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ARTUS AUTO DESCAPITALISMO

Artus - Autodescapitalismo

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Artus - Autodescapitalismo

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ARTUS

AUTO

DESCAPITALISMO

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Patrick Artus apresenta algumas idéias interessantes a propósito do

momento atual do capitalismo. A pergunta que ele enfrenta no livro é de saber se o

capitalismo está num processo de auto-destruição. A pergunta parece fora de

sentido no momento em que o capitalismo parece triunfante! Os benefícios são

enormes, dividendos recordes estão sendo distribuídos, enquanto os assalariados

vêem seus salários diminuírem e seus benefícios sendo cortados. O nível de

desemprego está aumentando assim como a precariedade. No momento em que o

capitalismo é o mais próspero, ele parece ser o mais vulnerável 1 . Segundo os

autores, trata-se de um capitalismo sem projeto que alimenta a voracidade dos

investidores numa corrida para rendimentos financeiros de curto prazo. Isso coloca

em perigo a manutenção do crescimento e da rentabilidade do capital no longo

prazo, precipitando a economia mundial num impasse.

O ambiente financeiro da economia mundial é um ambiente onde o

horizonte de programação dos investimentos encurtou e com uma exigência de

rentabilidade do capital extremamente forte. Esta evolução é auto-destruidora

porque a filosofia do ato de poupar, sua essência, é de preparar o longo prazo

garantindo o financiamento das aposentadorias ou do consumo na última parte da

vida. A lógica de curto prazo de rentabilidade elevada carrega seu germe de morte

porque supõe sacrificar o futuro. A causa profunda do mal está na justaposição do

encurtamento dos horizontes e do aumento da gula dos investidores profissionais.

É portanto urgente reformar em profundidade a poupança e estabelecer

novas regras de governança. Estas devem impor aos atores de voltar para regras de

rentabilidade compatíveis com a razão econômica e diferenciar os objetivos de

rentabilidade em função do seu horizonte de investimento. O capitalismo é mais uma

vez ameaçado pelos seus próprios excessos.

A MUNDIALIZAÇÃO, UMA FÁBRICA DE BENEFÍCIOS2

Os autores, um diretor dos estudos econômicos do grupo Caísse

d’épargne e da Caísse des dépôts e consignation, a outra, redatora chefe da revista

Enjeux – Les Échos, traçam um quadro da França de 2004-2005 que, segundo eles,

1 ARTUS,Patrick, VIRARD, Marie-Paule, Le capitalisme est en train de s´autodétruire,

Paris, La Découverte, 2005, introduction

2 Ibid. cap. 1

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é muito semelhante ao dos outros países da OCDE. Em abril 2005, uma operadora

de caixa do Carrefour, na França, comenta seu aumento de salário: 1,79% enquanto

os acionistas receberam um aumento, no mesmo ano, de 27%. O presidente do

Carrefour, demitido o ano anterior por resultados insuficientes, recebeu uma

indenização de saída de 3 anos de salários a ser pagos em quatro anos (9,39

milhões de euros, 4,5 sendo pagos no ato). Nesse ano 2005, esse face a face entre

a operadora de caixa e o presidente demitido representa simbolicamente um

capitalismo que caminha em cima da própria cabeça. A renda média das famílias

aumentou de 1,7%, a taxa de desemprego passou de novo os 10% da população

ativa, e os empregos pouco qualificados e precários proliferam. Enquanto isso, no

mesmo período, as sociedades cotadas no CAC 40 conseguiram amealhar um lucro

líquido de 60 bilhões de euros, significando um aumento de 55% em relação ao ano

anterior.

A ARMADILHA DO CRESCIMENTO FRACO3

A situação é paradoxal: quanto menor o crescimento, maior a explosão

dos benefícios. A partilha entre benefícios e salários está cada vez mais

desequilibrada: enquanto o lucro toma o elevador, o salário vai pela escada, quando

consegue achar ela! A transferência de atividades dos países desenvolvidos para os

países em desenvolvimento é uma formidável maquinar para gerar lucros porque

diminui os custos de produção e enfraquece o poder de negociação dos

assalariados nos países de origem. Isso cria um ambiente contagioso porque as

empresas que não pretendem transferir suas operações podem porém ameaçar! É a

chantagem ao emprego! Outro efeito da baixa de renda dos assalariados é a

diminuição da demanda, o que favorece o enfraquecimento do crescimento

econômico.

Quando se fala com empresários do problema dos salários, eles invocam

a necessidade de reduzir os custos salariais para restaurar a competitividade e

poder enfrentar os países emergentes. Contra esse discurso, existem três fatos

perturbadores.

1. os países que ganham fatias do mercado de exportação para

países emergentes são aqueles nos quais os custos salariais são

3 Ibid. cap. 2

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elevados e onde a moeda é forte, por exemplo Alemanha e Japão.

A boa performance desses países vem da qualidade de sua

especialização industrial.

2. se tivesse conflito entre a intensidade da concorrência dos países

emergentes e o nível dos salários, teria queda da rentabilidade. Na

realidade, essa progride por causa da distância entre os ganhos de

produtividade e do aumento dos salários reais no conjunto da

economia e na indústria (com a exceção dos Estados Unidos).

3. enfim, além do fato que os ganhos de produtividade não estão

sendo distribuídos aos assalariados, o crescimento do lucro que

resulta deles é pouco gasto em investimentos suplementares: é

essencialmente poupado e redistribuído aos acionistas.

Se o crescimento dos lucros não sustenta a demanda, ele também não

sustenta o investimento. O crescimento da participação dos lucros na renda não tem

efeito favorável sobre a oferta, porque não estimula o investimento e tem um efeito

destruidor sobre a demanda porque comprime os salários. O fato que os ganhos de

produtividade não sejam distribuídos aos assalariados e que os lucros não sejam

investidos, mas redistribuídos aos acionistas ou acumulados em liquidez equivale a

uma poupança forçada investida em cash. Uma parte do nosso crescimento futuro

está sendo esterilizado. E um capitalismo sem projeto é condenado à auto-

destruição.