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Artur de Cruzeiro Seixas Carlos Calvet Fernando Alves dos ... · a développé, les amitiés qu’elle a su nouer dans sa jeunesse, l’éloignement où elle a vécu depuis plus de

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António Maria Lisboa

Artur de Cruzeiro Seixas

Carlos Eurico da Costa

Carlos Calvet

Fernando Alves dos Santos

Henrique Risques Pereira

Mário Cesariny de Vasconcelos

Mário Henrique Leiria

Pedro Oom

Cadavres Exquis

Manifestos e Comunicados Manifestes et Communiques

Diálogos AutomáticosDialogues Automatiques

Biografias Biographies

Introdução de Isabel MeyrellesIntroduction de Isabel Meyrelles

Nota de António Cândido FrancoNotes de António Cândido Franco

Apresentação de Jean Clarence LambertPrésentation de Jean Clarence Lambert

Poemas dePoèmes par

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Primeira nota sobre o SURREALISMO PORTUGUÊS a partir do trabalho antológico de ISABEL MEYRELLES

O título que acima se lê foi atirado ao papel sem preocupação ensaística, ou de qualquer outra ordem, a não ser corresponder a um pedido de Isabel Meyrelles, pessoa que me merece um imenso respeito e muita admiração, pela idade que tem, pelo trabalho que desenvolveu, pelas amizades em que desde muito nova se envolveu, pelo que deu a tantos de tantos e tão variados modos, pelo longo afastamento em que tem vivido desde há mais de sessenta anos, mais francesa hoje que muitos franceses, isto sem um queixume de amargura ou um ranger de ressentimento, pedido esse que foi depois reforçado por Carlos Cabral Nunes, galerista e editor da obra que o leitor tem nas mãos. Mas se um pedido de Isabel Meyrelles, por todas as razões atrás indicadas e ainda por muitas outras que aqui ficam por expressar, todas porém de muita adesão, não pode senão merecer da minha parte um assentimento imediato e entusiástico, sem a mais leve evasiva ou hesitação - e o título acima é a minha forma de dizer sem tergiversar um tal sim -, isso não quer dizer que eu saiba à partida como desembaraçar a meada que ela me deixou entre mãos. Parto pois para este texto sem a mínima certeza do que vou dizer nem até do que seria conveniente dizer, se alguma coisa seria, e decerto que sim, na situação em que me vejo depois do pedido dela, isto é, falar do surrealismo em Portugal para os leitores do trabalho dela, que espero desde já numerosos e de qualidade, o que só pode acrescentar ao meu embaraço, com a responsabilidade, algum incómodo e desnorte. Vamos por partes. Isabel Meyrelles nasceu em 1929 em Matosinhos e veio do Porto para Lisboa no final da década de quarenta para fazer estudos artísticos. Ligou-se nessa época por amizade ao grupo de jovens que se reunira em torno de Mário Cesariny para dar continuidade, ou nascimento, ainda hoje não se sabe muito bem, às atividades surrealistas em Portugal. A Escola de Belas Artes de Lisboa ficava, como ainda fica, no Chiado, centro nevrálgico, na época, não hoje, da vida cultural lisboeta. Isabel Meyrelles, além de frequentar a escola, tinha oficina por perto, na Rua do Ferragial de Baixo, paredes meias com o Cais do Sodré e com a Rua do Alecrim, que liga o Chiado ao Tejo. Por certo o encontro entre Isabel Meyrelles e a meia dúzia de jovens que se agrupava em torno de Cesariny - o mais velho, se deixarmos de lado Cruzeiro Seixas, nascido em 1920 e três anos mais adiantado do que ele, e não entrarmos em contas com António Domingues - se deu nas artérias e nos cafés daquela área, onde por então acontecia qualquer manifestação da vida artística, literária e mundana de Lisboa, no rasto aliás admirável de muitas gerações anteriores, de Camilo a Aquilino, passando por Eça, Fialho, Teixeira Gomes, Brandão, Pascoaes, Pessoa, Almada e Botto, estes dois últimos ainda muito ativos e presentes na década de quarenta, pelo menos no primeiro lustro, nos cafés da zona, em especial na Brasileira do Chiado, que vinte anos antes haviam frequentado na companhia de Pessoa. Falo aqui do ano de 1949, altura em que Botto já partira para o Brasil e em que aconteceu, no final de Junho, mais exatamente entre 18 de Junho e 2 de Julho, e na antiga sala de projeções Pathé-Baby, na Rua Augusto Rosa, nas imediações inevitáveis da Baixa lisboeta, a primeira “Exposição dos Surrealistas”. Do encontro entre Isabel Meyrelles e o grupo ou anti-grupo, assim lhe chamou Cesariny, “Os Surrealistas” ficou muito mais do que a História conta e que é em verdade nada, talvez porque ela não tenha tido a sorte ou o cuidado de se fazer representar em nenhuma das duas exposições com que o grupo se deu a público, a primeira porventura

Premieres notes surLES « SURREALISTES » a partir de l´anthologie de la poesie surrealiste de ISABEL MEYRELLES

Le titre ci-dessus a été écrit au courant de la plume sans aucune intention ou un ordre quelconque, si ce n’est correspondre à un souhait de Isabel Meyrelles, personne qui mérite un immense respect et une grande admiration par son âge, le travail qu’elle a développé, les amitiés qu’elle a su nouer dans sa jeunesse, l’éloignement où elle a vécu depuis plus de soixante ans, plus française aujourd’hui que beaucoup de français, tout cela sans la moindre amertume ou ressentiment, souhait qui a été renforcé par Carlos Cabral Nunes, galeriste et éditeur de l’œuvre que le lecteur a en main. Mais si un souhait de I. M., pour toutes les raisons indiquées plus loin et celles qui restent à exprimer ne peuvent montrer de ma part qu’une approbation immédiate et enthousiaste sans la moindre excuse ou hésitation – et le titre ci-dessus est une manière d’accepter sans tergiverser – ce qui ne veut pas dire que je savais la manière dont j’allais me débrouiller au milieu des éléments qu’elle a remis entre mes mains. Je commence donc ce texte sans la moindre certitude de ce que je vais dire ni même de ce qui sera pertinent de dire, si ce sera quelque chose de sérieux, dans la situation dans laquelle je me trouve selon le souhait de I. M., de parler du Surréalisme au Portugal, pour les lecteurs de son travail, que j’espère déjà qu’ils seront très nombreux et de qualité, ce qui peut seulement accroître mon embarras et ma responsabilité, ma gêne et mon désarroi. I. M. est née en 1929 à Matosinhos et est partie de Porto pour Lisbonne à la fin de la décade des années quarante pour faire des études artistiques. Elle s’est liée d’amitié à un groupe de jeunes qui se réunissaient autour de Mário Cesariny afin de donner une continuité ou une naissance, à ce jour on ne sait toujours pas très bien, aux activités surréalistes. Elle avait son atelier dans le quartier du Chiado, centre névralgique et décisif à l’époque (plus de nos jours), Rue do Ferragial de Baixo, entre le Quai do Sodré et la rue do Alcrim, qui relie le Chiado au Tage. Ce qui est certain, c’est que de la rencontre de I. M. avec la demi-douzaine de jeunes qui se groupaient autour de Mário Cesariny, le plus vieux, si on met de côté Cruzeiro Seixas, né en 1920, son aîné de trois ans, et si on ne tient pas compte de António Domingues, dans ces artères et ses cafés alentour où avaient lieu des manifestations artistiques, littéraires ou mondaines de Lisbonne, dans le sillage admirable de bien des générations antérieures, de Camilo Castelo Branco à Aquilino Ribeiro, en passant par Eça de Queiros, Fialho de Almeida, Teixeira Gomes, Raul Brandão, Teixeira de Pascoais, Fernando Pessoa, Almada Negreiros et António Botto, ces deux derniers encore très actifs et présents dans la décade de mille neuf cent quarante tout au moins dans le premier lustre, dans les cafés de cette zone, spécialement la Brasileira do Chiado, que vingt ans plutôt ils avaient fréquenté en compagnie de Fernando Pessoa. Parlons de l’année 1949, alors que Botto était déjà parti pour le Brésil, et ce qui arriva à la fin juin, plus précisément entre le 18 juin et le 2 juillet dans l’ancienne salle de projection Pathé-Baby, rue Augusto Rosa, tout près de l’inévitable «Baixa» lisboète, la première «Exposition des Surréalistes». De la rencontre entre I. M. et le groupe ou anti-groupe, c’est ainsi que Cesariny le nommait, des Surréalistes il ne reste plus que ce que raconte l’Histoire et qui en vérité n’est rien ou presque

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por simples deixar andar e a segunda, em Junho de 1950, por já ter batido asa para Paris ou estar então a bater, o que é escandalosamente injusto para com ela, que está pela idade - é apenas um ano mais nova do que António Maria Lisboa, Carlos Calvet, Carlos Eurico da Costa e Fernando Alves dos Santos e até um ano mais velha do que Henrique Risques Pereira - e pelo que então e depois sucedeu soldada de forma sólida e até definitiva ao grupo e às atividades que dele saíram na Lisboa encantada que transita da primeira metade do século XX para a segunda. Basta nesse sentido revelar que duas das fotografias míticas do grupo, em que alguns dos magníficos (Cesariny, Mário-Henrique Leiria, António Maria Lisboa e Cruzeiro Seixas) se preparam para sacar voo nos telhados de Lisboa, mostrando que o encanto da cidade estava lá, ainda que em cima e não em baixo, e que qualquer um tem hoje gosto em apresentar como ex-libris desse grupo de rapazes nascidos entre 1920 (Cruzeiro Seixas) e 1930 (Risques Pereira), foram tiradas no telhado da oficina de Isabel Meyrelles, o que deixa entender à saciedade para quem queira ver quanto o destino dessa rapariguinha nortenha estava ligado ao dos surrealistas portugueses. Chego mesmo a interrogar-me, sem mais, quer dizer, sem preocupações probatórias, se uma das fotografias, a dos quatro magníficos prontos a partir para o azul do céu, não terá sido tirada pelo olho de tigre dela, já que a segunda, em que Lisboa brinca teatralmente com Leiria à beira do abismo, como dois invisíveis de asas, garras e bico adunco o podem fazer, foi captada, assim ele mo disse, pelo olho de lince de Cruzeiro Seixas. Como se as fotografias não bastassem, e bastam, pois quis o acaso que Meyrelles estivesse dalgum modo presente num dos momentos mais representativos do grupo, já que a Vida em agrupamento de surrealistas importa o mesmo ou até mais do que a manifestação escrita, pintada ou moldada, há ainda as fartas e generosas alusões que Cesariny lhe faz em vários passos da sua obra, algumas delas em lugares estratégicos, quer do ponto de vista da história coletiva do movimento, que ele fez melhor do que ninguém, posto que os historiadores de ofício não lhe dando ouvido o remetam broncamente para as quinquilharias da ortodoxia, modo seguro e fácil de se desembaraçarem dum incómodo, e que foi aquilo que por exemplo sempre um Jorge de Sena fez, quer do ponto de vista do seu itinerário pessoal, ou pelo menos daquilo que neste percurso Cesariny quis dar a conhecer aos outros e a si e que tanto e tão íntimo afinal foi. Exemplo do primeiro caso, e exemplo maior, que chegaria para ligar para sempre o nome de Isabel Meyrelles ao surrealismo em Portugal, não fosse a distração geral de porcelana, encontra-se no texto capital “Para uma Cronologia do Surrealismo em Português” (veio a lume, em tradução, na revista “Phases”, 1973 e foi reproduzido, na língua original, no livro “As Mãos na Água a Cabeça no Mar”, 1985), de longe o mais importante texto que algum dia se escreveu no que à história do surrealismo em Portugal tange, e que de resto veio pela primeira vez a público, em língua francesa, em versão de Meyrelles. Eis o parágrafo que Mário Cesariny lhe dedica: “Isabel Meyrelles, velha companheira das primeiras acelerações do aparelho respiratório, Francisco Aranda, vindo do surrealismo espanhol e que viveu em Lisboa alguns anos alucinogénios, e António Barahona da Fonseca e Luiza Neto Jorge entre os mais jovens, serão ainda pontos de referência no isolamento em que escolhemos viver aqui.” (1985: 281) Meyrelles ponto de referência, centro sem meta, motivo de inspiração para os surrealistas portugueses e logo ao lado de Francisco Aranda, um dos confidentes de tirocínio do grande Buñuel, que aterrou pouco menos do que por acaso em Lisboa. Exemplo de segundo nível, relativo ao itinerário pessoal de Mário Cesariny, encontro-o eu, e quase por acaso, sem inquietações de busca e menos ainda de sistematização, no “Diário de Composição”, escrito em Paris entre 27 de Maio e 11 de Julho de 1964, e incluído no livro “A

rien, peut-être parce qu’elle eut la « chance » ou la précaution de ne pas se faire représenter dans aucune des deux expositions que le groupe montra au public, la première, peut-être par simple laisser aller et la seconde en juin 1950 parce qu’elle avait déjà pris son envol pour Paris, ou sur le point de le faire, ce qui est scandaleusement injuste envers elle, à cause de son âge – elle est seulement une année plus jeune que António Maria Lisboa, Carlos Calvet, Carlos Eurico da Costa et Fernando Alves dos Santos et un an plus âgée que Henrique Risque Pereira – et aussi pour au bout du compte de forme solide et même définitive proche au groupe et aux activités qui eurent lieu dans la Lisbonne enchantée qui transite de la première moitié du XXe siècle pour la seconde moitié. Il suffit de révéler que deux des photographies mythiques du groupe où l’on peut contempler quelques uns des membres les plus célèbres du groupe (Cesariny, Mário-Henrique Leiria, António Maria Lisboa et Cruzeiro Seixas) se préparant à s’envoler des toits de Lisbonne, révélant que l’enchantement de la ville est là, en haut, et non pas en bas et que chacun d’eux a plaisir aujourd’hui à ce servir de ces clichés comme ex-libris témoin de ce groupe de jeunes gens nés entre 1920 (Cruzeiro Seixas) et 1930 (Risques Pereira). Ces photographies ont été prises du haut du toit de l’atelier de I. M. ce qui laisse entendre combien cette jeune fille venue du nord était liée par le destin à celui des surréalistes portugais. Je me suis même interrogé, sans plus, si une de ces photographies, celle des quatre grands prêts à s’envoler pour l’azur du ciel, n’avait pas été faite par son œil de tigre, alors que la seconde, celle où António Maria Lisboa s’amuse théâtralement avec Mário-Henrique Leiria au bord de l’abîme comme seuls deux êtres invisibles pourvus d’ailes, griffes et becs crochus a été captée par l’œil de lynx de Cruzeiro Seixas. Et comme si cela n’était pas suffisant, il semble que le hasard a voulu que I.M ait été présente lors des moments les plus représentatifs du groupe, car la Vie du groupe des surréalistes est parfois plus importante que la manifestation écrite, peinte ou sculptée. Il y a aussi les nombreuses allusions que Cesariny fait à son encontre dans divers passages de son œuvre, quelques fois dans des places stratégiques, que ce soit du point de vue de l’histoire collective du mouvement, qu’il fait mieux que personne, vu que les historiens officiels l’ont écarté sans ménagement pour faire place à l’orthodoxie, moyen plus facile pour se défaire de ce qui incommode, c’est le cas par exemple de Jorge de Sena du point de vue de son itinéraire personnel ou tout au moins le parcours que Cesariny a voulu montrer aux autres et à lui-même et qui finalement est si intime. L’exemple du premier cas en est le meilleur, et qui serait suffisant pour lier le nom de I. M. pour toujours au Surréalisme au Portugal si les intellectuels n’étaient pas si distraits… On peut trouver confirmation dans le texte capital « Pour une chronologie du Surréalisme en Portugais » (qui voit le jour, en traduction dans la revue Phases, 1973 et qui a été reproduit, dans la langue originale, dans le livre “As Maos na Agua a Cabeça no Mar”, 1985). C’est de loin le texte le plus important qui jusqu’à ce jour a été écrit sur l’histoire du surréalisme au Portugal et qui a été présenté au public pour la première fois en français, version de I. M. Voici le paragraphe que Mário Cesariny lui dédie: «Isabel Meyrelles, vieille compagne des premières accélérations respiratoires, Francisco Aranda, venu du surréalisme espagnol et qui a vécu à Lisbonne quelques années hallucinogènes, António Barahona da Fonseca et Luiza Neto Jorge, parmi les plus jeunes, seront des points de référence au milieu de l’isolement dans lequel nous avons choisi de vivre ici.» (1985: 281) Meyrelles, «point de référence», centre sans but, motif d’inspiration pour les

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Cidade Queimada” (1965). A alusão encontra-se logo no primeiro dia do “Diário”, quando o anotador descobre a “solicitação” da Torre de Saint Jacques. Por aí se fica a conhecer que nessa estadia em Paris, onde está com uma bolsa da Fundação Gulbenkian para recolher ao vivo elementos para um livro sobre Vieira da Silva, que só virá a lume vinte anos depois, aí como magna catedral e feixe de síntese de muita coisa antes dispersa, “Vieira da Silva, Arpad Szenes ou o Castelo Surrealista” (1984), Cesariny tomou como abrigo, teto ou poiso de recolhimento e trabalho o apartamento, parece que pequeno ou mesmo minúsculo, de Isabel Meyrelles, no mesmo prédio onde então vivia Henry Michaux, que pouco depois, em 1972, por intermédio dela e de Cruzeiro Seixas, então consultor artístico, exporá em Lisboa, na Galeria São Mamede. Outro exemplo de segundo nível está num dos textos de “19 Projetos de Prémio Aldonso Ortigão” (1971), “Passagem dos Sonhos”, um dos raros momentos, se até não for o único, mas esse absoluto e exemplar, em que Cesariny conta e escreve sonhos seus, entre eles o pesadelo tremendo que teve e viveu pouco depois da morte de António Maria Lisboa, um daqueles delírios que matam afirma ele se não forem ilaqueados a tempo, e o sonho com Isabel Meyrelles em Paris, em que esta surge numa encruzilhada como a de S. Michel-S. Germain escarranchada numa moto, muito mais sereno e inofensivo e que serve de pretexto para aquilo que recorre em metamorfose no universo do delírio sem que haja necessidade de corte ou de ilaqueação. Tanto num caso como noutro, tanto no passo do “Diário” como no do sonho, abrindo ambos a janela da intimidade do anotador e do sonhador, o fundo secreto da sua alma, Isabel Meyrelles está lá, vivendo no plasma psíquico de Cesariny a vida imaginária dos invisíveis, de novo como ponto de referência ou marco miliário. Abstenho-me aqui de comentar, ou até só de aludir com o espaço que me seria de obrigação, à longa e significativa atividade que Meyrelles tem feito como escultora, numa desordem animalística que já foi aproximada de Leonora Carrington, e que a levou com Benjamim Marques e Cruzeiro Seixas a explorar em sentido próprio e inovador o processo lúdico e coletivo do cadáver esquisito, tal como me abstenho de referir aqui como afinal devia o trabalho poético dela, este em estreita relação com Natália Correia, que lhe traduziu para português vários poemas originalmente escritos em francês, e nessa situação está o livro “O Rosto Deserto” (1966), ou até em compreensível aproximação fraterna a Mário Cesariny, que deu à estampa pela primeira vez um importante poema seu, “Ode a outros e a Maria Helena Vieira da Silva” num livro da amiga e em tradução francesa dela, decerto porque os versos foram captados, o que não é para desprezar em amador de acasos, no período em que Cesariny viveu debaixo do seu pára-raios. Aqui me abstenho de desenvolver estes dois artigos da maior importância porque o leitor deste introito já percebeu por certo a fortérrima e indissolúvel ligação de Meyrelles ao Surrealismo em geral e em especial aos protagonistas daquele que vingou e singrou em Portugal e que é tudo o que por ora pretendo. Outros um dia abordarão com espaço e atenção como convém o universo onírico desta ação escrita, onde sopra o fogo incriado do amor incendiário, e desta consumpção esculpida, que funde em formas coleantes e musicais a cultura mítica e a natureza selvagem, esta última a fazer tanta falta ao mundo humano de hoje, asséptico e lixivioso, paralisado no estertor, e que a verve xamanística de Meyrelles tão bem sabe evocar e preitear. Depois de tão grande afastamento de Portugal - partiu para Paris em 1950 - e de tão intenso convívio com o surrealismo, não surpreende que dentro de Isabel Meyrelles tenha germinado a ideia de montar e construir uma grande e representativa antologia da poesia surrealista portuguesa, que pudesse funcionar como homenagem dela à palavra escrita do movimento e que ela mesma se encarregaria de traduzir para a língua de Rabelais na esperança de que a antologia não prestasse serviço apenas dentro de portas mas também fora delas, e

surréalistes portugais et tout de suite au côté de Francisco Aranda, un des confidents et élève du grand Bunuel qui a atterri peu de temps après, par hasard, à Lisbonne. Un exemple au second niveau relatif à l’itinéraire personnel de Mário Cesariny, que je trouve par hasard, sans recherches précises et encore moins systématiques, dans le «Journal de Composition» écrit à Paris entre le 27 mai et le 11 juin 1964 et inclus dans «La Ville Brûlée» (1965). L’allusion se trouve tout de suite au début du «journal», quand le narrateur découvre «l’appel» de la Tour Saint-Jacques. On est informé que durant ce séjour à Paris, pour lequel il avait une bourse de la Fondation Gulbenkian pour recueillir sur le vif des éléments afin d’écrire un livre sur Vieira da Silva et qui verra le jour vingt ans plus tard avec une certaine renommée de cathédrale et de beaucoup de choses éparses, «Vieira da Silva, Arpad Szenes ou le château Surréaliste» (1984), Cesariny a trouvé comme point de chute l’appartement minuscule de I. M. dans un immeuble situé tout près du domicile d’Henri Michaux qui peu de temps après, en 1972, par l’intermédiaire de I.M., Cruzeiro Seixas, étant alors consultant artistique, montera une exposition à la Galerie São Mamede. Un autre exemple se trouve dans le texte des «19 Projectos de Prémio Aldonso Ortigão» (1971), «Passagem dos Sonhos», un des rares moments, et sans doute unique, mais absolu et exemplaire dans lequel Cesariny raconte et écrit ses rêves, entre autres le cauchemar vécu peu après la mort de António Maria Lisboa, délires qui tuent s’ils ne sont pas évacués à temps et le rêve avec I. M. à Paris où elle surgit au croisement du Bd Saint-Michel et du Bd Saint-Germain chevauchant une moto, un rêve très serein et inoffensif et qui sert de prétexte à des métamorphoses dans l’univers du délire sans nécessité de coupe ou de tromperie. Aussi bien dans un cas comme dans l’autre, le «Journal» ou bien le rêve ouvre l’un comme l’autre une fenêtre sur l’intimité du narrateur et du rêveur, le fondement secret de son âme, I. M. est là, vivant dans le plasma psychique de Cesariny la vie imaginaire des invisibles, et encore une fois comme point de référence d’une borne millénaire. Je m’abstiens ici de commenter ou bien de parler de la longue et significative activité de I. M. comme sculpteur, adepte des métamorphoses, qui a conduit Benjamin Marques et Cruzeiro Seixas à explorer au sens propre et innovant le procédé ludique et collectif du cadavre exquis en sculpture. Je m’abstiens aussi de faire référence à son œuvre poétique dont Natália Correia a traduit en portugais les poèmes écrits en français du livre «O Rosto Deserto» (1966), ou bien encore, l’approche fraternelle de Mário Cesariny qui a bien voulu publier pour la première fois le poème «Ode à d‘autres et à Maria Helena Vieira da Silva» en guise de préface, peut-être parce que ces poèmes furent écrits à l’époque et que Mário Cesariny privilégiait le hasard, période durant laquelle Cesariny a vécu sous le paratonnerre de I. M. Ici je m’abstiens de développer ces deux importants articles parce que le lecteur a déjà compris la forte et indissoluble relation de Meyrelles au Surréalisme en général et particulièrement avec les protagonistes de celui qui a gagné et poursuivi au Portugal son cheminement. Et pour le moment c’est tout ce que j’ai à dire. Un jour, d’autres aborderont avec l’attention qu’il convient l’univers onirique de cette action écrite, où souffle le feu incréé de l’amour incendiaire et de cette destruction sculptée qui fonde en formes sinueuses et musicales la culture mythique et la nature sauvage, celle qui manque cruellement à l’humanité d’aujourd’hui, aseptisée et lessivée, paralysée en un râle que la verve chamaniste de I. M. sait si bien évoquer et rendre hommage. Après un si long éloignement du Portugal – elle est parti en 1950 – et une si intense communion avec le Surréalisme, on ne sera pas surpris qu’en elle est germé l’idée de créer et de construire

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não lhe prestasse apenas a ela o favor de a ter feito mas fosse também ela a fazer alguma coisa pela antologia, traduzindo-a e dando-a a conhecer a uma Europa desnatada e insossa, já que a força, a solidez e a universalidade da poesia surrealista escrita em Portugal, em tesa língua, lhe pareciam a ela, antóloga, ponto assente, sem discussão possível, e ainda de muito proveito a essa mesma Europa sem nata e sem pedra de sal na alma. Não posso dizer com exatidão quando nasceu dentro de Isabel Meyrelles o modelo duma tal compilação poética mas é seguro que desde o desabrochar da ideia até o dia de hoje passaram muitos e muitos sopros de oiro e de Primavera. Já em 1998, há cerca pois de quinze anos, arco de tempo nada curto, Perfecto E. Cuadrado no exórdio de abertura que escreveu para a edição portuguesa da antologia dele da poesia surrealista portuguesa, “A Única Real Tradição Viva” (1998), trabalho vivo que aqui de passagem se homenageia, referindo o labor de Isabel Meyrelles, dizia o seguinte: “Sabemos que Isabel Meyrelles tem preparada uma magna antologia de poetas surrealistas e surrealizantes portugueses que completará, sem dúvida, com mais inteligência e sensibilidade – e desde o interior – os nossos esforços de divulgação-intervenção.” (1998: 64) Neste informe do ano de 1998 percebe-se que a origem duma compilação de poetas surrealistas portugueses a organizar por Meyrelles era já na época antiga o bastante para Perfecto dar nesse momento a peça como concluída e pronta a ver a luz, o que, tendo em atenção o volume de aplicação que um tal labor requer, implica um lapso de tempo, entre o momento da partida e o da chegada ou conclusão, nada desprezível, de vários ou mesmo muitos anos.Atenção: o facto do autor do proémio dar a antologia de Meyrelles por rematada em 1998 não quer dizer que nos catorze anos que entretanto passaram o volume não tenha sofrido desvios e transformações, sobretudo à procura de maior representação, naquele que parece ter sido o critério de eleição mais acarinhado pela autora, que a ninguém quis deixar de fora desde que esse alguém tivesse matéria poética escrita e tocasse dalgum modo o surrealismo e os seus grupos portugueses. Por tal motivo Perfecto falará na sua nota introdutória duma magna antologia, a completar a sua, nada magra porém, quatrocentas páginas bem cheias. É essa antologia que o leitor tem agora entre mãos. Tratando-se duma compilação exaustiva dentro da criação poética surrealista em Portugal, naquele que é por certo o maior esforço feito até hoje para reunir num único trabalho tudo, ou quase tudo, o que respeita à matéria em causa, e sob esse aspeto afastando-se do conselho de Cesariny quando afirma que antologias só tendenciosíssimas, impraticável pois será dar o fruto duma tal coleta num único volume. A volição de Isabel Meyrelles foi dar a visão geral do edifício, sem deixar de lado nenhum dos andares e em cada um deles nenhum dos nichos em que ele se compartimenta, sendo os andares as gerações e os alvéolos os grupos ou até as personalidades com habitação em separado, o que alongou necessariamente muito o número de páginas do seu trabalho. A antologia que resultou da realização do projeto organiza-se assim em quatro volumes, a serem vistos como andares diferentes, no caso três, ficando o último a ser uma espécie de arrecadação na cave ou e no sótão. O primeiro volume, este que o leitor folheia e agora lê, respeita à criação poética de “Os Surrealistas” (1949-51) e do qual já dissemos o seu tanto, pois Meyrelles pertence-lhe por idade e afinidade, o que justifica Perfecto quando este adianta que a antologia de Meyrelles, ao inverso da dele, saía das entranhas do movimento, no que foi injusto com o trabalho dele, em verdade muito mais apaixonado do que académico; o segundo, a editar a par deste, toca a ação poética do Grupo Surrealista de Lisboa (1948-49), que em termos de estreita cronologia é o ponto de partida da ação poética surrealista em Portugal mas que é quase contemporâneo do grupo dissidente e que com ele se cruza, como se verá, em muitos aspetos; o terceiro, que há de vir,

une grande et représentative anthologie de la poésie surréaliste portugaise qui puisse fonctionner comme un hommage personnel à la parole écrite du mouvement et qu’elle s’est elle-même chargée de traduire dans la langue de Rabelais, en espérant que cette anthologie ne soit pas réservée seulement aux initiés portugais mais aussi aux autres pays. Alors que la force, la solidité et l’universalité de la poésie surréaliste écrite au Portugal dans une langue pleine de sève, lui paraissait en tant que lectrice, un point de base, sans discussion possible et aussi d’un grand profit pour cette Europe indifférente et déconnectée dans l’âme. Je ne peux pas dire avec certitude quand I. M. a commencé la compilation poétique mais ce qui est sûr c’est que depuis et jusqu’à ce jour bien des printemps ont éclos. Déjà en 1998, il y a donc quinze ans, Perfecto Cuadrado dans sa préface, a écrit pour l’édition portugaise de son anthologie de la poésie surréaliste portugaise, «A Única Real Tradição Viva» (1998), excellent travail très vivant, dans un passage auquel il rend hommage à I. M. en se référant à son labeur et dit ceci: «nous savons que I. M. prépare une importante anthologie de poètes surréalistes et surréalisants portugais qui complètera sans aucun doute avec intelligence et sensibilité – et de l’intérieur – nos efforts de divulgation-intervention.» (1998: 64) A cette époque, en 1998, on comprend que l’origine de la compilation de poètes surréalistes portugais organisée par I. M. est déjà à cette époque suffisamment ancienne pour être prête à être publiée, et que vu la taille et le travail effectués, puisque Perfecto laisse entendre qu’elle est prête à voir le jour et qu’il reste attentif par rapport au travail que proportionne une telle entreprise et qui implique naturellement un laps de temps entre le démarrage et l’aboutissement ou la conclusion, rien d’étonnant que cela s’étale sur plusieurs années. Attention: le fait que Cuadrado, dans sa préface croit que l’Anthologie de I. M. est terminée 1998, ne veut pas dire que durant ces quatorze années elle ne l’a pas modifiée et transformée, recherchant surtout une meilleure représentation, ne voulant laisser personne de côté qu’ils aient touché de prés ou de loin la matière poétique écrite. C’est pourquoi, Perfecto parle d’un «magma anthologique» qui complètera la sienne, qui n’est cependant n’est pas mince, quatre cents pages bien remplies. C’est cette anthologie que le lecteur a en main. Il s’agit de la compilation la plus exhaustive possible de la création poétique surréaliste au Portugal, certainement le plus gros travail entrepris jusqu’à présent pour réunir tout ou presque tout ce qui se rapporte au sujet en cause tout en écartant le conseil de Cesariny quand il affirme que «les anthologies sont toujours tendancieuses», labeur qui serait infaisable quant au résultat de cette collecte impossible à faire en un seul volume. L’idée de I. M. a été de montrer une vision générale de l’édifice, sans laisser de côté aucun étage ni nul recoin inexploré en suivant les générations, les lieux secrets des groupes, et même les personnalités qui n’entrent pas nécessairement dans ce cadre lequel aurait allongé de beaucoup le nombre de pages de ce travail. L’anthologie donne lieu a la réalisation d’un projet organisé ainsi en quatre volumes, qui peuvent être vus comme quatre étages différents ou bien trois, si on considère le dernier comme une sorte de remise ou de cave: le premier volume, celui que le lecteur feuillette ou lit maintenant, représente la création poétique du «Groupe Surréaliste de Lisbonne» (1948-49), que Meyrelles prend comme point de départ de l’action poétique surréaliste au Portugal; le second, à éditer, touche l’action poétique du groupe dissident et presque contemporain du premier et qui s’est présenté au public comme «Les Surréalistes» (1949-51) et duquel nous avons déjà parlé, puisque Meyrelles appartient par son âge et par affinité à ce groupe, ce qui fait dire à Perfecto que l’anthologie de

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toma por matéria o grupo do café Gelo (segundo lustro da década de cinquenta), naquilo que é pela idade e até pelos interesses, com muito mais unhaca política, uma segunda leva do surrealismo em português; por fim, o quarto e último, também a chegar mais tarde, que Meyrelles chamou de “deriva surrealista”, e onde aparecem os pósteros ou afins, os colaterais ou a progénie, que ontem ou hoje foram tocados pela aura e pelo calor da chama surrealista. Não era obrigatório que a antologia de Meyrelles se estruturasse deste modo, em andares cronológicos, através de três gerações e de três grupos, três compartimentos diferenciados mas não estanques, reservando ainda um sótão e uma cave, mais aquela do que esta, pois a caboucos e precursores o trabalho de Meyrelles diz não, naquilo que parece jogar com a opção de tomar a ação inicial do Grupo Surrealista de Lisboa e de “Os Surrealistas”, entre 1947 e 1949, como ponto de partida e exclusivo, com o qual não se transige, do surrealismo em Portugal. Natália Correia por exemplo organizou uma antologia sobre idêntica matéria que batizou “O Surrealismo na Poesia Portuguesa” e em que decidiu incluir poetas tão desencontrados do tempo da fundação visível do surrealismo, ou da sua chegada a Portugal, como os trovadores das cortes de Afonso III e de Dinis ou os quinhentistas e seiscentistas dos florilégios maneiristas e barrocos. O que Natália Correia pretendeu agarrar na coleta que fez foi a parcela eterna, não histórica, a parte essencial, ou ideal, do surrealismo escrito em português; tal componente intemporal existiu sempre e para sempre existirá na linguagem verbal humana, portuguesa ou não, e até em última visão, que porventura já não interessa aqui, existiu e existirá sempre, antes ou depois do homem e do seu verbo, na génese da própria Vida. Não foi essa, e a opção é muito respeitável, posto que discutível, a aproximação de Isabel Meyrelles ao surrealismo, como não foi essa de resto a de Perfecto na antologia referida. Para reunir a sua coleção de poemas, ela aceitou o surrealismo como movimento temporal, manifestação existencial, inserida na História e no Tempo, com datas e marcas de nascimento, crescimento, expansão, declínio e retração. Foram estas e não outras que lhe ditaram a construção do “magma antológico”, cujo primeiro estrato, respeitante ao primeiro de quatro patamares, não seguindo o fio da cronologia, está agora nas mãos do leitor. E aqui volto eu ao meu embaraço. Para além desta introdução geral, apresentando os fios do trabalho e da pessoa de Isabel Meyrelles, como julgo ter feito, bem ou mal, não vem aqui ao caso, pergunto-me o que se pretende de mim. Ao que me dizem, uma nota também geral sobre cada um dos quatro andares que por dentro organizam o edifício antológico, de modo a que cada um dos volumes se apresente ao leitor enquadrado e até se possível estudado. Nesse sentido cabe aqui no pórtico de entrada do primeiro deles dizer algo sobre aquele grupo que para efeitos do que mais importa, o surrealismo mesmo, será sempre na quadrícula portuguesa o primeiro entre todos, se bem que cronologicamente não seja isso assim pois se formou ele no final de 1948 ou princípios de 1949, quando se dava já notícia em Portugal duma intervenção surrealista anterior. Falo do grupo que ganhou corpo em torno de Mário Cesariny e de António Maria Lisboa, que protagonizou duas exposições públicas, a primeira em Junho-Julho de 1949, já acima citada, e a segunda um ano depois, em Junho-Julho de 1950, na galeria da livraria lisboeta “A Bibliófila”, e que manteve atividade regular entre 1949 e 1953, ano da morte de António Maria Lisboa, a coincidir com o afastamento de outros dois membros do grupo, Carlos Eurico da Costa e Mário Henrique Leiria, talvez por razões de política partidária e com a primeira exposição de Cruzeiro Seixas na cidade de Luanda, onde há pouco se instalara e onde ficaria por mais duma longa década, só regressando a Lisboa em 1964. Desse grupo saiu o legado de maior valor no que respeita à ação

Meyrelles, à l’inverse de la sienne, sera un travail vécu de l’intérieur du mouvement, mais il se montre injuste envers lui-même, car son travail est plus passionné qu’académique. Le troisième, à paraître, a pour matière le groupe du «Café Gelo» (deuxième lustre de la décade de mille neuf cent cinquante), du fait de l’âge et des intérêts ayant une tournure plus politique, une seconde vague du Surréalisme portugais; enfin le quatrième et dernier qui paraîtra plus tard et que Meyrelles a appelé « la dérive surréaliste », apparaissent les proches ou les collatéraux, les compagnons de route, les descendants de ceux qui hier ou aujourd’hui ont été touchés par l’aura et par la chaleur de la flamme du surréalisme, etc…. Il n’était pas nécessaire que l’anthologie de Meyrelles se structure de cette façon, les étages chronologiques à travers trois générations et trois groupes très compartimentés différenciés mais étanches, réservant encore un grenier et une cave à d’autres, car le travail de I. M. dit non aux fondateurs lointains et aux précurseurs préférant choisir l’option de commencer l’anthologie par le « Groupe Surréaliste de Lisbonne » 1947-1948 comme point de départ unique et sur lequel elle ne transige pas. Natália Correia par exemple a organisé une anthologie sur une matière identique qu’elle baptisa «Les Surréalisme dans la Poésie Portugaise» où elle décida d’inclure des poètes lointains du temps de la fondation visible du Surréalisme ou de son arrivée au Portugal, comme les troubadours des cours de Alphonse III et de Dinis ou bien encore ceux du XV ou XVI siècle des florilèges maniéristes ou baroques. Ce que Natália Correia prétendait saisir dans cette quête c’était la parcelle éternelle, et non historique, la part essentielle ou idéale du Surréalisme; de tels composants intemporels ont toujours existé et existeront toujours dans le langage verbal humain et même dans une dernière vision, qui peut-être ne présente pas un grand intérêt ici, le verbe qui exista et existera avant et après l’homme, dans la genèse de la Vie. Ce ne fut pas celle-là, et l’option choisie est très respectable, quoique discutable, l’approche que I. M. choisit comme approche du Surréalisme, comme d’ailleurs celle de Perfecto Cuadrado dans son anthologie. Pour réunir son choix de poèmes, elle a choisi le Surréalisme comme un mouvement temporel, une manifestation existentielle, insérée dans l’Histoire et le Temps, avec des dates et traces de naissance, croissance, expansion, déclin et repli. Ce furent celles-ci et non d’autres raisons qui lui ont dicté la construction du magma anthologique, dont le premier étage, qui concerne le premier des quatre, est maintenant entre vos mains. Je reviens ici à mon désarroi initial. Au-delà de l’introduction générale, où je présente le travail et la personnalité de Isabel Meyrelles, comme je pense l’avoir fait, bien ou mal, n’importe, je me demande ce qu’elle désire que je fasse. A ce qu’on m’a dit, ce serait une note générale sur chacun des quatre volumes de l’anthologie, de façon à que chaque volume présente au lecteur un texte encadré et même si possible étudié. Pour commencer, il faut d’abord dire quelque chose sur ce groupe que pour des raisons importantes, le surréalisme lui-même, sera toujours dans le pré carré portugais le premier entre tous, même si chronologiquement cela ne s’est pas passé pas comme ça, car le groupe fut formé à la fin de 1948 ou début de 1949, quand on connaissait déjà au Portugal une intervention surréaliste antérieure. Je parle du groupe qui s’est formé autour de Mário Cesariny et de António Maria Lisboa, qui firent deux expositions publiques, la première en juin-juillet 1949 et la deuxième un an plus tard, en juin-juillet 1950, dans la galerie de la librairie lisboète «A Bibliofila». Le groupe a poursuivi ses activités entre 1949 et 1953, l’année de la mort de António Maria Lisboa, qui a coïncidé avec l’éloignement de deux autres membres du groupe, Carlos Eurico da Costa et Mário Henrique Leiria, peut-

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être pour des raisons politiques. Puis a eu lieu la première exposition de Cruzeiro Seixas à Luanda (Afrique) où il résidait et où il restera pendant une longue décennie, ne revenant à Lisbonne qu’en 1964. C’est dans ce groupe qu’est née la vocation d’être le premier acteur de l’action surréaliste au Portugal et uniquement pour ça, il mérite la primauté dans n’importe quelle anthologie, même si le déphasage chronologique en relation aux activités antérieures est insignifiant et que quelques uns des protagonistes ont participé aux deux groupes. C’est aussi le groupe duquel Isabel Meyrelles semble la plus proche lors de son arrivée à Lisbonne, âgée de 20 ans, et à laquelle on doit les superbes photos faites sur le toit de la rue Ferregial de Baixo; lorsqu’on passe au crible sa longue histoire, on peut voir en perspective son travail créateur qui lui appartient de droit, ce qui est une raison pour donner une place prépondérante au groupe « Os Surrealistas». C’est ce groupe que Meyrelles a choisi, avec l’accord de l’éditeur, pour débuter ce choix poétique; le groupe a exposé pour la première fois en juin 1949, rua Augusto Rosa, étaient présents: Henrique Risques Pereira, Mário Henrique Leiria, Fernando Alves dos Santos, Carlos Eurico da Costa, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Mário Cesariny de Vasconcelos, António Maria Lisboa, António Paulo Tomaz, João Artur Silva et Carlos Calvet (lors de la deuxième exposition, en 1950 exposèrent aussi Fernando José Francisco et Alexandre O’Neill), mais leur activité publique avait commencé avant, car le 6 mai de la même année, le groupe avait animé au «Jardim Universitário das Belas Artes» à Lisbonne un débat, «Le surréalisme et son Public», qui peut être considéré comme sa première action publique; dans ce débat fut présenté le texte fondateur du groupe «Afixação Proíbida» (Affichage Interdit), résultat de la collaboration auquel ont participé António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira, Mário Cesariny et Pedro Oom. Le noyau central du groupe, – António Maria Lisboa, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Fernando Alves dos Santos, Carlos Eurico da Costa, Henrique Risques Pereira – s’était formé auquel s’est joint, lors du débat de mai, Mário Henrique Leiria, présent déjà avec sa pipe et tout, dans l’exposition de juin. C’est peut-être Leiria qui a présenté au groupe Carlos Calvet et Joao Artur Silva, présents aussi dans l’exposition de la rue Augusto Rosa du mois suivant, puisque déjà dans «l’Antologia Surrealista do Cadaver Esquisito» (1961) il y a des textes collectifs des trois datés de 1948. António Paulo Tomaz est arrivé par la main de Cruzeiro Seixas à l’exposition de 1949 et on ne sait rien de lui. Fernando José Francisco qui participe aussi à l’exposition de 1949, lui, vient de la chienlit de l’École António Arroio et n’a rien laissé d’écrit. Il faut mentionner le voyage cette même année de António Maria Lisboa à Paris, peut-être en février, car dans les lettres qu’il a écrites à ceux qui restaient au Portugal (mars avril), et qui ont été publiées par Mário Cesariny dans l’édition «Poesia de António Maria Lisboa» (1977) on apprend que ce voyage a été largement motivé par le besoin de faire connaître à Breton et à Benjamin Péret l’existence de ce nouveau groupe; il est possible de dire, sans trop s’avancer, que la formation de «Os Surrealistas» a eu lieu à la fin de 1948, même si son action publique n’a commencé qu’après le débat de la JUBA, et ce fut alors seulement que le groupe se fit connaître en tant que tel. Pour confirmer cette date il faut citer Mário Cesariny qui a joué là, comme ailleurs, un rôle décisif, puisque dans une lettre adressée à António Pedro, le 8 août 1948, il rompt toute relation avec le Groupe Surréaliste de Lisbonne. Alors, se sentant les bras libres pour s’envoler plus haut et plus loin – et avec lui s’en alla aussi António Domingues, fils de l’écrivain et journaliste anarcho-syndicaliste Mário Domingues qui a suivit avec intérêt et même participé au début de «Os Surrealistas». Une lettre de António Maria Lisboa envoyée de Paris, datée de mars 1949, est dirigée aussi à António Domingues, ce qui montre qu’il fit partie des remous initiaux du groupe.

surrealista em Portugal e só por isso merece ele a primazia em qualquer antologia, até porque o desfasamento cronológico em relação às atividades anteriores é insignificante e alguns dos protagonistas atravessam ambos os grupos. É ele também o grupo a que Isabel Meyrelles aparece ligada na sua chegada a Lisboa, aos vinte anos, com as estupendas fotografias dos telhados da Rua do Ferragial de Baixo, e a que, quando se passa no crivo a longa história dela e se vê em perspetiva o seu trabalho criativo, por direito ela pertence, o que é um motivo acrescido para lhe dar aqui, a ele, grupo “Os Surrealistas”, antecedência. Esse grupo que Meyrelles escolhe, com o assentimento do editor, para abrir esta escolha poética, expôs pela primeira vez em Junho de 1949 - estiveram presentes na mostra da Rua Augusto Rosa, Henrique Risques Pereira, Mário Henrique Leiria, Fernando Alves dos Santos, Carlos Eurico da Costa, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, António Paulo Tomaz, João Artur Silva e Carlos Calvet (na segunda mostra, de 1950, junta-se Fernando José Francisco e Alexandre O’Neill) - mas a sua atividade pública arranca antes, pois a 6 de Maio do mesmo ano o grupo promoveu no Jardim Universitário de Belas Artes (J.U.B.A.), em Lisboa, um debate, “O Surrealismo e o seu Público”, que pode talvez ser tomado como a primeira ação pública do grupo, e nela se apresentou o texto fundador do grupo “Afixação Proibida”, que resultou da colaboração de António Maria Lisboa, Henrique Risques Pereira, Mário Cesariny e Pedro Oom. O núcleo central do agrupamento - António Maria Lisboa, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Pedro Oom, Fernando Alves dos Santos, Carlos Eurico da Costa, Henrique Risques Pereira - estava formado, a que logo se juntou, no debate de Maio, Mário-Henrique Leiria, presente já, com cachimbo e tudo, na exposição de Junho seguinte. E talvez tenha sido Leiria a trazer para o grupo Carlos Calvet e João Artur Silva, também expostos na mostra da Rua Augusto Rosa do mês seguinte, já que em “Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito” (1961) há textos coletivos dos três em 1948. António Paulo Tomaz, por sua vez, chega pela mão de Cruzeiro Seixas à mostra de 1949 e dele nada mais se sabe ou conhece; Fernando José Francisco, presente também na mostra da Rua Augusto Rosa, vem das cegadas da escola António Arroio e nada deixou escrito. Tendo em atenção a ida de António Maria Lisboa para Paris no início desse ano (talvez Fevereiro) e as cartas que trocou com os que estavam em Lisboa (Março-Abril), e que foram dadas a lume por Cesariny na edição “Poesia de António Maria Lisboa” (1977), onde se fica a saber que essa ida foi de modo largo motivada pela necessidade de dar a conhecer o grupo junto de André Breton e de Benjamim Péret, é possível avançar sem grande margem de erro que a formação de “Os Surrealistas” aconteceu no final de 1948, mesmo que as ações públicas só tenham aberto depois do debate no J.U.B.A. e só nessa altura o agrupamento se desse a conhecer enquanto tal. A favor dessa data entra ainda o facto de Mário Cesariny, que nisto como em muito mais jogou um papel decisivo, ter cortado no dia 8 de Agosto de 1948, por curta carta dirigida a António Pedro, com o Grupo Surrealista de Lisboa, ficando assim de braços livres para mais altos voos - e com ele saiu António Domingues, filho do escritor e jornalista anarco-sindicalista Mário Domingues, que ainda acompanhou de entrada “Os Surrealistas”. Uma carta de AntónioMaria Lisboa enviada de Paris, com a data de Março de 1949, também lhe é dirigida a ele, António Domingues, o que mostra como este fez parte do redemoinho inicial do grupo. “Os Surrealistas” resultam assim do cruzamento de dois veios distintos, o de Mário Cesariny, que com ele traz Cruzeiro Seixas, António Domingues e Carlos Eurico da Costa, os dois primeiros próximos desde a adolescência na escola António Arroio, e o de António Maria Lisboa, que junta em seu redor Henrique Risques Pereira, seu vizinho de criança, e Fernando Alves dos Santos, colega

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este nos bancos da escola técnica. No meio, fazendo a ponte entre os dois braços, vê-se Pedro Oom, que por um lado frequenta a António Arroio, onde acamarada com Cesariny, Seixas, Domingues e Fernando José Francisco, e por outro, em época tudo ou nada ulterior a essa, ano de 1944, encontra no café Lisboa Moderna(?) António Maria Lisboa, Fernando Alves dos Santos e Henrique Risques Pereira, este com 14 anos e os outros com 16. Quer o primeiro veio, quer o segundo, na proto-história da primeira metade dos anos quarenta, quando a Europa se metia na prisão da maior carnificina da sua história, não eram ainda surrealistas. Pedro Oom diz que no momento em que conheceu António Maria ele era neo-realista, o que Risques Pereira confirma, por leituras da Seara Nova e da Vértice, e tudo isto dizem nas notas da edição de “Poesia António Maria Lisboa” (1977: 386); por sua vez, o mesmo Oom adianta e nas mesmas notas que por volta dessa mesma época se iniciou a adesão do grupo da António Arroio, ou o que dele restava pelos cafés da Almirante Reis e da Baixa lisboeta, ao neo-realismo, o que Cesariny não desmente e até confirma em vária bibliografia sua, logo na nota biográfica que escreveu para Mário Cesariny (Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura, 1977). A adesão ao neo-realismo coincidiu com a participação, ao menos de Cesariny, por influxo direto no seu caso de Fernando Lopes Graça, no Movimento de Unidade Democrática, nascido em Outubro de 1945, com certidão legal de vida, um mês antes das eleições de 18 de Novembro para a Assembleia Nacional – o movimento não concorreu porém às eleições, alegando falta de condições; no ano seguinte recolhe numerosas adesões, sobretudo entre os jovens, sendo ilegalizado no ano seguinte. Cesariny fará até conferência no Barreiro, “A Arte em crise”, repetida em Évora com a participação de Mário Ruivo e de Júlio Pomar, e chegará a dirigir no quadro dessa dupla filiação político-artística o grupo coral de Lopes Graça em visitas a fábricas e sociedades de recreio (inclusive na primeira audição do hino do MUD). Publica artigos – que mais tarde classificará de bastante maus – no jornal “A Tarde”, do Porto, onde colaboram também Fernando José Francisco, José Leonel, Vespeira, Pomar, Aníbal Alcino, Victor Pala e outros, a maioria antigos alunos da escola António Arroio; colabora ainda nas revistas “Seara Nova” e “Aqui e Além”. Os textos esperam ainda um investigador que os recolha e comente. É nesse período que conhece José Cardoso Pires, Luiz Pacheco e Alexandre O’Neill, os dois primeiros vindos do Liceu Camões, nas imediações da António Arroio e do café Herminius, no bairro de Arroios, poiso mítico desta proto-história, o terceiro talvez das reuniões do M.U.D. e das manifestações de rua relativas ao fim da guerra e da derrota do nazi-fascismo. Do lado de António Maria Lisboa a história da sua passagem pelo neo-realismo é muito mais vaga e muito menos ativa. Tudo o que se sabe, por testemunho de Henrique Risques Pereira, seu companheiro próximo, é que por volta do ano de 1944-45 frequentou duas rodas oposicionistas, a de Alves Redol e a de Irene Lisboa, que reuniam decerto em cafés da Baixa lisboeta, e que por essa época lia com alguma aplicação a “Seara Nova” e a revista coimbrã “Vértice”, órgão informal, ou talvez não, do neo-realismo. Ao invés de Cesariny, que fez conferências, aderiu com inscrição a um movimento, participou em recitais e deixou uma produção poética associada a esses anos (“Nobílissima Visão” e poemas “Nicolau Cansado Escritor”; a que se pode juntar “Um Auto para Jerusalém” e até “Louvor e Simplificaçãode Álvaro de Campos”), António Maria Lisboa, ao que se sabe, nada escreveu nesses anos, ou tendo escrito deitou fora. Cesariny, na nota prévia da sua magna edição de “Poesia de António Maria Lisboa”(1977: 9-10), já citada, relata que Lisboa, na casa de família de Loures, antes da primeira partida para Paris, Fevereiro de 1949, tinha ele vinte anos certos, não mais, passou toda uma tarde, ante o protesto da mãe, a destruir papéis de autoria sua. Que papéis? Não se sabe. É legítimo

«Os Surrealistas» résultent de la rencontre de deux courants distincts, celui de Mário Cesariny, qui amène dans son sillage Cruzeiro Seixas, António Domingues et Carlos Eurico da Costa, les deux premiers proches depuis leur adolescence à l’École António Arroio, et l’autre, proche de António Maria Lisboa, entouré par Henrique Risques Pereira, son ami d’enfance et Fernando Alves dos Santos, un camarade de l’école technique. Au milieu, jouant l’intermédiaire entre les deux courants, Pedro Oom, qui d’un côté a fréquenté l’École António Arroio où il a fait la connaissance de Cesariny, Cruzeiro Seixas, António Domingues et Fernando José Francisco. Par ailleurs, à une époque quelque peu antérieure à celle-là (1944) il fait la connaissance au café Lisboa Moderna(?) de António Maria Lisboa, Fernando Alves dos Santos et Henrique Risques Pereira, celui-ci âgé de 14 ans et les autres 16 ans. N’importe comment que ce soit le premier courant comme le deuxième, dans la protohistoire de la première moitié des années quarante, lorsque l’Europe participait au plus grand carnage de l’Histoire, ils n’étaient pas encore surréalistes. Pedro Oom dit que lorsqu’il connu António Maria Lisboa, il était néoréaliste, ce que confirme Henrique Risques Pereira, il lisait la «Seara Nova» et «Vertice». Tout cela est confirmé dans les notes de l’édition de «Poesia de António Maria Lisboa » (1977:386); Pedro Oom dit encore dans les mêmes notes que c’est vers cette époque que le groupe de l’École António Arroio ou ce qu’il en restait dans les cafés du centre de Lisbonne, adhérait au néoréalisme, ce que Cesariny ne dément pas et même le confirme dans sa vaste bibliographie, voir ce qu’il dit dans la note bibliographique qu’il a écrit pour Mário Cesariny (Lisboa, Secretaria de Estado da Cultura, 1977). L’adhésion au néoréalisme a coïncidé, tout au moins pour Mário Cesariny, par le biais du Maestro Fernando Lopes Graça, au Movimento de Unidade Democrática (Mouvement d’Union Démocratique), né au mois d’octobre 1945 et qui avait sa carte d’Identité Nationale un mois avant les élections du 18 novembre pour l’Assemblée Nationale - toutefois le mouvement n’a pas participé aux élections, objectant le manque de conditions; après les élections, il recueillit de nombreuses adhésions, surtout parmi les jeunes, il fut déclaré hors la loi l’année suivante. Cesariny fera une conférence Au Barreiro, «A Arte em Crise», reprise à Évora avec la participation de Mário Ruivo et de Júlio Pomar, et dans le cadre de cette double filiation politique et artistique, il dirigera le groupe choral de Lopes Graça lors des visites dans les usines et les associations récréatives, y compris lors de la première audition de l’hymne du MUD. Il publia des articles – que plus tard il qualifiera d’assez mauvais – dans le journal «A Tarde», publié à Porto et où ont collaboré aussi Fernando José Francisco, José Leonel, Vespeira, Pomar, Anibal Alcino, Victor Pala et d’autres, la grande majorité sortie de l’École António Arroio. Il collabora aussi dans les revues «Seara Nova» et «Aqui e Além». Ces textes attendent toujours qu’un chercheur les recueille et les commente. C’est à cette époque qu’il rencontre José Cardoso Pires, Luiz Pacheco et Alexandre O’Neill, les deux premiers venus du Lycée Camoes, situé à proximité de l’École António Arroio et du café Herminius, dans le quartier de Arroios, nichoir mythique de cette protohistoire, peut-être la troisième des réunions du MUD et des manifestations de rue relatives à la fin de la guerre et de la défaite du nazisme. Du côté de António Maria Lisboa, l’histoire de son passage par le néoréalisme est très vague et beaucoup moins active. Tout ce qu’on sait, grâce au témoignage de Henrique Risques Pereira, son ami le plus proche, c’est qu’entre 1944 et 1945, il fréquenta deux cercles d’opposants au régime, celui de Alves Redol et celui de Irène Lisboa, qui se réunissaient dans les cafés du Centre, et il lisait avec intérêt la «Seara Nova» et la revue de Coimbra «Vertice», organe

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porém pensar que a purga incidiu sobre escritos do período em que conviveu com os círculos oposicionistas próximos do neo-realismo e que nenhum interesse apresentavam já nos finais de 1948, momento da formação do grupo “Os Surrealistas”. A rutura com o neo-realismo, quer do braço representado por Cesariny, quer do consignado por Lisboa, de cujo cruzamento sairá o grupo que aqui importa, deve ter acontecido na segunda metade do ano de 1946, tempo em que Cesariny realiza a colagem dedicada ao General De Gaulle, que tombou como pedra de gelo na cama feita do neo-realismo. É o ano em que Breton regressa em Maio a França, depois dum exílio que começara em 1941, e reorganiza em Paris as atividades surrealistas, ao mesmo tempo que reagrupa e edita pela primeira vez em conjunto de “Os Manifestos do Surrealismo”. O ano seguinte será momento cheio, com elos fortes e seguidos, que mostram a pujança do reaparecimento: despiques em Fevereiro, a propósito de “Aragon” e “Lefebre”, com o órgão de imprensa do partido comunista francês, “L’Humanité”; pateada em Abril na conferência de Tzara na Sorbonne; polémica em Maio com Sartre na revista Les Temps Modernes; tomada de posição de Georges Bataille em Julho a favor de Breton; formação do grupo “Surrealistas Revolucionários” de Noël Arnaud e de Édouard Jaguer; publicação francesa em Junho de Arcano 17, em que Breton faz a apologia das bandeiras negras do anarquismo (1); panfleto coletivo do grupo de Breton em Junho, “Rupture Inaugural”, que corta com o marxismo e retoma a linha criadora de mitos que se vê no texto de 1942, Prolegómenos a um Terceiro Manifesto do Surrealismo ou Não; por fim, em Julho, a grande exposição internacional “Le Surréalisme” em 1947, na galeria Maeght, Paris, com a participação de 25 países, e cujo arranjo espacial e geral pertenceu a Marcel Duchamp e a Frederick Kiesler. Nas “Efemérides Surrealistas”, vindas a lume em 1955 na reedição desse ano de “Os Manifestos”, Breton junta ainda para 1947: fundação do grupo “Causa”, secretariado por Sarane Alexandrian, Henein e Henri Pastoreau. O ano em causa, 1947, é também o momento em que Mário Cesariny parte no Verão para Paris, atraído por certo pela exposição da galeria Maeght, e disposto a chegar à fala com André Breton, o que aconteceu no apartamento deste. Será durante esta estadia que Cesariny decide abrir ou iniciar a ação surrealista em Portugal, através dum grupo organizado, capaz de intervir junto do público e da sociedade. Para a sua motivação concorriam fatores fortes: o choque da exposição internacional (em que nenhum português participou); a mostra paralela de Matta na galeria René Drouin; a novidade do panfleto “Ruptura Inaugural”, acabado de aparecer; a abundante literatura surrealista a que então tece acesso, com papel capital para a edição do ano anterior dos “Manifestos do Surrealismo (sagittaire); por fim, a atração pessoal de André Breton, poderoso íman solar a que Cesariny ficou sempre, com tudo o que o podia afastar dalguém que muitos insistiam em acusar de homofobia, fidelíssimo. Dessa motivação temos hoje prova pública, a correspondência cruzada nesse Verão entre Cesariny e O’Neill, em que se intromete também João Moniz Pereira, e que foi pela primeira vez dada a lume, numa altura em que Cesariny estava já preocupado com a história da ação do movimento em Portugal, no folheto “Contribuição ao registo de nascimento existência e extinção do grupo surrealista de Lisboa com uma carta acrílica do mês de Agosto de mil novecentos e 66 / número da besta / editado em trezentos exemplares por mário cesariny e cruzeiro seixas no quinquagésimo aniversário da recusa de duchamp em terminar o grande vidro e no do nascimento sempre possível ainda que sempre improvável de sete novos justos ignorados” (1973; haverá uma edição do mesmo volume, no ano seguinte, com referência ao 50º Aniversário do Primeiro Manifesto Surrealista; o texto está hoje na edição de 1985, “As Mãos na Água a Cabeça no Mar”). Do Grupo Surrealista de Lisboa, que foi o resultado da exaltação

informel, ou peut-être pas, du néoréalisme. Au contraire de Mário Cesariny qui faisait des conférences, s’était inscrit à un parti de l’opposition, participait à des récitals et a laissé une production poétique associée à ces années là comme “Nicolau Cansado, escritor,” auxquels on peut joindre «Um Auto para Jerusalém» et même «Louvor e simplicação de Alvaro de Campos». António Maria Lisboa, a ce que l’on sait, n’a rien écrit lors de ces années-là, ou a écrit et tout jeté. Cesariny, dans son importante note préalable à son édition de la «Poesia de António Maria Lisboa» (1977: 9 et 10), raconte que dans la maison familiale avant de partir pour Paris en février 1949, il avait tout juste 20 ans, il passa tout un après-midi à détruire des papiers personnels, sans écouter les protestations de sa mère. Quels papiers? On l’ignore. Il est naturel que l’on puisse soupçonner que le « nettoyage » tomba sur des écrits de la période à laquelle il fréquentait les cercles de l’opposition proches du néoréalisme, et qui ne présentaient plus aucun intérêt à la fin de 1948, moment de la formation du groupe «Os Surrealistas». La rupture avec le néoréalisme, que ce soit du côté de Mário Cesariny comme du côté de António Maria Lisboa, a eu comme résultat la fusion du groupe qui importe ici. Il a dû avoir lieu lors de la deuxième moitié de 1946, au temps où Mário Cesariny a réalisé le collage dédié au Général de Gaulle, qui est tombé comme un bloc de glace dans le lit tout fait du néoréalisme. C’est l’année où Breton revient en France, au mois de mai, après un exil qui avait commencé en 1941, et qu’il réorganise les activités surréalistes en même temps qu’il regroupe et édite pour la première fois l’ensemble des Manifestes Surréalistes. L’année suivante sera un moment exceptionnel, les maillons du groupe se retrouvent et montrent la puissance de leur réapparition: les défis en février, à propos d’Aragon et de Lefèvre, avec l’organe du Parti Communiste Français, l’Humanité; les huées en avril lors de la conférence de Tzara à la Sorbonne; polémique en mai avec Sartre dans la revue Les Temps Modernes; prise de position de Georges Bataille en juillet en faveur de Breton; formation du groupe « Surréalistes Révolutionnaires » de Noël Arnaud et de Edouard Jaguer, publication en juin de Arcane 17,où Breton fait l’apologie des drapeaux noirs de l’anarchisme (1); pamphlet collectif de Breton en juin, «Rupture Inaugural», qui rompt une fois pour toutes avec le marxisme et reprend la ligne créatrice des mythes que l’on voit dans le texte de 1942, Prolégomènes à un troisième «Manifeste du Surréalisme ou non»; finalement, la grande exposition internationale Le Surréalisme en 1947, à la galerie Maegt, Paris, avec la participation de 25 pays. Et dont les commissaires de l’exposition furent Marcel Duchamp et Frederick Kiesler. Dans «Éphémérides Surréalistes», publiées en 1955 dans la réédition des Manifestes, Breton ajoute encore en 1947: fondation du groupe «Cause», dont le secrétariat était assuré par Sarane Alexandrian, Henein et Henri Pastoreau. L’année dont on parle, 1947, est aussi le moment où Mário Cesariny part l’été pour Paris, attiré certainement par l’exposition de la galerie Maeght et disposé à entrer en contact avec André Breton, ce qui a pu se faire dans l’appartement de celui-ci. Estce pendant ce séjour que Mário Cesariny décide de débuter l’action surréaliste au Portugal, moyennant un groupe organisé, capable d’intervenir auprès du public et de la société? Pour réaliser son désir, il y avait des facteurs importants: le choc de l’exposition internationale (où aucun portugais n’avait participé); l’exposition parallèle de Matta dans la galerie René Drouin; la nouveauté du pamphlet «Rupture Inaugurale» qui venait de paraître; la nombreuse littérature surréaliste à laquelle il a eu accès et qui joua un rôle capital dans l’édition de l’année d’avant de la publication des Manifestes Surréalistes (éd. Sagittaire); et finalement, l’attraction

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desse Verão de 1947, das suas ações e protagonistas, se falará em nota ulterior, no segundo patamar desta antologia. Por ora retenha o leitor que Cesariny, que tanto fez pela formação do G.S.L., não se agradou da companhia que por lá encontrou, resultado da chegada ao grupo, por volta do Outono de 1947, de António Pedro, que andara por Londres uns anos antes e alguma coisa soubera de surrealismo, talvez por Herbert Read, que com ele trouxe o pintor António Dacosta, então em Paris, e um jovem valete, José-Augusto França, nulo em termos de surrealismo. Do desagrado resultou o corte com o grupo em Agosto de 1948 e a sua passagem ao núcleo de Pedro Oom e de António Maria Lisboa. Também eles haviam aderido ao surrealismo no ano de 1947 e desenvolviam pelos cafés de Lisboa algum trabalho em conjunto. Segundo o testemunho de Risques Pereira nas notas da edição de “Poesia de António Maria Lisboa” (1977:389) o núcleo, integrado ainda por Fernando Alves dos Santos e por ele, Risques Pereira, foi convidado a integrar o Grupo Surrealista de Lisboa e chegou a ter algumas reuniões de adesão, acabando por recusar devido ao espaço que António Pedro começava a ocupar. Natural pois que Cesariny quando se desgostou de França e de Pedro, perdendo neles em termos de surrealismo qualquer esperança, se tenha juntado a este núcleo desgarrado, ao qual o ligavam relações antigas e próximas com Pedro Oom. Disse atrás que o legado mais autêntico do surrealismo português foi aquele que resultou do cruzamento entre os dois dissidentes do Grupo Surrealista de Lisboa, Mário Cesariny e António Domingues, que trazem ainda com eles Cruzeiro Seixas e Fernando José Francisco, e o núcleo de Oom e de Lisboa. Não é esta a ocasião para avaliar em pormenor a obra de cada um dos participantes no grupo mas ainda assim se pode dizer que a obra poética de Mário Cesariny escrita e publicada entre 1948 e 1961, altura em que se antologiou pela primeira vez, é do mais raro que se fez na poesia portuguesa do século XX e que a obra pictórica de Cruzeiro Seixas, quer na fase de Luanda, 1952-1964, quer na posterior, tem no domínio que lhe é próprio o mesmo vigor de raridade. Até um poeta como Fernando Alves dos Santos, tão arredado de apreciações e balanços literários, que de resto não o parecem ter preocupado, e que tão pouco deu à estampa, apenas dois livros em vida, “Diário Flagrante” (1954) e “Textos Poéticos” (1957) (2) se mostra, para só falar da década em que se deu a conhecer, um dos mais importantes criadores poéticos desse período. E o mesmo se dirá, até com mais propriedade, para um poeta como Carlos Eurico da Costa, que viu o seu livro de estreia, “Sete Poemas da Solenidade e um Requiem” (1952), prefaciado por Mário Cesariny em quatro parágrafos excelsos, “A Volta do Filho Prólogo”, do mais elogioso que é possível atribuir a homem que nestas matérias era mais de cortar do que de dar. Guardo para o fim o caso de António Maria Lisboa, por me parecer que aí se encontra o pico duma orografia que, sendo poética, talvez não seja já literária. A descoberta do Eu interior, tal como o surrealismo a propunha desde que Breton definira em 1924 o automatismo psíquico, fornecendo casos e exemplos para o transformar em instrumento de exploração do continente psíquico, encontra neste António Maria uma avançada das mais largas que se conhece. Não é aqui também o lugar para apreciar a rota deste expedicionário da alma humana mas paga a pena dizer que a cartografia dos três curtos livros que ele publicou em vida, entre 1952 e 1953, “Erro Próprio”, “Ossóptico” e “Isso Ontem Único”, representa dentro do surrealismo poético internacional um ponto de avanço, que o põe lado a lado com a grande obra final de Breton, “L’Art Magique” (1957). Sem o que dele nos ficou e sem aquela parte da obra de Cesariny que atrás referi, com destaque para livros como “Manual de Prestidigitação” (1956), “Pena Capital” (1957) e “Alguns Mitos Maiores, Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor” (1958), o surrealismo português, em termos escritos e poéticos, não iria além duma insignificância, a não merecer, isto se merecesse, o que não é líquido, mais do que uma nota curtíssima de

personnelle d’André Breton, puissant iman solaire auquel Cesariny est toujours resté fidèle, sachant tout ce qui pourrait l’éloigner de quelqu’un qui avait la réputation d’être homophobe. Nous connaissons aujourd’hui ses motivations et nous avons une preuve publique dans la correspondance échangée cet été-là entre Mário Cesariny et Alexandre O’Neill, à laquelle s’est mêlé occasionnellement João Moniz Pereira, et qui a été publiée à l’époque. Mário Cesariny était accaparé avec l’histoire de l’action du mouvement surréaliste au Portugal, écrivant une plaquette nommée Contribução ao registo de nascimento existência e extinção do grupo surrealista de Lisboa com uma carta acrílica do mês de Agosto de mil novecentos e 66 / número da besta / editado em trezentos exemplares por Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas no quinquagésimo aniversário da recusa de Duchamp em terminar o grande vidro e no do nascimento sempre possível ainda que sempre improvável de sete novos justos ignorados (1973) (contribution à l‘extrait de naissance, existence et fin du groupe surréaliste de Lisbonne, avec une lettre acrylique du mois d‘août mille neuf cent / 66 / nombre de la bête / édité à trois cents exemplaires par mário cesariny et cruzeiro seixas pour le cinquantième anniversaire du refus de Duchamp de terminer le grand verre et de la naissance toujours possible, quoique improbable de sept nouveaux justes (1973); l’année suivante il y aura une édition du même volume lors du 50 ème anniversaire du Premier Manifeste Surréaliste; le texte se trouve aujourd’hui dans l’édition de 1985, «As Mãos na Água a Cabeça no Mar». Du «Grupo Surrealista de Lisboa» et le résultat de l’exaltation de cet été 1947, de ses actions et de ses protagonistes, on en reparlera lors de l’édition du deuxième volume de cette anthologie. En attendant, que le lecteur garde en mémoire que Cesariny, qui a tant fait pour la formation du groupe G L, fut déçu par la compagnie qu’il y trouva, résultat de l’arrivée dans le groupe vers l ‘automne 1947 de António Pedro, qui avait vécu à Londres quelques années auparavant et avait appris des choses sur le surréalisme, peut-être à travers Herbert Read, il amena avec lui le peintre António Dacosta, qui vivait alors à Paris, et un jeune factotum, José Augusto França, nul en termes de surréalisme. Le mécontentement de Mário Cesariny lui fit rompre les ponts avec le groupe en août 1948 et adhérer au groupe de Pedro Oom et de António Maria Lisboa. Eux aussi avaient adhéré au surréalisme en 1947 et développaient dans les cafés de Lisbonne quelques travaux ensemble. Selon le témoignage de Risques Pereira dans ses notes de l’édition de la Poesia de António Maria Lisboa (1977:389), le noyau du groupe était encore fréquenté par Fernando Alves dos Santos et par lui, Risques Pereira. Celui-ci fut invité à intégrer le «Grupo Surrealista de Lisboa» et il y eut même quelques rencontres, puis il refusa l’invitation en raison de la large place que António Pedro commençait à occuper. Il est donc naturel que Mário Cesariny, rebuté par França et par Pedro, perdant avec eux, en termes de surréalisme tout espoir il est naturel qu’il ait rejoint le groupe encore dispersé, à travers Pedro Oom qui connaissait tout le monde. J’ai déjà dit auparavant que l’événement le plus authentique du surréalisme portugais fut celui qui a découlé de la rencontre entre les deux dissidents du «Grupo Surrealista de Lisboa», Mário Cesariny et António Domingues, qui amenèrent avec eux Cruzeiro Seixas, Fernando José Francisco, et le noyau d’amis de Pedro Oom et de Lisboa. Ce n’est pas ici le moment d’évaluer en détail l’oeuvre de chacun des participants, mais on peut quand même dire que l’oeuvre poétique de Mário Cesariny, écrite et publiée entre 1949 et 1961, date où il figura dans une anthologie pour la première fois, est de la qualité la plus rare et que l’œuvre picturale que Cruzeiro Seixas réalisa dans sa phase de Luanda, entre 1952 et 1964 et les

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rodapé numa história do surrealismo internacional. Assim, com a obra de Cesariny e a de Lisboa, ele toma lugar na parte nobre do texto, constituindo até nos aspetos que se referem à década de quarenta, marcados pelos dois livros atrás referidos, “Prolegómenos” e “Arcano 17”, parte importante do seu núcleo propulsor. Ao grupo “Os Surrealistas” se voltará de forma inevitável quando se fizer a apresentação do segundo volume desta antologia, dedicado ao coletivo que se formou depois Cesariny se encontrar com Breton em Paris no Verão de 1947 e que tomou por nome Grupo Surrealista de Lisboa. E digo que não há forma de evitar o regresso, dada a sobreposição de algumas das atividades, e até aqui e ali algum cruzamento, raro todavia, dos dois grupos, que chegaram a ser contemporâneos e saíram ambos do mesmo viveiro de ideias, por vezes até pela mão dos mesmos protagonistas. Foi o que sucedeu por exemplo na segunda mostra de “Os Surrealistas”, Junho-Julho de 1950, que contou com a colaboração - esporádica diz Cesariny nas notas da edição “Poesia de António Maria Lisboa” (1977: 392) - de Alexandre O’Neill, mas que não terá sido assim tão acidental, tão de fugida, pois dela resultou até um dos textos consagrados do movimento, “O Cadáver-Esquisito à Mesa Pé-de-Galo”, que mais tarde Cesariny incluiu na secção sétima de Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito.

António Cândido FrancoAgosto e Novembro de 2012

années suivantes, possède dans son propre domaine, la même force extraordinaire. Même un poète comme Fernando Alves dos Santos, si éloigné des critiques et des bilans littéraires, ce dont apparemment il ne s’est pas soucié, ne publia que deux livres dans toute sa vie: «Diário Flagrante» (1954) et «Textos Poéticos» (1957) (2) il montre, cependant que pendant la décennie où il se fit connaître, l’un des poètes des plus créatifs de cette période. Et l’on peut dire la même chose, avec même plus de justesse, de Carlos Eurico da Costa qui a vu son premier livre, «Sete Poemas da Solenidade e um Requiem» (1952), préfacé par Mário Cesariny qui dans quatre paragraphes sublimes, «A Volta do Filho Prologo» (Retour du Fils Prologue) fait les plus grands éloges à l’auteur. Je garde pour la fin le cas de António Maria Lisboa, d’autant plus qu’il me semble que chez lui se trouve le sommet d’une orographie qui, tout en étant poétique, n’est peut-être pas littéraire. La découverte du Moi intérieur, tel que le surréalisme le proposait depuis que Breton l’avait défini en 1924, l’automatisme psychique, en fournissant des cas et des exemples pour le transformer en instrument de l’exploration du continent psychique, trouve chez António Maria Lisboa l’une des plus grandes avancées que l’on connaisse. Ce n’est pas le moment propice pour apprécier le chemin w parcouru par cet explorateur de l’âme humaine, mais c’est important de dire que la cartographie des trois minces plaquettes qu’il publia en vie, entre 1952 et 1953, «Erro Proprio», «Ossóptico» et «Isso Ontem Único», représentent dans le cadre du surréalisme poétique international un point d’avance, ce qui le met côte à côte avec le grand ouvrage d’André Breton, L’Art Magique (1957). Sans ce qu’il nous a laissé et surtout sans la part de l’oeuvre de Mário Cesariny que j’ai déjà citée, il a écrit bien d’autres livres:«Manual de Prestidigitação» (1956), «Pena Capital» (1957) et «Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor» (1958), etc… le surréalisme portugais, en termes écrits et poétiques, serait insignifiant, ne méritant pas, ce qui n’est pas évident, plus qu’une très courte note de bas de page dans l’histoire du surréalisme international. Mais maintenant avec l’oeuvre de Cesariny et celle de Lisboa, il prend place dans la partie noble du texte, constituant même dans les aspects qui se rapportent à la décennie de quarante marquée par les deux livres cités plus haut, «Prolegómenos» et «Arcane 17», une partie importante de son noyau propulseur. Quant au groupe «Os Surrealistas», on y reviendra inévitablement lorsqu’on fera la présentation du deuxième volume de cette anthologie, dédié au collectif qui se forma après que Cesariny ait rencontré Breton à Paris pendant l’été 1947 et qui a pris pour nom «Grupo Surrealista de Lisboa». Et je dis qu’il n’y a pas moyen d’éviter ce retour, étant donné la superposition de quelques unes de leurs activités, et ici et là, des rencontres, rares cependant, entre les deux groupes qui ont été à un moment donné contemporains, étant sortis ensemble du même vivier d’idées, parfois par la main des mêmes protagonistes. C’est ce qui arriva, par exemple, lors de la deuxième exposition de «Os Surrealistas» (juin juillet 1950) qui compta avec la collaboration sporadique, - dit Mário Cesariny dans les notes de l’édition de «Poesia de António Maria Lisboa» (1977: 392) – de Alexandre O’Neill, mais qui n’aurait pas été si accidentelle que ça, car de ces retrouvailles est sorti l’un des textes célèbres du mouvement, «O Cadaver-Esquisito à Mesa-Pé-de-Galo», que Mário Cesariny a inclus dans la septième section de «Antologia Surrealista do Cadaver Esquisito».

António Cândido Francoaoût et novembre 2012

Traduction Isabel Meyrelles, février 2013

(1) L ’édition originale de ce texte important, écrit entre septembre 1944 et juillet 1945, édition de luxe illustrée par quatre arcanes du Tarot faits par Matta, le même qui, en 1942, avait illustré avec une composition, Prolégomènes à un troisième Manifeste du Surréalisme ou non, un texte important paru pendant l’exil new yorkais de Breton en mars 1945 (New York, librairie Brentano’s).

(2) Perfecto E. Cuadrado a réuni, avec profit, tout ce qu’on connaît de lui, en livres ou épars, édité ou inédit, en un seul volume aujourd’hui disponible, Diario Flagrante – Poesia – Assirio & Alvim, 2005.

(1) A edição original deste importante texto, escrito entre Setembro de 1944 e Janeiro de 1945, edição de luxo ilustrada por quatro arcanos do Tarot da autoria de Matta, o mesmo que em 1942 ilustrara com uma composição “Prolegómenos a um Terceiro Manifesto do Surrealismo ou Não”, outro importante escrito aparecido no exílio de Nova Iorque, é de Março de 1945 (Nova Iorque, livraria Brentano’s).

(2) Perfecto E. Cuadrado reuniu com muito proveito tudo o que deste importante poeta se conhece, em livro ou disperso, édito ou inédito, num único volume, disponível hoje, “Diário Flagrante - Poesia” (Assírio & Alvim, 2005).