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497 AS CAUSAS DA EROSÃO PRAIAL NA COSTA BRASILEIRA Kenitiro Suguio I RESUMO As praias con stituem um ecossistema em equilíbrio dinâmico, co m pape l insubstituível no proc esso de tro ca de energia e matéria na int erf ace con tinen te - oceano. A sua erosão acelerada resulta de causas m últipl as, que atuam com intensidades variáveis em diferentes escalas temporais e espac iais. A costa bras ileira, com tendência geralmente progradante devida ao abai- xam ento do nível relativ o do mar nos últ imos milênios, também exibe setores com f atores pré-disponentes nat urais à r etrogr adaçã o. A erosão praial ace ler ad a neste litora l parec e apresentar-se, preferencialmente, em set ores onde aqueles fatores natur ais tenham sido exacerbados por fatore s antrópicos devi dos à ocupação inadequada do meio físico, como na costa nordestina. INTRODUÇÃO As planícies co steir as mundiais, que correspondem a apenas cerca de 1,6% da superfície das terras emersas, abrigam aproximadamente 60 % da população huma na (UNESCO, 19 93) . Por outro lado, as maiores con centraç ões popul ac iona is nessas áreas situam-se em algumas megalópoles como, por exemplo , Tóquio (Japão) e Nova Yor k (Estad os Unidos) .O tre mendo impacto das at iv id ade s human as ness as megalópoles aca ba por romper o frágil equilíbrio din âmico, exacerbando os problemas já · existentes ou originando novos probl ema s. Pesqu isas rec ent es de De Mulder (199 3 ). em 28 cidades europ éias com rnais 'de 5,00.000 , mostraram . que em ordem decrescente 'de' freq üência de 'ocorrência entr e alq üns 'problemas geológicos selecionados, tem -se' os seguintes: poluição de ' água subterrânea, subsidência de terreno, enchente, erosão e deposição, escorregamento, terremoto, salinização de solo e tsun êmi. No caso do Brasil, graças ao arcabouço geológico estável da margem cont inental, situada em costa do tipo . Atlântico, praticamente não se tem os efe itos de terr emoto e tsun ãrni, po-rém todos os outros problema s estã o Contribuição Técnica ao Congresso Brasileiro de 'Geologia de Engenharia;R iode" Janeiro. RJ; setembro. 1996. I Prol. Titular do IGUSP. End. Postal : Inst ituto de Geociências USP . Rua do lago, 562 C idade Univer sitária CEP 05508 -900 São Paulo, SP.

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AS CAUSAS DA EROSÃO PRAIAL NA COSTA BRASILEIRA

Kenitiro Suguio I

RESUMO

As praias constituem um ecossistema em equilíbrio dinâmico , co m pape linsubsti t uível no processo de troca de energia e mat éria na interface con tinente- oceano . A sua erosão ace lerada result a de causas múltiplas, qu e atu am comintensidades var iáve is em dif erentes escalas temporais e espac iais .

A costa bras ileira, com tendênci a geralmente progradante devida ao abai­xamento do nível relativo do ma r nos últimos milênios, ta mb ém exibe set orescom fatores pré-d isponentes nat urais à retrogradaçã o. A erosão praialace lerada neste litora l parec e apre sentar-se, preferencialmente, em set oresonde aqueles fatores naturais te nham sido exacerbados por fatores antrópicosdevi dos à oc up ação inadequad a do mei o físico , como na costa nor desti na .

INTRODUÇÃO

As planícies costeiras mundiais, que correspond em a apena s cerca de 1,6% dasuperfície das te rras emersas, abrigam aproximadamente 60 % da populaçãohumana (UNESCO, 1993) . Por out ro lado, as maiores concentraçõespopulac iona is nessas áreas sit uam-se em algumas megalóp oles como , porexemplo, Tóquio (Japão) e Nova Yor k (Estad os Unidos) .O treme ndo im pactodas at iv idades humanas ness as megalópo les aca ba por romper o frág ilequ ilíbrio din âmico, exacerbando os problemas já · exi st entes ou or ig inandonovos probl ema s. Pesqu isas recentes de De Mulder (1993 ). em 28 cidadeseurop éias com rnais 'de 5,00.000 ,h?t>i ~al"\tes , ' mostraram .que em ordemdecrescente ' de ' freq üência de 'ocorrênc ia entre alq üns ' problemas geológ icosselecionados, tem-se' os segu intes : poluição de ' água subterrânea, subsidênciade terreno, enchente, erosão e deposição, escorregamento, terremoto,salinização de solo e tsun êmi.

No caso do Bras il , gra ças ao arcabouço geológico estável da margemcontinental, situada em costa do tipo . Atlântico, praticamente não se tem osefe itos de terremoto e tsun ãrni, po-rém todos os outros problemas estã o

Contribuição Técnica ao 8°Congresso Brasileiro de 'Geologiade Engenharia; Riode" Janeiro. RJ; setembro. 1996.

I Prol. Titular do IGUSP. End. Postal: Instituto deGeociências dá USP. Rua do lago, 562 Cidade UniversitáriaCEP 05508-900 São Paulo, SP.

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presentes em maior ou men or intensidade nos grandes centros urba nos. Muitasdessas cidades situam-se na zon a costeira como, por exemplo, Rio de Janeiro,

:Salvador, Recif e, Fortaleza e Belém.! .

Neste tra balho será discut ido somente o problema da erosão praial acelerada.na costa brasileira, com 'especial destaque para o litoral nordestino, diagnos­ticando-se as prováveis causas.

EROSÃO PRAIAL ACELERADA NO MUNDO

A erosão praial é um dos fenômenos mais impressionantes, que se tornou umproblema emergencial na maioria das zonas costeiras do mundo. Mais de 70 %das costas arenosas do mundo estariam em ero são nas últimas décadas,menos de 10% teriam estado em progradação (avanço) e cerca de 20% nãoteriam exib ido mudanças significativas (Bird, 1986) .

Esta predominância de erosão nas costas arenosas tem sido docum entada e. discut ida em muitos trabalhos (Bruun, 1986; Healy, 199 1); a maioria dessesautores admite que a elevação do nível do mar no período teria sido a principalcausa da erosão que , de acordo com as estimati vas de Bruun & Schwartz(19851. estaria contribu indo com 10 a 90% na erosão praial em escalamundial.

FONTE DOS SEDIMENTO S E BALANÇO SEDIMENTAR

As fontes mais import antes de sedimentos para as praias são os conti nent esque , através dos grandes rios , fornecem volumes enormes de sedimentos.

I! Outra parte provém do dom fnio marinho, pelo retrabalhamento de sediment osda face lit orânea. A erosão das falésias também constitui um processo

, import ant e de suprimento de sed imentos para as praias . Localmente , os ventosque sopram do continente, podem fornecer sedimentos às praias. Essas fontesde sedimentos são naturais, poré m existem t ambém as artificia is, isto é,induzidas pelo homen. Para se 'c hegar ao balanço sedimentar torna -senecessário considerar as- perda s de sedimentos pra iais, que podem ocorrer porretirada at ravés de co rrentes de reto rno, de der ivada litorânea ou pelo vento,que são também causas naturais ou, simplesment e, pela desaceleração dosprocessos natu rais de suprimento ( Figura :l).

Através do confronto entre os volumes de sedimentos supridos pelas fontes eas perd as tem-se o balanço sedimen tar , que pode ser posit ivo quando ocorreráprogradação (avanço ) da zona costeira ' e negat ivo, quando se processará a

. ret roqradaçâo (recuo) do litoral. O balanço sedimenta r, que é de fundamentalimportância na manutenção do equilibrio din ârnico das praias em diversasescala s temporais e espaciais, depende de um conjunto de processos naturais

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e ant rópicos aind a pou co entend idos. ' Em cada situação, eles devem serco nvenienteme nte avaliados para melhor diagnóstico das relações de causa eefe it o na erosão acelerada das pra ias.

CARACTERíSTICAS GERAIS DA COSTA BRASIL EIRA

Baseados nas descrições de Silveira (1964). Cruz et alo ( 1985) e Mart ins &Villwock (1987). Mu ehe & Neve s (19 95) reconheceram as quatro principaisun idades seguint es ao longo da cos t a brasileira (Figura 2):

Região Norte - Esta linha costeira estende-se por 1.080 krn, desd e o CaboOrange no Amapá até a foz do Rio Gurupi . A foz do Rio Amazon as div ide est aregião em dois set ores, distintament e inf luenciados pela gr ande carga desediment os f luv iais daquele rio e pela circulação oceâ nica local. Esses doissetores são bo rdejados por sediment os lamosos recobertos por manguezaissitua dos defront e às escarpas da Formação Barreiras. A lin ha co st eira nosegmento oriental exibe muitas rias, enquanto que no setor ocidental possuiuma plataforma lisa.

Região Nordeste - Esta linha cost eira, de cerc a de 3 .4 80 km de ext ensão, podeser subdividida em dois setores. O norte , co m cerca de 1.540 km, est ende-seaprox imadament e na direção leste-oeste e apresenta clima seco, send ocaracterizado por amplos campos de duna s e compreende o tre cho do RioGurupi ao Cabo de Calcanhar.

O Sul , co m apro ximadamente 1.940 krn, estend e-se no senti do norte-sul ,desde o Cabo de Calcanh ar até viz inhanças do Arquipélago de Abrolhos, sendocaracterizado por clima úm ido . Bit t encourt et el, (1979) realizaram estudossistemáticos nest a região.

Esca rpas da Form ação Barreiras são bem desenvolvidas em toda a reqrao,pr incip almente nos estados do Ceará, Rio,Grand e do Nor t e e Paraíba. As plan í­cies costeiras são em geral estreit as e lim it adas, para o interior pela FormaçãoBarre iras. Porém, extensas planíc ies Cost eiras desenv olve m conspícuas feiçõesdeltaicas (Martin et et., 1993) nas desembocaduras das principa is rios, co mo oParna íba (MA/PI). São Franc isco (SE/AL) e JequiÚnhonha (BA):

Região sudeste · Esta linha costei ra, de cerca de 1,530 krn, est ende-se desdeo sul da Bahia até, o Estado de São Pau10: A sua orientação muda em váriostre chos , afetando os climas das ond as: as cor rentes de deriva lit orânea e acirculaçã o oceânica regional.

Como na reg ião nordeste, falésias .da Forma ção- Bar teiras governam as largura sdas planícies costei ras, pelo menos do sL!1 da Bahia até o norte do Rio deJaneiro . Promont órios. falésias e pra ias de'bolso são fe ições comuns , As piar.í-

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cies cos te iras alargam-se nas desem bocaduras dos rios Doce (ES) e Paraíba doSul (RJ), onde formam interessante s fe içõ es deltaicas (Bande ira et aI. , 1975 ;Mart in et ai., 1993 ).

Região sul - Esta linha cos te ira estende-se po r 1.3 10 krn, desde o Estado doParaná ao Rio Grande do Sul. No seu segment o norte é caracterizado porpromontórios e praias de bolso, sendo a Baía de Paranaguá a fe ição maisimport ante deste seto r. Para o sul , a plan ície coste ira alarga -se gradualm ente ,aparecendo importantes zonas estuarinas, representadas pela Baía de Guara -

Ituba (PR), Rio Itajaí (Se) e Laguna (SC). No Estado de Santa Catarina sãoItambém comuns as praias de bolso del im itadas entre promontórios. Na reg ião' sul situa-se a planíc ie do: Rio Grande do Sul, a mais ampla da costa brasileira ,com até mais de 120 km de largura est endendo-se na direção norte-su l porquase 520 krn, onde apa rece a Lagun a dos Patos co m 10.000 km 2 de área .Esta plan ície tê m sido intensam ente est udada por pesquisadores daqueleest ado (Villwock et el., 19 8 6) .

CAUSAS DA EROSÃO PRAIA L ACELERADA NO BRASI L

São ainda bastante escassos, no Brasil, os tra balhos que ve rsam sobr e esteassunto, principa lment e ao longo de t odo o seu litoral, como os de Muehe & 'Neves (1990,1 99 5) . Por outro lado , estes dois pesquisadores tê m sidotambém dos mais ati vos entre os autores brasi leiros, com vários tra balhos decaráter mais local (Muehe & Correa , 1989; Neves et et., 199 1). Pod em sercitados também Angulo (1989 ). Argen to (1989) e Souza & Suguio (199 5) .

Além disso, a população co steira de cerca de 30 milhões de pessoas ( 20 % dapopulação do país) concentra-se fo rte mente nas prox im idades das capita isestaduais, enquanto que 4 5 % da linh a de co st a permanecem fracame nt epovoadas ou mesmo desabitadas (Muehe & Neves, 1995). Portanto, eve ntua isocorrê ncias de erosão praial acelerada , nesses trechos de baixa densidadedemográfica , produzem impactos relativament e pouco import ant es so bre a~opulação huma na.

EROSÃO PRAIAL ACELERADA NA REGIÃO NORDESTEI '

Em te rmos de estudos mais abrangentes, de caráter reg ional , sobressaem aspesquisas realizadas na regiã o nordeste (A m aral et ai., 1990; Neves et aI.,1991; Lima Filho et et., 1994; Pedrosa , 1995) . Deste modo, as discussões aseguir versarão sobre as possíve is causas da erosão praial acele rada naquelaregião .

IN8TI TU"tO DE OEo c n::rJeIAS - U_ B IB L I O TECA -

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ausas pré-disponentes naturais - Sob esta denominação , serão enumerados.- s fatores que torna m o litoral nordestino mais suscetível à erosão praialacelerada que o resto do litora l brasileiro , que são os segu intes :

::) Clima semi-árido - Em grande parte da regi ão nordeste, pr incipalmente noseu segmento norte , o litoral exibe baixa pluviosidade . A lém disso, sendoadjacente ao chamado "p olígono das secas", é caracter izado por clima sem i­árido e drenagem escassa e freqüentemente temporária, t ornando poucomport ante a contribu ição da carga f luvial no suprimento das pra ias . Mesmo nosegment o su l, com litoral mais úmido, a contribu ição continental é pou coimport ant e, poi s no interior continua o efeito do clima sem i-árido .

b) Regime do minante dos ventos - O segmento norte da região nordeste, deorient ação aprox imadamente lest e-oeste, é dominado pelos ventos alísiosat uando constantemente de leste para oeste. Deste modo, como resultado dosventos dominantes e da orientação da linha de costa, ocorre int enso transportede sed imentos de leste para .oeste por correntes de deriva litorânea .

c) Características granulométricas das areia s - A gra nulação das are ias pra iaisda reg ião nordeste é predominantemente composta de are ias f inas a médias(Pedrosa, 199 5), prop ici ando o seu ret rabalhamento eólico, princ ipalmente nosegment o norte , que é caracterizad o por clima litorâneo sem i-ár ido . Destemodo, par t e considerável do estoque de areia é aprisionada nas dunas eabandona o cic lo pra ia!. Est e fat o parece ocorrer há muito te mp o, não somenteno segmento norte mas também na área de Salvado r (BA), on de f ora mreconh ecidas vár ias gerações de dunas litorâneas (Mart in et ai. , 19 79 /1 98 0 ).

d) Plataforma continental estreita - A plataforma co nti nent al des ta regiãopossui poucas .dezenas de quilômetros de largura, em co nt raposiç ão à dareg ião sudeste, que pod e at ing ir algumas centenas de quilôme tros . Portanto,ao mesmo tempo em que as planíc ies arenosas emersas, sendo relativamenteest reit as e comprim idas entre o mar e as falé sias da Formação Barreiras, sãopouco efic ientes no suprimento de areia durante eventuais subid as de nívelrelativo do mar, quando se aplica a regra de Bruun (Bruun, 19 6 2 ); a plataformacontinental te ria também contribuído com po uca areia durante as possíveisfas~s de descida de nível do mar (Dominguez, 1982).

Causas pr é-disponentes arti ficiais - Re.ferem -se aos fatores introduzidos nareg ião pelo homem, principalmente em função da alta densidade demográficaem diversos setores da região lit orânea nordest ina . Este fato torna-se patente ,quando se compara com o dado relativo ao Estado de São Paulo , em quemenos de 4% da população do estado . vivem no litoral (Souza & Suguio,1995), ao do Estado do Pernambuco, onde cerca de 40 % ocupam a região

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I litorânea (Pedrcse. 1995). Deste modo, o impacto de atividades humanas naerosão praial é muito maior no litoral pernambucano que no paulista .

Entre os fatores pré-disponentes artificiais. à erosão praial acelerada, atuantesna região nordeste destacam-se dois grupos:,

a) Efeito represamento - Este fator, também conhecido como efeito barragem.já é conhecido há muito tempo. sendo freqüentemente citado no delta do RioNilo .

Pelas características climáticas na sua bac ia hidrográfica . o Rio São Francisco éa maior fonte de suprimento de sedimentos, fato que pode ser corroboradotambém pelo imenso campo de paleodunas do médio Rio São Francisco(Barreto & Suguio. 1993). Entretanto , hoje em dia , desde Minas Gerais ondeestão as suas nascentes até a sua foz, este rio é interceptado por inúmerasbarragens e, deste modo, grande parte de sua carga sed imentar não maischega às praias alagoanas e serg ipanas. de onde eram distribu ídasprinc ipalmente rumo ao norte pelas correntes de deriva litorânea . Grande partedo estoque de areia que era sup rida, pr incipalmente às pra ias alagoanas e

1 pernambucanas ant es das bar ragens, está sendo retida pelos represamentos.

b) Causas antrópicas diversas - No Estado de Pernambuco, por exemplo,. problema de erosão mar inha ilust rado pela danificação de um molhe em

construção no íst mo de Olinda . é relat ado já em 19 14 por Domingos deSampaio Ferraz (Pedrosa, 199 5). Na análise geoambiental da Folha Recife,Pedrosa (op. cit. ) relata que , entre as causas antrópicas diversas de erosãomarinha , podem ser citadas as seguintes: ampliação do porto de Recife,construção de espigões perpendiculares à costa, edificações na zona do berma,aterro indiscriminado de manguezais e retirada de areia para construção civil.Provavelmente. a validade das causas antrópicas enumeradas por Pedrosa (op.cit.l , na Folha Recife. pode ser estendida para a maior parte da regiãonordeste. onde a erosão praial acelerada tenha se transformado em problemaemergencial .

.Acresce o fato de que quase sempre essas intervenções antrópicas sãoint roduzidas sem levar em consideração que as praias constituem ambientes desedimentação em equilíbrio dinâmico e, portanto, ma is ou menos suscetíveis atransformações em resposta a modificações introduzidas. em várias escalasespaciais ( centenas de metros a centenas de quilômetros ) e temporais (alguns segundos a dezenas até milhares de anos l . Além disso. as praias.juntament e com os manguezais, dunas costeiras e pântanos salinos. consti ­tuem zonas de amortecimento da energia das ondas e. deste modo. essenciaisà proteção do continente contra a erosão mar inha.

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CONCLUSÕES

As costas arenosas brasileiras parecem não fugir à regra mundial, apresen­rando um predomínio da erosão sobre a sedimentação .

I os últimos 5.000 a 6.000 anos; esta costa teria apresentado tendência àemersão (Suguio et. et., 1985, 1988) e, deste modo, à sedimentação e não àerosão, originando muitas das extensas planícies arenosas pleistocênicas eho'oc ênicas (Martin et. et., 1987, 1993). No mesmo intervalo de tempo, estasituação não se verificou na maior parte do hemisfério norte como, porexemplo, nas costa leste e sudeste dos Estados Unidos, onde o nível relativodo mar mais alto nos últimos milênios é o atual.

Se, por outro lado, nas últimas dezenas de anos o nível do mar teria estado emascenção, os dados de Harari & Camargo (1994) ou de Mesquita (1994) sãoescassos e abrangem um lapso de tempo demasiadamente curto (30 a 40anos) para se concluir que a tendênc ia de sub ida de nível do mar tenha seest endido por tempo muito longo (100 anos ou ma is) . Contrariamente, osdados do hemisfér io norte têm permitido inferir tendênicas de sub ida seculares(Pirazzoli, 1986).

Deste modo, co nsi derando-se as tendências milenares de descida de nível domar, evidenciadas por abundantes informações de campo datadas porradiocarbono e, por outro lado, as tendências decadais de subida de nível domar, mostradas por escassos dados instrumentais, a atitude mais acertada eprudente, neste momento , parece ser a de atribuir a maior parte dos casos deerosão praial acelerada na costa brasileira a causas antrópicas diversas, emáreas submetidas a maior ou menor influência de ' causas pré-d isponentesnaturais. A tend ência para o litoral nordestino vir a abrigar grandes empreen­dimentos turísticos, em ' futuro pró ximo , fazem vislumbrar um cenário pessi ­mista, porém realista, de exacerbação crescente da erosão praial, a não serque medidas urgentes e efetivas venham a ser tomadas nos pró ximos anos.

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Page 11: AS CAUSAS DA EROSÃO PRAIAL NA COSTA BRASILEIRA

Regime dos onda s

Corr ent es de der ivo litorõnea

Descarga flln ialAgrado~õo ou Inci são de val e

Ma résVentos

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Subsldêncla te c t ô nlco

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Mu dança eustóllc a de ní ve l do mor

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Te mp era turaEvapotra n spl rcçõoPrec lp ltcçõo

FONTESSUMIDOUROS~ - Acreçõo cos teiro °Carga f luvia l-j "Lavagem pl Iernpestode °Ero sõo cosi eirac:o " Braço de maré °Transpor l e cosIal> • Est rut uro coste iro adentroVl • Processo eó I lco

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Figura 1 - Processos dinâmicos atu antes nas zonas costeiras, que interferem no balançosedimentar dos produtos envolvidos

Page 12: AS CAUSAS DA EROSÃO PRAIAL NA COSTA BRASILEIRA

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Figura 2 - Subdivisão do litoral brasileiro segundo Silveira ( 1964J em cin co regiões (A ) e de aco rdocom Muehe & Neves (1995J em quatro regiões (8)