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  • 7/31/2019 Artigo Wall Street

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    NEGCIOS & CARREIRA MERCADO FINANCEIRO

    FICOMichael Douglas,

    comoGordonGekko,

    personagemque

    simbolizaa ganncia do

    mercado de capitais. No

    novo ilme,que estreia

    neste ano, Gekkopegou

    23anosdecadeia

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    As trapaas naBolsa de Valores

    Sem regras claras e uma autoridade vi-gilante, a tendncia a proliferao dasespertezas. A mais comum o uso deinformaes reservadas, segredos de ne-gcio, para realizar operaes financeiras

    antes de todo mundo. (Um exemplo: umdiretor da companhia A, sabendo de umprojeto revolucionrio, compra aes desua prpria empresa antes de o projetoser anunciado. Quando ele finalmente setorna pblico, as aes se valorizam, e odiretor as vende, embolsando a diferena.)Tirar proveito de informaes secretas considerado insider trading (negociaode algum de dentro) e obviamenteproibido por lei. Mesmo assim, semprehouve, no Brasil, uma sensao de impu-nidade. Isso est comeando a mudar. A

    Aexpresso circula h dcadas entre os operadores da Bolsa deValores: No h freiras nos preges. Significa que, na hora decomprar e vender aes, ningum se preocupa muito com a

    moralidade. A busca do lucro, em si, no condenvel. Como disse ofilsofo escocsAdam Smith, um dos fundadores da economia moderna,

    ns obtemos nosso po toda manh no pela alegria do padeiro em nosservir, mas por sua disposio de auferir lucro. Tambm na Bolsa essa dis-posio benfica. A busca frentica por grandes oportunidades um dosmotores da economia. Ela dirige o capital dos investidores para os locaisonde ele ser usado com maior eficincia. O problema surge quando, nansia de ganhar dinheiro rpido, os investidores ignoram os limites ticos.

    Comisso de Valores Mobilirios (CVM),responsvel pela vigilncia do mercado decapitais, est apertando a fiscalizao, au-mentando o valor das punies, aceleran-do os processos.Em alguns dos casos mais

    significativos, a CVM enquadrou grandesbanqueiros, empresrios de sucesso e exe-cutivos do alto escalo de Jorge PauloLemann, um dos principais acionistas daAmBev, e Rubens Ometto, controlador daCosan, maior empresa de biocombustveisdo pas, a diretores da Petrobras e do ban-co de investimentos Credit Suisse (leia oquadro na pgina 54).

    Espertezas no mercado de capitais noso privilgio brasileiro. Existem em todolugar, a ponto de se tornar tema recorren-te no cinema. Um dos smbolos da falta s

    Os investidoresinescrupulosos

    no esto sem Wall Street.

    No Brasil, a

    CVM investigaos golpes

    milionrios contraos pequenos

    acionistas

    JosFucs

    5 de abril de 2010, POCA 53Foto: divulgao

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    NEGCIOS & CARREIRA MERCADO FINANCEIRO

    54 POCA, 5 de abril de 2010

    de escrpulos na Bolsa Gordon Gekko,personagem do filme Wall Street Poder ecobia, do diretor Oliver Stone,que rendeuao ator Michael Douglas o Oscar de Me-lhor Ator. No filme, de 1987, Gekko, cujomantraera a ganncia boa, se d mal aotentar praticar insider trading. O filme teruma continuao, com o mesmo MichaelDouglas no papel de Gekko, a ser lanadaem setembro nosEstados Unidos e no Bra-sil.EmWall Street Themoneynever sleeps(Wall Street 2 O dinheiro nunca dorme),Gekko volta liberdade depois de passar 23anos na priso e tenta, sem sucesso, avisaros tubares do mercado sobre o colapsoiminente da Bolsa e a aproximao de umagrande crise internacional.

    No Brasil, seria difcil imaginarque um Gordon Gekko fosse para a pri-

    so. Mesmo punies mais leves so raras.Mas, com o avano do mercado de aesdo pas nos ltimos anos pelo desem-barque dos investidores estrangeiros, pelamultiplicao dos negcios e pela cres-cente proteo dos interesses de pequenosacionistas , surgiu a necessidade de maisrigor em relao aos abusos. Isso explicao aumento do nmero de processos paraapurar irregularidades e a disposio emresolv-los rapidamente. At 2005, a m-dia de acordos para encerrar processosera de cinco por ano. Em 2009, foram 59.

    Com esses acordos, batizados de termosde compromisso, a CVM desiste do pro-cesso, e ningum culpado de nada. Emtroca, os acusados pagam multas pesadas(no ano passado, elas somaram R$ 50milhes, um recorde histrico) e podemsofrer restries temporrias para parti-cipar da gesto ou do conselho de admi-nistrao de empresas abertas.

    No momento, a CVM est ativa na in-vestigao das principais fuses e aquisi-es realizadas nos ltimos anos. Fazemparte da lista as compras da Telemar pela

    Oi, da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil,da Aracruz pela Votorantim Celulose e Pa-pel (VCP), da Sadia pela Perdigo e dasCasas Bahia pelo Po de Acar. H sus-peitas de que tenha havido vazamento deinformaes e de que alguns investidorestenham negociado aes dessas empresasantes de as fuses terem sido anunciadaspublicamente. No incio de maro, a CVMconfirmou que tambm est investigandoas operaes feitas nos ltimos anos comaes da Telebrs, que o governo Lulaestudava ressuscitar para popularizar s

    ilegal comprar e vender aes com base em informaes no divulgadaspublicamente. As empresas com aes negociadas em Bolsa tambm devem sertransparentes em relao a seus planos e resultados. Quando isso no ocorre,a Comisso de Valores Mobilirios (CVM) e o Ministrio Pblico entram em cena.Abaixo, os principais casos investigados e punidos pela CVM nos ltimos tempos,

    envolvendo empresrios, executivos do alto escalo e grandes investidores(1)

    Quemfoi acusadoAlmir Barbassa e Paulo Roberto Costa(diretor de relaes com investidorese diretor de abastecimento

    da Petrobras, respectivamente)

    Qual eraa acusao

    Anunciarinformaes relevantes da empresa ligadas ao aumento de capital, ao investimentoem reinariasno Maranho e no Ceare construo de umanova reinaria aum grupo restritode analistasdemercado e a alguns veculos de comunicao

    Quandoaconteceuoproblema

    Em14/8/2007 e emagosto e setembrode 2008

    Comoocaso foiresolvidoEm 15 de dezembro de 2009, os dois diretoresda Petrobras izeram um acordo coma CVM

    para encerrar o processo antes de eleir ajulgamento. Pagaramuma multa total de

    R$500mil(2)

    Algunsigureseseusnegcios

    Quemfoi acusadoVailly S.A. (empresacom sede noUruguai, mas com controle brasileiro)

    Qual eraa acusaoCompra de R$ 874 milem aespreferenciais da Suzano Petroqumicaumasemana antesdo annciode sua aquisio pela Petrobras.A Vaillyteria vendido os papis

    logo aps o anncio donegcio, comlucro de R$ 551 mil

    Quandoaconteceuoproblema27/7/2007

    Comoocaso foiresolvidoEm24 de maro de2008, a Vaillyfechou um acordo simultneo coma CVMe o Ministrio Pblico para encerrar osprocessos nas esferas administrativa e

    judicial. A empresa pagou uma multa de

    R$2,2milhes

    Quemfoi acusadoRaul Anselmo Randon, AlexandreRandon, Daniel Raul Randon e TerezinhaRandon, alm de quatro executivos daempresa (respectivamente, o ex-presidenteda Randon e controlador do grupo; seuilho mais velho, scio e vice-presidenteda empresa; seu ilho mais novo, scio da

    empresa; e suamulher,scia da empresa)

    Qual eraa acusaoUso de informao privilegiadaparacomprar 754 milaes da Randone da Fras-Le (outra empresa do grupo)dois meses antes do anncio de queseria feitauma parceria comaArvinMeritor, uma das principaisempresasmundiais de produo deequipamentos e peas para veculos

    Quandoaconteceuoproblema

    5/6/2002 a 19/7/2002Comoocaso foiresolvidoSeis dos oito acusados respondem aprocesso na Justia Federal de So Paulopor uso de informao privilegiadana Bolsa. Todos eles recorreramao Conselho de Recursos do SistemaFinanceiro Nacional (CRSFN) contraa punio que lhes foi imposta pelaCVM, na esfera administrativa. O casoainda no foi analisado pelo rgo. A CVMimps aos acusados uma multa total de

    R$538mil

    Fotos: Ana Paula Paiva/Valor/Folha Imagem, Srgio Lima/Folha Imagem/Folhapress, divulgao, Gaetan Bally/AP,Julio Bittencourt/Valor/Folha Imagem, Ciete Silverio/Ag. Isto, Herwig Vergult/AFP e Celia Thome/AE

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    5 de abril de 2010, POCA 55

    Quemfoi acusadoJorge Paulo Lemann, Marcel Tellese Carlos Alberto Sicupira (controladores da AmBev)

    Qual eraa acusaoUsarinformao privilegiadapara lucrar com a comprade aesda AmBev; aproveitar-se do plano de opesde compra de aes da empresa para aumentar a fatia dobloco de controle, do qual fazem parte,em prejuzodos acionistas minoritrios; e induzir o ento diretorderelaes com investidoresda AmBev, Lus Felipe Dutra Leite,a divulgarinformaes incorretas ao mercado

    Quandoaconteceuo problemaMaiode 2003a maro de2004

    Comoocaso foiresolvidoO triofechou acordos com a CVM nos dias9 e 15de dezembrode 2009 para encerrar os processos antesde irema julgamento. No total, eles aceitaram pagaruma multa de

    R$ 18,6milhes

    Quemfoi acusadoCredit Suisse e Antonio LuizPizarro Manso(ex-diretor de relaes

    com investidores da Embraer)

    Qual eraa acusaoO banco suo teria usado informa-o privilegiada para comprarR$ 80,6milhesem aesdaEmbraer, pormeio de um fundocomsede no exterior, antes quea empresa anunciasse ao pblicoque passariapor um processode reestruturao societria.O ex-diretor da Embraer foiacusado de no ter divulgadoum comunicado pblicosobre o assunto logo quea infor-mao da operao vazou

    QuemfoiacusadoLuiz Gonzaga MuratJnior, RomanoAnselmo Fontana Filhoe Alexandre Ponziode Azevedo (ex-diretor derelaescom o mercado da

    Sadia, ex-conselheiro da Sadiae superintendente do ABN

    Real, respectivamente)

    Qualeraa acusao

    Usar informao privilegiadapara a compra de aes daPerdigo na Bolsa de Nova

    York diasantes da tentativafracassada de aquisioda empresa pela Sadia.A operaoseria inanciadapelobanco holandsABN Amro, que controlavana poca o Real no Brasil.Os acusadosteriamvendidoos papis logoaps a divulgao daoferta feita pela Sadia,aproveitando-se da forte altadas cotaes no mercado

    Quandoaconteceuoproblema7 deabril e 29dejulhode 2006

    ComoocasofoiresolvidoOs trs ainda respondema processo criminalnaJustia Federal, mas jforam punidos na esferaadministrativa pela CVM.O ex-executivo e o ex-conselheiro da Sadia forampunidos pela CVM comainabilitao proissional porcinco anos, em fevereirode 2008. Fontana aceitou adeciso e deixou o conselhoda empresa em dezembrode 2006. Murat recorreu aoConselho de Recursos do

    Sistema Financeiro Nacional(CRSFN). A questo aindano foi julgada pelo rgo.Em outubrode 2009, oex-executivo do ABN Realpagou CVM uma multa de

    R$238mil

    Quandoaconteceuo problema12/12/2005 a 12/1/2006

    Comoocaso foiresolvidoPara encerrar o processo, o ex-executivoda Embraer fez um acordo com a CVMem24 de setembrode 2008e pagou umamulta de R$ 100 mil. O Credit Suisse fezum acordo em 20 de outubro de 2008.Pagoua maior multa porinsidertrading do pas em todos ostempos:

    R$19,2milhes

    Quemfoi acusado

    Rubens Ometto(controlador da Cosan)

    Qual eraa acusaoDivulgao de informaesreservadas sobre aoferta pblica de aesda Cosan quando aoperao ainda estavaem andamento, emdesrespeito ao perodode silncio exigidopela legislao

    QuandoaconteceuoproblemaNovembro de 2005

    Comoocaso foiresolvidoEm 13/10/2009, o empresriofez umacordo com a CVMpara encerrar o processoadministrativo. Comprometeu-sea pagar uma multa de

    R$200mil

    (1) A realizao de acordos entre os acusados e a CVM para encerramento deprocessos administrativos no implica a assuno de culpa nem a interrupo de

    processos criminais na Justia, quando for o caso. (2) A Petrobras informou quetem um seguro para cobrir esse tipo de risco. A seguradora dever arcar com o

    pagamento das multas impostas pela CVM a seus executivos. Fonte: CVM

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    o acesso internet de alta velocidade. Oobjetivo apurar se a alta recente das aesda empresa trouxe ganhos indevidos paraalgum investidor. Desde o incio do atualgoverno, em 2003, as aes da Telebrstiveram uma valorizao de 35.000%, 70vezes mais que a mdia das demais empre-sas abertas.Queremos dar confiana aosinvestidores de que as regras existentes soobservadas, de que o mercado funciona deforma saudvel e de que as informaesso disseminadas para todos, para que to-dos tenham acesso s mesmas condiespara negociar, diz Maria Helena Santan-na, presidente da CVM (leia a entrevistana pgina 58).

    Um elemento crucial da segurana aosinvestidores a rapidez. At 2004, o prazomdio de tramitao dos processos era dequatro anos, segundo a CVM. Hoje, as in-

    vestigaes mais complexas, que envolvemum rgo regulador internacional, duramapenasum ano.O Brasiltem umatradiode,nahoradapunio,ascoisasseremadia-das indefinidamente.A Justia lenta,d es-paoparamuitos recursos, afirmaAntoniode Castro,presidente da Abrasca,a entidadeque rene as empresas de capital aberto dopas,e membro do conselhofiscal da SouzaCruz. Os termos de compromisso repre-sentam uma grande evoluo, porque domais agilidade para encerrar os processos.

    Noanopassado, o acordo mais po-lmico feito pelaCVM envolveutrspesos-pesados do mercado.s vsperas do Natal,Jorge Paulo Lemann e dois de seus sciosna AmBev, Carlos Alberto Sicupira e Mar-cel Telles, cones do capitalismo nacional,aceitaram pagar CVM uma multa de R$18,6 milhes, a maior do anopassado, parase livrar de dois processos. Eles eram acu-sados de se aproveitar do plano de opesde compra de aes da AmBev, em 2003e 2004, para aumentar de forma irregu-lar suas participaes no capital. Tambm

    eram acusados de fazer uso de informaoprivilegiada, para lucrar coma negociaode aes da empresa, e de ter induzido oento diretor de relaes com investidoresda AmBev, Lus Felipe Dutra, a divulgarinformaes incorretas ao mercado.

    O recorde de multa por uso de infor-mao privilegiada do Credit Suisse. Em2008, a subsidiria do banco suo teve depagar uma multa deR$ 19,2milhes para selivrar de um processo na CVM. A acusaoera que o banco havia usado, em 2005 e2006, umainformao privilegiada sobre a

    reestruturao societria da Embraer parabeneficiar um fundo de investimento ad-ministrado pela matriz no exterior. Multamaior do que essa, de R$ 29,5 milhes, foiimposta em 2007 ao banco Safra por irre-gularidades quenoenvolviam a Bolsa,masum fundo de investimento da instituio.Num pas em que a impunidade a regra,temos de bater palmas para a atuao daCVM. O que deve prevalecer a qualidadee a preciso das informaes e principal-

    mente o comportamento tico dos pro-fissionais do mercado, diz Luiz FernandoRolla,diretorde finanas e de relaescominvestidores da Cemig,a empresa de energiaeltrica de Minas Gerais.

    POCA entrou em contato com algunsdos participantesdo mercado que fizeramacordos com a CVM. Nenhum deles quiscomentar o assunto o que natural. Agrande vantagem dos acordos permitiro encerramento dos processos sem que osacusados tenham de assumir culpa. Mes-mo quando se julgam inocentes, alguns

    deles podem preferir o acordo para evitarum processo custoso e desgastante.

    Nem sempre, porm, possvel chegara um acordo. A os acusados vo a julga-mento, e o processo se alonga. No fim doano passado,a CVMrejeitou uma propos-ta de um grupo de investidores ligados aoBanco Prosper. Primeiro, o grupo propso pagamento de R$ 2,82 milhes para co-brir os lucros supostamente irregularesobtidos com o uso de informao privi-

    legiada na venda da Suzano Petroqumicapara a Petrobras, em 2007. Depois, elevoua proposta em 10%, para R$ 3,1 milhes.A CVM exigiu pelo menos o dobro paraencerrar o processo.O pessoal,quese con-sidera inocente, decidiu partir paraa briga.Casosejam condenados, pretendem recor-rer ao Conselho de Recursos do SistemaFinanceiro Nacional (CRSFN), um rgovinculado ao Ministrio da Fazenda, ins-tncia mxima de apelo contra penalidadesimpostas pela CVM. O acusado querersimplesmentecuspir o que ganhou e que j

    Uma empresa com aes negociadas na Bolsaest prestes a anunciar uma informao decisivapara seu futuro uma fuso, um novo planode investimento, uma descoberta importante ou

    at um prejuzo em operaes com derivativos

    Como a informao pode mexercom as cotaes de seus papis,para cima ou para baixo, a empresadeve mant-la em sigilo at ela ser

    divulgada oicialmente ao pblico

    De posse da informao,essa pessoa decide nego-ciar aes da empresa antesde seuannciooicial.A pessoapodevazar a informao para pessoas deseu relacionamento paraque elastambm possam

    us-la em benecio prprio

    Algum com acesso s decises estratgicas daempresa em geral, um integrante do conselhode administrao, um executivo ou um banqueiro ica sabendo em primeira mo da novidade

    Quando a empresa inalmente anunciaa novidade ao pblico, essa turma

    j est posicionada para potencializarseus lucros ou evitar perdas na Bolsa

    Enquanto os espertinhos comemoram osucesso da manobra, os demais investidores,

    que no tiveram acesso antecipado informao, tm lucros menores ou perdas

    maiores quando ela anunciada oicialmente

    A manobra dos espertosComo funciona a operao de insider tradingna Bolsa e por que ela considerada ilegal

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    noera dele no significanada, afirma Ale-xandre Pinheiro dos Santos, procurador-chefeda Procuradoria-Geral especializadada CVM, vinculada Advocacia-Geral daUnio. preciso haver um adicional parainibir as condutas irregulares.

    Segundo a CVM, os valores das multasso proporcionais aos danos provocadosno mercado e aos antecedentes dos acusa-dos,mas noh uma frmula objetiva paracalcul-las. Os prprios acordos firmadosrecentemente acabam funcionando comomodelos para condutas semelhantes. Otermo de compromisso uma sada ami-gvel,que temcerta carga de subjetividade,diz Santos.Cada parte,dentrode sua pers-pectiva, avalia qual a condio que julgaadequadapara propor o encerramento an-tecipado do processo. Para o economistaRobertoTeixeira da Costa,primeiro presi-

    dente da CVM, no fim dos anos 70, aindafalta transparncia para os critrios quedefinem as multas.Fica sempre a dvidasobreoporqudeamultatersidode100eno de 150 ou vice-versa, afirma.

    O novo rigor da CVM no dever le-var ningum para a cadeia. Ela nem temesse poder. Seu limite aplicar multasou restries atuao dos infratores nomercado. Alm disso, vrios problemas,como a divulgao de um balano de umaempresa de capital aberto fora do padroou do prazo legal, no justificam penas

    drsticas. Infraes graves como o uso deinformao privilegiada na Bolsa,sim, po-dem gerar uma ao na Justia Federal euma ao civil para compensar os investi-dores prejudicados.A operao de insider,porm, s passou a ser considerada crimeno Brasil em 2002, com a mudana da Leino 6.385, que regula o mercado de capitaisno pas. Ainda no houve tempo para umcaso desse tipo ser julgado em todas asinstncias judiciais.

    H hoje dois processos do tipo em an-damento na Justia Federal. O caso mais

    recente veio tona em meados de feve-reiro. A 6a Vara da Justia Federal de SoPaulo acatou uma denncia do procura-dor da Repblica Rodrigo de Grantis con-tra executivos e scios da Randon, grupogacho que produz peas e reboques paraveculos.Eles so acusados de ter compra-do 754 mil aes da Randon e de outraempresa do grupo, a Fras-Le, que produzpastilhas e lonas para freios, cerca de doismeses antes de anunciar sua associaocom a americana ArvinMeritor fato ques se tornou pblico em 15 de agosto de

    2002. Em junho de 2007, a CVM j haviapunido os acusados na esfera adminis-trativa, com multas de R$ 538 mil. Maseles recorreram da deciso ao CRSFN eaguardam a deciso.

    O outro processo criminal por uso deinformao privilegiada no pas surgiu em2006, na poca da tentativa fracassada decompra da Perdigo pelaSadia. Luiz Gon-zaga Murat Jnior, ex-diretor da Sadia,Romano Anselmo Fontana Filho, ex-con-selheiro da empresa, e Alexandre Ponziode Azevedo, ex-executivo do banco ABNReal, so acusados ter usado informaoprivilegiada para lucrar com a compra evenda de aes da Perdigo na Bolsa deNova York e aguardam o julgamento doprocesso na Justia Federal. Na esfera ad-ministrativa, Fontana Filho fez um acordocom a CVM e ficou proibido de exercer

    cargo de administrador ou de conselhei-ro fiscal de companhia aberta por cincoanos. Ponzio aceitou pagar uma multa deR$ 238 mil. Foi um valor semelhante aoque teve de pagar em processo movidopela Securities and Exchange Comission(SEC), a CVM do mercado acionrioamericano,pelo mesmo problema.Muratno quis fazer acordo e, no julgamento, foiproibido de exercer cargos em empresasde capital aberto. Recorreu ao CRSFN etambm est aguardando a deciso.

    Orecebimento das denncias porinsider trading pela Justia Federal umfato histrico,especialmente por se tratarde um crime complexo, inclusive no quese refere apresentao de provas, dizSantos, da Procuradoria-Geral da CVM.A obteno de lucro da essncia do mer-cado de capitais, mas alcan-lo com baseem informao privilegiada certamenteum dos mais graves ilcitos que se podemcometer no mercado, porque abala suacredibilidade e afasta os investidores.

    Segundo Santos, a fiscalizao e a puni-

    o de irregularidades se tornaram prio-ridade para a CVM em 2005, na gestodo ex-presidente Marcelo Trindade. Fo-ram estabelecidos requisitos mnimos dequalidade para as peas de acusao, deforma a reduzir as chances de contestaopor falta de provas e informaes inade-quadas. Tambm foi criado o Comit deTermos de Compromisso, com liberdadepara negociar um acordo com os acusa-dos de cometer irregularidades, antes deo caso ser encaminhado para julgamen-to. At uma consultoria internacional, s

    foi o valor totaldasmultasimpostaspelaCVMaosacusados decometerirregularidadesnomercadoacionrio dopasnoanopassado

    R$50milhes

    A fora do xerifeO aumento do nmero de acordosfeitos com participantes domercado acusados de cometerirregularidades revela umapostura mais dura da Comissode Valores Mobilirios (CVM) em nmero de acordos

    Fonte: CVM

    98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09

    59

    6564

    19

    15

    74

    7

    15

    32

    Aoperaode insidertrading spassou a

    serconsideradacrimenoBrasil em2002

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    a Financial Industry Regulatory Authority(Finra), foi contratada para sugerir me-lhoras na investigao e na conduo dosinquritos administrativos. Em 2008, se-guindo uma recomendao da entidade, aCVM criou a Superintendncia de Proces-sos Sancionadores, para cuidar apenas dainstaurao e da conduo dos inquritos,de acordo com o modelo adotado nos Es-tados Unidos. Um grupo de procuradoresfoi destacado s para cuidar desses inqu-ritos junto comos inspetores da CVM.Paraampliar a sinergia, ficam todos no mesmoandar na sede da CVM, no Rio de Janeiro.Eles tm o apoio de uma rea que acom-panha os preges em tempo real, com aajuda de um sistema de filtros desenvolvi-do para detectar oscilaes estranhas nospreos dos papis, principalmente antes edepois da divulgao de fatos relevantes

    pelas empresas.Fora isso, houve um refor-o considervel na estrutura da CVM. Em2009, a Cmara dos Deputados aprovou acontratao de 165 novos analistas e ins-petores, um acrscimo de 30% no pessoal.Outros 100 funcionrios concursados jforam contratados desde 2005.

    ACVM tambm fez uma parceriacom o Ministrio Pblico. Criou-se umgrupo de trabalho conjunto que trocainformaes o tempo todo para discutirrotinas burocrticas e a definio de estra-

    tgias comuns de atuao. Hoje, o mesmocaso no mais investigado isoladamenteem cada esfera. Em meados de maro, aPolcia Federal incorporou-se ao grupopara dar ainda mais agilidade s investi-gaes. Uma escuta telefnica no deveser uma panaceia, porque a gente precisarespeitar a privacidade alheia, afirma San-tos. Mas, excepcionalmente, pode havernecessidade de convencer um juiz a auto-rizar uma escuta dentro de uma investi-gao administrativa ou de um processocriminal e a Polcia Federal est mais

    preparada para fazer isso.Coma fiscalizao encaminhada,a CVMcomea a investir na prevenode irregula-ridades.Os participantes do mercadoforamclassificadosde acordo coma probabilidadede ter algum problema, conforme seu his-trico e o impacto que um dano causadopor eles poderia ter no mercado. A partirda,a CVM elaborou um ranking derisco epassoua concentrar suaatuao no topo dalista que sigilosa. Quem acompanha omercadosabequem estna lista, diz MariaHelena, presidente da CVM. u

    Em entrevista a POCA, a presidente

    da Comisso de Valores Mobilirios

    (CVM), Maria Helena Santana, falou sobre

    o combate s fraudes de colarinho-bran-

    co no mercado de capitais. Leia os princi-

    paistrechos da entrevista.

    poca Qual oobjetivodaspunies

    impostas pela CVM aos participantes

    domercado?Maria Helena Santana O objetivo

    dar coniana aos investidores de que

    as regras existentes so respeitadas

    e as informaes so disseminadas

    para que todos tenham acesso s mes-

    mas condies para negociar. Ns nos

    preocupamos em estabelecer as regras,

    dentrodos limites que a lei nos impe,e

    depois em veriicar se elas esto sendo

    cumpridas.

    pocaNosltimostempos,aCVMtem

    feitovriosacordoscompessoaseinsti-tuiesfinanceirasacusadasdecometer

    irregularidadesnaBolsa,emvezdelevar

    osprocessosato im. Porqu?

    Maria Helena Embora no envolvam

    um julgamento nem a assuno de cul-

    pa pelos acusados, os termos de com-

    promisso chamam a ateno do mer-

    cado de que houve uma acusao com

    aquele teor e foi dada uma contraparti-

    da poraquela pessoa ou instituio para

    encerrar a questo. Do ponto de vista do

    imaginrio do pblico, os acordos fun-

    cionam melhor que muitos processos,por ser mais rpidos e por mostrar uma

    consequncia concreta e imediata para

    quem pratica alguma irregularidade.

    Os acordos no entram no mrito de

    as irregularidades terem sido pratica-

    das ou no, porque isso s ocorreria no

    julgamento. Mas permitem que a CVM,

    ao encerrar um caso, possa se dedicar

    a outros casos, possa investigar mais e

    possa, com isso, causar constrangimen-

    to queles que planejam cometer algum

    ato irregular no mercado de capitais.

    poca As estatais esto sujeitas ao

    mesmo rigor imposto pela CVM s

    empresasprivadas?

    Maria Helena Sim, esto sujeitas s

    mesmas regras. Mas elas tm uma pe-

    culiaridade: h outros atores em cena

    que no so vinculados s empresas

    e muitas vezes esto fora do alcance

    regulamentar da CVM. A CVM no tem

    nenhum mecanismo para tomar me-

    didas contra pessoas que trabalham

    em ministrios ou ministros. Ou contra

    eventuais pronunciamentos oiciais dergos pblicos. Ns precisamos ama-

    durecer como sociedade para que haja

    conscincia por parte de todos os ges-

    tores pblicos da importncia de tratar

    as informaes que envolvam as com-

    panhias abertas de acordo com a regu-

    lamentao. O mercado precisa ter tran-

    quilidade para funcionar, saber que as

    informaes chegam a todos por meio

    dos canais oiciais. Hoje, j estamos me-

    lhor do que estivemos nesse aspecto,

    mas ainda precisamos avanar mais. u

    A presidente da CVM defende a prtica de acordos paraencerrar os processos por irregularidade. Ela diz que so maisrpidos e transmitem a noo de que os abusos so punidos

    O objetivo dar conianaaos investidores

    PAPORPIDO

    MariaHelenaSantana

    Foto: Daniel Wainstein/Valor/Folha Imagem