente, procederemos anlise conjunta das informaesconfiguracionais, medidas por categorias de sintaxe espacial, com asde carter funcional, medidas pelo uso do solo urbano, examinandoos padres existentes no uso do espao urbano e os padres dedistribuio espacial das prticas sociais entre as categorias demoradores os residentes nas cidades e os estranhos em nossocaso, os turistas. Desta forma poderemos observar em que medida,nas duas cidades, turistas e moradores compartilham o espao dacidade e qual o significado para a estruturao de redes de relaessocioespaciais.

    5.1 Gramado

    O sistema urbano de Gramado acessado por meio de duas es-tradas principais: a RS-115, que faz a ligao de Gramado com PortoAlegre, via Taquara e a RS-235, que se liga RMPA, via BR-116. ARS-235 cruza toda Gramado no sentido leste-oeste com o nome deavenida das Hortncias, conecta-se com Canela, cruzando-a sob adenominao de avenida Osvaldo Aranha e, por meio de algumasvias internas, principalmente a avenida Jlio de Castilhos, reassumeseu traado, primeiramente com o nome de avenida Joo Pessoa e,depois, com o nome de avenida Cnego Joo Marchesi, vai emdireo aos Campos de Cima da Serra, passando por So Franciscode Paula. A RS-115 passa pela rea urbana de Gramado com onome de avenida Borges de Medeiros e conecta-se com a RS-235 estrada Gramado-Canela, na esquina com a avenida dasHortncias, na praa central da cidade. Alm destes acessos princi-pais existe uma srie de outros acessos secundrios que fazemfundamentalmente as ligaes da rea urbana com o interior rural eos distritos.

    Esta estrutura primria, ou seja, as preexistncias de acessibilidade esuas interconexes, definidora do sistema de espaos de maiorintegrao da cidade, fazendo com que o ncleo inicial da cidade,que apresenta uma malha que tende a ser mais regular do que o geralda cidade, alm de possuir uma maior continuidade de ocupaoconcentra a maior parte da integrao espacial da cidade de Grama-do (Figura 4). Esses elementos da estrutura urbana remetem-nos aosconceitos de percurso matriz e de matriz elementar presentes emCannigia e Maffei (1981). Este conjunto de espaos de maior inte-grao define um ncleo bem caracterizado, formado por eixos quepercorrem a cidade no sentido norte-sul, como a rua Garibaldi, asavenidas Borges de Medeiros e a So Pedro. Estas cruzam um outroconjunto de eixos de maior integrao, atravessando o sistema no

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    sentido leste-oeste, como a avenida das Hortncias, as ruas JooPetry e a Leopoldo Rosenfeld.

    Outro conjunto de espaos bem integrados, mas com nveis inferioresaos citados anteriormente, compreende eixos que cruzam as linhas demaior integrao, ou constituem-se em prolongamentos desses eixos.

    Assim, o ncleo de integrao de Gramado se caracteriza pela dis-tribuio da acessibilidade que tem como ponto focal as proximida-des da praa central da cidade, onde se cruzam os espaos de maiorrelevncia do ponto de vista da possibilidade de servirem de suportes relaes entre os diversos espaos da cidade, tendo em vista queso os mais rasos do sistema como um todo.

    Figura 4 Integrao Global GramadoFonte: Autor

    Legenda

    LegendaN

    Estrada para Caracol

    So Pedro

    RS - 235Gramado/Canela Av.das

    Hortncias

    Garibaldi

    Borges de Medeiros RS - Nova Petrpolis

    RS - 235Via Taquara

    Estrada para Tapera

    Estrada para Linha bonita

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    A partir desse ncleo central e inicial, a ocupao da rea urbana deGramado passa a ser mais fragmentada e esta fragmentao frutotanto de uma ocupao que busca explorar reas mais propcias,quanto do ponto de vista das caractersticas topogrficas do terreno,ou do ponto de vista de suas qualidades locacionais, principalmenteconsiderando os aspectos de paisagem. A ocupao de reas comgrandes declividades no parece se constituir em um entrave e, svezes, como so os casos das ocupaes que possuem vista para oVale do Quilombo, so exatamente essas peculiaridades as quejustificam a ocupao, pelo menos do ponto de vista econmico.

    Os loteamentos mais antigos, mesmo os destinados a veraneio, comoa rea em torno do Lago Negro, tendiam a situar-se em reas con-tguas rea central, sendo esta o seu centro de apoio e suporte. Nosprocessos de crescimento urbano mais recentes tem-se verificado queesta continuidade no ocorre mais. Contrariamente, os loteamentosnovos, grandes ou pequenos, para veraneio ou para populao resi-dente, passam a acontecer em reas descontnuas, tendo um eixo deacesso principal e, s vezes, desenvolve-se ao longo deste eixo.

    Em alguns casos, estas descontinuidades respondem manutenode algumas barreiras naturais sem que, automaticamente, produza-se segregao. Estes vazios urbanos, no entanto, pouco a pouco,pedao por pedao, comeam a ser ocupados, a mata nativa que ocobria posta abaixo e novas residncias so construdas. Pequenostrechos de rua so abertos para viabilizarem a produo de lotes e,com o tempo, so prolongados, juntando-se a outras ruas ou forman-do ruas sem sada.

    O resultado, do ponto de vista da estrutura urbana deste processomais recente, apresenta-se pelo acrscimo de profundidade geralpara o sistema e a gerao de ncleos de segregao, ao invs deespaos segregados localizados nos interstcios dos espaos de maiorintegrao, como acontece em tecidos urbanos tradicionais. Estascaractersticas se tm acentuado no perodo mais recente, pela utili-zao da figura do condomnio fechado, como forma de parcela-mento do solo urbano.

    A ocupao descontnua atual de Gramado atende a uma lgica deproduo de terra urbana que tem uma profunda relao entrepaisagem e consumidor final dos lotes. Assim, as reas que possuembelas vistas da cidade ou de reas abertas como o Vale do Quilomboou, tambm, reas que ainda apresentam vegetao nativa como osloteamentos localizados na extremidade norte da avenida Borges de

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    Medeiros, so ocupados por uma populao de renda elevada, emreas bastante segregadas em relao ao sistema como um todo. Jos loteamentos destinados populao de renda mdia ou baixa sobaseados em um esquema mais especulativo, com uma maiordestruio de vegetao nativa, ocupando reas que no so tovisveis para a cidade. Estes so os casos de loteamentos ao norte euma srie de outros no extremo sul da cidade, prximos sada deGramado pela RS-115, ocupados por uma populao trabalhadoranas reas industriais prximas. Estes ltimos ocupam as reas maissegregadas de toda a cidade.

    Deste fenmeno recente, depreende-se que a segregao espacialatende aos dois extremos de renda, embora por estratgias distintas.

    Renda alta

    Legenda

    N

    Figura 5 Distribuio por renda de GramadoFonte: Autor

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    Os mais ricos se segregam por uma opo de posio e ambiente,enquanto os de menor renda so segregados em funo da proximi-dade de seus locais de trabalho e, com isto, assumem as posies demenor visibilidade (Figura 5). Esta dicotomia que no parecia ser toevidente at poucos anos atrs comea a conceder uma forma par-ticular estrutura urbana de Gramado.

    Quando examinamos a organizao local de Gramado, medidapela integrao local e no mais a global, a fragmentao espaciale a menor anelaridade fazem com que a profundidade mdia dosistema aumente, fazendo com que esta estrutura local apenas sejavisvel em uma limitao de profundidade de cinco passos. Istosignifica que, ao invs da lgica de estruturao local que, em tecidosurbanos tradicionais, aproxima-se dos trs passos de profundidade,em Gramado isto s acontece quando considerarmos quase o dobrodessa profundidade. Com uma limitao de profundidade menor doque cinco passos no h diferenciao espacial.

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    Examinando a integrao local, ou R5 para Gramado (Figura 6),percebe-se que os espaos que so mais importantes localmente, ouseja, aqueles que esto mais no caminho de todos os outros espaosda cidade com at cinco passos de profundidade so, em algumamedida, semelhantes aos que so globalmente importantes. Assim,rua Garibaldi, avenidas Borges de Medeiros, So Pedro e dasHortncias so simultaneamente integradas tanto global quantolocalmente. Deste modo, esses eixos so importantes tanto do pontode vista das relaes mais gerais quanto das mais localizadas. Nestenvel de profundidade, alguns espaos se destacam por apresentaremgrande integrao local, no possuindo esta mesma propriedadequando examinados globalmente. So os casos das ruas JooLeopoldo Lied, Leopoldo Rosenfeld e Joo Alfredo Schneider, locali-zadas nas proximidades e entorno do Lago Negro, rua Pedro CarlosFronze, prximo ao Mato Queimado, ao norte da rea urbana e a rua1 de Maio que d acesso da RS-115 rea industrial localizada aosul da cidade.

    5. 2 Canela

    O sistema urbano de Canela tem como acesso principal a j citadaRS-235, que o liga a Gramado e regio metropolitana de PortoAlegre, seja via Taquara, pela RS-115, seja via BR-116. Por estaltima estrada, a regio toda se liga ao aglomerado urbano deCaxias do Sul, importante plo econmico e de servios regionais. ARS-235 cruza Canela no sentido leste-oeste sendo que, na reacentral da cidade, perde sua continuidade geomtrica, passando poralgumas ruas urbanas, principalmente a avenida Jlio de Castilhos,at retomar seu traado mais visvel pela rua Joo Pessoa e, em suacontinuidade, pela avenida Cnego Joo Marchesi para, logo emseguida, retomar sua denominao de RS-235, em direo a SoFrancisco de Paula.

    Alm desta importante via de ligao de Canela com outras regies,existem outras ligaes do sistema urbano com o interior do munic-pio. Ao noroeste da rea urbana de Canela, temos a estrada doCaracol, que d acesso ao parque estadual de mesmo nome. Esteacesso se d pela RS-235, na sada de Canela em direo a Grama-do. Da mesma forma que para Gramado, estas estradas se consti-tuem em uma estrutura de acessibilidade preexistente de Canela aomundo exterior.

    O ncleo inicial da cidade, formado por uma malha relativamenteregular e composta por vias largas e lineares, concentra os espaos

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    de maior integrao global da cidade (Figura 7). Destacam-se comoeixos de maior integrao, no sentido norte-sul: ruas Paulharys,Ernesto Dornelles, avenida Jlio de Castilhos, que faz a ligao maisimportante com a RS-235, rua Dona Carlinda, rua Borges deMedeiros, que passa em frente Igreja Matriz, rua Visconde de Mau,que passa por detrs da Igreja Matriz, ruas Teixeira Soares e PadreCacique, que articula o centro da cidade com a RS-235. No sentidoleste-oeste da malha e cruzando grande parte dos eixos descritosacima encontramos os seguintes eixos que fazem parte dos espaosde maior integrao global: rua Joo Pessoa, que faz parte do trajetoda RS-235 no interior do permetro urbano, ruas Joo Simplcio e Setede Setembro, que distribuem a circulao oriunda do/para a rodoviaArnaldo Oppitz descrita acima, via ruas So Joo, Augusto Pestana,que possui uma posio central no sistema, cruzando o ncleo centralde leste a oeste, rua Felisberto Soares, que d exatamente em frenteda Igreja Matriz e constitui-se na ligao mais direta com a sadapara Gramado pela RS-235, a rua Danton Correa da Silva, quepassa por equipamentos importantes da cidade incluindo a estaorodoviria e que se situa em rea anteriormente sob influncia dopercurso da antiga via frrea, que foi desativada e seu leito absorvidopor vias urbanas e, finalmente, a rua Dom Pedro II.

    A ocupao mais compacta de Canela e o seu traado central maisregular tende a uma distribuio mais uniforme da integrao a partirdesse ncleo central. As maiores segregaes so verificadas emalguns loteamentos localizados a sul do sistema que, em geral, maisfracamente vinculado rea central da cidade ou o pelos diversosespaos de transio, conferindo maior profundidade relativa a essesconjuntos de espaos. Dois deles se encontram separados pelo aero-porto municipal, sendo que o do lado norte destinado populaode renda mais baixa, enquanto que o do lado sul basicamentedestinado a moradias de veraneio e acesso ao condomnio fechadodo Hotel Laje de Pedra, de alto padro. A rea mais segregada detoda a cidade um loteamento relativamente novo, tambm situadoao sul da rea central da cidade, destinado populao de baixarenda e que fracamente conectado com o exterior apenas em doispontos fazendo com que, pelo seu desenho, os espaos a partir dasconexes com o exterior sejam acrscimos de profundidade.

    Mesmo que com menor expresso do que em Gramado, a segrega-o de reas da cidade de Canela corresponde aos dois extremos depoder aquisitivo. De um lado os mais pobres, localizados em bairrosoperrios e, de outro lado, a populao de renda mais alta, localiza-

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    Figura 7 Integrao Global CanelaFonte: Autor

    dos em setores topologicamente mais afastados ou em condomniosfechados (Figura 8).

    Do ponto de vista da organizao local do sistema urbano, mesmomaior que o de Gramado, Canela apresenta uma estrutura de inte-grao local clssica, visvel com uma limitao de profundidade deat trs passos (Figura 9).

    Os eixos com maior importncia local so: a avenida Cnego JooMarchesi, trecho da RS-235; a rua Godofredo Raymundo, no extre-mo leste da cidade que cruza a rea urbana de norte a sul, conec-tando-se de modo direto ou fcil aos acessos principais da cidade as estradas a leste e ao sul anteriormente descritas e RS-235 ao norte;a rua Teixeira Soares, tambm cruzando a cidade de norte a sul, nasproximidades da rea central e a rua Augusto Pestana, cruzando ocentro da cidade de lesta a oeste. Com valores um pouco menores deintegrao local destacamos a rua Borges de Medeiros, que passa emfrente Igreja Matriz, o trecho da rua Incio Saturnino de Moraes, quefaz o acesso ao setor leste da cidade e que d exatamente nos fundos

    Legenda

    N

    Av.Jlio de Castilhos

    Joo PessoaCnego Joo Marcheti

    RS-235 So Francisco de Paula

    Canastra/Burgres

    Vale do quilomboTaquara

    Godofredo Raimundo

    Osvaldo Aranha

    RS - 235Gramado/Canela

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    Figura 9 Integrao Local Canela R3Fonte: Autor

    Renda alta

    Legenda

    N

    Figura 8 Distribuio por renda de CanelaFonte: Autor

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    da Igreja Matriz, como se fosse uma continuao da rua FelisbertoSoares, interrompida pela igreja e outro trecho da avenida CnegoJoo Marchesi, na extremidade desta parte da RS-235 contida nointerior do permetro urbano.

    5.3 Gramado e Canela

    Quando consideramos os sistemas urbanos de Canela e Gramadoconjuntamente temos, como resultado, a influncia de um sistemasobre o outro. A estrutura bsica de acessibilidade ao exterior j foicomentada primeiramente para Gramado e, posteriormente, paraCanela. Esta estrutura primria composta por diversas estradas queas ligam entre si, com outras regies ou com seu territrio rural.

    Do ponto de vista da integrao global (Figura 10), a primeira coisaque chama a ateno o papel integrador da RS-235, entre Grama-do e Canela, encontrando-se entre os eixos mais integrados global-mente. Isto representa, na realidade, um eixo de tenso entre as duasreas urbanas, o qual j comea a responder a essas caractersti-cas topolgicas pela intensa ocupao do solo por atividades essen-cialmente econmicas e voltadas para o turista, como veremos emseguida.

    O segundo aspecto relevante, quando observamos o conjunto forma-do por Gramado e Canela, que Gramado tende a apresentar umaquantidade maior de espaos com nveis de integrao global maio-

    Figura 10 Integrao Global Gramado e CanelaFonte: Autor

    Legenda

    N

    RS-235 So Francisco de Paula

    Cnego Joo Marcheti

    Joo Pessoa

    Godolfredo Raimundo

    Vale doQuilombo

    Taquara

    Jlio deCastilhos

    Canastra/Burges

    Osvaldo Aranha

    Estrada para o Caracol

    Av.das hortncias

    Estrada paralinha Bonita

    Borges de Medeiros

    Estrada paraSerra Grande

    Garibaldi

    So Pedro

    RS - 235Gramado/Canela

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    Dcio Rigatti

    res, comparativamente a Canela, muito embora a malha relativa aCanela tenda a uma maior regularidade e menor fragmentao quea de Gramado. Este fato pode ser atribudo tanto a uma maiorarticulao externa do sistema de Gramado bem como pelasdescontinuidades encontradas na entrada do sistema de Canela,antes de acessar o tecido mais regular da rea central. De qualquermodo, verifica-se que o que so privilegiados so os espaos quefazem parte das principais entradas e sadas das duas cidades, queno passam de continuidades das duas estradas estaduais RS-235e RS-115 que cruzam o interior da rea urbana de Gramado coma denominao de avenidas das Hortncias e Borges de Medeiros,respectivamente, juntam-se e chegam a Canela pela RS-235 e, nointerior de sua rea urbana perde sua continuidade fsica, utilizando-se de um eixo perpendicular avenida Jlio de Castilhos para lhedar continuidade e possibilitar a sada do sistema.

    Eixos componentes de estruturas primrias, como o caso das duasestradas, garantem continuidades fsicas pela adoo de ngulosrelativamente abertos na interseco entre eixos que se conectamentre si. Interseces em ngulo reto ou menores dificilmente soobservados, uma vez que tendem a produzir rupturas de continuida-de. Este parece ter sido o modo como Canela absorveu no interior dasua malha urbana principal uma rodovia que, de outro modo, pode-ria gerar um volume de circulao apenas de passagem.

    Isto fica mais claro quando examinamos a integrao local (Figura11) que, para os dois sistemas, muito em funo das condiesconfiguracionais de Gramado, como apontado acima, passa aestruturar-se com uma limitao de profundidade de cinco passos,a mesma limitao utilizada para o sistema de Gramado examina-do isoladamente e dois passos de profundidade a mais do quehavia sido necessrio para a avaliao do sistema espacial deCanela. O que se percebe que, neste nvel de anlise, Canelarecupera na organizao local a estrutura principal apresentadana organizao global do sistema quando visto isoladamente,enquanto Gramado mantm praticamente intacta a estrutura localverificada quando examinada isoladamente. Isto significa que aestrutura urbana de Gramado, quando examinada conjuntamentecom Canela, praticamente mantm-se inalterada, seja do ponto devista de sua organizao global, seja do ponto de vista de suaorganizao local. J os resultados para Canela parecem apontarpara um sistema mais sensvel ao tipo de relaes que se estabele-cem com seu sistema espacial.

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    Antes de concluirmos esta parte da anlise, merece uma atenoespecial algumas caractersticas configuracionais de Gramado, par-ticularmente no que se referem sua maior fragmentao espacialquando comparada com Canela. O tipo particular de fragmentaoespacial verificado para Gramado representa uma situao em queo acrscimo de profundidade dado pela insero de subsistemasespaciais em eixos que j apresentam um papel sinttico de relevn-cia. Com isto, esses eixos passam a ser necessariamente maiscaminho para entrada e sada desses subsistemas, reforando seupapel sinttico. Estes so os casos dos loteamentos e condomniosque se vinculam avenida Borges de Medeiros, ao norte de Grama-do, bem como os situados na sada para Taquara, ao sul e na sadapara Nova Petrpolis, ao oeste. Constituem-se em pequenos sistemascom uma anelaridade interna que pode ser elevada, mas que seconectam fracamente com o conjunto do sistema espacial como umaestrutura em rvore. Esta particularidade pode explicar a manutenoda estrutura de Gramado quando posta em relao com Canela, jque o papel sinttico da estrutura primria permanece forte o sufici-ente para manter sua estrutura, mesmo quando avaliada conjunta-mente com Canela.

    6 A Distribuio do Uso do Solo Urbano

    Os padres de localizao das atividades humanas tm assumidobastante relevncia nos estudos urbanos e diversas teorias foramdesenvolvidas para explicar seu funcionamento, desde os clssicosestudos de economia urbana como os de Christaller, Lsh, Von

    Figura 11 Integrao Local Gramado e Canela R5Fonte: Autor

    N

    Legenda

    RS-235 So Francisco de Paula

    Cnego Joo Marcheti

    Joo Pessoa

    Cnego Joo Marcheti

    RS - 235Gramado/Canela

    Godolfredo Raimundo

    Vale doQuilombo

    Taquara

    Jlio deCastilhos

    Canastra/Burges

    Av.das hortncias

    Estrada paralinha Bonita

    Borges de Medeiros

    GaribaldiSo Pedro

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    Thnen, Weber e Alonso, os quais lidam com a localizao dasatividades como fruto de terra, fluxo de mercadorias e o transporte.So tambm muito conhecidos os modelos gravitacionais de distri-buio de atividades, principalmente pelos estudos de Hansen eLowry. Finalmente, so tambm importantes os modelos configu-racionais, como em Hillier & Hanson, os quais tratam a localizaodas atividades como fruto de um processo em que interessa particu-larmente a posio relativa de cada espao em um sistema e o seunvel de acessibilidade relativa, ou seja, seu nvel de integrao/segregao espacial. Neste trabalho, trataremos a questo da loca-lizao das atividades urbanas como parte de um processo constru-do a partir das relaes entre o uso do solo, a configurao espaciale a produo de padres de movimento, portanto, adotamos aperspectiva terica provida pelos estudos configuracionais.

    Entre outras contribuies para a compreenso das modalidades dedistribuio das atividades urbanas, so interessantes as observaesfeitas por Mitchel (2001). Diz ele que as atividades se localizam poruma combinao de trs razes fundamentais: a) o que ele denominade atrativos fixos da localizao, ou seja, aspectos da localizao queno so afetados pelo que ocorre em outros locais, como seria o casoda presena de algum recurso gua, terra frtil, beleza de cenrio,etc.; b) o que Mitchel chama de vantagens de acessibilidade,

    as que derivam de conexes eficientes e convenientes a

    atividades relacionadas. (...) Comrcio varejista localizado

    onde existem muitos consumidores, escritrios so localiza-

    dos onde os trabalhadores podem facilmente chegar e assim

    por diante. Estas vantagens so relativas s condies do

    conjunto da rede. Se outras atividades se reposicionam, se

    ligaes na rede so quebradas ou se tornarem ultrapassa-

    das, ou se novas ligaes so estabelecidas, ento as

    vantagens de localizao de um local particular podem

    aumentar ou diminuir. (Mitchel, 2001:01.4)

    c) finalmente, o que o autor denomina de vantagens de estabilidade,ou seja, as que derivam de uma certa inrcia devida aos investimentosrealizados em uma dada localizao.

    O que se observa, nos casos de Gramado e Canela, que essasrazes de localizao variam de ordem de importncia dependendodo tipo particular de atividade e da populao consideradas. Assim,a atividade residencial de populao de renda mais alta ou, particu-larmente, a atividade residencial voltada para o veraneio e os condo-

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    mnios, tendem a valorizar mais os atrativos fixos de paisagem, cen-rio, etc. J os moradores se inclinam a localizar-se de modo menosindependente do restante do sistema urbano, como parece ser oscasos das moradias de veraneio e dos condomnios horizontais.Nestes casos, uma articulao entre moradia e as atividades desuporte em geral de comrcio, servio e emprego parece influenciarde modo mais intenso e, portanto, as vantagens de acessibilidadeparecem pesar mais nas decises de localizao. A populao derenda mais baixa, exatamente por ter um poder de escolha menor,localiza-se de modo mais acessvel possvel aos locais de trabalhoou, quando no possvel, o preo da localizao parece ser o fatorpreponderante.

    Neste particular, as noes exploradas nos estudos do uso do solourbano por Villaa (1973) parecem manter sua utilidade explicativa.Para as atividades particularmente sensveis ao movimento e relaesespaciais como o comrcio, h uma disputa no mercado pela melhorlocalizao e consegue a melhor localizao quem pode pagar porela. Quando as melhores localizaes j esto ocupadas, essasatividades buscam a segunda melhor localizao possvel no sistemae assim sucessivamente.

    Para os estudos configuracionais, adiscusso sobre a localizao de ati-vidades examinada de forma con-junta com as propriedades relacio-nais dos tecidos urbanos e domovimento de pedestres. Os espaospriorizados para o movimento pelosistema so os priorizados como lo-calizaes comerciais, uma vez queesta atividade busca explorar essemovimento como parte de sua susten-tao enquanto atividade econmi-ca. Por sua vez, essas localizaesatuam como efeito multiplicador paraa localizao de outras atividades,ampliando as possibilidades tanto dautilizao do movimento por meio do

    sistema como do movimento de/para as atividades. A configurao,no entanto, permanece como uma parte razoavelmente estveldessa equao, como demonstrado nas relaes explicitadas pelaFigura 12, retirada de Hillier et al (1993).

    Figura 12 Esquema de relaes entre configurao C, atividades A e movimento MFonte: Hillier, B. (1993)

    A

    C M

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    Dcio Rigatti

    As atividades, ou os atratores A e o movimento afetam-se

    mutuamente mas as outras duas relaes so assimtricas. A

    configurao C pode influenciar a localizao de atratores

    mas a localizao de atratores no pode influenciar a configu-

    rao. Do mesmo modo, a configurao pode influenciar o

    movimento mas o movimento no pode influenciar a configu-

    rao. Se boas correlaes so encontradas entre o movimen-

    to, configurao e atratores, as nicas linhas de influncia

    possveis so da configurao tanto para o movimento quanto

    para os atratores, com os dois ltimos influenciando-se mutua-

    mente (Hillier et al, 1993:31).

    Estudos sistemticos (Hillier et al, 1993; Rigatti, 1997 e muitos ou-tros5 ) demonstram que, para tecidos urbanos tradicionais, a configu-rao a causa primria do movimento e um bom indicador dalocalizao das funes urbanas.

    No levantamento do uso do solo urbano observou-se, com especialateno, no apenas o tipo de atividade presente nas reas urbanas,mas, fundamentalmente, formava-se parte do sistema de atividadesutilizado prioritariamente por turista ou por morador. As atividadesno-residenciais consideradas de uso prioritrio de turista so aque-las que se caracterizam por fazerem parte da estrutura de recepo ede apoio ao turista: hotis, pousadas, restaurantes, lojas de lembran-as, presentes, artesanato, etc. Mais recentemente, assumem posiode destaque tambm a produo de chocolates e a indstria domobilirio. Mesmo esses setores exploram uma imagem local o frio,a origem colonial, a natureza, etc., para a produo e comercializa-o de produtos diretamente a turistas ou para exportao. De qual-quer modo, sua produo no destinada aos moradores, muitoembora estes tambm possam consumir tais produtos.

    J para as reas residenciais, alm do levantamento in loco, proce-deu-se a uma classificao sobre o tipo de usurio principal. Destemodo, as reas predominantemente residenciais foram classificadascomo sendo de uso prioritrio de turistas ou de moradores. As reasresidenciais de turistas foram consideradas aquelas que foram produ-zidas e so utilizadas basicamente por casas de veraneio possuindo,portanto, um uso intermitente. J as reas residenciais de moradoresso aquelas utilizadas por residentes fixos da cidade possuindo,portanto, um uso mais constante durante todo o ano. Compreende-

    (5) Veja-se especialmente a produo registrada nos anais dos trs Simpsios Internacionais de Sintaxe Espacial, o deLondres, de 1997, o de Braslia, de 1999, e o de Atlanta, de 2001.

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    O Turista, o Morador e o Uso do Espao Urbano: Interaes Espaciais em Gramado e Canela

    se que a utilizao dos espaos, geralmente, no to absoluta erigorosa, havendo residentes fixos no interior de reas de veraneio evice-versa. Consideramos, no entanto, a utilizao que lhes d carac-terstica e, por isso, utilizamos a classificao por predominncia, oque no elimina outras possibilidades de uso, desde que no com-prometa, essencialmente, sua classificao. Estas mesmas particula-ridades podem ocorrer tambm para as atividades no-residenciais.

    Os levantamentos efetuados possibilitaram, tambm, uma classifica-o das reas das cidades segundo sua utilizao por padressocioeconmicos, medidos pelos padres habitacionais verificados.Deste modo, agregou-se informaes que podem ser teis para seentender as relaes entre os padres sociais e os padres espaciaisque caracterizam a rea de estudo.

    6.1 O Uso do Solo em Gramado

    Uma observao da distribuio das atividades na rea urbana deGramado (Figura 13) permite a constatao de algumas particulari-

    Figura 13 Uso do solo diferenciado + RN Gramado Detalhe rea CentralFonte: Autor

    Legenda N

    Estabelecimento voltado para turista

    Estabelecimento voltado para moradorEstabelecimento voltado para turista/morador

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    dades. De um modo geral, as atividades no-residenciais tendem aconcentrar-se nos eixos de maior integrao, principalmente na ave-nida das Hortncias, rua So Pedro, avenida Borges de Medeiros, ruaGaribaldi e algumas transversais, como as ruas Senador SalgadoFilho, a Augusto Zatti e Madre Vernica, as quais apresentam umnvel de integrao espacial um pouco menor que as vias citadasanteriormente.

    J o comrcio voltado ao turista se concentra, basicamente, em umtrecho da avenida Borges de Medeiros, continuidade do principalacesso cidade, cruzando a cidade de norte a sul e dando acesso aalguns dos principais equipamentos tursticos, como o Palcio dosFestivais, a Praa Central com seu Posto de Informaes Tursticas, arua Coberta trecho da rua Madre Vernica e a Igreja Matriz. Apartir da avenida Borges, o comrcio de menor poder de competiopor localizaes ao longo da avenida Borges de Medeiros, voassumindo as posies mais prximas possveis nas ruas transversais,misturando-se mais com atividades voltadas ao morador, medidaque se distancia, moldando deste modo os padres de uso da reacentral da cidade.

    Chama a ateno que a rua So Pedro, uma das vias de maiorintegrao de todo o sistema espacial, o trecho mais ao norte daavenida Borges de Medeiros, bem como a rua Garibaldi, tambmbastante integradas, concentram uma grande quantidade de ativida-des voltadas aos moradores. Outra via que apresenta integraomdia e uma grande concentrao de atividades voltadas aosmoradores a rua Tristo de Oliveira, a leste da rua So Pedro eprxima ao cemitrio. Deste modo, fica estabelecida uma certadistino espacial entre os espaos prioritrios dos moradores e osdos turistas. Ambos possuem necessidades locacionais os quaisrequerem que determinadas atividades de interesse mais geral,mesmo de atendimento mais local, estabeleam-se em espaos comboa acessibilidade em relao ao conjunto do sistema. Alguns dosespaos bem integrados globalmente so utilizados prioritariamentepara a implantao de atividades destinadas aos estranhos ou, nocaso, aos turistas. Isto compreensvel pois, deste modo, tanto apenetrao de estranhos no sistema bem como a sua circulao emseu interior ficam facilitadas pela utilizao de espaos de maioracessibilidade.

    Fica claro, ento, que, em Gramado, a estrutura espacial busca parao estranho espaos em que pode chegar facilmente bem comocircular com facilidade. As caractersticas fsicas desta parte da

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    cidade, com um grande grau de anelaridade espacial asseguram,tambm, uma possibilidade de controle espacial mais difuso, permi-tindo que o turista usufrua do espao sem se sentir forosamente sobum escrutnio constante, deixando-o com uma percepo de maiorgrau de liberdade.

    Das vias com maior integrao, observa-se que se privilegiam ostrechos mais centrais das entradas e sadas da cidade partes dasavenidas das Hortncias, Borges de Medeiros e rua Joo Petry e, emcerto equilbrio de importncia, os espaos principais dos moradores como as ruas So Pedro e a Garibaldi e o trecho mais central daavenida Borges de Medeiros. Observando-se como as atividades sedistribuem no espao, pode-se dizer que aquelas voltadas para afuno turstica dominam a avenida Borges de Medeiros e as proximi-dades das vias que a cruzam, isto , com o acrscimo de mais umpasso de profundidade em relao principal avenida Borges deMedeiros. Verifica-se que h uma maior preocupao em manteruma continuidade na distribuio entre a avenida Borges deMedeiros e transversais, tendendo a manter um sistema anelar de usono-residencial, explorando a anelaridade do movimento, ao invsde distribuir-se em um sistema de espaos paralelos. Desta forma,importantes eixos de integrao espacial podem ser utilizados para asatividades que representam aquelas de uso coletivo da populaoprioritariamente residente. A avenida Borges de Medeiros, eixo doturista, fica em posio central aos eixos dos moradores e paralela-mente entre si: um a leste da avenida Borges de Medeiros a ruaSo Pedro e um a oeste a rua Garibaldi unificados pelastransversais, onde as atividades no-residenciais so mais voltadasaos turistas quanto so mais localizadas prximas da avenidaBorges de Medeiros ou mais voltadas aos moradores, quanto somais localizadas prximas das ruas So Pedro ou Garibaldi. Estaparece ser uma estratgia importante na organizao espacial destetipo de cidade que recebe uma grande quantidade de estranhos aosistema como Gramado. Percebe-se que, para Gramado, a intensi-dade da funo turstica j produz espacialmente efeitos nos grausde sua especializao funcional.

    De particular interesse o exame do padro de distribuio espacialda estrutura de acomodao turstica formada pelos hotis e pousa-das. O que se observa que, embora com algumas excees, de ummodo geral, estes tendem a se localizar em espaos com nveis deintegrao intermediria, ou seja, nem sobre os espaos de maiorintegrao uma vez que estes tendem a atrair um movimento muito

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    grande de pessoas e veculos, o que poderia comprometer o sossegodos clientes , nem sobre os espaos de maior segregao, uma vezque estes dificultariam a mobilidade dos hspedes. A localizao emespaos de integrao mdia uma estratgia de posicionamentorelativo desta atividade que assegura uma tranqilidade maior, mas,ao mesmo tempo, uma boa e fcil relao com os espaos de maiorintegrao onde se situam os servios de apoio, o comrcio para oturista, constituindo-se nos espaos de encontro e de relaes dessacategoria. Esta parece ser uma forma de garantir um grau de intimi-dade espacial, sem comprometer a facilidade de acesso e relao aoconjunto do sistema.

    Analisando esses dados com a integrao local de Gramado, perce-be-se que a distribuio das atividades no-residenciais seja daque-las destinadas preferencialmente para os turistas, seja daquelas deuso prioritrio dos moradores, atendem muito mais lgica daintegrao global. Isto significa que, mesmo com um certo grau deseparao espacial, o comrcio e os servios buscam localizar-se emespaos globalmente integrados, o que garante um maior potencialde utilizao, dadas as implicaes da integrao espacial e omovimento de pessoas e veculos. Em Gramado, o ncleo de inte-grao, com as peculiaridades explicitadas acima, pe em relaoturista e morador e compartilhado entre essas duas categoriassociais, embora as especializaes sociofuncionais verificadas.

    Em relao distribuio da atividade residencial (Figura 14) osdados obtidos para Gramado permitem as seguintes observaes.Na rea central da cidade e no ncleo de integrao espacialprincipal h uma tendncia de sobreposio de moradias de veraneioe as destinadas a residentes fixos, principalmente de padres mdios.No restante da cidade se verifica uma maior distino tanto do pontode vista do padro socioeconmico quanto da categoria veraneio/fixa, ou seja, de uso mais eventual ou mais permanente e, de acordocom os procedimentos adotados, de uso de estranhos ao sistemaespacial ou de moradores. Deste modo, as reas residenciais deveraneio e de melhor padro situam-se prximas ao centro da cidadee prximas da avenida das Hortncias e no entorno do Lago Negro,reas em que os aspectos ambientais comparecem de modo bastanteevidente. Alm destas reas residenciais de alto padro em perodomais recente, tendem a localizar-se de modo descontnuo em relaoao tecido urbano mais consolidado e, em geral, na forma decondomnios horizontais. So os casos, por exemplo, dos condom-nios localizados ao norte da avenida Borges de Medeiros, prximos

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    ao Parque de Exposies Exposerra e os que do para o Vale doQuilombo. Estas reas exploram vantagens ambientais de vista evegetao, tentando manter parcela significativa dos terrenos comcobertura vegetal nativa.

    J as reas dos moradores de padres mdio-baixo e baixo situam-se de modo quase invisvel em relao s reas mais centrais e de usodos turistas e distribuem-se no tecido urbano. So reas essencial-mente de trabalhadores e de atividades produtivas. nessas reasque se situam grande parte das atividades industriais, como a demobilirio e de calados e as de servios mais pesados como oficinas,por exemplo.

    Representativa desta situao e com interessantes caractersticasconfiguracionais o bairro Carniel, localizado ao longo da estrada

    Figura 14 Zoneamento Residencial em GramadoFonte: Autor

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    Gramado-Canela. H, aqui, um padro espacial bastante caracters-tico da relao turista-morador: ao longo da RS-235, globalmentebem integrada, esto localizadas atividades quase totalmente volta-das ao turista restaurantes, lojas de chocolate, museus temticos,malharias, lojas de decorao, lojas de mveis, artesanatos, hotis,pousadas, etc. Em direo ao interior do bairro, a um ou dois passosde profundidade em relao estrada, encontram-se todo o apoionecessrio ao funcionamento das atividades tursticas: tanto fbricasde produtos que possuem lojas na RS-235, como de chocolate, demveis, esquadrias, etc. bem como as residncias de operrios quetrabalham nessas indstrias ou nos estabelecimentos ao longo da RS-235. Deste modo, o posicionamento espacial dos agentes sociaisencontram-se funcionalmente ajustados.

    6.2 O Uso do Solo em Canela

    Comparativamente a Gramado, Canela possui uma srie de pecu-liaridades que definem de modo particular a relao estranho-morador. Desde o ponto de vista da distribuio das atividadesno-residenciais, percebe-se para Canela uma menor participaodessas atividades e um certo confinamento a determinados espaos(Figura 15). O acesso cidade pela RS-235, de Gramado, concen-tra a maior parte das atividades voltadas aos turistas. Essa distribui-o se d pela avenida Osvaldo Aranha e sua continuao emdireo Praa da Matriz, que a rua Felisberto Soares e contornaas duas laterais norte e sul da praa, tendo a Igreja Matriz comolimite e barreira. Deste modo, o turista encaminhado praticamenteem linha reta para o interior do tecido urbano de Canela por pra-ticamente apenas uma via e retorna pelo mesmo caminho utilizadopara o ingresso.

    interessante observar que, para o caso de Canela, no so osespaos mais integrados espacialmente os privilegiados para aimplantao das atividades tursticas, mas os que representam conti-nuidade espacial em relao entrada e sada para Gramado.Mesmo que relativamente bem integrados, a avenida Osvaldo Ara-nha e a rua Felisberto Soares no fazem parte dos espaos de maioracessibilidade no sistema. O que se percebe que a integraoespacial utilizada para abrigar a organizao da cidade como umtodo, mas do ponto de vista do morador e no do estranho, comoparece ser com mais intensidade o padro verificado para Gramado.Dessa maneira, as linhas de maior integrao abrigam a maior partedas atividades no-residenciais da cidade e aquelas voltadas para omorador, em especial: a avenida Jlio de Castilhos, que faz a

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    continuao da ligao intra-urbana da RS-235 com bancos, lojas,farmcias, armazns, armarinhos, fruteiras, etc., sendo o segundoeixo em valor de integrao; todo o percurso interno da RS-235, ouseja, a rua Joo Pessoa e a avenida Cnego Marchesi; a rua AugustoPestana, a mais integrada de todo o sistema e, em menor medida,mas tambm importantes enquanto concentradoras de atividadesno-residenciais voltadas aos moradores, as ruas Igncio Saturninode Moraes, Tio Elias, Dona Carlinda e Borges de Medeiros, semesquecermos da rea no entorno da nova estao rodoviria.

    Canela apresenta uma estrutura urbana que corresponde a pratica-mente duas cidades independentes: uma, menor, voltada ao consu-mo turstico e outra, grande e forte, que se organiza para o usocotidiano de seus moradores, quase que sem interferir na anterior.Esta caracterstica percebida intuitivamente ao se transitar nas reasmais amplas do que aquelas destinadas aos turistas. Um caso tpico a enorme importncia que representa para a cidade, desde seu

    Figura 15 Uso do Solo Diferenciado + RN Canela Detalhe rea CentralFonte: Autor

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    Estabelecimento voltado para turista

    Estabelecimento voltado para moradorEstabelecimento voltado para turista/morador

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    perodo de formao, a estrada RS-235 que, no interior da reaurbana, concentra um sem-nmero de atividades voltadas ao conjun-to da cidade, apresenta um movimento expressivo, seja de pedestres,seja de veculos e que faz parte do corao de Canela. No entanto,essa complexidade funcional no facilmente percebida do ponto devista do estranho que circula concentradamente na estrada e na sadada cidade em relao a Gramado.

    A atividade turstica em Canela colocada de tal forma que nocompromete para o estranho os espaos-chave do ponto de vista daestrutura de acessibilidade geral da cidade. Esta se distribui emespaos de nveis mdios de integrao espacial.

    A rede de hotis e pousadas se distribuem segundo uma lgicasemelhante a Gramado, isto , sua localizao privilegia espaosde nveis mdios de integrao, possibilitando simultaneamenteintimidade e acessibilidade. Destacam-se as reas da Vila Suzana,a RS-235, em direo a Gramado e a avenida Osvaldo Aranha, naentrada da cidade como locais nos quais se concentram um maiornmero de estabelecimentos.

    Quando observamos a distribuio da atividade residencial (Figura16), o peso dado para o morador fica ainda mais evidente. Comalgumas excees, as reas residenciais da cidade so fundamental-mente destinadas a moradores. Estas ltimas apresentam um padrocomum a cidades deste porte na distribuio do poder aquisitivo dapopulao, com padres mdios/altos no centro e proximidades,tornando-se mais populares medida que se afastam. Aqui, tambm,deve-se registrar a exceo que representam as reas de condom-nios que tambm tendem a ser implantados em periferias. Essepadro de distribuio dos nveis de renda, observados pelos padreshabitacionais, seguem de perto o padro de distribuio da inte-grao espacial. Assim, a estrutura mais compacta da distribuio daintegrao em Canela, que vai do centro para a periferia, asseme-lha-se distribuio dos nveis de renda da populao, com as exce-es registradas.

    Mesmo que j tenha sido mencionado, importante reforarmos aavaliao do processo de ocupao ao longo da RS-235, no trechoentre Gramado e Canela. O movimento de passagem necessriopara a ligao entre os dois sistemas, praticamente sem vias alterna-tivas, sobre eixos de grande integrao global, explorado e sustentauma crescente utilizao do solo por atividades no-residenciais evoltadas aos turistas.

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    7 Concluses

    Gramado e Canela organizam seu espao para dar suporte aatividades tursticas que so, essencialmente, atividades desenvolvi-das para estranhos que, eventualmente, encontram-se nos sistemasespaciais, consomem bens e servios tursticos, movimentam-se nointerior dos sistemas e, finalmente, retiram-se. As relaes entre turistae morador, em ambas as cidades, embora apresentem particularida-des que as distinguem entre si, definem tambm caractersticas queso semelhantes entre as duas cidades.

    Como particularidades importantes, podemos considerar para o casode Gramado, a diferena do porte da atividade turstica em relaoa Canela, tanto do ponto de vista quantitativo de espaos utilizados

    Figura 16 Zoneamento Residencial em CanelaFonte: Autor

    Zonas residenciais de veraneio

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    para dar suporte ao turismo, muito superior a Canela, quanto doponto de vista de quo pervasiva esta atividade para o conjunto dacidade, muito mais capitalizada em Gramado e muito mais dirigidapara o caso de Canela.

    Para Gramado, a atividade turstica ocupa um lugar de destaque,tanto no que diz respeito ao grau de comprometimento de reasurbanas utilizadas para esta finalidade bem como nos tipos deespaos utilizados, seja para as atividades no-residenciais voltadasaos turistas, seja para as reas residenciais de veraneio. Em Grama-do, as atividades no-residenciais voltadas ao turismo ocupam espa-os configuracionalmente centrais, tanto quando a consideramosisoladamente quanto quando a consideramos conjuntamente com osistema espacial de Canela. De qualquer modo, os moradores aindamantm para seu uso os espaos sintaticamente mais integrados,produzindo facilidades para a entrada e movimentao dos turistas,mas ao mesmo tempo controlando-os pela utilizao de espaos queso os mais integrados e mais diretamente vinculados aos habitantesdo sistema espacial e que so dispostos entre os espaos dos turistas.

    Canela parece separar de modo mais efetivo o que sejam asatividades tursticas e o movimento relacionado. Os espaos mais naentrada do sistema so os privilegiados para a localizao de ativi-dades tursticas, embora no sejam estes os espaos sintaticamentemais relevantes. O sistema espacial vinculado ao morador maisimportante, tanto do ponto de vista da extenso dos espaos utiliza-dos quanto pela utilizao dos espaos com maiores nveis deintegrao espacial. As peculiaridades configuracionais de Canelaem sua principal conexo com o exterior que a ligao com Grama-do, com as descontinuidades espaciais presentes, fazem com que sejaproduzida uma perda interna de integrao, quando posta emrelao com Gramado.

    De comum, ambos os sistemas apresentam um processo mais recentede uma maior segregao espacial de reas residenciais dos extre-mos de nveis de renda: as novas reas de residncias de veraneiodestinadas a faixas de alta renda tendem a localizar-se em reas maissegregadas espacialmente, mas com vantagens do ponto de vista decenrio e paisagem, com forte tendncia da utilizao da figura docondomnio fechado. J as reas utilizadas para a moradia depopulao de rendas mais baixas, embora tambm tendam a locali-zar-se reas sintaticamente segregadas, ocupam reas com menoresqualidades ambientais.

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    Observando, particularmente, o caso de Gramado, em que a expan-so da atividade turstica acompanhada pela expanso constantedos espaos utilizados para este fim, podemos fazer as seguintesconsideraes. J se pode observar um processo de eliminao demoradias e de atividades de uso mais voltado aos moradores emeixos como a avenida Borges de Medeiros bem como nas edificaessituadas em suas transversais e mais prximas dos cruzamentos.Podemos imaginar que, em um processo contnuo de crescimento daatividade turstica, h uma tendncia de, paulatinamente, haver umasubstituio constante de atividades e a ocupao cada vez maior dosespaos de maior integrao para dar suporte a uma atividade querequer boas condies de acessibilidade e de movimento para osestranhos ao sistema. No limite, poderamos pensar tambm emsituaes que denominaramos de hiperturismo, nas quais a intensi-dade da atividade turstica de tal monta que tende a eliminar omorador dos sistemas espaciais. Veneza e Florena, na Itlia, pare-cem ser casos que se enquadram nessa particularidade na medidaem que o comprometimento do espao para a atividade tursticatende a espalhar-se para o conjunto do tecido urbano e no apenaspara alguns espaos configuracionalmente importantes para a pene-trao e mobilidade dos estranhos. Neste caso, a tradicional conside-rao das relaes entre distribuio de atividades e configuraoespacial no suficiente para dar conta do fenmeno e novasaproximaes so necessrias.

    Mesmo que a situao em Gramado e Canela ainda se encontredistante de um hiperturismo, o processo de ocupao espacial da ati-vidade turstica, particularmente para Gramado, permite que seobserve, mesmo parcialmente, as particularidades relacionadas como impacto espacial da atividade turstica, com a substituio crescentee paulatina de usos dos moradores para usos destinados a estranhos.Em situaes de hiperturismo, pela tendncia de eliminao do mo-rador do sistema espacial que passa a ser ele tambm um estranho,as interfaces entre estranhos e moradores ficam diminudas e pode-mos perceber nessas situaes uma perda da aura e de alguns valo-res que implicam a atividade turstica, ficando muito centrada emalguma particularidade que, no caso de Veneza e Florena, situa-seem seus monumentos.

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