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A HORA DE JOGO DIAGNÓSTICO INDIVIDUAL García Arzeno A primeira entrevista com a criança é livre, assim como a do adulto, mas com diferenças. O adulto fala geralmente de seus problemas, e quando fica em silêncio consegue tolerá-lo melhor que a criança. A criança, por sua vez, consegue dizer umas  poucas pala vras sobre o que está acontec endo com ela.  Na entrevista prévia combina-se com os pais que estes di gam a criança o motivo pelo qual a levariam ao consultório, sem faltar à verdade, mas sem detalhes profundos. Se a criança responder que sabe por que os pais o trouxeram, nos dará uma pauta para iniciar o diálogo. Se a resposta for negativa, deve-se resumir o que foi falado com os  pais e o que foi combinado a ser dito. Às vezes as crianças respondem com uma negação para provar-se que os pais lhe disseram equivale efetivamente ao que nós estamos dizendo. Caso a criança não disser nada, peço que diga se quer a minha ajuda e em que posso ajuda-la. Talvez em alguns casos a criança mencione coisas que nem foram relatadas  por seus pais. Este diálogo a oportunidade para continuar a conversa até que as  palavras acabem, e assim se possa apelar a outros recursos de linguagem: lúdica e gráfica. Há uma controvérsia na psicanálise em referência especial à linguagem lúdica quanto a equiparar ou não o brincar da criança com a livre associação e os sonhos adultos. Anna Freud desconsiderou essa hipótese, enquanto que outros psicanalistas como Melanie Klein, sustentavam que sim. Para Anna Freud, o jogo é uma forma de acting que em nada pode ser comparado ao sonho ou às livres associações dos adultos. Para Klein é a via régia ao inconsciente, como o são os sonhos nos adultos. A análise de crianças diferencia-se para Anna Freud, pois esta não possui consciência de doença, está ainda presa aos seus objetos originais, não sente prazer nenhum em serem analisadas, as resistências são intensas e inexplicáveis, etc. Klein, pelo contrário, o  brincar é a linguagem típica da criança. Quando falta a palavra, o brincar expressa tudo, sendo a linguagem lúdica mais expressiva que o verbal, ou então, um complemento. Baranger, outra autora, acrescenta outro conceito: o da fantasia da análise. De forma que esperamos que a criança nos transmite: (1) sobre aquilo que está lhe fa zendo mal; (2) sobre o que lhe faria bem para melhorar; (3) sobre o que nós vamos fazer a ela ou o que ela quer ou teme que nós façamos.

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A HORA DE JOGO DIAGNÓSTICO INDIVIDUAL

García Arzeno

A primeira entrevista com a criança é livre, assim como a do adulto, mas comdiferenças. O adulto fala geralmente de seus problemas, e quando fica em silêncioconsegue tolerá-lo melhor que a criança. A criança, por sua vez, consegue dizer umas

 poucas palavras sobre o que está acontecendo com ela.

 Na entrevista prévia combina-se com os pais que estes digam a criança o motivo peloqual a levariam ao consultório, sem faltar à verdade, mas sem detalhes profundos.

Se a criança responder que sabe por que os pais o trouxeram, nos dará uma pauta parainiciar o diálogo. Se a resposta for negativa, deve-se resumir o que foi falado com os

 pais e o que foi combinado a ser dito. Às vezes as crianças respondem com umanegação para provar-se que os pais lhe disseram equivale efetivamente ao que nósestamos dizendo.

Caso a criança não disser nada, peço que diga se quer a minha ajuda e em que possoajuda-la. Talvez em alguns casos a criança mencione coisas que nem foram relatadas

 por seus pais. Este diálogo dá a oportunidade para continuar a conversa até que as palavras acabem, e assim se possa apelar a outros recursos de linguagem: lúdica egráfica.

Há uma controvérsia na psicanálise em referência especial à linguagem lúdica quanto aequiparar ou não o brincar da criança com a livre associação e os sonhos adultos. AnnaFreud desconsiderou essa hipótese, enquanto que outros psicanalistas como MelanieKlein, sustentavam que sim.

Para Anna Freud, o jogo é uma forma de acting que em nada pode ser comparado aosonho ou às livres associações dos adultos. Para Klein é a via régia ao inconsciente,como o são os sonhos nos adultos.

A análise de crianças diferencia-se para Anna Freud, pois esta não possui consciência de

doença, está ainda presa aos seus objetos originais, não sente prazer nenhum em seremanalisadas, as resistências são intensas e inexplicáveis, etc. Klein, pelo contrário, o

 brincar é a linguagem típica da criança. Quando falta a palavra, o brincar expressa tudo,sendo a linguagem lúdica mais expressiva que o verbal, ou então, um complemento.

Baranger, outra autora, acrescenta outro conceito: o da fantasia da análise. De forma queesperamos que a criança nos transmite: (1) sobre aquilo que está lhe fazendo mal; (2)sobre o que lhe faria bem para melhorar; (3) sobre o que nós vamos fazer a ela ou o queela quer ou teme que nós façamos.

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Ela vai nos transmitir toda a sua vivência da relação com seus irmãos, colegas de escola,etc. Ou seja, nem todo material colhido em uma hora de jogo será consideradoexclusivamente como expressão de fantasias inconscientes, assim como o materialadulto.

Maud Mannoni incorpora material do brincar à entrevista diagnóstica com os pais,quando a criança está presente e fica atenda ao brincar paralelo ao diálogo dos pais.

O desenvolvimento da psicanálise de crianças e o surgimento de diversas escolas provocaram ao profissional um efeito positivo: pode observar com uma atenção maisflutuante, tal como recomendara Freud, para registrar a mensagem da criança sem ficarenclausurado no que aparecerá na sua fantasia de doença.

Fantasia masturbatória segundo Klein, significa fantasia de que entre uma coisa e outraalgo acontece. Se for a um nível primitivo será entre dois objetos parciais e sádicos

(chupar, morder, aniquilar, etc.). Se for a nível mais elevado, típico a posição depressivacom dois objetos separados e diferentes: mamãe e papai, acontecendo algo entre os dois

 predominantemente com amor.

Exemplo:

Se um menino de três anos chega, anda em volta da caixa, a esvazia, senta-se dentrodela e olha com satisfação. Podemos inferir que está dizendo que ficaria feliz se pudessevoltar a barriga da mamãe e viver toda a sua vida, evitando que aparecessem irmãos. Acena primária ou masturbatória seria a dos pais em cópula constante, de modo que a

única forma de evitar o aparecimento de irmãos seria impedir a fecundação.

Anos atrás era quase proibido interpretar em uma primeira hora diagnóstica.Atualmente, temos um papel flexível, principalmente para reparar o vínculo desde oinício. Ao colocar nossa opinião, na realidade estaremos descrevendo aquilo queestamos vendo e o que achamos que está acontecendo com ela. É quase umassinalamento, mais do que uma verdadeira interpretação. Com as nossas intervenções

 poderemos aliviar a sua angústia diante de um primeiro encontro e possivelmente acabedeixando seu brinquedo para aproximar-se da caixa e iniciar um outro jogo.

São intervenções que contribuem para manter o “rapport”. 

A criança pode chegar e contar tudo o que fez em seu dia, carente de qualquer emoção.Podemos interrompê-lo e dizer-lhe: “Bem, agora vamos falar do motivo que traz vocêaqui, o que acha?”. 

 Não falar durante 45 minutos seria uma atitude que pode gerar angústia a criança oucom adulto, podendo chegar a limites intoleráveis.

O papel do psicólogo na hora do jogo é de um observador não participante. Mas essanão participação tem limites.

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Considero certíssimo no trabalho o cuidado que devemos ter para não cair emcontradições tais como dizer à criança que está tentando nos distrair e, ao mesmo tempo,ficar presos pela curiosidade de olhar durante vários minutos o caderno de aula que elenos ofereceu ao chegar.

Há algo que geralmente interfere na comunicação com o paciente. Refiro-me aofazer anotações durante a sessão, seja diagnóstica ou terapêutica. O ideal é não fazê-lo, podemos anotar algum item, algum detalhe ou algum croqui que nos permitadepois reconstruir a sequência completa.

As anotações podem distrair a criança como a si mesmo e provoca reações comorivalidade se não sabem escrever ou não o fazem rapidamente, intrigando se nãoentenderem a letra. Pode transformar a sessão em uma aula escolar, favorecendoas resistências.

Mesmo no momento da administração dos testes deve-se cuidar desse detalhe,escrevendo sem deixar de observar o paciente e sem cair no exagero de parecer umataquígrafa.

O uso de um gravador pode facilitar a tarefa. Mas na hora ou horas de jogodiagnósticas individuais prefiro não usá-lo para não introduzir variáveis que interfiramno campo a ser observado.

 No caso de crianças menores de três anos, é aconselhável não distrai-los com papel elápis, e também estar disposto a brincar perto delas talvez no chão ou em uma

cadeirinha pequena.

Quando ainda não sabem falar devemos comunicar-nos com elas através da brincadeiraou jogo de algumas palavras simples para captar claramente.

Rodrigué fala de uma atenção lúdica mais que flutuante no trabalho com crianças, nosentido de um estado mais ativo do analista. O que ele chama de “interpretação lúdica”é uma maneira de comunicar à criança o que pensamos e pode ser de muitautilidade com os pequenos não falantes.

A interpretação lúdica começa com o contato direto e sensorial com o material... Estáorientada do meio de expressão não verbal e plástico para a comunicação verbal...Consta de dois tempos: o analista imita o jogo da criança e no segundo transmiteverbalmente aquilo que compreendeu, mas fazendo uso complementar dos meios nãoverbais que a criança empregou.

Cabe assinalar que éconveniente colocar materi al vari ado ao alcance da cri ança,

sobre a mesa, e deixar a caixa próxima a ela, aberta, com o restante do material. Sendo a mesma caixa que usaremos para o diagnóstico familiar, todos os membros

encontrarão algo de seu interesse. A presença exclusiva de brinquedos limita a

expressão infantil e a dos pais se estes considerarem que somente crianças brincam.

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É preferível um lugar com piso e parede laváveis, com uma mesa comum e outra baixinha, cadeiras comuns e outras pequenas e um divã ou conjunto de almofadasespalhadas.

Água, paninho, um copo, uma toalha, fósforo e um banheiro próximo são

imprescindíveis. É preferível todos esses elementos e o banheiro sem objetospessoais ou frágeis.

Quando a criança preferir brincar com fogo ou se molhar, sugiro trabalhar na cozinha ou banheiro. Nesses lugares há maior facilidade em limpar ou apagar o fogo.

Dentro do armário permanecerão guardadas as caixas dos outros pacientes e não será permitido que a criança ou a família tenham acesso. O que significa o comprometimentoquando ao sigilo e segredo profissional.

 No primeiro contato com os pais, durante a primeira entrevista, devemos fazerperguntas sobre diversas áreas da criança. Uma delas é o seu tempo livre, o que faz,do que brinca e com quem. Se houver um material de sua preferência, dependendo doque for, pedir a mãe que o traga quando vier com o filho para o jogo. O que paraWinnicott refere-se ao “objeto transicional”.

Em certos casos, é conveniente incluir brinquedos ou materiais que estejam relacionarao conflito da criança para ver quais as associações que surgem.

Tudo o que acontece na hora do jogo é significativo, inclusive o que acontecer comos pais. Há situações em que um irmão ou irmã da criança vem junto e chora por quererentrar também. Tentaremos compreender que essa hora não é para ele e que terá umahora em que virá toda a família.

Em algumas ocasiões não colocamos a hora do jogo individual no início e sim maisadiante do processo. Por exemplo, quando a criança se nega a brincar. Nesse caso

 podemos começar com os testes e só depois voltar a caixa.

É impossível suprimir o estudo do paciente identificado, pois ele aceitou vir e foidesignado por algum motivo. Mas pode ser necessário incluir o estudo de outrosmembros da família para compreender melhor a situação.

Há momentos em que a hora do jogo individual transforma-se em uma hora exclusivade desenho que são essenciais ao estudo. Mas é imprescindível saber o que a criançafará se não desenhar. É importante mobilizar a angústia na hora do jogo, poiscontinuaremos com os testes. O que mantém um bom “rapport”. Se chegarmos a um

 ponto de impasse ou angústia, podemos dizer-lhe: “Bem, o que acha de fazer algumacoisa diferente?”. Às vezes resolve levar a criança para o consultório de adultos,aceitando que o que a angustiava fique na outra sala.

A colocação de limites: os psicanalistas concordam que não devemos deixar que acriança cause algum dano que ela não possa solucionar (quebrar vidro, pé da

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