Artigo Vigilancia Em Saude Na Atencao Primaria_Aula 1

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    1 Laboratrio de EducaoProfissional de Vigilnciada Sade, EscolaPolitcnica de SadeJoaquim Venncio,Fundao Oswaldo Cruz. Av.Brasil 4365, Manguinhos.21040-900 Rio de JaneiroRJ. [email protected]

    Vigilncia da sade no espao de prticas da ateno bsica

    Implementing health surveillance at the primary care level

    Resumo O artigo discute as possibilidades de reo-rientao do processo de trabalho na ateno bsica luz dos pressupostos da vigilncia da sade. Almdisso, apresenta alguns conceitos-chave que podemajudar a operacionalizar um sistema de vigilnciaem sade no nvel local. Entre eles, aborda a noo deterritrio enquanto local privilegiado de atuao daateno bsica. Aponta ainda para o valor heursti-co da integrao de saberes e prticas das diversasreas de conhecimento no campo da sade, no senti-do de garantir uma viso mais abrangente sobre osproblemas e necessidades de sade e a integralidadeda ateno. Por fim, analisa as contribuies das vi-gilncias epidemiolgica, ambiental e sanitria naconsolidao de um sistema de vigilncia em sadeque, por sua vez, no se restringe simples integra-o desses trs campos de atuao. Aes integradasdas vigilncias epidemiolgica, sanitria e ambien-tal podem favorecer a atuao sobre os riscos, tor-nando possvel respostas inovadoras e mais efetivass necessidades que emergem no mbito da sade.Ademais, serve como experincia para a equipe localno desenvolvimento de aes intersetoriais, cuja im-portncia, ainda que reconhecida no nvel discursi-vo, tem se concretizado muito pouco no mbito dasprticas.Palavras-chave Vigilncia da sade, Integralidade,Ateno bsica

    Abstract This paper discusses the possibilities of re-orienting work processes at the primary care level inthe light of the concepts and pre-suppositions of thehealth surveillance system. In addition, it presentssome key concepts that could help putting into oper-ation a health surveillance system at the local level.One of these concepts is the idea of the territory as aprivileged space of primary care, helping to defineand identify health needs. The study further empha-sizes the heuristic value of integrating knowledge andpractices in the various fields of health care so as toensure a broader vision of problems and comprehen-sive health care. Finally, it analyzes the contribu-tions from epidemiological, environmental, andhealth surveillance for consolidating health surveil-lance into a system not only imited to these threeareas of action. Integrated actions of epidemiological,sanitary, and environmental surveillance can favorrisk management and allow for innovative and moreeffective answers to the demands emerging from thehealth area. In addition, the local teams can acquirepractical experience in internal and inter-sectorialactions which, though their importance is recognizedin theory, were rarely put into practice.Key words Health surveillance, Comprehensivehealth care, Primary care

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    Modelos de ateno

    Nos ltimos anos, tem sido produzida uma vastabibliografia acerca da efetividade dos modelos as-sistenciais implementados, na concretizao dosprincpios do Sistema nico de Sade (SUS). Amaioria dos estudos aponta a insuficincia dosmodelos vigentes em responder a complexidade ediversidade dos problemas de sade da populaobrasileira. Como decorrncia, tambm tm sidoamplamente discutidas propostas alternativas dereformulao ou superao desses modelos, ca-pazes de suprir essas necessidades1-3. No presenteartigo, optou-se pela definio de modelos de aten-o - ou modelos assistenciais - adotada por Paim4:so combinaes tecnolgicas estruturadas emfuno de problemas de sade (danos e riscos)que compem o perfil epidemiolgico de uma dadapopulao e que expressam necessidades sociaisde sade, historicamente definidas.

    Os principais modelos existentes no pas apre-sentam arranjos institucionais e organizacionais,que lhes do suporte. No modelo mdico assisten-cial-privatista, a ateno sade predominante-mente individual e curativa, com um ntido predo-mnio do hospital sobre as demais alternativas deassistncia. No modelo assistencial-sanitarista,destacam-se as unidades de sade, a partir dasquais se operacionalizam as campanhas, os pro-gramas e as aes de vigilncia sanitria e epidemi-olgica. A convivncia desses modelos, seja em ca-rter complementar ou de maneira contraditria,vem caracterizando um sistema de sade, pauta-do por uma prtica fragmentada, oferecida demaneira desigual e descontextualizada dos cida-dos, gerando respostas pontuais e limitaes pro-fundas para a garantia de uma ateno efetiva,equnime e integral sade2,4-7. Diante desse qua-dro representado pela baixa efetividade na presta-o da ateno sade, tornou-se consenso entreos estudiosos desse campo que o sistema de sadebrasileiro necessita, sem negar os modelos anteri-ores, rever a lgica tradicional que ainda o rege ebuscar condies para que, de forma permanente,se aproxime dos indivduos, tornando-se maishumanizado e resolutivo.

    Assim, diversos princpios, tais como promo-o da sade, processo de trabalho, qualidade naateno, intersetorialidade e planejamento local,tm permeado as reflexes em torno da necessida-de de reformulao dos modelos assistenciais vi-gentes. Estudos e investigaes em torno dessa te-

    mtica vm sendo desenvolvidos e implementa-dos por meio de experincias inovadoras, fazendocom que o processo de construo do SUS venhase constituindo em um imenso laboratrio8. Se-gundo esta autora, esse processo tem contribudopara que propostas at ento restritas venham sen-do difundidas e incorporadas a outras realidades,caracterizando o que a mesma define por um pro-cesso de interfertilizao entre os sistemas de sa-de locais e a reflexo acadmica.

    Entre as principais propostas de mudana naorganizao das prticas de sade, na busca de ummodelo de ateno integral sade dos indivdu-os, encontra-se a vigilncia da sade, que propeuma transformao do saber e das prticas sani-trias por meio da redefinio do objeto, da reori-entao do processo de trabalho e da reorganiza-o dos servios de sade9,10. Importa ressaltarbrevemente que existe um debate gerando distin-tas vertentes sobre a vigilncia da sade, conside-rando-a como anlise de situaes de sade ouainda como proposta de integrao institucionalentre a vigilncia epidemiolgica e a vigilncia sa-nitria 11,12. No presente texto, refora-se a ver-tente na qual a vigilncia da sade amplia a con-cepo de sade ao ter como pressuposto uma vi-so mais integral do processo sade-doena namedida em que envolve operaes sobre os deter-minantes dos problemas de sade, constituindo-se em espao da sade e no exclusivamente deateno doena13-15.

    Do ponto de vista tcnico-operacional, a vigi-lncia da sade viabiliza a reorientao do proces-so de trabalho ao reconhecer o territrio comoconceito fundamental. Nesse espao, busca-se es-tabelecer a definio de problemas e de priorida-des, bem como o conjunto de meios para atenderefetivamente as necessidades de sade da comuni-dade, integrando e organizando as atividades depromoo, de preveno, tal como as assistenci-ais-reabilitadoras, valendo-se de conceitos comointerdisciplinaridade e intersetorialidade16,17. Nes-se caminho, a vigilncia da sade necessita estarapoiada em trs pilares fundamentais: territrio,problemas e prticas de sade.

    Neste artigo, pretendemos apontar as possibi-lidades de articulao dos princpios norteadoresda vigilncia da sade com as prticas desenvolvi-das na ateno bsica, entendendo sua importn-cia como um caminho frtil para consolidao dosiderios do Sistema nico de Sade.

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    Reorientao do processo de trabalhona ateno bsica sob o paradigmada vigilncia da sade

    Territrio como lcus privilegiadode atuao: definindo problemase identificando necessidades de sade

    Tendo em vista a multiplicidade de aspectos eesferas que condicionam e determinam os estadosde sade de uma populao, fundamental que aateno bsica organize seu processo de trabalhotendo em vista a territorialidade, principal pilar davigilncia da sade. Ao trabalhar com mapeamen-to do espao de vida, induz-se a implementao deprticas de sade orientadas a contribuir para umaatuao planejada e equnime sobre os problemase as necessidades de sade, caminhando em dire-o superao das complexas desigualdades exis-tentes relativas cobertura, ao acesso e qualida-de na ateno sade18-20.

    O territrio deve ser considerado enquanto umespao geogrfico, mas tambm social e poltico,que se encontra em permanente transformao,onde vivem grupos sociais definidos, em que seintegram e interagem as condies de trabalho, derenda, de habitao, de educao, o meio ambien-te, a cultura e as concepes acerca da sade e dadoena19-21. Parte-se assim do pressuposto que oprocesso de territorializao pode ser um meiooperacional para o desenvolvimento de vnculoentre os servios de sade e a populao, permitin-do aproximao para o entendimento dos proble-mas e necessidades de sade22.

    A experincia desenvolvida em uma das unida-des do servio de sade comunitria do GrupoHospitalar Conceio, em Porto Alegre 23, perti-nente para exemplificar a atuao baseada em pro-blemas na perspectiva da vigilncia da sade. Visi-tas peridicas eram realizadas ao territrio pelaequipe de sade, a fim de atualizar o conhecimentodas condies de vida da comunidade local, o quelhe permitia tambm observar aspectos sociais,econmicos e culturais, de modo a favorecer o pla-nejamento das aes. Decorrido algum tempo, aequipe ampliou sua compreenso acerca do terri-trio e das famlias, verificando que os problemaspor ela identificados como prioritrios em espe-cial, a sade materno infantil no tinham o mes-mo valor para a comunidade, que reconhecia ou-tros como os seus problemas tais como a ques-to do lixo e a das drogas , o que resultou embaixa resolubilidade das aes previamente plane-jadas pela equipe. Essa experincia demonstra comclareza os desafios e as possibilidades que uma

    equipe de ateno bsica tem ao optar por traba-lhar sob o enfoque da vigilncia da sade. Desafio,porque um novo processo de trabalho precisa serconstrudo, atribuindo-se dimenso indita s re-laes entre equipe de sade e a comunidade, aopasso que o objeto de trabalho, que costuma ser adoena, necessita ser ampliado e os sujeitos, rede-finidos. Para tanto, preciso estabelecer uma rela-o dialgica, em que essencial a escuta do outro,pois s assim se torna possvel identificar as reaisnecessidades, aquelas sentidas no cotidiano da vidae que, em geral, no se coadunam com as observa-das pelos profissionais em sua prtica24,25.

    Com o tempo, o envolvimento e o respeito snecessidades sentidas pela populao possibilita-ram a construo de laos, ampliaram o conceitode sade e de doena para todos os envolvidos efortaleceram o papel da equipe na comunidade,permitindo que os problemas considerados prio-ritrios pela equipe tambm fossem finalmente tra-balhados. Esse movimento implica tambm o res-peito ao direito de escolha e deciso da populaoquanto as suas necessidades e prioridades de aten-o, desafiando um papel participativo-propositi-vo e no s executivo das aes de sade. Nessecontexto, a epidemiologia, ferramenta til paraperceber a rede de causalidades e determinantes doprocesso sade-doena, utilizada, mas sem dei-xar de observar a subjetividade e a individualidadedos usurios como valores na percepo dos pro-blemas de sade.

    Tendo como base organizativa o princpio deterritorializao e o entendimento dos problemasque estruturam uma situao de sade, possveldesencadear processos de trabalho estruturantessob a lgica da vigilncia da sade26. Essas iniciati-vas tm sua possibilidade de xito na composioe organizao do processo de trabalho local, pormeio da criao de dispositivos que permitam re-arranjos no modo de operar as relaes da equipecom os usurios27. Abrem-se assim possibilidadespara se construir no territrio modos novos e sin-gulares de realizar o trabalho em sade em situa-es concretas que contribuam para a produoda sade28-30.

    Integrao das prticas de sadena ateno bsica: um grande desafio

    Uma das crticas mais recorrentes ao arranjo dasprticas de sade predominantes na ateno bsicadiz respeito centralidade do atendimento na enfer-midade e no na pessoa, falta de dilogo e, princi-palmente, a dificuldade de apreenso ampliada dasnecessidades de sade colocadas pela populao

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    atendida30,31. Alm disso, so comuns as chamadasoportunidades perdidas de preveno de agravosou, mesmo, de promoo da sade nas consultas,que costumam ser pontualmente realizadas. Essaslimitaes do modelo biomdico dominante apon-tam para a importncia de superar a viso centradana doena como nico meio de enfrentamento dosproblemas traduzidos pelas queixas que constituema demanda dos servios de ateno bsica.

    Em virtude do exposto, se faz a seguinte per-gunta: como integrar prticas e construir objeti-vos comuns capazes de orientar o trabalho, semque se perca a especificidade j acumulada de cadarea? Sem dvida, essa especificidade deve ser pre-servada, evitando-se uma indiferenciao que des-considere a necessidade de dar respostas compe-tentes aos problemas de sade.

    No modelo proposto pela vigilncia, os profis-sionais no precisam necessariamente dominartodo o conhecimento sobre determinado proble-ma ou agravo em sade, mas devem, sim, ampliare redefinir as aes, integrando saberes e prticasdas diversas reas, em carter complementar, pormeio de uma viso abrangente e uma ao inte-gral5,30. As aes de sade devero ter como base asnecessidades percebidas dos usurios em suas di-menses biopsicossociais e ser concebidas comoprticas de sade, ou seja, uma prtica social arti-culada com a totalidade social32,33.

    Entretanto, preciso considerar que, nos servi-os de ateno bsica tradicional, a forma de ar-ranjo das aes de sade permanece pautada noschamados programas especiais, instrumentosprescritivos e afinados com a centralidade dos as-pectos biolgicos que, ao priorizarem o enfoque derisco, geram a fragmentao das aes sem queconsigam organizar e instrumentalizar prticas devigilncia da sade nos servios5. No se pode des-considerar que esses programas de sade obtive-ram progressos significativos, os quais se refletemna melhoria de determinados indicadores sanitri-os; porm, por serem dirigidos a grupos ou a pro-blemas especficos, trabalham de forma isolada einvariante, cada qual para sua rea de conhecimen-to, como a sade da mulher, do idoso, programade controle da tuberculose, dentre outros, ofertan-do cardpios fixos para sua coorte de pacientescomo se os mesmos no mudassem nunca, ou seja,permanecessem sempre com as mesmas necessida-des de ateno e assim com o mesmo cardpio derecursos. Torna-se imprescindvel que se desenvol-va uma abordagem diferenciada dessa forma deinterveno comumente utilizada na sade pblica,na qual se promova a incluso do conjunto da po-pulao e no de grupos programticos5,30,34.

    Sob tal tica, h que se adotar uma posturaque identifica as necessidades de preveno e asassistenciais, e que seleciona as intervenes a se-rem ofertadas no contexto de cada encontro, bus-cando superar os mtodos prescritivos que buro-cratizam a prxis sanitria6,35. Reestruturar a for-ma de organizao na ateno sade envolve,portanto, a necessidade de superar a valorizaoda produo de procedimentos para uma aborda-gem reflexiva, contnua e resolutiva, que permitaauxiliar na construo de estratgias mais direcio-nadas, as quais, muitas vezes, no so contempla-das nos programas verticalmente estabelecidos. Oobjeto de ateno deve compreender o sujeito e seucontexto de vida, passando pela garantia de aesintegrais que procurem prevenir e promover a sa-de individual5,6, mas tambm trabalhar a deman-da clnica dos indivduos doentes atravs de umnovo rearranjo que valorize o espao de atendi-mento individual como um espao de elevaode conscincia sanitria29,36,37. Essa idia se concre-tiza, por exemplo, na construo de projetos tera-puticos, permitindo a conexo de diferentes cam-pos de conhecimento dos profissionais para am-pliao e redefinio das aes na direo de umaateno integral29.

    Igualmente importante a reunio de equipeque deve ser considerada como um recurso valio-so, um espao de gesto colegiada para a soluode conflitos e que favorece o compartilhamentodo saber e a sensibilizao dos profissionais parareorganizarem seu processo de trabalho sempreque necessrio, com apoio dos gestores locais. In-centivar e motivar as equipes locais de ateno b-sica um importante dispositivo para promover aparticipao dos trabalhadores de sade nos pro-cessos decisrios da produo da sade, quandose busca uma relao mais humanizada entremembros da equipe e usurios e a garantia de re-sultados mais efetivos28.

    Alm de um olhar interdisciplinar, as prticasem sade devem ter como pressuposto sua exten-so intersetorialidade38, na medida em que os pro-fissionais que atuam na ateno bsica cotidiana-mente enfrentam situaes colocadas pela comuni-dade local, cuja complexidade o escopo de aesprogramadas e previstas no tem sido capaz de res-ponder. Entre essas situaes, encontram-se a vio-lncia, domstica e estrutural, as condies precri-as de habitao e saneamento, o aumento relativoda gravidez entre adolescentes, o desemprego, abaixa renda e, principalmente, a falta de cidadania,que revelam ausncia ou insuficincia de serviosdirigidos ao atendimento dos anseios da popula-o. Em razo disso, as aes no podem ficar res-

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    tritas aos espaos do setor sade (intrasetorial),pois importante que se estendam a outros dom-nios e espaos de atuao, expandindo-se para ou-tros rgos e setores governamentais e no-gover-namentais. Muitas iniciativas no mbito socioeco-nmico e educacional podem ser desenvolvidas pelaequipe de sade, envolvendo questes de moradia(habitacionais e ambientais), propostas de geraode trabalho e renda, aumento da escolaridade, afim de consolidar uma conjugao de foras sociaise econmicas, que pode ser materializada na cons-truo de polticas de desenvolvimento auto-sus-tentvel, cujo objetivo seja melhorar as condiesde vida e sade.

    Esse componente o de maior complexidade e,sem dvida, sua abordagem de difcil implemen-tao; porm, ao incorporar a ao intersetorial,permite-se que os profissionais de vrios setorescontribuam com seus saberes, linguagens e prti-cas para a melhoria da interveno na sade20,38,39.

    Algumas estratgias de ao intersetorial e demobilizao social que visam melhoria das con-dies de vida vm ganhando destaque. No muni-cpio do Rio de Janeiro, um exemplo que mereceser citado o da integrao da Comunidade deManguinhos em um projeto de desenvolvimentolocal, integrado e sustentvel, denominado DLISManguinhos. O DLIS um processo essencialmen-te participativo e que se prope a enfrentar as ques-tes sociais em territrio determinado, mediante aconstruo de parcerias entre os diversos atorespor meio do desenho de uma agenda integrada,considerando a responsabilidade social das em-presas e a de instituies existentes na rea do Com-plexo de Manguinhos, como a Fiocruz, os Cor-reios, a Embratel e a Refinaria de Manguinhos.Nessa comunidade, as unidades de sade so tam-bm vinculadas ao DLIS, exercendo um papel pro-tagnico para o desenvolvimento de aes interse-toriais. As equipes de sade nesse espao auxiliamna promoo da democratizao da informao ecolaboram para potencializar os recursos e talen-tos existentes na prpria localidade, ampliandoassim, as possibilidades de interveno39,40. Essa uma experincia que induz repensar prticas, va-lores e conhecimentos de todos os atores envolvi-dos no processo de produo social da sade.

    Cabe destacar aqui a Estratgia de Sade daFamlia (ESF) como importante processo estrutu-rante da vigilncia da sade, por contemplar emsua configurao elementos que do aporte pr-tica das equipes. A integrao e a organizao dasatividades em determinado territrio e a incorpo-rao de uma ateno continuada e integral possi-bilitam que os servios de sade sejam capazes de

    responder aos problemas que ocorrem na popu-lao. O processo de trabalho favorece o planeja-mento de aes em sade mais prximas s neces-sidades percebidas e vivenciadas pela populao,nos diferentes territrios, subsidiando a sustenta-bilidade dos processos de interveno. A ESF podeassumir, por conseguinte, postura ativa de inter-veno em sade, pois se assenta sobre a visoampliada do processo sade-doena, ultrapassan-do concepes marcadas pelo vis biologizante ecurativo. Sob esse aspecto, ela possui os elementosconceituais capazes de superar o processo de me-dicalizao e redirecionar a ateno sade dapopulao numa dimenso tica e pautada em re-laes de cuidado, por meio do estabelecimento devnculos com a famlia e a comunidade2,41 .

    Portanto, o que caracteriza a integrao de pr-ticas de sade a possibilidade de articular aes depromoo da sade, de preveno de agravos e asassistenciais por meio da apreenso ampliada dasnecessidades, existindo respeito ao contexto espec-fico de cada encontro na escolha das intervenescabveis. Tudo isso orientado por um tipo de rela-o especial e por que no dizer? ainda novono contexto das prticas: uma relao entre sujei-tos, o que implica atitude de escuta, dilogo e co-responsabilidade entre equipe de sade e usurios.

    Instrumentos das vigilnciasepidemiolgica, ambiental e sanitriana busca da ateno integral sade da populao

    A lgica da vigilncia da sade incorpora tambm,mas no somente, a integrao das atividades devigilncia epidemiolgica, ambiental e sanitria,para a prestao de uma ateno ampliada. Nessesentido, deve-se procurar combinar os instrumen-tos dessas vigilncias, a fim de favorecer a atuaosobre os riscos social, sanitrio, ambiental e epide-miolgico, tornando possvel respostas inovado-ras e mais efetivas s necessidades que emergemno mbito da sade, como j vem acontecendo emalgumas experincias no pas, ainda que pontuais.

    Sob esse aspecto, a vigilncia epidemiolgica tradicionalmente centrada no controle de doenastransmissveis necessita rever suas possibilida-des de atuao, extrapolando-a para alm da lista-gem de agravos/doenas de notificao compul-sria42,43. As aes preconizadas nessa rea acarre-tam, com freqncia, profundas limitaes, o queleva perpetuao de um sistema direcionado aum grupo de doenas especficas, em um olhar es-tritamente tcnico, que privilegia o evento j acon-tecido, contrariando a concepo da vigilncia, que

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    a de atuar antes da deteco do problema. A vigi-lncia epidemiolgica necessita ultrapassar o mo-delo tradicional, de centralizao normativa e apli-cao de prticas padronizadas, para avanar numaproposta que aborde e contemple a compreensodas vulnerabilidades e dos determinantes do pro-cesso de adoecimento. H necessidade de instituirimportantes transformaes nos seus objetivos emodelos de organizao institucional, gerando umaconcepo de vigilncia integrada12,42,44.

    No que concerne vigilncia ambiental, im-portante o resgate de uma abordagem sistmica einterdisciplinar dos problemas de sade e de seusriscos, consolidando um modelo operacional narede de servios que gere integrao com as demaisvigilncias na construo de ambientes saudveis.Atividades de cunho educativo em torno da ques-to ambiental precisam ser estimuladas, contribu-indo para a organizao dos moradores quantoaos seus problemas e fortalecendo uma gesto ter-ritorial participativa. Aspectos relacionados qua-lidade da gua consumida pela comunidade, aodestino dos resduos, poluio, aos contaminan-tes ambientais principalmente, em reas rurais deproduo agrcola e ao desmatamento, entre ou-tros, so bons exemplos de situaes a serem con-sideradas, em conjunto com a populao local, naavaliao dos riscos sade, bem como na formu-lao de estratgias intersetoriais necessrias ao seuenfrentamento.

    Quanto vigilncia sanitria, a demanda poraes especficas no controle de riscos associados aoconsumo de bens, produtos e servios tem crescidosignificativamente, o que exige uma atuao maisorganizada e competente, desde o nvel local. A com-plexidade de seu escopo de atuao faz com que sejanecessria a articulao permanente de uma gamade conhecimentos provenientes de vrias disciplinase de profissionais de diferentes reas, de modo agarantir a qualidade dos produtos, dos servios edos ambientes, aspectos fundamentais para a pro-moo da qualidade de vida das pessoas44.

    Esses princpios devem nortear a forma de or-ganizar as prticas, por meio de propostas de aointegrada, das vigilncias epidemiolgica, ambien-tal e sanitria, ao conjunto de intervenes necess-rias. Mesmo tratando-se de reas especficas, pre-ciso que se favorea a criao de um cenrio queno fragmente o campo prtico das aes de sade,mas promova a articulao das estratgias e dasaes, propondo respostas complexidade dosproblemas que ocorrem em um dado territrio.

    Um exemplo que merece ser descrito a situa-o real de contaminao por uma indstria depesticida em municpio do Rio Grande do Sul. Os

    profissionais da unidade de sade adscrita reacomearam a observar que as pessoas que mora-vam no entorno da indstria estavam ficando do-entes por causa de um aterro clandestino de pesti-cida. A equipe desenvolveu um trabalho de vigi-lncia da sade analisando os fatores determinan-tes desse quadro, comprovando um vnculo cau-sal entre a doena e a presena de organocloradoproveniente do aterro. Alm do acompanhamentoteraputico individual, a equipe se articulou com avigilncia epidemiolgica para notificao e moni-toramento dos casos e, em conjunto com as vigi-lncias ambiental e sanitria, buscaram novas in-formaes relacionadas a produtos, meio ambi-ente e procedimentos que pudessem ter relao como agravo. A integrao dessas vigilncias propi-ciou investir em um ambiente saudvel livre decontaminao, com a perspectiva de evoluir nesseprocesso at se conseguir um dispositivo legal ca-paz de proibir o loteamento do terreno, evitandoque as pessoas habitem no local.

    Respeitando as especificidades de cada esferade atuao sobre as doenas, produtos e serviosou o ambiente , importante que a equipe desade local reconhea-se tambm como agente devigilncia, a fim de distinguir no territrio os ris-cos aos quais a populao encontra-se exposta epossa discutir com ela os encaminhamentos ne-cessrios para contorn-los, propondo, por exem-plo, projetos transversais voltados para intervir deforma ampliada sobre os grupos mais vulner-veis. A integrao das atividades das vigilnciaspode servir de experincia para a equipe de umaatuao intra e intersetorial, cuja importncia, aindaque reconhecida no nvel discursivo, tem se con-cretizado muito pouco no mbito das prticas.

    Concluso

    Por fim, importante ressaltar que no existe pa-dro preestabelecido ou mtodos prescritivos de atu-ao da vigilncia, pois as estratgias de organizaodesse conjunto heterogneo de prticas no podemburocratizar a prxis sanitria, mas se delinear deacordo com a situao de sade evidenciada, assu-mindo, portanto, diversas configuraes. O impor-tante que as aes de sade tenham como refern-cia os interesses dos usurios em suas realidades,que no so fragmentadas, mas sim resultantes deum mesmo encadeamento de determinantes sociais,polticos, culturais, ambientais, entre outros44.

    Seja qual for a configurao adotada, a equipedeve guiar-se pela superao das razes estruturaisdas iniqidades em sade, contribuindo para a

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    garantia do acesso a bens e servios de qualidade.Espera-se que esse movimento no interior dos ser-vios de ateno bsica alcance, de fato, ao longodo tempo, a reorientao dos sistemas de sade nadireo de afirmar-se como espao de sade e noexclusivamente de ateno doena.

    Colaboradores

    CM Oliveira e AO Casanova participaram igual-mente das etapas de reviso de conceitos e redaodo artigo.

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    Artigo apresentado em 04/03/2007Aprovado em 14/12/2008

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