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1 ISABELLA LIMA COSTA AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS: ACOMPANHAMENTO DE UM GRUPO NA PRÉ-ESCOLA E NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL CAMPINAS, 2017

AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Page 1: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

1

ISABELLA LIMA COSTA

AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS:

ACOMPANHAMENTO DE UM GRUPO NA PRÉ-ESCOLA E NO 1º

ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

CAMPINAS, 2017

Page 2: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Isabella Lima Costa

As crianças nos tempos e espaços socioeducativos: acompanhamento de

um grupo na pré-escola e no 1º ano do ensino fundamental

Trabalho realizado para conclusão de curso na

Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas

Campinas,2017

Page 3: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações adicionais, complementares

Titulação: Licenciada

Data de entrega do trabalho definitivo: 07-12-2017

Costa, Isabella Lima, 1996-

C823c As crianças nos tempos e espaços socioeducativos : acompanhamento de um

grupo na pré-escola e no 1º ano do ensino fundamental / Isabella Lima Costa. –

Campinas, SP : [s.n.], 2017.

Orientador: Adriana Missae Momma.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Estadual de

Campinas, Faculdade de Educação.

Crianças. 2. Educação infantil. 3. Ensino fundamental. 4. Infância. 5. Trabalho

pedagógico. I. Momma, Adriana Missae,1975-. II. Universidade Estadual de Campinas.

Faculdade de Educação. III. Título.

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4

Dedico este trabalho para todas as crianças de Campinas

que contribuíram para a minha formação.

Page 5: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus por me amparar e enviar força e coragem durante todo

o meu processo de graduação.

Aos meus pais que nunca mediram esforços para me apoiar e ajudar durante toda a

minha vida e durante meu período na UNICAMP, sempre me guiando a seguir meus

sonhos com amor.

Agradeço também a todos meus professores da graduação que ao longo desses 4 anos

tanto me ensinaram ,em especial a minha orientadora Adriana, que me inspirou diversas

vezes durante meu processo de formação como educadora e me orientou durante este

trabalho.

Agradeço a minha tia Deilda que sempre me acolheu, ajudou e cuidou de mim de braços

abertos quando mais precisei.

Aos meus colegas de graduação pelo apoio e parceria ao longo do curso.

As minhas colegas de república Deborah, Thaís, Luísa, Beatriz e Gisele sempre tão

queridas e empáticas sempre dispostas a me ajudar da melhor maneira, torcendo pelas

minhas conquistas e me dando um apoio em todos os momentos.

Ao Pedro por toda compreensão, apoio e ajuda.

Aos meus professores do ensino fundamental e ensino médio, que fizeram com que me

encantasse com a docência e a trabalhar com amor mesmo com as precariedades do

ensino público, sempre acreditando no meu potencial.

Page 6: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Seja a mudança que você quer ver no mundo. – Mahatma Gandhi

Page 7: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Atualmente o ensino fundamental tem a duração de 9 anos desde a lei 11.274 do dia

06/02/2006 e com essa lei as crianças passam a entrar na escola de ensino fundamental

com 6 anos de idade, e com a lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013 a matrícula de

crianças com 4 anos de idade na educação infantil também se tornou obrigatória, mas

por que não aumentar o tempo das crianças na pré-escola ao invés de aumentar seu

tempo no ensino fundamental? Muitos responsáveis pelas políticas públicas ao

alterarem o tempo do ensino fundamental de 9 e automaticamente definindo que as

crianças iriam ingressar no ensino fundamental com 6 anos de idade alegaram que essa

escolha seria importante para evitar que as crianças ficassem fora da escola, porém,

seguimos com o questionamento que levou o motivo a aumentar o tempo do ensino

fundamental ao invés da educação infantil.

A pesquisa surgiu através de vivências de estágio em uma escola pública de Campinas

com uma turma do 1º ano do ensino fundamental e como as crianças de 6 anos viviam

de forma tensa a transição da pré-escola para o ensino fundamental, a partir daí iniciou-

se a pesquisa empírica em uma escola de educação infantil e em uma escola de ensino

fundamental acompanhando um grupo de crianças no momento desta transição, para

analisarmos as divergências e semelhanças nos espaços e experiências escolares.

O método utilizado na pesquisa foi a revisão bibliográfica de obras e da legislação

brasileira e a pesquisa empírica nos anos de 2016 em uma escola de educação infantil

do município de Campinas, com uma turma da pré-escola e em 2017, acompanhando

algumas crianças da turma pesquisada em 2016 em seu primeiro ano em uma escola de

ensino fundamental. Foi feita a análise de documentos das escolas e observação do

espaço físico e dos diálogos entre as crianças com seus pares e das crianças com os

adultos de ambas as escolas. A pesquisa empírica, em sua primeira fase foi feita de

forma não participante e na segunda etapa de forma participante.

Através dos estudos bibliográficos e empíricos realizados ao longo do ano, vimos que

nas leis existem muitas diferenças entre as etapas educacionais, como por exemplo na

educação infantil em que o eixo principal é a brincadeira, enquanto no ensino

fundamental tem o objetivo de formar pessoas para o trabalho, ignorando o fato de que

os ingressantes dessa etapa tem apenas 6 anos de idade. Porém, analisando ambas

escolas encontramos divergências no espaços físicos, porém muitas semelhanças, como

se na pré-escola o ambiente já estivesse preparando as crianças para o ensino

fundamental, por ter uma organização e design muito parecidos. Entretanto, mesmo com

ambientes que parecem ser pensados pelas políticas públicas para evitar as brincadeiras

e ludicidade nos espaços de ensino encontramos professoras que exerciam um lindo

trabalho de valorização da infância e suas brincadeiras, tornando o dia-a-dia escolar

menos exaustivo para as crianças, o que levou a pesquisa a também fomentar a

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importância da formação adequada de docentes que vão lidar com crianças na educação

infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

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LISTA

Fotografia 1 – página 16

Fotografia 2 – página 17

Fotografia 3 – página 18

Fotográfia 4 – página 18

Fotografia 5 – página 20

Fotografia 6 – página 24

Fotografia 7 – 24

Fotografia 8 – 33

Fotografia 9 – 33

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Sumário Introdução ................................................................................................................................... 11

Capítulo I ..................................................................................................................................... 14

1. A criança e o aluno segundo a legislação ........................................................................ 14

1.1. A preparação de docentes para a educação infantil e ensino fundamental .............. 18

Capítulo II ................................................................................................................................... 23

2. As vivências na Educação infantil .................................................................................... 23

2.1Vivência no Ensino Fundamental ....................................................................................... 33

2.1.1A ludicidade na docência e espaços escolares ................................................................ 42

Capítulo III ................................................................................................................................... 45

3. A formação de professores na legislação ........................................................................ 45

3.1. Professores com empatia para a infância ................................................................... 47

Considerações Finais ................................................................................................................... 50

Referências: ................................................................................................................................. 51

Obras Consultadas: ..................................................................................................................... 53

Page 11: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Introdução

No contexto atual a obrigatoriedade da educação dos 04 aos 17 anos impõe-se como

uma possibilidade de oportunizar direitos às crianças brasileiras. Por outro lado,

pressupõe prerrogativa da obrigatoriedade pela oferta pelos entes federados (Estado),

bem como obrigatoriedade da frequência pelas crianças/jovens.

Já, com relação à faixa etária de 0 a 3 anos, embora haja controvérsia no referente à

obrigatoriedade da oferta pelo Estado – haja visto o aumento de ordens judiciais

(Assis,2013) , estar na creche não é obrigatório, mas com base na pesquisa empírica

realizada neste trabalho foi possível ver o quanto a creche e a escola de educação

infantil são procuradas semanalmente por mães de crianças de 0 a 5 anos de idade

semanalmente, tornando, inclusive, as turmas de agrupamento II (2-3 anos) com o

número maior que o recomendado por turma.

Todavia, anterior a legislação em vigência que trata sobre a obrigatoriedade da -

oferta/frequência pelo Estado e Crianças/Jovens, em 2006 há implantação da lei n°

11.274, de 6 de fevereiro de 2006 em que o ensino fundamental passa a ter 9 anos de

duração e portanto, as crianças passam a entrar mais novas, agora com 6 anos de idade

no ensino fundamental.

Por que a opção de tornar obrigatória, no respectivo período o fundamental de 09 anos?

Por que não optar em ampliar a obrigatoriedade pela oferta, mas optar em propor que

até os 06 anos crianças frequentem as pré escolas? As pré escolas, por sua vez são

também espaços constitutivos e constituintes de uma infância emancipatória? Que

espaços socioeducativos são esses? (Tanto da pré escola, quanto do primeiro – anos

iniciais – do ensino fundamental)?

Como nossas crianças vivenciam seu cotidiano nas respectivas instituições? Que

tempos e espaços são esses do ponto de vista social, político, estrutural, pedagógico?

Temos o conhecimento de que todas as crianças têm direito à uma infância feliz, lúdica

e com brincadeiras, mas será que todas elas vivem essa infância?

O tema de nosso trabalho é justamente problematizar que concepções de infância

emergem do cotidiano de instituições socioeducativas públicas – pré-escolar e anos

iniciais do ensino fundamental (1º). Como se organizam os tempos e espaços? Que

vivências e experimentações são oportunizadas nessas instituições?

Para fins de viabilização do respectivo trabalho, optou-se em fazer, em primeiro

momento uma pesquisa bibliográfica e documental (de fonte primária) no qual se

buscou prioritariamente o arcabouço normativo-político que versa sobre o “ensino

fundamental de 09 anos”. Nessa mesma direção fez-se um levantamento sobre teses,

dissertações, monografias e publicações que tratam do tema especificamente. E, com o

objetivo e intencionalidade de trazer à tona algumas hipóteses e leituras sobre os

vestígios, evidências e provas de qual currículo vem sendo vivido pelas crianças-

professores tanto na pré-escola quanto no primeiro ano do ensino fundamental.

Para além de dizer se é adequado a criança ficar até os 06 anos e alguns meses na pré-

escola ou no fundamental, a proposta é descrever o cotidiano desses tempos, de forma

que as descrições tragam elementos para construção de análise e aferições sobre as

concepções de infâncias que contextos institucionais, formais vem oportunizando.

Portanto, qual é a concepção de polis em disputa nessas expressões.

Page 12: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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A ideia dessa pesquisa surgiu quando, em 2016, ao realizar um estágio pelo PNAIC

em uma escola pública na periferia da cidade Campinas, acompanhei diariamente a

rotina de uma turma do 1º ano do ensino fundamental e através desta experiência em

uma turma com crianças pequenas de 6 anos de idade e uma professora com métodos e

aulas tradicionais conteudistas e com poucas brincadeiras vivenciei muitos momentos

aflitivos, já que as crianças que eram expostas à situações muito delicadas em seu meio

social familiar iam para a escola, e sem poder brincar, sem poder conversar, se mover

pela sala, ou ter voz, ficavam extremamente ansiosos, estressados, angustiados,

causando muitos momentos de conflitos entre as crianças e seus pares e crianças com a

professora. A situação era muito angustiante para as crianças, o que acabava se tornando

angustiante para mim, como estagiária e futura professora ver o quando as crianças

estavam infelizes, nervosas e negligenciadas na escola, e principalmente por saber o

quanto elas precisavam de afeto e atenção para além dos conteúdos e avaliações dadas

naquele espaço. A partir dessa experiência resolvi fazer minha pesquisa sobre as

crianças pequenas nas escolas públicas de Campinas e como suas infâncias são vistas e

vividas.

Além de pesquisa bibliográfica decidimos também fazer um trabalho empírico,

acompanhando um grupo de crianças na transição escolar de pré-escola para o ensino

fundamental entre os anos de 2016 e 2017. A pesquisa teve início em novembro de de

2016, em uma escola de educação infantil no bairro San Martin, nos dias 29 e 30 de

novembro, e os dias 1,2, 5 e 6 de dezembro. Porém realizei meu estágio obrigatório de

gestão escolar durante todo o ano de 2016, o que proporcionou que eu tivesse bastante

vivência e experiência naquele espaço, o que foi muito importante para a realização da

pesquisa.

A tratativa com a instituição se deu de forma descomplicada, já que realizei meu

estágio obrigatório de gestão escolar na instituição no mesmo ano e conhecia os

membros da equipe gestora e muitas professoras. Fiz a escolha da turma AGIII E

através de busca dos nomes das crianças que iriam para a escola de ensino fundamental

no ano seguinte ao lado da instituição de educação infantil e a turma o maior número de

crianças que iria para essa escola foi a escolhida para que eu pudesse fazer a observação

não participante.

O enfoque da observação foi principalmente as atividades pelos quais as crianças

passavam, sejam elas lições, jogos, brincadeiras e como se dava a relação entre criança-

criança e criança-adultos nos locais pesquisados. Além disso também observamos os

espaços, os tempos e os diálogos.

Ao final de 2017, a partir do dia 22 de agosto foi efetuada a pesquisa empírica

participante na escola de ensino fundamental ao lado da escola de educação infantil

onde foi realizada a primeira fase da pesquisa,o grupo que foi para a escola de ensino

fundamental pesquisada contava com 9 crianças e 3 delas foram para o 1ºA, a turma

observada. A observação em 2017 ocorreu durante o mês de agosto até o final de

outubro, especificamente 22,23,29,30 de agosto,5,6,12,13, 19,20, 26 e 27 de setembro,

e 3,10 e 24 de outubro. Observou-se as interações criança-criança, criança-adultos e as

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atividades e rotina dos dias, além do espaço físico. Além de diálogos e outras situações

que serão tratadas em capítulos posteriores.

O primeiro capítulo realiza a busca pelo arcabouço normativo da legislação educacional

do nosso país, para que possamos entender como as crianças e escolas vêm sendo

tratadas pelas leis brasileiras com o auxílio da leitura de obras de autores da área

educacional.

Já, o segundo capítulo aborda nossa pesquisa empírica nas duas escolas, nele falo sobre

os espaços físicos, materiais, didáticas usadas pelas educadoras, tempos de atividades e

brincadeiras, relações entre criança-criança e criança-adulto, relatos de impressões e

experiências em ambas escolas, trazendo divergências, semelhanças, questionamentos

que surgiram durante a experiência em campo.

Em relação ao terceiro capítulo, após uma feliz surpresas nas observações da pesquisa

em campo resolvemos focar na formação de professores comprometidos com em

garantir o acesso das crianças ao seu direito da infância e de realmente ser criança e em

como uma mediação voltada para o lúdico pode ser importante para a formação da

criança.

Por fim, este trabalho visa entender como a educação infantil e o ensino fundamental

vem sendo tratados em nosso país e como isso reflete nos espaços socioeducativos e nas

experiências escolares e infantis das crianças na cidade de Campinas, contando com um

trabalho empírico para ajudar na análise desses dados encontrados, trabalho este que nos

trouxe muitas reflexões, aprendizados, surpresas e esperanças de uma educação de

qualidade com brincadeiras e ludicidade para nossas crianças.

Page 14: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

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Capítulo I Passa, Passa uma vez – onde será que essa criança deveria ficar?

"Passa, passa três vezes

A última que ficar

Tem mulher e filhos

Para sustentar

Qual delas será?

A da frente ou a de trás?

A da frente corre muito e a de trás ficará!"

1. A criança e o aluno segundo a legislação

Onde será que as crianças deveriam ficar? A partir do dia 05 de abril de 2013, a

lei de nº 12.796 as crianças passam a ser matriculadas obrigatoriamente aos 4 anos de

idade nas escolas de educação infantil, assim, sabemos que além de obrigatoriedade aos

6 anos no ensino fundamental já feita em 2006, as crianças estarão também mais cedo

na escola desde a educação infantil. Sabemos também, inclusive por conta de nossa

pesquisa empírica que as escolas de educação infantil e creches vem sendo muito

procuradas por mães que precisam trabalhar e não tem com quem deixar seus filhos, e

de fato, as escolas são a melhor escolha para essas crianças, não por ser um depósito de

criança, mas por teoricamente estar preparada para receber crianças e atendê-las da

melhor maneira, porém, é justo para as mães e para as crianças a obrigatoriedade de

estar tão cedo na escola? Para quem são pensados de fato, os objetivos de leis como

essa?

Ao optar refletir sobre as concepções de infâncias em jogo nessa “transição”

entre pré-escola e ensino fundamental, ou na “antecipação do ensino fundamental”

optamos em iniciar a pesquisa a partir da legislação brasileira e refletir como as crianças

são tratadas nestas leis – que infâncias trazem nas linhas e entrelinhas, apresentando as

divergências entre a educação infantil e o ensino fundamental e as implicações dessas

diferenças nas crianças.

Ao examinarmos o arcabouço normativo, o presente capítulo pretende ler o texto

da lei, como uma faceta política, na qual o texto, o contexto e os dilemas implicam

opções e disputas políticas, no tocante à educação que visa a fortalecer as infâncias na

contramão da antecipação da escolarização formal e rígida e como “a infância torna-se

assim uma categoria social de interesse político e o estado a entidade da sua regulação, realizada através

das finalidades e dos conteúdos da educação escolar pública” (Pereira, 2010, p.520)

Estudando as leis atuais do nosso país sobre educação e infância, a fim de buscar

a resposta para “que infância ou quais infâncias nossas crianças vivenciam na pré-escola

e no ensino fundamental ” deparamo-nos com grandes questionamentos entre a Lei de

diretrizes e bases, constituição federal , base nacional comum curricular e diretrizes

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curriculares nacionais quando o assunto se trata da transição da educação infantil para o

ensino fundamental, pois quando se trata de educação infantil é visível a preocupação

que há com a preservação da infância, a importância das brincadeiras e da liberdade de

expressão das crianças e a valorização do lúdico, enquanto no ensino fundamental, em

que as crianças ingressam com 6 anos de idade, não há essa atenção com o brincar, já

que por exemplo na lei de diretrizes e bases o objetivo da educação é vincular-se ao

mundo do trabalho e a prática social. Vemos uma grande mudança que acontece durante

essa transição escolar da criança já que, dos documentos analisados o único que possui

uma seção dedicada à transição escolar da educação infantil para o ensino fundamental

é a Base Nacional Comum Curricular.

Baseado no estatuto da criança e do adolescente a pessoa é criança até os 12

anos de idade, “Pode-se, assim, observar que no quadro legal brasileiro prioriza-se uma definição da

criança pelo critério etário e pelo aspecto biológico.” (Andrade, 2010, p.53) e, ao entrar no ensino

fundamental, com 6 anos de idade, essa criança, passa a ser referida como um aluno,

tanto na lei, como em muitas escolas também, juntamente com crianças mais velhas e

adolescentes, é muito comum que em algumas escolas o tempo não seja pensado para as

crianças e suas necessidades, e “entender que as pessoas são sujeitos da história e da cultura, além

de serem por elas produzidas, e considerar os milhões de estudantes brasileiros de 0 a 10 anos como

crianças e não só estudantes, implica ver o pedagógico na sua dimensão cultural, como conhecimento,

arte e vida, e não só como algo instrucional, que visa ensinar coisas.” (Kramer, 2007, p.19)

Esse tipo de situação da falta do tempo para as brincadeiras ou da falta de uma

estrutura adequada para as mesmas acontece por diversas razões, inclusive pela pressão

de familiares e autoridades por resultados. Desde o seu primeiro ano no ensino

fundamental as crianças passam por processos nunca vivenciados antes, como

avaliações e a busca por resultados. Para o MEC, no documento do PNAIC, o Pacto

nacional de alfabetização na idade certa, um programa feito para os professores da rede

pública , a idade ideal para a criança ser alfabetizada é até os 8 anos de idade, no final

do terceiro ano do ensino fundamental, mas desde o primeiro ano é esperado que as

crianças sejam alfabetizadas o quanto antes, o que pode gerar nervosismo e sentimento

de insegurança nas crianças, além da imposição de um ritmo de aprendizado,

esquecendo-se que cada criança possui sem tempo e sua individualidade.

Sabemos que a ampliação dos anos do feita no ensino fundamental foi criada

para que mais crianças fossem para a escola, diminuindo assim o número de crianças na

rua e/ou fora da escola, porém, além desse pensamento, é preciso cuidado com as

crianças que vão para essa escola tão pequenas, não basta apenas colocá-las em uma

instituição de ensino que vai prepará-las para a vida adulta, mas pensar em um lugar que

vai recebê-las e preservar seu direito de ser criança. Para Kishimoto, “muitas políticas

públicas continuam privilegiando a igualdade de condições e educação ‘igualitária’. Não percebem que a

diversidade marca o mundo dos seres humanos, que os contextos educativos são plurais e requerem

soluções – também plurais. Ignoram que as crianças tem múltiplas vozes e que precisam de estratégias

diversas para a educação. A equidade representa a oportunidade a todas as crianças no âmbito da

diversidade.” (2007, p.68)

Na Lei de Diretrizes e Bases, lei em que a educação infantil passa a ser parte da

educação básica no ano de 1996 e que apresenta a modificação do ensino fundamental

de 9 anos em 2006, e a obrigatoriedade do acesso à escola a partir dos 4 anos de idade

em 2013, o ensino básico se organiza da seguinte forma: pré-escola, ensino fundamental

Page 16: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

16

e ensino médio. Neste documento a educação infantil recebe uma seção própria, a Seção

II Da Educação Infantil, que conta com pontos importantes como o Artigo 29 que diz “A

educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da

criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a

ação da família e da comunidade.” , porém, as informações que encontramos sobre a

educação infantil na LDB se limitam apenas aos dados sobre permanência e acesso às

escolas de educação infantil, com exceção de um dado importante, sobre a avaliação da

educação infantil que acontece através de registros de seu desenvolvimento, mas sem o

objetivo de promoção ou classificação de notas e nem mesmo de acesso para o ensino

fundamental.

Porém, com a transição da pré-escola para o ensino fundamental algumas

mudanças acontecem, como por exemplo as cobranças para a alfabetização e ensino

matemático, que já eram cobradas por alguns pais de crianças na pré-escola, mas agora

são somadas com as políticas públicas , e junto com elas avaliações internas e externas.

As provas internas são feitas pelas professoras para compreender em qual nível de

aprendizado o aluno está e as avaliações externas como a “provinha Brasil” e o

“Saresp” são utilizados para através dos resultados ranquear as escolas, porém esse

tipo de prova acaba, inclusive trazendo resultados negativos, principalmente para a

criança, pois é aparente o nervosismo das mesmas quando o assunto da prova é tocado

em sala de aula, elas se sentem ansiosas, com medo e até mesmo com a auto- estima

abalada, em experiências em sala de aula com uma turma do ensino fundamental no ano

de 2016 ouvi diversos comentários vindos de crianças como “Nossa, é muito difícil!

Não vou conseguir!”, isso se torna mais grave se nos lembrarmos que na educação

infantil elas não passaram por experiências como essa. Porém, não se trata apenas dessa

forma de avaliação, como citado por Nascimento “ podemos ver o ensino fundamental de nove

anos como mais uma estratégia de democratização e acesso à escola. Por outro lado, tal leitura não dá

conta da realidade e da multifatorialidade que influenciou tal decisão política e pedagógica. A Lei nº

11.274, de 6 de fevereiro de 2006, assegura o direito das crianças de seis anos à educação formal,

obrigando as famílias a matriculá-las e o Estado a oferecer o atendimento.” (2007,p.27) ,quando o

ensino fundamental de 9 anos teve início, a obrigatoriedade de matrícula de crianças

com 4 anos na pré escola ainda não acontecia, e muitas crianças ficavam fora da escola

até que completassem a idade adequada para ingresso no ensino fundamental, porém,

quando analisamos os muitos contextos é muito importante entender sobre esse ponto

de vista da criança estar na escola ao invés de estar na rua por exemplo, porém, essa

entrada na escola não precisa ser rude, afinal, se para uma criança que já estava em um

ambiente escolar as mudanças já são complicadas, para uma criança que nunca

frequentou a escola o processo poderia ser ainda mais difícil.

Nos documentos analisados foi possível perceber que há uma preocupação com

a integridade da saúde emocional dessa criança que acaba de mudar de escola. Perceber

que esse momento é delicado e que as práticas vivenciadas na educação infantil não

podem ser cortadas de repente faz toda a diferença para a vida escolar dessa criança. Há

uma atenção para essa fase na base nacional comum curricular e nas diretrizes

curriculares nacionais, principalmente com a recepção dessa criança na escola e na

elaboração de um currículo apropriado para as crianças que vão chegar na escola e que

antes estavam em um ambiente escolar totalmente diferente deste novo, “na perspectiva da

continuidade do processo educativo proporcionada pelo alargamento da Educação Básica, o Ensino

Page 17: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

17

Fundamental terá muito a ganhar se absorver da Educação Infantil a necessidade de recuperar o caráter

lúdico da aprendizagem, particularmente entre as crianças de 6 (seis) a 10 (dez) anos que frequentam as

suas classes, tornando as aulas menos repetitivas, mais prazerosas e desafiadoras e levando à participação

ativa dos “alunos” . A escola deve adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilidade às

crianças na sala de aula, explorar com elas mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar

pela literatura, utilizar mais materiais que proporcionem aos alunos oportunidade de raciocinar

manuseando-os, explorando as suas características e propriedades, ao mesmo tempo em que passa a

sistematizar mais os conhecimentos escolares.” (Brasil, 2013, p.121).

Objetivos como esses precisam ser levados a sério, principalmente no primeiro

ano do ensino fundamental, já que muitas vezes por cobrança de resultados da escola, da

legislação ou até mesmo da família, as crianças têm o seu direito de brincar, que já é

diminuído quando entram no ensino fundamental, ainda mais reduzido, como nas

semanas de avaliação escolar (interna ou externa) em que para que todas as atividades

sejam feitas dentro do prazo os momentos de brincadeira acabam sendo ainda mais

reduzidos o que acaba sendo muito prejudicial para a criança, segundo

Kramer(2007,p.38), o plano informal das brincadeiras possibilita a construção e a ampliação de

competências e conhecimentos nos planos da cognição e das interações sociais, o que certamente tem

consequências na aquisição de conhecimentos no plano da aprendizagem formal.

Sabemos que, segundo a Constituição Federal a educação para as crianças é um

direito e é um dever do estado e da família ,porém, vemos que ainda há muito para se

pensar e discutir, já que inclusive na constituição, a educação das crianças tem como

objetivo o “preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Pouco se fala da criança, a lei trata mais do ensino, como ele deve ser, como as escolas

devem funcionar, não há muita relação entre vida social da criança com a escola, como

escrito na lei: “Art.227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela emenda constitucional nº65, de 2010)”. Se

tratando da vida escolar das crianças, um dos pontos mais importante da Constituição é

a de que é nesse documento que a educação se torna responsabilidade do Estado, porém,

o dever da escola não deve se limitar apenas a preparação para o mercado de trabalho, é

necessário pensar nos direitos dessas crianças, quem são essas crianças e o que elas

precisam enquanto crianças, já que, segundo o estatuto da criança e do adolescente a

pessoa é criança até os 12 anos de idade, e elas possuem o direito de brincar, de ser

respeitada, e participar das atividades da comunidade sem discriminação por suas

origens. Para Díaz (2011,p.258), “a instituição escolar foi bem mais o lugar de constituição da

infância humana que o lugar de sua acolhida: as crianças tornaram-se infantes através do disciplinamento

exaustivo da escola.”

Devemos nos lembrar que para muitas crianças, a escola é o único “refúgio” que

possuem, um único lugar para brincar, e quando se tem 6 anos de idade, a necessidade

do brincar se torna ainda maior, como já citado antes, a brincadeira é também uma

forma de aprendizado e auxilia fortemente no desenvolvimento cognitivo e social da

criança. Portanto, precisa-se de escolas que não passem apenas pilhas de conteúdos para

as crianças, mas que as acolha, as escute e as ajude.

Page 18: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

18

Mesmo com as dificuldades existentes, ficamos satisfeitos ao saber que existem

documentos que possuem uma cautela com essa valorização da infância, como já citada

anteriormente, a base nacional comum curricular, que é um documento de uso

obrigatório por escolas no país inteiro (municipais, estaduais e particulares) e é

considerado referência por causa de sua implementação que garante igualdade no ensino

brasileiro, fator que é muito importante já que o Brasil é um país com diversas

divergências sociais, toca no importante assunto de proporcionar que todos os alunos

tenham o direito a aprendizagem. É importante que um documento tão relevante possua

essa dedicação com as crianças de nosso país, o tempo, a autonomia, as vontades e

necessidades das crianças são a prioridade em um título que foi elaborado para a

educação das mesmas, há uma importância da criança como ser humano, e não apenas

como aluno. Nele, como a maioria das leis educacionais há um segmento para cada fase

educacional, mas o mais interessante é sua seção destinada para a transição escolar da

pré-escola para o ensino fundamental.

Para a base, é importante que tanto os professores da pré-escola, como os do

fundamental, elaborem conteúdos e atividades para esse momento, por isso possuem as

“sínteses de aprendizagem para a transição para o ensino fundamental” , nesse trecho

são oferecidas diversas atividades para essa etapa. O objetivo das atividades da síntese

são auxiliar a criança a expressar suas emoções, com a autonomia emocional, respeito

pelo outro durante os conflitos, respeito pelo ambiente escolar, agir em

equipe, respeitar e entender o diferente, promover sua autonomia em atividades

escolares, pessoais e higiene, o conhecimento do corpo e seus movimentos,

conhecimento de cores, sons, texturas, expressão de suas ideias, compreensão e

utilização do vocabulário ligados à noções de grandeza, espaço, medidas, tempo. A base

sugere que os professores da educação infantil e do ensino fundamental se comuniquem

e troquem informações sobre as crianças: “Conversas ou visitas e troca de materiais entre os

professores das escolas de Educação Infantil e de Ensino fundamental – Anos Iniciais também são

importantes para facilitar a inserção das crianças nessa nova etapa da vida escolar.” (Brasil, 2017,p. 49)

1.1. A preparação de docentes para a educação infantil e ensino

fundamental O preparo dos professores, principalmente do professor do ensino fundamental

dos anos iniciais também é muito importante, afinal ele será o condutor dessa mudança

tão complicada. No ensino fundamental, as atividades do primeiro ano precisam ter

alguma articulação, ligação com as atividades feitas na pré-escola para que as crianças

possam ter domínio do que é proposto, além de minimizar os efeitos negativos que a

mudança brusca possa causar, é nesse ano também que as crianças começam a

argumentar, enriquecer seus diálogos com os pares e com adultos dentro e fora da

escola, pois é nessa fase que aumenta sua compreensão de si mesmo, do mundo e suas

situações. A escola tem responsabilidade de uma formação integral com as crianças, de

quebrar alguns costumes que não são bons para as crianças e às vezes as mesmas

possuem por causa de sua formação familiar, pelo meio social em que vivem, segundo a

Base, “É preciso considerar a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas sociedades

contemporâneas, incluindo a violência simbólica de grupos sociais, que impõem normas, valores e

Page 19: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

19

conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas presentes

na comunidade e escola.”. (Brasil, 2017, p.57)

Um ponto importante desse documento na fase do ensino fundamental é

separação dos anos iniciais dos anos finais, afinal, com a lei do ensino fundamental de 9

anos, as crianças acabam ingressando muito pequenas no ensino fundamental e

infelizmente muitas escolas, professores e até documentos pouco se importam com a

idade dessas crianças tão pequenas possuindo responsabilidades tão grandes, o que

acaba gerando um trauma em muitas delas. Nessa etapa do documento (referente aos

anos iniciais do ensino fundamental) há uma atenção especial com as crianças, citando

até mesmo a importância da presença do lúdico durante as aulas e atividades, para assim

introduzir de forma mais leve as crianças para um novo cotidiano, atividades, ambiente

e relações com a sociedade e mundo, é importante que a criança possa se expressar pois

é um processo importante para a oralidade e a escrita, a comunicação das crianças com

seus pares e adultos é essencial para o desenvolvimento de aprendizado.

É importante possuir um grande olhar não apenas para o ensino e o currículo

mas para a criança dentro e fora da escola e olhar também para quem são essas crianças,

qual é o seu contexto social, onde vivem, se elas brincam… “Que espaços e tempos estamos

criando para que as crianças possam trazer para dentro da escola as muitas questões e inquietudes que

envolvem esse período da vida? As peraltices infantis têm tido lugar na escola ou somos somente a

“polícia dos adultos”?” (Nascimento,2007,p.28) Vivemos em um país com muitas diferenças, e

logo, diferentes concepções de infância, e é importante que a escola acolha a todos

igualmente. É extremamente necessário que haja um interesse da escola por conhecer

essas crianças para atendê-las da melhor forma possível.

A educação infantil, que segundo a definição contida nas diretrizes curriculares

nacionais é a “primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escola, às quais se

caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais

públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em

jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e

submetidos a controle social.”(Brasil, 2013, p.83), mas é obrigatória apenas para as crianças a

partir dos 4 anos, na pré escola. Porém, na base são apresentados os benefícios da

presença das crianças estarem na creche desde bebês , afinal, a creche não é apenas um

lugar onde os responsáveis deixam suas crianças, mas sim um lugar muito importante

para o desenvolvimento, lá elas vivenciam o convívio com crianças e adultos

diferentes, o que é extremamente importante para o conhecimento de outras culturas e

linguagens, aprendem sobre si mesmo, tem sua imaginação estimulada, conhecem

sensações, formas, cores, texturas, sons, estórias, natureza, desfrutam de diversas

brincadeiras novas e diferentes em espaços espaçosos e feitos para esse momento de

brincadeira, tendo seus sentidos cognitivos, sensoriais, intelectuais se desenvolvendo,

tendo uma valorização de sua infância, sendo permitidas de ser criança.

É na educação infantil, durante as brincadeiras que a criança passa por

momentos interculturais, já que na maioria das vezes, durante seu divertimento e suas

brincadeiras de “faz de conta” a criança mostra por gestos ou por frases momentos de

seu cotidiano em casa, trazendo características de sua família para a brincadeira, é

possível notar quando há ou falta atenção para elas em casa, quando possuem pais

violentos ou carinhosos, as atividades que estão presentes na rotina de cada família,

Page 20: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

20

assim, quando a criança brinca, ela mostra um pouco de sua cultura e tradições

familiares para seus pares e vice versa, muitas coisas são captadas e adaptadas durante a

atividade, uma criança traz uma experiência, que é misturada com a experiência de

outra criança e assim seu conhecimento cultural aumenta a cada dia.

Tudo que ali acontece é aprendizado, e é extremamente importante, desde bebê

com atividades sensoriais e auxílio no reconhecimento do seu nome quando é chamado,

até quando está finalizando a pré-escola, com atividades relacionadas à leitura,

atividades pensadas pelos educadores para que facilite sua coordenação motora quando

for escrever com o lápis, entre muitas outras, que são todas elaboradas para algum

aprendizado e desenvolvimento das crianças aprendendo sobre oralidade e escrita, se

preparando para a chegada ao ensino fundamental, de forma indireta, claro, afinal a pré-

escola jamais deve ser um “curso preparatório” para o ensino fundamental, e sim uma

fase única e muito importante na vida escolar.

A leitura de estórias para as crianças é uma atividade frequente na educação

infantil, mas é principalmente na pré-escola (4 anos-5 anos e 11 meses) que essa ação

ganha um objetivo: o início da alfabetização, segundo a base nacional comum: “ Ouvir a

leitura de textos pelo professor é uma das possibilidades mais ricas de desenvolvimento da oralidade, pelo

incentivo à escuta atenta, pela formulação de perguntas e respostas, de questionamentos, pelo convívio

com novas palavras e novas estruturas sintáticas, além de se construir em alternativa para introduzir a

criança no universo da escrita. [...] Sobretudo a presença da literatura na educação infantil introduz a

criança na escrita: além do desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da

ampliação do conhecimento de mundo, a leitura de histórias , contos, fábulas, poemas e cordéis, entre

outros, realizada pelo professor, o mediador entre os textos e as crianças, propicia a familiaridade com

livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem de

direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse convívio com textos escritos, as

crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas

e, à medida que vão conhecendo letras, em escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da

compreensão da escrita como representação da oralidade.”(Brasil, 2017, p.37). A partir da nossa

pesquisa de campo também presenciei o hábito da leitura em sala de aula, que parecia

muito saudável para as crianças, principalmente porque se elas podiam conversar sobre

as estórias contadas em sala, desenvolver sua imaginação.

Tratando-se do currículo escolar que é sugerido para os educadores, as

informações podem ser encontradas nas diretrizes curriculares nacionais para a

educação infantil são vinculadas às diretrizes curriculares da educação básica, além da

concepção de educação infantil, propostas e objetivos da educação infantil, propostas

pedagógicas. Desde a constituição federal, onde a Educação Infantil passou a ser vista

como direito das crianças e dever do Estado a educação das crianças tem recebido mais

atenção e um olhar mais cuidadoso, e as diretrizes curriculares nacionais para a

educação infantil podem provar isso, afinal é um dos poucos documentos que não

visam apenas a educação infantil como uma simples parte da educação básica, mas

como processo necessário e importante para a formação da criança, e, segundo o

documento, um dos eixos principais da educação infantil é a brincadeira, orientando aos

profissionais das escolas de educação infantil enquanto o brincar, a imaginação e o

lúdico são essenciais para a formação da criança, que também é muito respeitada na lei. “2.2 Criança: Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que

vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa,

experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.”.

Page 21: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

21

(Brasil, 2009, p.12) .Assim ,é possível ver o reconhecimento da criança como indivíduo

que possui suas próprias escolhas, personalidade e autonomia, e que a educação infantil

não é apenas um local para o “depósito de criança”, mas também de cuidados,

brincadeiras e interação social. É possível encontrar na DCNEI, informações

importantes sobre a educação infantil como a faixa etária (0-5 anos de idade, com

obrigatoriedade a partir dos 4 anos de idade) , o processo de avaliação, vagas e

matrícula, e jornada escolar.

A DCNEI possui uma concepção de proposta pedagógica e nela existem ideias

que são consideradas ótimas para a prática nas escolas de educação infantil. É nela que

vemos a importância do brincar, já que um de seus principais eixos é a brincadeira, a

importância das interações sociais com crianças e adultos, a importância da autonomia

em atividades cotidianas. Na proposta pedagógica da DCNEI as atividades que

estimulem seu desenvolvimento físico e intelectual, o acesso à leitura e às estórias, o

incentivo pela curiosidade, o encantamento, o contato com o lúdico, contato com

diversos tipos de artes como música, dança, pintura, interações sociais da criança, a

igualdade de oportunidades para as crianças de diferentes classes sociais , a interação da

escola com a família, o oferecimento de recursos para que as atividades possam ser

realizadas, além do respeito para com as crianças e suas singularidades e seu ritmo.

Além do pensamento voltado para as crianças e suas necessidades, outras

considerações importantes também são feitas, como por exemplo o espaço físico dentro

das creches e escolas de educação infantil, tudo é pensado para as crianças, o que vai

facilitar seu deslocamento pelo espaço, a altura dos brinquedos para que elas mesmas

possam alcançar ou não, dependendo do material. A DCNEI não possui os conteúdos

que devem ser passados para as crianças como a Base Nacional Comum Curricular, mas

sim trazer para os educadores a forma de como a criança e a sua infância podem ser

valorizados nas atividades do cotidiano escolar. Tratando-se da transição da pré-escola

para o ensino fundamental, a DCNEI cita que para que esse processo delicado ocorra de

forma tranquila para as crianças, é preciso uma continuidade dos projetos , não como

um preparo para o ensino fundamental, mas que é necessária a integração entre

educadores da educação infantil e do ensino fundamental para que não haja uma

mudança brusca, se houver a continuidade, a situação será benéfica para crianças e

educadores. Essa continuidade também é citada nas diretrizes nacionais curriculares

para o ensino fundamental , se tratando dos anos iniciais, é necessário uma presença de

conteúdo lúdico e de atividades que sejam parecidas com o que estava sendo trabalhado

antes, é tratado como um “percurso continuo de aprendizagens” , a DCNEF, assim

como a DCNEI também está bastante comprometida em assegurar para as crianças

seus direitos humanos e de cidadania, além do respeito pelo ritmo de cada criança,

buscando sempre métodos para auxiliar na aprendizagem da criança com dificuldade,

para que todos tenham o mesmo direito de educação. Se tratando da avaliação,

encontra-se uma divergência, pois, na DCNEF a avaliação, inclusive a avaliação externa

é parte integrante do currículo, trazendo a mesma sensação de pressão e de

posicionamento dos alunos.

Quando exploramos a fundo nossos documentos, vemos o quanto é grande o

contraste entre o tratamento que as crianças recebem quando estão na educação infantil

e quando estão no ensino fundamental, mesmo com o avanço do debate sobre a

Page 22: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

22

transição escolar vemos o quanto é ainda existem diferenças, desde o currículo escolar,

o ambiente em que estão, como por exemplo a liberdade e o espaço para brincadeiras

que existe na educação infantil se transforma em uma sala de aula com mesas e cadeiras

grandes, janelas com grades e pouco espaço para correr, dançar e imaginar. o tempo

para brincadeiras também diminui, na educação infantil, as brincadeiras ao ar livre

como no parque ou pátio que aconteciam todos os dias, diminui para 2 vezes na semana,

além do afeto e do olhar com cuidado que existia antes, parece diminuir e em muitas

vezes até sumir em muitas escolas. “As crianças possuem modos próprios de compreender e

interagir com o mundo. A nós, professores, cabe favorecer a criação de um ambiente escolar onde a

infância possa ser vivida em toda a sua plenitude, um espaço e um tempo de encontro entre os seus

próprios espaços e tempos de ser criança dentro e fora da escola.” (Nascimento, p.31,2007) . A

transição precisa ser planejada com mais carinho pois é uma mudança drástica para os

pequenos, o que resulta muitas vezes em casos de “indisciplina”, conflitos entre os

pares, baixa auto-estima e dificuldades de aprendizagem, o que é resultado da falta de

atenção para com eles e de políticas públicas focadas na garantia dos direitos das

crianças.

Podemos ver atualmente o quanto a falta de atenção para o ponto de ser criança

pelas autoridades vem trazendo perdas principalmente para as crianças, é necessário que

existam objetivos voltados para além da formação do ser humano para o trabalho,

afinal, se pensarmos de forma literal, não é difícil perceber o quão cruel e prejudicial

pode ser transformar uma criança em um mini adulto, pressionar profissionais de

educação por resultados que não respeitem o lúdico e o tempo de cada criança.

Page 23: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

23

Capítulo II O fundamental de 09 anos – tergiversações

Uni duni te,

Salame minguê,

Um sorvete colorê,

O escolhido foi você.

2. As vivências na Educação infantil Quando criada, a lei nº 11.274 para que o ensino fundamental passasse a ter 9

anos de duração foi apresentada pelo MEC(2006) como uma forma de assegurar a todas

as crianças um tempo mais longo no convívio escolar, mais oportunidades de aprender e

um ensino de qualidade. A ideia do convívio escolar para muitas crianças que não

tinham o seu direito de acesso à escola assegurado é ótima, porém, por que não tornar

obrigatório o acesso da criança de 6 anos na educação infantil? Quais os objetivos

previstos para tal ação? Pensou-se de fato, nas crianças? As metodologias de ensino

nesse âmbito escolar são diferentes das metodologias da educação infantil? Como

ensinar conteúdos sérios para crianças tão pequenas?

Iniciamos esse capítulo, que trata de nosso trabalho empírico da mesma forma

que realizamos esta parte do trabalho, com muitos questionamentos sobre como seria o

ensino adequado para as crianças brasileiras, principalmente pois diferentemente da

primeira fase da pesquisa empírica na escola de educação infantil, na escola de ensino

fundamental eu não conhecia a professora da escola, portanto, observar como toda a

situação iria acontecer causou bastante curiosidade.

Com a pesquisa empírica, a ideia foi acompanhar um grupo de crianças

enquanto estavam na pré-escola em 2016 e no ano seguinte, em 2017, acompanhá-las no

1º ano do ensino fundamental para percebermos na prática os efeitos dessa mudança de

ambiente e práticas escolares nas crianças, além do ato de reflexão sobre esse modelo

escolar e o olhar que as infâncias brasileiras têm recebido das escolas e das autoridades.

Para realização da pesquisa adotamos os seguintes passos metodológicos: observação e

as entrevistas com educadores, as crianças não foram entrevistadas, utilizamos apenas

os diálogos que observamos entre criança-criança e criança-adultos e leitura de

documentos oficiais da escola e registros das educadoras. Separamos em duas etapas

para que através da observação das crianças na pré-escola pudéssemos analisar melhor

como seria a experiência do ensino fundamental para as mesmas, visto que o foco de

nossa pesquisa é pensar como a transição é vivida e sentida pelas crianças.

A Pré-Escola

A primeira etapa desse trabalho empírico foi a partir de uma pesquisa não participante,

realizada em uma escola pública de educação infantil no município de Campinas ,

acompanhando uma turma da pré-escola com crianças com idade entre 4 e 5 anos. Para

a realização da pesquisa também li o projeto político pedagógico da escola feito pela

gestão escolar, professoras e funcionários para obter informações sobre o local

(Campinas,2015). A escola fica em um bairro periférico da cidade de Campinas,

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24

atende cerca de 270 crianças entre 0 e 5 anos , e possui diversos espaços lúdicos e muito

espaçosos para a realização de diversas brincadeiras, os espaços em que as crianças

passavam a sua semana são: seis salas de aula, um solário, um pátio coberto, parque de

areia, brinquedoteca e até mesmo os banheiros eram adaptados, com peças adaptadas

para o seu tamanho.

Como realizei o meu estágio de gestão escolar nessa escola durante um ano,

reparei que é uma escola muito procurada pelos moradores da região, presenciei

semanalmente a visita de diversas mães precisando de vagas para que pudessem

trabalhar e deixar suas crianças na creche, porém a escola se encontrava com as turmas

cheias, com cerca de 25 a 28 crianças para apenas um adulto, no caso, a professora por

sala no agrupamento III, a pré-escola, e muitas crianças entravam a partir da ordem

judicial, portanto as turmas eram numerosas, as turmas do agrupamento III não

chegavam ao ponto de exceder o número limite de crianças por turma pois a escola

possuía 6 turmas, mas mesmo assim a turma pesquisada possuía o número máximo de

crianças, já o agrupamento II por exemplo, com crianças de 2 e 3 anos , tinha cerca de

até 6 crianças a mais por turma.

Considerei importante analisar com mais cuidado as metas pedagógicas da

escola , que são as seguintes: Repensar as festas e comemorações com o intuito de não se perder o

imaginário infantil; Trazer apresentações para as crianças de dança, música, canil da guarda municipal,

banda da PM, etc; Palestras para os pais sobre conflitos, mordidas, educação dos filhos, limites, e

planejamento familiar; Promover mais momentos de integração entre a família e a comunidade; Continuar

projeto muro (espaço sensorial, jardim com mudas, envolvendo tanto metas pedagógicas quanto

estruturais); O grupo ainda precisa cuidar do coletivo, espaços . – (Campinas,2015, p.53)

Na 3ª versão da Base Nacional Curricular Comum (2017), um dos eixos

principais da educação infantil é a brincadeira, o lúdico, e a primeira meta do projeto

pedagógico da escola trata-se das festas das crianças, que deve ser preparada para elas,

para que não se perca o imaginário infantil, assim, vemos que o foco da escola é de ser

um ambiente bom principalmente para as crianças. Uma outra parte importante para

minha análise foram os propósitos da Unidade Escolar, que já se inicia com um texto de

Gianfranco Zavalloni (2015) sobre os direitos das crianças, após isso a comunidade

escolar trata da criança no documento como um “pequeno sujeito histórico”, entende-se

que cada criança possui uma personalidade, crianças são diferentes e possuem infâncias

diferentes e é dever dos educadores mostrarem, através da própria convivência que

existem as diferenças e ensinar a respeitá-las, mais que isso, que o educador saiba

que, cada criança possui uma particularidade, sabendo lidar com elas e não tratando

todas como um todo, respeitando o tempo, diferenças e necessidades de cada criança.

No próprio projeto pedagógico da creche são citadas as leis da educação infantil, como

no seguinte trecho: “A importância da infância está presente nas políticas públicas e programas que

visam promover e ampliar as , condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças, que

passaram a ocupar lugar de destaque na sociedade.” (Campinas, 2015, p. 58)

Toda a estrutura física do local também é pensada sempre em primeiro lugar nas

crianças que estão ali todos os dias, nas metas da U.E. estão presentes diversas

propostas de melhorias no ambiente para que as crianças consigam praticar sua

autonomia e se sintam confortáveis, além de melhorias para a segurança das crianças.

As turmas da U.E. são multietárias, por exemplo, no agrupamento III as crianças têm

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entre 4 e 5 anos, e segundo o documento escolar essas turmas com idades que não são

exatamente a mesma podem ser muito boas para as crianças, já que as mais velhas

podem auxiliar os mais novos em atividades ainda não conhecidas por eles e exercer

autonomia, cumplicidade e os mais novos aprender com os mais velhos, além do

compartilhamento de conhecimento de ambos, já que vieram de casas, culturas e turmas

diferentes.

A turma que acompanhei era formada por 28 crianças e uma professora, e

ficavam em uma sala de aula espaçosa com uma metragem de 33.90, onde as crianças

realizavam suas atividades e brincadeiras. Havia apenas algumas mesas pequenas

(imagem 1) além da mesa da professora, para que as crianças fizessem suas lições e

desenhos , assim, as crianças utilizavam as mesas aos poucos, cerca de 6 crianças de

cada vez , enquanto algumas faziam a lição na mesa, as outras brincam, os “grupos” vão

se revezando até que todas realizem a atividade, geralmente algum desenho, que a

professora passou para a turma. Apesar da sala possuir brinquedos, ser espaçosa e com

acesso para uma área externa, o modelo da sala de aula já possuía referências de uma

escola mais tradicional, com mesas e cadeiras além das letras do alfabeto na parede,

dando a entender que já preparava a criança para uma futura transição, já que possuía

vestígios de um ambiente infantil, mas também de uma sala de aula tradicional.

Mesmo com a “ordem” de fazer a lição dada pela professora, pude notar que há

muito respeito pela autonomia das crianças, a professora não obrigava as crianças, mas

incentivava-as , usava um diálogo que mostrava para a criança que ela deveria fazer as

atividades, mas sem o abuso de poder professor-aluno , em alguns diálogos, a

professora sugeria que a criança fizesse a atividade “João*, que tal vir aqui na mesa

fazer o desenho junto com os colegas?” , com esse método, praticamente todas as

crianças iam realizar as atividades por livre e espontânea vontade, quando alguém

entregava a lição a professora olhava se a criança havia colocado o nome e a data (que

estava na lousa), se não, ela pedia para que a criança escrevesse e chamasse o próximo

colega que ainda não havia feito a atividade para a mesa.

Page 26: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

26

Imagem 1

Grande parte das crianças da turma, principalmente as que iriam para o ensino

fundamental no ano seguinte já sabiam escrever o próprio nome, conheciam algumas

letras e números através de atividades dadas pela professora em folhas e na lousa. A

maioria das atividades era baseada em leituras de livros feitas pela professora ou

atividades como os passeios e/ou projetos da escola e turma, onde as crianças podiam

desenhar sobre. Assim que terminam as lições, as crianças podem retornar para as

brincadeiras, que acontecem em sua maioria na sala de aula, que possui uma grande

quantidade de diversos brinquedos como bonecos e bonecas, jogos (quebra cabeça,

jogo da memória, jogos que auxiliam raciocínio e coordenação motora,etc) ,fantasias,

acessórios, maquiagem, carrinhos, mini cozinha e jogos com peças para montar, a

maioria encontrava-se em locais e alturas de fácil acesso para as crianças, com exceção

de alguns jogos de letramento que ficavam em uma prateleira mais alta que apenas a

professora tinha alcance. (Imagem 2) Os brinquedos da sala eram utilizados pelas

crianças do período da manhã e da tarde, a escola destinava um dinheiro para a compra

dos brinquedos da sala uma vez por ano, e as professoras, em decisão conjunta e a partir

de conversa com as crianças sobre os brinquedos desejados compravam os brinquedos

escolhidos.

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27

Imagem 2

Na hora da brincadeira as crianças ficam em diversas partes da sala, mas

especialmente em um tapete grande que era estendido no chão para esses

momentos, perto dos brinquedos. É possível observar como as crianças trazem

elementos que vivenciaram em casa ou na escola para essa ação. Elas utilizam

acessórios, fantasias, bonecas, utensílios que imitam objetos utilizados por adultos, e,

uma dessas brincadeiras de “faz de conta”(Imagens 3 e 4). Uma cena em especial me

chamou a atenção, onde duas meninas com cerca de 5 anos de idade fingiam estar em

uma escola, uma delas fingia ser a professora, possuía uma postura mais séria, porém

muito simpática, como se de fato estivesse em seu ambiente de trabalho, a outra,

segurando uma boneca, representava uma mãe com sua filha, dialogavam sobre uma

excursão para o aquário de São Paulo, a “professora” estava passando informações

sobre o passeio para a “mãe”. A brincadeira me chamou atenção, pois, uma semana

antes, houve de fato na escola uma excursão para o aquário de São Paulo.

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28

Imagem 3

Imagem 4

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29

Estar na sala acompanhando as vivências da turma foi uma experiência muito

importante para ver na prática a importância das brincadeiras, da interação social que

era formada ali. Outro momento muito agradável para as crianças era a hora da

contação de estórias: todas as crianças se sentavam no tapete ao redor da cadeira da

professora, que todos os dias lia um livro diferente para a turma, ela lê e mostra as

figuras do livro para as crianças, que que ficam atentas o tempo todo, depois da leitura,

a professora conversa com as crianças sobre o livro, permite que as crianças comentem

sobre o que gostaram na estória, as personagens, etc. Em uma tarde de leitura, após um

livro sobre animais a professora perguntou para as crianças quais animais elas gostariam

de ser, causando uma grande empolgação nas crianças que queriam responder e falar

sobre os animais, com mediação da professora, que organizava a ordem de quem iria

falar, quem sentia vontade fala qual animal seria, alguns queriam ser onça, golfinho,

baleia, cachorro...

As crianças gostavam muito de leitura, possuíam grande interesse pelos livros , e

tinha o nome de “turma do sítio” , referente a obra “sítio do pica pau amarelo” . A

turma, denominada assim por escolha das próprias crianças através de votação das

crianças passava por um processo de interação entre escola, crianças e família muito

interessante: o mascote da turma, um boneco do saci, acompanhava toda uma semana

uma criança em sua casa junto com um caderno, que deveria voltar com um desenho

feito pela criança junto com um registro escrito feito pela família, logo, uma forma de

letramento, sobre como foi a estadia do mascote em sua casa. , incentivava ainda mais a

leitura e a aproximação da escola com a família. A professora me relatou que as

crianças esperavam ansiosamente não só para levar o saci para casa, mas também para

saber como foi para os amigos tê-lo em sua casa. Os desenhos eram muito caprichados,

e os registros feitos com muito esmero pela maioria das famílias. Acompanhando a

turma, conheci os outros projetos em que eles estavam envolvidos: o projeto muro em

que as crianças plantavam temperos e hortaliças em um jardim vertical, cuidavam da

plantação e depois colhiam comiam os produtos em suas refeições e o projeto jornal

onde as crianças junto com as professoras faziam uma espécie de jornal com notícias

sobre a escola.

Com a leitura de documentos feitos pela professora, notamos que haviam várias

formas de introduzir a prática de letramento naquela turma, seja pelo alfabeto que ficava

acima da lousa, pelo uso dos crachás com nomes, da escrita na lousa com a data dos

dias, a leitura de livros com estórias, e o projeto jornal, que contava com produções

feitas pelas crianças, que eram realizados com animação pelas crianças, principalmente

as que iam para o ensino fundamental no ano seguinte. A literatura era a forma de

letramento mais utilizada pela professora, que contava estórias para as crianças todos os

dias, causando nas crianças uma imensa curiosidade pela leitura, além dos livros lidos

pela professora, na sala havia uma estante com livros e revistas que as crianças podiam

pegar, olhar, ler de sua maneira (Imagem 5).

Page 30: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

30

Imagem 5

Um momento marcante foi também a festa de aniversário que acontecia na

escola no final de todo mês para os aniversariantes, não presenciei esse momento

enquanto estava na pesquisa de campo, mas sim ao longo de 2016 durante o estágio de

gestão escolar. A festa acontecia no recreio, e ao invés do almoço tradicional eram

servidas comidas diferentes como lanches, pães de queijo, suco e claro, o bolo de

aniversário. As crianças aniversariantes do mês iam para a mesa do bolo para receber os

parabéns dos coleguinhas das turmas, como em uma festa tradicional de aniversário, um

momento simples, mas de grande importância para muitas crianças que estavam ali,

para muitos era a única ocasião para uma festa e comer algo diferente, e se sentir

especial, recebendo atenção e as professoras sempre respeitaram e cuidaram muito desse

momento, junto com a equipe escolar para que a festa sempre acontecesse. No dia da

festa o tempo de recreio era prolongado, as crianças podiam inclusive ir para uma sala

decorada e com música dançar. Em alguns meses, como em outubro, as festas eram

temáticas, neste mês o tema foi dia das bruxas e as crianças e professoras foram

fantasiadas.

Page 31: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

31

Se tratando da relação entre escola e família, notei que na educação infantil essa

união parece ser mais forte que em outros momentos da vida escolar da criança, o

diálogo entre responsáveis e professora era frequente (através de bilhetes ou

pessoalmente nos momentos de entrada e saída da escola), e em reuniões de pais, onde a

maioria dos responsáveis pelas crianças compareceu em uma reunião em que estive

presente. A professora marcou um horário para conversar com cada responsável por

cada criança, tendo assim um momento dedicado apenas a essa criança. No encontro

com os responsáveis a professora falava sobre o desenvolvimento escolar da criança,

seu comportamento, e os pais também se demonstravam muito interessados, faziam

perguntas e ouviam atentamente as palavras da professora, muitas mães falavam da

família, do ambiente em que a criança se encontrava, e a professora muitas vezes

também aconselhava os pais sobre o tratamento para com a criança ,como a separação

de um momento para brincadeiras e diálogos em casa , sobre atividades que poderiam

fazer juntos e atividades que poderiam melhorar a convivência de ambos, era possível

ver uma união entre escola e família, o que é extremamente importante para o

desenvolvimento de toda criança.

O ambiente da escola de educação infantil era espaçoso e com luz solar já que a

todas as salas possuíam uma área externa além do pátio que era grande e mesmo coberto

possuía as laterais abertas, deixando o ar fresco para crianças e bebês, as crianças

também possuíam muito autonomia para andar e explorar pelos espaços da escola por

causa de sua estrutura física: todos os móveis e brinquedos que ali estavam eram

planejados especialmente para o uso de crianças pequenas, desde as cadeiras da sala e

refeitório até as pias e bebedouros para lavar as mãos, os ambientes muito arejados,

janelas abertas e com saída para uma pequena varanda, tapetes macios para que possam

sentar, brincar, descobrir estórias em um local confortável, tornando o ambiente de

aprendizado e brincadeiras ainda mais prazeroso, brinquedos ao seu alcance em diversos

lugares da sala, a existência de mais de um parque, tudo muito direcionado para o seu

direito de brincar e de ser criança.

As crianças tinham uma rotina no ambiente escolar, todos os dias, no começo

da aula a professora fazia a roda com as crianças para conversarem sobre diversos

temas, as crianças compartilhavam com a professora e os colegas seus sentimentos,

questionamentos, relatos de vivências fora da escola com a família, eram ouvidas. Após

esse momento as crianças iam para o almoço, sempre faziam fila para irem juntos

seguindo a professora, no corredor a professora e as crianças iam cantando músicas do

repertório de músicas lúdicas conhecidas na escola, já no refeitório eles faziam seus

pratos um de cada vez e comiam juntos. Após o almoço voltavam para a sala, faziam

sua higiene pessoal escovando os dentes, enquanto alguns alunos iam em grupos

pequenos as outras crianças ficavam na sala de aula brincando. Após o momento da

higiene a professora contava a estória, e dependendo do dia eles faziam as atividades

escolhidas pela professora e depois brincavam de forma livre ou vice versa.

Enquanto estive na escola, observei a constante alegria que as crianças sentiam

em estar lá, é claro, que às vezes ocorreram conflitos entre algumas crianças, a maioria

referente a brinquedos, mas tudo resolvido de forma muito prática, em que a professora

sempre os incentivava a dizer o que sentiam um para o outro, assim o conflito logo

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32

chegava ao fim e as crianças estavam brincando novamente. Existia uma grande relação

de união entre as crianças e seus pares e entre as crianças com a professora, em nenhum

momento observei a rotina como hierarquia, pelo contrário, o diálogo era sempre muito

bem didático para as crianças e a professora os respeitava como criança e ser

humano. A turma, que era volumosa, possuía crianças com diferentes valores culturais,

vivências sociais e concepções de vida, é impressionante ver como em apenas uma

turma podem haver tantos perfis diferentes. A maioria das crianças eram bem agitadas,

estavam em sua maioria do tempo brincando, falando alto, cantando, dançando, se

fantasiando. Alguns possuíam um perfil mais tranquilo, brincante, mas mais reservado,

outros eram mais aflitos, estavam envolvidos na maioria dos conflitos que aconteciam

na sala. Conflitos que, em sua maioria eram inevitáveis visto que eram crianças em fase

de descoberta e interações com crianças diferentes. Na maioria das vezes, após o

conflito as crianças envolvidas iam procurar a professora, que intermediava os conflitos

explicando para as crianças o que havia acontecido para que elas entendessem de forma

clara o que ocorreu, além do conselho para que as crianças falassem para o colega o que

estavam sentindo, resolvendo, na maioria das vezes de maneira rápida essas situações.

As crianças formavam um grupo unido, com afeto e cuidados umas pelas outras, além

do afeto pelos amigos das outras turmas, com amizades formadas através das interações

entre as turmas, ou até mesmo pelo carinho e cuidado com os bebês quando se

encontravam pelos corredores da escola.

As relações de afeto aconteciam também com os adultos da escola, como a

professora, as monitoras e professoras anteriores com quem conviveram em anos

anteriores, e também com os funcionários da escola, como as faxineiras e cozinheiras.

Eram abraços e sorrisos trocados com todas essas crianças e adultos que faziam com

que as crianças se sentissem queridas e amparadas na instituição.

A maioria das atividades realizadas pelas crianças era determinada pela

professora, como os projetos muro, uma espécie de jardim vertical e sensorial com

plantação de sementes e temperos plantados, regados e colhidos pelas crianças; o

projeto jornal onde as crianças construíam notícias sobre a escola e eram as próprias

“jornalistas” e o conteúdo da turma do sítio, em geral feitas de forma lúdica,

estimulando o brincar e a criatividade dos pequenos. Lendo os relatórios individuais de

cada criança feito pela professora foi muito interessante analisar como cada criança se

identificava mais com algum projeto em específico mas que todas estavam sempre

muito comprometidas a participar destes projetos.

As brincadeiras, como por exemplo o faz de conta acontecia em momentos

como o parque, pátio e também na sala de aula. Quando a brincadeira livre acontecia na

sala de aula, a professora utilizava o tempo para olhar os cadernos de recados das

crianças e enviar ou responder recados dos pais, arrumar atividades e os armários da

sala, além de mediar possíveis conflitos das crianças. Ela não podia supervisionar todas

as crianças proximamente nesse momento, já que era o único tempo no período das

13:00 às 17:00 para olhar o caderno de recados por exemplo, já que ela ficava sozinha

durante todo esse tempo com as 28 crianças.

Page 33: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

33

Em diálogo com a professora e com a observação da reunião de pais e

responsáveis que aconteceu em meu período de pesquisa, descobrimos também o amor

que as crianças sentiam pela escola e por estarem em um local onde podiam viver sua

infância livremente, sem empecilhos. Na reunião de pais, por exemplo, uma mãe

relatava para a professora: “Ele ama aqui, você acredita que esses dias, era domingo,

nós passamos aqui na frente e ele ficou desesperado querendo entrar? Não queria saber

se era domingo, queria ir pra escola.” , e durante o dia de reuniões ouvi relatos

parecidos com esse, o que me indagou uma série de questões, será que na futura escola

as crianças sentiriam essa mesma empolgação, esse mesmo amor em relação à

escola? Nos relatórios feitos no último trimestre a professora narrou que as crianças

que iriam para a escola no ano seguinte estavam muito entusiasmadas para ir para a

nova escola, já sabiam escrever seus nomes, conheciam algumas letras e falavam com

animação e ansiedade sobre a nova experiência. Para Dias e Campos (2015,p.3-9) “a

passagem da criança da educação infantil para o ensino fundamental se caracteriza pela força cultural do

mundo letrado na sociedade. Em busca não somente da razão de ser, mas de muitas outras razões da

própria existência humana, as crianças ingressam no universo escolar cheias de expectativas. Nesse

contexto, elas interagem com o novo, com o inesperado, e experimentam as vivências mais variadas

possíveis dentro do próprio grupo, com os adultos, os espaços e os objetos que constituem esses espaços.

Elas trocam conhecimentos sobre os acontecimentos que as rodeiam e as percepções acerca dos fatos de

seu cotidiano. Criam e recriam situações, compartilham risos e afetos, curiosidades e medos, dúvidas e

incertezas do desconhecido, bem como falam e agem com simplicidade.

Apesar da escola de educação infantil pesquisada possuir os momentos das

brincadeiras livres, brinquedos, momentos de brincadeira unido ao lazer e ao conforto, a

estrutura física das salas de aula das turmas da pré-escola possuem vestígios de uma

singela preparação para o ensino fundamental, ao analisarmos as fotos dos ambientes

entre pré-escola e ensino fundamental as salas de aula possuem mais traços semelhantes

que diferentes entre elas. Nos fazendo refletir se as escolas analisadas possuem tantas

diferenças como analisado nas leis.

2.1Vivência no Ensino Fundamental A Escola de Ensino Fundamental

No ano de 2017, no dia 22 de agosto, iniciei a segunda fase da pesquisa

empírica, dessa vez como pesquisadora participante em uma escola de ensino

fundamental onde a maioria das crianças da escola de educação infantil onde foi feita a

primeira etapa da pesquisa estavam estudando no 1º ano do ensino fundamental, já que

uma escola fica ao lado da outra. Fiquei coma turma 1º ano A, nessa turma haviam 30

crianças, 6 delas estudaram na escola de educação infantil e 3 fizeram parte da turma em

que fizemos a primeira fase da pesquisa. O turno escolar era das 7h da manhã até meio

dia, e dentre esse horário ao longo da semana, as crianças tinham além das aulas da

professora, aulas de artes e educação física, além de uma vez por semana visitarem a

biblioteca. Assim que cheguei na escola, o que mais me chamou atenção foi a diferença

da estrutura física entre as escolas, diferentemente do espaço da antiga escola, a escola

de ensino fundamental apresentava uma violência simbólica contra o movimento da

infância pois possuía grades nas janelas, uma sala de aula menor com mesas e cadeiras

bem maiores que o tamanho ideal para aquela faixa etária(imagem 6 e 7), e mesmo com

Page 34: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

34

o esforço da professora, que organizava as mesas da sala de forma dinâmica, onde as

crianças ficavam lado a lado, e não em fileiras diferente do tradicional , o espaço não

era adequado para crianças de 6 anos.

A sala também não possuía brinquedos, ou um espaço dedicado para as

brincadeiras. Segundo Froebel, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de

profunda significação (1912, p.55), portanto, esta ação deveria estar presente também no

cotidiano escolar dessas crianças de 6 anos de idade, e não ser eliminada de forma tão

brusca de um ano para o outro, como acontece atualmente na transição da educação

infantil para o ensino fundamental. Além da sala de aula totalmente diferente, as

crianças vão ao parque apenas 2 vezes por semana, assim, o único momento que as

crianças tem para brincar livremente todos os dias é durante o recreio, que contém 20

minutos. Notamos na prática como o tempo do brincar ia diminuindo ao longo da rotina.

Imagem 6

Page 35: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

35

Imagem 7

Apesar de nossa indagação sobre o espaço escolar, enquanto acompanhei as

aulas tive uma surpresa muito positiva, como já citado acima, a professora da turma se

esforçava muito para que a sala de aula não tivesse um ar pesado para as crianças.

Felizmente não encontrei situação de adultrocentrismo ou abuso de poder, pelo

contrário, desde meu primeiro dia notei uma situação de grande parceria entre a

professora e as crianças. A professora tratava a todos muito bem, com muito respeito,

ela escutava as falas das crianças, dialogava com animação, abraçava, se preocupava

com o bem estar das crianças e brincava, e esse foi um ponto muito importante em

nossa pesquisa, já que estamos debatendo como a inserção no ensino fundamental

atualmente é complicado para nossas crianças, é essencial que existam educadores que

possam ajuda-los nessa fase.

A preocupação da professora para com os alunos era visível em todos os

detalhes, desde a proximidade entre eles até o material, que é, em sua maioria, como

lápis de cor, giz de cera, canetinhas, cola, tesoura, apontador, era de uso coletivo. A

professora sugeriu para as crianças e suas famílias que o material que as crianças

ganharam da prefeitura fosse deixado em casa para que as crianças utilizassem em casa,

e trouxessem apenas o básico como lápis de escrever, borracha, etc. Essa forma de usar

o material coletivo é uma forma de que todas as crianças tenham chance de utilizar as

mesmas coisas, evitando assim situações de distinção social já que todos ali têm acesso

e utilizam os mesmos objetos, além de ser uma prática também utilizada na educação

Page 36: AS CRIANÇAS NOS TEMPOS E ESPAÇOS SOCIOEDUCATIVOS

36

infantil. Entretanto, encontrei situações difíceis, que irei relatar brevemente, em que a

professora não podia controlar como por exemplo, a cobrança pela alfabetização, as

avaliações, o pouco tempo para o brincar.

No dia em que cheguei à escola, em agosto, época de realização de avaliação, as

crianças estavam fazendo uma atividade no livro de ciências, algumas com bastante

dificuldade. As mesas estavam organizadas na sala em formato de “U”, uma mesa ao

lado da outra e algumas dentro do semi-círculo, também lado a lado, para que as

crianças pudessem interagir e se ajudar. A professora estava na frente da lousa

explicando a atividade e realizando junto com eles, e mesmo sendo o segundo semestre

do ano, algumas crianças ainda apresentavam muita dificuldade para lidar com o livro

didático, encontrar as páginas, seguir para a próxima atividade , entender que o que

estava na lousa precisava ser passado para o livro, em qual parte do livro deveria

escrever alguma palavra perdida na lousa... As crianças estavam agitadas e confusas,

algumas que entendiam tentavam ajudar os colegas, algumas outras crianças decidiram

não fazer a lição, brincavam com o material, puxavam assunto com o colega que estava

ao lado, passeavam pela sala. Ao longo dos dias, descobri que a professora, na maioria

das vezes respeitava muito os movimentos das crianças.

Enquanto ela passava lições ou fazia rodas de conversa, não exigia que todas as

crianças estivessem sentadas, quietas, com a postura “correta”. Não havia da parte dela

uma cobrança para que as crianças fossem comportadas e ficassem sentadas o tempo

todo, durante as atividades muitas vezes algumas crianças se dispersavam com algo,

não faziam a lição, mas em momento algum presenciei a professora obrigando alguma

criança a fazer a lição ou brigando para que a criança ficasse parada, muitas vezes,

durante atividades as crianças podiam andar pela sala de aula, tirar dúvidas com algum

colega, a professora pedia a atenção de todos no momento da explicação sobre alguma

atividade, entendia que para algumas crianças, esse sistema escolar ainda era muito

complicado era muito complicado para ser compreendido.

Notei como era difícil para as crianças ficarem tantas horas comprometidas com

atividades de conteúdo novo, copiar as lições da lousa para o caderno, entender as

questões e respondê-las em seguida, seguir todo o planejamento escolar, assim, as voltas

pela sala, a conversa com o colega ao lado, as brincadeiras com o material, olhar para o

lado de fora da janela eram ações frequentes.

Na maioria das vezes, as atividades passadas pela professora eram

atividades de português e matemática em formato de jogos. A professora organizava os

jogos entre os seguintes temas: matemática, em que as crianças recebiam continhas de

matemática e faziam juntas em seu caderno; jogos de matemática em que as crianças

jogavam o jogo do palito por exemplo, ou o “jogo da borboleta” com somas feitas

através de cartas de baralho; atividades de português em que as crianças escolhiam

livros para ler em conjunto ou sozinhas e depois podiam escrever frases, estórias; jogos

de português com jogos de formação de palavras e frases. Cada dia uma criança podia

escolher participar de um grupo diferente, a professora escrevia na lousa o nome de

cada atividade e perguntava quem queria fazer parte de cada grupo e as crianças

escolhiam. As atividades resultavam de forma muito positiva, até mesmo algumas

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37

atividades mais difíceis tornaram-se agradáveis para as crianças que a com a prática e

através da brincadeira aprenderam muito. Presenciei crianças fazendo contas, criando

estórias, formando palavras, aprendendo a escrever frases, da melhor maneira, sem

traumas.

As crianças da turma possuíam diferentes concepções de infância e a diferença

dessas concepções era nítida após observação de relatos das crianças em rodas de

conversa com a professora, diálogo com pares e pesquisadora e nas brincadeiras de faz

de conta. Mesmo que todas pertencessem ao mesmo bairro, a diferença entre a

constituição familiar, o tratamento que recebiam em casa de pais ou responsáveis, suas

rotinas, brincadeiras, vivências sociais, e muitas outras experiências eram totalmente

diferentes. O parque era o momento onde a maioria dessas interações acontecia e onde

pudemos constatar como essas concepções eram desiguais, nos fazendo relembrar que

crianças, todas ali são, mas quais delas têm uma infância? Para Andrade, “o termo infância

apresenta um caráter genérico, cujo significado resulta das transformações sociais, o que demonstra que a

vivência da infância modifica-se conforme os paradigmas do contexto histórico e outras variantes sociais

como raça, etnia e condição social.” (2010,p. 55). A escola precisa estar de braços abertos para

receber e acolher essa criança que muitas vezes não recebe a atenção que precisa em seu

lar.

Os dias do parque eram terça-feira e sexta-feira, causando nas crianças uma

grande ansiedade. A professora, todos os dias escrevia as atividades daquele dia na

lousa e mostrava para as crianças o que elas fariam. Quando as crianças sabiam que

teriam parque, ficavam a todo tempo nos questionando com perguntas como “tá

chegando a hora do parque?”, notava-se até mesmo pela linguagem corporal das

crianças a ansiedade que estavam sentido para o momento do parque, que infelizmente

não acontecia todas as semanas. Enquanto acompanhei a turma eles passaram por uma

semana de avaliações de português e matemática, e a professora me relatou que por

causa dos prazos para a entrega das avaliações das crianças elas ficaram sem ir ao

parque. Ao longo de toda manhã continuei escutando questionamentos como “tia, a

gente não vai para o parque mesmo?”. Quando as crianças não iam ao parque era

notável o quanto elas ficavam agitadas em sala de aula, porque estavam esperando o

momento do parque para brincar, e além de não irem precisam ficar em sala de aula

fazendo alguma atividade. Mesmo que a professora lhes dê autonomia e liberdade em

momentos como esse, a situação continua fatigante para as crianças por estarem em uma

sala pequena, cheia de mesas e sem brinquedos. Situações como essas são bem comuns

em escolas de ensino fundamental, e não devemos culpar os professores ou gestores da

escola, mas sim questionar o por quê da desvalorização do brincar e mais, refletir o

quanto é necessário que as políticas públicas deem importância para essa fase, e valorize

o brincar e seus benefícios para a vida da criança como o desenvolvimento de

raciocínio, criatividade, e que saiba o quanto a retirada desse direito pode empobrecer a

qualidade de vida dessas crianças.

Durante a pesquisa na classe, me deparei com um caso muito delicado: se para

as crianças com 6 anos de idade completos essa organização escolar já é difícil, para

uma criança que completou 6 anos de idade em julho a situação é ainda mais agravante.

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38

Na escola conheci um garoto que havia completado seis anos há pouco mais de um mês,

e já estava no primeiro ano. Essa criança possuía muita dificuldade para todas as

atividades durante toda a manhã, conversava muito pouco, até com adultos, até que,

quando a professora passou uma atividade na lousa, pediu para que eu escrevesse o que

estava na lousa no caderno dele, para que ele escrevesse em seguida, fiz a ação, mas o

menino não quis fazer, a professora o deixou passear livremente pela sala, e me contou

que essa criança, até o primeiro semestre de 2017 estava em uma escola de educação

infantil, mas no segundo semestre foi transferido para a escola de ensino fundamental.

A professora me relatou que a situação foi muita confusa e ainda não havia entendido

porque e como essa transferência aconteceu, mas me contou que a criança estava com

muitas dificuldades com a adaptação e por isso o deixava livre para que a situação fosse

mais tranquila para ele. Considero o que aconteceu com essa criança uma violência, por

parte das autoridades principalmente pela realização desse ato, já que pelo conselho

nacional de educação só devem ingressar no ensino fundamental as crianças que

completarem 6 anos de idade até o dia 31 de março do ano presente. Portanto, além da

violência houve um total desrespeito e quebra nos direitos dessa criança.

Além desse hediondo acontecimento, a professora também me relatou que essa

criança possuía muitos problemas em sua casa. Durante os dias que ia para a escola,

observei bastante essa criança e suas ações e era nítido o quanto essa criança estava

sofrendo e o quanto é difícil ser criança quando violam os seus direitos de ser criança.

No decorrer das aulas ele tinha muita dificuldade para entender o que estava

acontecendo, e mesmo com a professora explicando para todos da turma a rotina e

auxiliando nas atividades, ficava difícil para ele acompanhar o ritmo das outras crianças,

era uma quantidade muito grande de informações e ações que precisavam ser feitas em

pouco tempo, por isso, mesmo nos momentos das atividades em grupo, ele participava

de sua maneira, os colegas tentavam ajudar mas nem sempre ele também estava a

vontade para participar e se sentava sozinho ou ia para outro lugar na sala de aula. Na

maioria das vezes em que a professora passava para a sala uma nova atividade ou jogo,

ele pedia para ir ao banheiro ou para beber água, esse pedido acontecia muitas vezes

durante toda a manhã, a professora, por estar ciente do apuro pelo qual a criança estava

passando permitia que ele saísse todas as vezes. A criança não dialogava muito nem

com os pares, nem com os adultos (professora, pesquisadora e estagiária) , não

transmitia também o que estava sentindo, na maioria das vezes, se comunicava através

de gestos, palavras rápidas, e em algumas ações utilizava trejeitos violentos, além de

mostrar resistência quando era encaminhado para alguma atividade como ir para a

biblioteca, muitas vezes ele não queria acompanhar o grupo, e ficava parado na sala de

aula, até ser convencido pela professora ou pela estagiária.

Parecia que a criança estava sempre preparada para “lutar”, para se proteger,

provavelmente por não entender o que estava acontecendo, ou não saber o que poderia

acontecer, era uma criança que estava com medo, que precisava estar brincando,

descobrindo outras coisas, pular a etapa da pré-escola, principalmente da forma como

aconteceu foi traumático para ele. Felizmente, apesar de toda essa situação ele teve a

sorte de parar em uma sala de aula com uma professora compreensiva, que entendia e

zelava por ele e seu bem estar, sabemos que podem existir alguns educadores que não

iriam compreender esse comportamento e iriam trata-lo apenas como um aluno

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39

bagunceiro, preguiçoso. O único momento feliz na escola era o de brincadeiras, no

parque ou no recreio, nesses espaços consegui observar ele sorrir, brincar, correr, enfim,

ser a criança que merecia ser, aprendendo através das brincadeiras e descobrindo através

da interação com os colegas, com o meio ambiente, com a autonomia de seus

movimentos. Nas brincadeiras no parque, por exemplo, ele interagia e conversava com

todos, até mesmo com as adultas, mas principalmente com as crianças, participava das

brincadeiras de faz de conta, brincava de balanço, falava quando seria sua vez de ir em

algum brinquedo, para Froebel o “relaxamento, alegria e sorriso indicam nos sentimentos da

criança que está adaptada ao puro, não perturbado desenvolvimento de sua natureza, de sua natureza

humana, da vida da criança, a vida humana na criança(...) Agitação, tristeza, lágrimas indicam em sua

primeira aparência o que é o oposto ao desenvolvimento da criança, do ser humano.” (1912,p.63). A

criança mudou de escola por questões familiares, porém, casos como esses servem para

refletirmos como as crianças no Brasil e suas infâncias vem sendo tratadas, como foi

dito no parecer do Conselho Nacional de Educação em 2005: “[...] Esse encurtamento da

Educação Infantil, que já vem acontecendo na prática pelo movimento de se apressar a alfabetização e se

pretender que a pré-escola se assemelhe, ao máximo, ao Ensino Fundamental, não é recomendável e pode

representar um desestímulo à criança em seu desenvolvimento. A principal atividade da criança até os

seis anos é o brinquedo: é nele e por meio dele que ela vai se constituindo. Não se deve impor a seriedade

o rigor de horários de atividade de ensino para essa faixa etária. O trabalho com a criança até os seis anos

de idade não é enformado pelo escolar, mas um espaço de convivência específica no qual o lúdico é o

central. A Educação Infantil cuida das relações entre vínculos afetivos, compartilhamentos, interações

entre as crianças pequenas, que precisam ser atendidas e compreendidas em suas especificidades, dando-

se lhes a oportunidade de ser criança e viver essa faixa etária como criança. Por que diminuir esse tempo

e forçar uma entrada prematura na escolaridade formal? Não há ganhos nesse apressamento e, sim,

perdas, muitas vezes irrecuperáveis: perda de seu espaço infantil e das experiências próprias e necessárias

nessa idade.” (Brasil, Parecer CNE/CEB nº39/2006,p.4).

Como já citado anteriormente, os momentos de brincadeira são os mais ricos

para as crianças e também foram os mais ricos para observarmos a criança ser criança e

suas interações. Em tempos atuais ouvimos dizer que existem escolas de ensino

fundamental que não possuem parques, e felizmente a escola pesquisada possuía um

parque grande, com areia, brinquedos, balanços, escorregador, casinha e gira-gira. É

muito interessante notar como as crianças conseguem organizar suas brincadeiras sem

precisar de auxílio de um adulto, sabem dividir e negociar o tempo que cada um vai

ficar nos brinquedos mais concorridos como os balanços, além das brincadeiras de faz

de conta, onde cada um trás um pouquinho de suas vivências fora da escola para o

parque, como em um dia onde, para cerca de dez crianças todo o tempo do parque foi

dedicado para uma festa de aniversário de um ano do “bebê”, um coelho de pelúcia de

uma das crianças, enquanto uma procurava ingredientes para fazer bolos e salgadinhos,

as outras organizavam a decoração da casa, outros iam chamando os convidados,

comprando os refrigerantes, além da criança que ficou responsável em cuidar do bebê.

Como se tratava de uma festa, uma das crianças começou a cantar uma música sertaneja

que todas as outras crianças conheciam, e que provavelmente escuta nas festas de sua

família e/ou grupos sociais, virando a trilha sonora da brincadeira, quando não estavam

concentradas “cozinhando”, estavam cantando e dançando a mesma música, quando se

empolgavam a responsável em cuidar do brinquedo lhes chamava a atenção “Canta mais

baixo! Vocês vão acordar ele!”. As crianças se preocuparam com cada detalhe da festa,

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40

que aconteceu, com todos os convidados, meninos e meninas brincando de festa de

aniversário.

De repente, outra situação que me chamou atenção, meio aos bolos de areia e a

cantoria da música sertaneja, um diálogo diferente surgiu: “Segura! Segura que ele vai

cair!”, algumas crianças andavam carregando um menino que fingia estar bêbado, “eu to

bêbado, me segura que eu tô bêbado, cadê o bolo?” , “Foge do bêbado, ele vai cair de

destruir tudo” , “Ai, eu tô bêbado, me segura que eu tô bêbado”, todas as crianças, em

meio a brincadeira, riram muito, porém, de onde essa criança tirou a referência do

bêbado? Em que contexto ela presenciou uma cena como essa? As crianças ainda

brincavam de faz de conta quando a professora os avisou que o tempo no parque estava

acabando e eles precisavam voltar para a sala, “Espera professora, espera! A gente

precisa cantar parabéns!”, a professora, entrou na brincadeira das crianças e cantou

junto com elas o parabéns para o boneco.

Diferentemente da escola de educação infantil que possuía espaços para

brincadeiras ao ar livre e em locais cobertos, a escola possuía apenas um parque, que

não podia ser frequentado quando estava chovendo, ou quando o tempo estava muito

seco e/ou sol, privando mais uma vez as crianças de seu direito de brincar livremente. A

brincadeira pode acontecer em qualquer lugar, basta a mediação de um docente

preparado para lidar e preparar essas situações, porém, quando há lugares além da sala

de aula para que a brincadeira possa acontecer, ou seja, quando há um local pensado

para a brincadeira dessa criança o momento pode ser mais agradável para criança e

docentes. Felizmente a professora das crianças da turma pesquisada conseguia

transformar todo espaço em um local apropriado para brincadeiras, conseguia

transformar um simples objeto em um brinquedo, quando não havia outro espaço para

brincadeira o corredor se tornava um ótimo local para isso, portanto saliento aqui mais

uma vez a importância dos momentos de ludicidade.

Além do parque, o outro momento que as crianças têm para brincar é o recreio,

um momento que me causou muitos questionamentos, além da ansiedade que as

crianças sentem por esse momento, já que é o único que lhes dá autonomia da

brincadeira diariamente, o tempo do recreio é muito curto: apenas 20 minutos, sendo 10

para comer e 10 para atividades livres. O momento da alimentação, que na educação

infantil era mais uma atividade pedagógica, onde, com calma, as crianças comiam e

descobriam novos sabores transforma-se num momento de correria: a maioria das

crianças comem de forma acelerada para sobrar mais tempo para a brincadeira, e

algumas nem comem, ficavam o tempo todo perguntando para as professoras e

estagiárias se já era hora de sair para o pátio para brincar, ficavam andando para todo o

lado dentro do refeitório ou parados em pé em frente a porta, só esperando a autorização

para sair. Nas brincadeiras do pátio, a grande maioria eram brincadeiras tradicionais

como esconde-esconde e pega-pega, faziam tudo de forma apressada e agitada, para

brincar o máximo possível no pequeno tempo que tinham , em alguns recreios, tentei

conversar com algumas crianças, que quase não paravam para me responder, e quando

falavam comigo, falavam rápido, olhavam para as outras crianças, demonstrando que

queriam brincar, não ficar conversando com um adulto, fato que entendemos

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perfeitamente já que sabemos e defendemos os direitos das crianças e a importância das

brincadeiras e interações sociais.

Dialogando com as crianças em algumas crianças alguns dias durante o parque

ou o recreio, eu as questionei se lembravam-se da escola do ano anterior, se viam

alguma diferença entre a escola de antigamente e a escola atual, de todas as crianças, a

resposta foi a mesma: a grande diferença entre as escolas é que na pré-escola eles

brincavam o tempo todo, todos os dias, agora só as vezes, a presença das lições também

foi apontada como uma diferença entre as escolas. Como foram conversas rápidas com

as crianças, não pudemos analisar outras opiniões vindas das mesmas, porém, um fato

interessante é que alguns pontos apontados por nós como a redução das brincadeiras e a

adição de inúmeras lições acaba sendo também para os pequenos os pontos mais

marcantes dessa mudança.

Ao longo dos dias também questionei se eles gostavam da escola nova e se

gostavam da antiga escola, me surpreendi quando me as crianças me disseram que

gostavam muito da escola nova. Fiz as perguntas com a ideia de que iria ouvir que

gostavam apenas da antiga escola, porém, as crianças relataram que gostavam muito da

outra escola, mas também gostavam da escola atual, no entanto, quando falaram da pré-

escola algumas crianças demonstraram enorme empolgação, transmitindo o grande

carinho que sentiam pela instituição e os momentos vividos lá, expressavam-se com

ternura e brilho nos olhos. Apesar de estarem inseridas em uma instituição de ensino

fundamental, em que os tempos e espaços físicos limitam seus momentos de

brincadeiras, as crianças têm uma professora que compreende esse momento da vida das

crianças e assim possibilita momentos similares com os da educação infantil, causando

assim nas crianças, uma certa tranquilidade, pois mesmo com a transição e sentindo na

pele a perda pelo encantamento do espaço escolar por questões físicas da escola, ainda

brincam e têm autonomia respeitados.

Um ponto importante é também a valorização da voz das crianças, e um método

muito utilizado pela professora da turma do primeiro ano eram os momentos da roda de

conversa, todas as crianças e a professora sentados no chão, conversavam e ás vezes,

desabafavam sobre situações de suas vidas, conhecida como “pedagogia da escuta”, o

método criado por Freinet, é um momento importante para a socialização e integração

da turma, além do sentimento de notoriedade causado em cada criança e da

tranquilidade por saber que estão sendo ouvidas. Em uma roda de conversa, surgiram

relatos de vivências que não gostaríamos que nossas crianças passassem, mas também o

choque de uma realidade. Relatos de cunho pessoal vindo de crianças passando por

dificuldades familiares como rejeição e cárcere. Realidades diferentes, casos diferentes,

tanto peso para crianças tão pequenas...

Momentos como esses serviam para que a professora também conhecesse a

realidade de seus alunos, para, segundo ela, entender como agir com cada criança, para

saber o que falar com cada criança, para saber como agir diante de futuras situações,

pois os professores, em casos como esses não devem apenas sentir dó, ver a criança

como “um coitadinho”, são em casos como esses que é importante que o professor,

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42

saiba com qual criança está lidando, para passar para eles o melhor que eles merecem,

brincadeiras, projetos, atividades, que ajudem a trazer leveza, mostrar para essas

crianças que existe alguém que se importe com eles, que existe um lugar onde são bem

recebidos e possam receber afeto e bons exemplos, atividade essencial vendo que “o

professor que dá apoio a seus alunos, desempenhando o papel de catalisador e de confidente, ajuda-os a

vencer obstáculos, ter iniciativa e conservar o entusiasmo, proporcionando-lhes maiores oportunidades de

triunfo na vida” (Elias, Sanches, 2007, p.164-165)

2.1.1A ludicidade na docência e espaços escolares Afinal, que crianças queremos formar? Se pensarmos em todas as crianças

brasileiras e suas diferenças de vida tão diferentes, e algumas, tão difíceis, onde em casa

passam por momentos de tensão onde não podem vivenciar seu direito de ser criança em

tempo integral, em um país onde sua infância também não é pensada, a escola acaba

sendo o único lugar, o único refúgio onde podem vivenciar com calma, com alegria, seu

tempo de ser criança e brincar, será que a melhor opção é mesmo prepará-las para um

futuro mercado de trabalho e privá-las das brincadeiras aos seis anos de idade? Para

uma criança que passa por tantas dificuldades fora da escola, o currículo escolar atual e

as avaliações e testes, não fazem sentido, não trazem benefícios, não traz acolhimento.

Afirmamos aqui o quanto as crianças merecem ter os seus direitos garantidos pela

escola e educadores, que “dizem respeito ao direito de as crianças realizarem e expandirem todas as

suas potencialidades, valorizando suas próprias capacidades de socializar, colhendo afeto e confiança e

satisfazendo suas necessidades de aprender, sobretudo quando os pequenos são tranquilizados por uma

eficaz aliança com adultos.” (Faria, 2007, p. 288)

Durante a pesquisa empírica na escola de ensino fundamental tivemos uma

surpresa muito positiva por encontrar uma professora que praticasse atividades lúdicas

com as crianças e as auxilie nesse momento novo. Em tempos onde vemos um grande

número de casos negativos ligados à escola, sobre a precarização na formação de

professores e consequentemente no ensino de nossas escolas públicas, é muito

importante e tranquilizante encontrar professores que não estão na escola apenas para

passar conteúdos e formar futuros trabalhadores, é extremamente importante que

existam professores se preocupando com a criança, que se preocupem com o

rompimento do sistema escolar tradicional e tragam para os alunos uma forma de ensino

através da brincadeira, mostrando que o momento de aprender não precisa ser um

momento de angústia, e foi isso que presenciamos.

Iniciei a pesquisa sem conhecer a professora, e possuíamos muitos questionamentos

sobre como seria essa experiência em campo, de fato não tínhamos ideia se seria

positiva ou negativa. Encontramos uma escola feita para aprisionar a infância e ações

infantis, um sistema preparado para a formação do trabalhador e não do ser humano,

porém com uma professora que apesar das dificuldades do espaço físico, do tempo e das

cobranças estava sempre tentando maneiras ensino, dando oportunidade para o

protagonismo e voz das crianças. Me surpreendi em diversos momentos, a postura da

professora com as crianças me chamou atenção desde o primeiro dia, mas ao ver que

apesar de todas as mudanças as crianças estavam felizes por estar ali, comecei a levar a

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43

observação para esse lado mais a sério.

Mesmo com a sala sem brinquedos, com grades nas janelas, e com uma estrutura

física que não foi pensada para crianças, os momentos lúdicos estavam ali. Como já

citado anteriormente, a professora organizava a sala de aula colocando as mesas lado a

lado, para que as crianças pudessem fazer suas atividades juntas e interagir, os materiais

também eram compartilhados, assim como era na educação infantil. Nos momentos das

atividades de alfabetização, a professora utilizava jogos e as crianças trabalhavam em

equipe. A postura que a professora adotava em sala de aula também fugia do padrão de

professor autoritário, sem afeto. Ela estava sempre disposta a dialogar com as crianças,

ouvir seus relatos e desabafos, abraçava, conversava, estava sempre presente para as

crianças. Em suas aulas, na hora de fazer lições no caderno ou jogos, sempre as fazia

junto com as crianças, permitia que as crianças participassem, escutava suas respostas e

palpites, indagava as crianças a pensar sobre suas respostas e dúvidas.

Notei que para as crianças ela era mais que apenas a professora, era uma adulta

em que eles sentiam segurança, atenção, carinho e afeto. Para muitas crianças, essa

provavelmente era a única adulta que lhes dava atenção necessária, durante alguns dias

do trabalho empírico acompanhei a hora da saída, e era nítido a falta de afeto de alguns

responsáveis com suas crianças, notei que algumas crianças eram realmente carentes em

momentos do meu trabalho, e a professora estava sempre ali, se importando com o que

acontecia em suas vidas, marcando afetivamente e tornando a escola um lugar seguro e

tranquilo, um ponto muito importante. Além de deixar as crianças com um movimento

livre durante as aulas como já citado primeiramente, tentava transformar o ambiente

deixando com a identidade das crianças, havia na sala fotos das crianças formando letras

do alfabeto, no mural da sala de aula haviam produções de desenhos e produções

escritas das crianças. Quando as crianças não podiam ir ao parque por algum motivo

seja por avaliações ou por causa do tempo, ela sempre tentava propiciar para as crianças

momento de brincadeira mesmo que livre, na sala de aula mesmo.

Em alguns momentos, principalmente por causa da pressão do sistema escolar,

precisava ser mais rigorosa, em alguns momentos precisava interromper a brincadeira

ou momentos de conversa, ou precisava pedir que as crianças guardassem os

brinquedos, que inclusive não podiam ser levados para a escola em dias que não eram

destinados para isso, no caso apenas um por semana, situações que são praticamente

impossíveis de fugir quando se é professor no ensino fundamental. O fato é que todas

situações citadas em nosso trabalho, mostram como a postura do professor pode mudar

tudo na experiência escolar de uma criança. Registrei um momento de aprendizagem em

brincadeira, onde, para ensinar matemática, a professora ensinou para as crianças uma

receita de massinha feita com farinha, óleo, sal, água e corante, em que todas as crianças

fizeram juntas, brincaram e aprenderam, como nas imagens a seguir:

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Capítulo III

Professores de/da/na Educação para as Infâncias: algumas ponderações

Maré mar

é maré

mare linha

sete casas a pincel.

Pulo paro

e lá vou

num pulinho

segurar mais um ponto

no céu.

Nossa pesquisa tomou um rumo inesperado, afinal, também presenciei na prática o

acontecimento da valorização dos direitos à infância e ao brincar, um objetivo muito

importante para o sentimento de acolhimento da criança na escola, que valorizamos

muito. A partir desse ocorrido resolvemos focar também em como a formação de

profissionais que levem para a prática o conteúdo teórico que aprendem na faculdade

é importante para que sejam os mediadores que garantam que as crianças tenham

acesso aos seus direitos, desde a educação infantil até os anos finais da escola. Para que

isso aconteça é necessário uma formação de qualidade com instituições e docentes

preparados para formar futuros professores para além da teoria, preparados

principalmente para a prática de ser de fato, professores para crianças de 0 a 10 anos,

termo usado por Maria Malta Campos.

3. A formação de professores na legislação Os professores principalmente das crianças pequenas são muitas vezes

desvalorizados, por seus salários e pela hierarquia profissional existente nesse meio de

trabalho, que tem uma longa história ao longo dos anos, sabemos também que em

muitos lugares, principalmente na educação infantil e em estados mais pobres no Brasil,

muitas crianças são educadas por pessoas sem uma formação acadêmica, porém na Lei

de Diretrizes e Bases há a declaração que determina que os professores da educação

básica, logo os professores das crianças da educação infantil até o 5º ano do ensino

fundamental devem ter como formação, no mínimo a formação pelo magistério, ou seja,

por lei, é necessária uma formação focada na área educacional, o que já é um ótimo

passo visto a situação de muitas escolas de educação infantil e ensino fundamental em

nosso país, se preocupar com a formação de professores não deixa de ser uma forma de

se preocupar com o ensino, porém, de qual formato de ensino estamos falando? Quando

já formados e exercendo a docência esses educadores têm o dever de participar da

elaboração do plano pedagógico da instituição onde trabalham, elaborar e seguir os

planos de trabalho a partir dos planejamentos da escola, zelar pela aprendizagem dos

alunos e elaborar estratégias de recuperação para os alunos defasados, ministrar as aulas

e participar da articulação entre escola e família. Porém, nada que seja ligado à infância

e o trabalho docente foi ligado, pelo contrário, no documento, o professor deve seguir

apenas os planos da escola, há uma grande preocupação com o ensinar e a organização

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escolar, que nem sempre é a ideal para a realidade de muitas crianças.

Já na base nacional comum curricular, documento que é utilizado por docentes

de todas as áreas da educação básica, encontramos algo positivo, como é um documento

como referência é esperado que escolas e professores a utilizam, principalmente porque

nela há um discurso muito rico ligado à preservação da infância, como já estudado

anteriormente sabemos que há também uma atenção para o momento da transição da

pré-escola para o ensino fundamental, contendo inclusive a orientação de como os

educadores devem se preparar para esse momento, além das recomendações para a

rotina escolar, em que, para o primeiro ano escolar do ensino fundamental também

existe uma série de recomendações sobre como receber as crianças, preparar atividades,

lidar com o cotidiano e lições de forma lúdica, a importância do movimento e do brincar

que são essenciais para os educadores do ensino fundamental que lidam com crianças

pequenas. Ideais muito parecidos foram encontrados nas diretrizes nacionais

curriculares para a educação básica, no documento, que é enriquecido com muitas

informações importantes para os educadores, porém , acaba entrando em contradição

em alguns momentos, como por exemplo quando o documento cita que as escolas

devem possuir uma estrutura física pensada para as crianças, como por exemplo a da

educação infantil que “deve corresponder às suas características físicas e psicossociais”

(2013, p. 58), mas não faz uma especificidade para os anos iniciais do ensino

fundamental, que são tratados apenas como as demais etapas de educação básica, como

se se esquecessem que no ensino fundamental também existem crianças que precisam

de uma escola com uma estrutura física adequada. Apesar da errata, o documento afirma

que os professores de educação infantil e ensino fundamental deveriam ser

especializados em infância, para atender de forma adequada as crianças que estão nesses

locais.

Compreendemos como a profissão do educador pode ser complicada e como

pode ser difícil para educadores seguirem certos ideais de escolas que não são focadas

na formação da criança como ser humano mas sim como um futuro adulto, sabemos

também o quanto as políticas públicas podem muitas vezes não transparecer o quanto é

necessário que a criança tenha acesso aos seus direitos, afinal, o acesso à educação é um

direito humano que as crianças também deve exercer, mas não é certo que lhes seja

retirado o direito da infância para exercer o outro, a educação pode ter a brincadeira

como sua aliada.

O MEC possui alguns documentos importantes para o estudo e instrução dos

professores para as crianças, inclusive ligados ao tema do ensino fundamental de nove

anos e a entrada de criança com 6 anos de idade no ensino fundamental, documentos

que falam da importância do brincar e da ludicidade na rotina escolar, da necessidade

dos professores receberem de forma igualitária seus alunos com realidades diferentes,

mas ao ver tantos casos de violação e descaso com a infância em tantas escolas, me

pergunto se as políticas públicas exercem de fato o que está escrito em seus

documentos.

A situação fica mais complicada quando os documentos e leis entram em contradição

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47

ou pior, pouco veem as crianças. Como por exemplo nas diretrizes curriculares

nacionais para o ensino fundamental de 9 anos feita pelo ministério da educação e

conselho de educação básica, que começam com um discurso de como os professores

devem lidar com as crianças, respeitando as diferenças e singularidades de cada criança,

porém possuem um capítulo denominado de: “Avaliação: parte integrante do

currículo” mesmo falando que nessas avaliações os educadores devem “utilizar vários

instrumentos e procedimentos, tais como a observação, o registro descritivo e reflexivo,

os trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, exercícios, provas, questionários,

dentre outros, tendo em conta a sua adequação à faixa etária e às características de

desenvolvimento do educando;” (2010, p.9), ainda sim é muito agressivo que as

crianças de 6 anos tenham que fazê-las, além de sabermos que, na prática as avaliações

são feitas a partir de provas escritas nunca feitas antes pelas crianças.

Quanto à formação dos professores, sabemos o quanto é necessário que os

futuros educadores tenham acesso à documentos e conheçam nossa legislação, porém,

ainda mais importante é preciso de uma formação de qualidade, com auxílio para que

possam entender o que é certo ou errado para os profissionais e principalmente para as

crianças, e mais que isso, que todos os futuros profissionais de educação de todos os

estados brasileiros tenham um formação digna e superior, como já é decretada por lei,

com acesso à boas bibliografias, e principalmente, executem seu ensino na prática, para

que cada vez mais crianças tenham professores comprometidos em ajudá-las a exercer o

seu direito de ser criança.

3.1. Professores com empatia para a infância

A educação em nosso país vem se transformando ao longo dos anos, mesmo

com contradições políticas, e muitas dificuldades em todos os âmbitos. Mas de fato

precisamos de incontáveis melhorias na educação pública brasileira, inclusive para os

docentes e futuros docentes. Os professores dos anos iniciais de ensino fundamental

atualmente vem sofrendo, todos os dias com o descaso por sua profissão, como por

exemplo na prefeitura de Campinas, cidade onde realizamos nossa pesquisa em que os

professores precisam passar por diversas greves para reivindicar direitos e salários

atrasados pela prefeitura, lidar com falta de equipamentos para realização de seu

trabalho, grande número de alunos por sala para darem aulas sozinhos, além da pressão

das autoridades por resultados como a alfabetização e o ensino matemático, além dos

problemas sociais de seus alunos, que muitas vezes abalam emocionalmente os

professores. Se somarmos tudo isso com a falta de preparo de muitos profissionais, o

resultado pode ser muito ruim. Professores estressados e descontentes com sua condição

de trabalho, transformando-se em desatenção para com as necessidades reais das

crianças, tornando-as estressadas também, o que transforma a escola num lugar

desagradável para todos, especialmente as crianças pequenas.

Portanto, a formação de educadores que compreendam a criança, a infância e

suas necessidades e vejam, durante seu percurso educacional as dificuldades da rotina

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de um educador, os desafios do inesperado, de montar uma rotina, de lidar com tantas

crianças sozinho. Não sabemos o porque existem tantos casos de professores que

prendem as crianças, que estão sempre em busca dos “bons alunos”, mas afinal, o que

são os bons alunos? É necessário que os professores nos dias de hoje saibam lidar com

as crianças, seu ritmo, suas brincadeiras e não deixá-las encurraladas, angustiadas. O

principal dos fatores, que as crianças sejam vistas por seus professores como crianças,

não como alunos. Entender quem são as pessoas atrás de cada aluno, “pensar no menino e

na menina, na criança de diferentes origens sociais, étnicas, regionais, na criança do campo e na criança

da cidade, e assim por diante” (Campos, 1999, p.1-2) para entender seus anseios, dificuldades,

ações e assim ajudar a tornar sua vida escolar mais feliz. É necessário que o professor

esteja preparado para educar e cuidar, para Campos, que utiliza a expressão “professores

de criança de 0 a 10 anos” defende o termo já que os professores da educação infantil e

dos anos iniciais do ensino fundamental possuem a mesma formação. Além da mesma

formação, é importante lembrar que apesar da separação dos níveis escolares, as

crianças que vão para o ensino fundamental são pequenas, com apenas 6 anos de idade,

além das crianças das outras séries com crianças de 7,8,9,10 anos de idade que também

precisam da brincadeira e do lúdico em seu dia-a-dia. É importante que os professores,

saibam o quão importante é que proporcionar para as crianças a brincadeira em suas

ações na sala de aula.

“A importância do domínio sobre os conteúdos é evidente; entretanto, se em lugar de uma

concepção pedagógica tradicional, na qual o papel do professor é central, adota-se uma concepção que

entende os alunos como aprendizes ativos, tendo o professor o papel de criar condições favoráveis para a

ampliação de seus conhecimentos e de incentivo para que se tornem aprendizes inquisitivos, criativos e

críticos, ao lado do domínio sobre os conteúdos é preciso que o professor conheça muito bem a fase do

desenvolvimento em que os alunos se encontram, suas características culturais, sociais, étnicas, de

gênero, de qual realidade eles partem e como aprendem.” (Campos, 1999, p.7) A citação de

Campos traz exatamente nossas convicções sobre o papel do professor nos anos iniciais

do ensino fundamental, afinal, para que um professor possa ter uma parceria com seus

alunos, é necessário que ele se interesse por quem é essa criança, o que ela vive, o que

ela faz quando está fora da escola, por quais situações ela está exposta, para assim

melhorar a sua prática em sala de aula. É preciso ter a consciência que na realidade das

escolas públicas de bairros periféricos muitas crianças veem na escola um abrigo, um

local seguro, portanto, o professor deve ser um adulto com o qual a criança pode contar,

se sentir segura.

Precisamos refletir em como os modelos educacionais tradicionais podem ser

violentos com as crianças. É preciso saber e compreender a realidade de cada criança,

muitos professores anulam o fato de que as crianças são sujeitos históricos sociais com

personalidade própria, com situações de vida que não conhecemos. Para uma criança

que por exemplo passa por situação de violência em sua casa não vai conseguir se

concentrar em uma aula com um livro teórico de um tema que ainda não tem

conhecimento, ou fazer uma conta de matemática, e provavelmente ela não vai fazer a

lição ou acompanhar a rotina da aula. Muitos professores com certeza iriam tachar essa

criança como bagunceira, desinteressada, má aluna… Mas se o professor entender a

realidade de cada criança, vai compreender e ao invés de julgar, pensar em maneiras de

acolhimento e uma interação escolar melhor para essa criança, pois é isso que muitas

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crianças “desinteressadas” precisam, acolhimento, um professor voltado para sua

infância.

Com esse discurso não estamos dizendo que o professor deve adotar o trabalho

de assistência social, mas sim, adotar o função de professor integralmente, um professor

de crianças não deve esquecer que está lidando com crianças, e principalmente, precisa

ter a consciência que o trabalho docente não é apenas passar conteúdos, é ser referência

para muitas crianças. Sabemos o quanto a carga horário de trabalho dos professores é

pesada e que muitos fazem dupla jornada de trabalho, como já citado anteriormente a

educação brasileira e seus educadores necessitam de políticas públicas que auxiliem as

escolas e os professores da rede pública, afinal, nenhum professor consegue fazer

milagres, porém, mesmo com tempos difíceis é preciso que os professores não desistam

de buscar uma educação digna para nossas crianças.

O modelo atual das escolas de ensino fundamental, que aprisiona a infância e

pressiona as crianças para a vida adulta já é uma experiência complicada para as

crianças de todas as idades, portanto, é papel do professor questionar, e não seguir

modelos de violência aos direitos da infância, entender que a brincadeira também pode

ser aprendizado e mais que isso, a escola não precisa ser prisão. O professor não pode

ser responsabilizado como alguém que vá salvar o mundo, mas tem a capacidade de

mudar e melhorar a realidade de muitas crianças, mostrando através do diálogo, do

afeto, dos momentos escolares diários outras opções de escolhas para a vida. O

professor tem uma grande responsabilidade em mãos: a influência para muitas crianças

ao longo de suas carreiras, e depende dele seguir um modelo que aprisiona e arruina a

infância, fazendo com que as crianças não entendam o porquê estão na escola, e pelo

contrário, queiram distância, ou pode ser um adulto capaz de instigar e motivar seus

alunos para ótimos caminhos.

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Considerações Finais

Neste trabalho onde analisamos a situação de como as infâncias vem sendo tratadas e

como elas são vistas na legislação brasileira a partir da transição da educação infantil

para o ensino fundamental e na prática em duas escolas da cidade Campinas procuramos

entender como a situação é vivida e sentida pelas crianças. A partir da alteração da

legislação onde o ensino fundamental passa a ter 9 anos de duração as crianças

começaram a entrar nas escolas de ensino fundamental com apenas 6 anos de idade,

deixando de ser criança e se tornando aluno de uma maneira muito brusca, a partir de

diversos relatos de uma escolarização violenta contra a infância, decidimos pesquisar de

forma empírica para analisar as mudanças de estrutura física e curriculares entre a

educação infantil e o ensino fundamental e como isso foi vivido pelas crianças. Ao

iniciarmos a segunda fase da pesquisa empírica em uma escola municipal de ensino

fundamental nos deparamos com uma surpresa muito positiva, pois, apesar de toda a

estrutura feita para aprisionar as infâncias que compõe a escola, a professora

responsável pela turma não seguia o modelo sugerido pelo ensino fundamental,

trabalhava com o lúdico, ensinava os conteúdos a partir de atividades, jogos e

brincadeiras, fazendo com que inclusive alterássemos nossa pesquisa para falar também

de como é importante a formação de professores voltada para a prática e valorização da

infância.

A pesquisa tem uma grande importância pois traz um foco para essa fase escolar

vivida pelas crianças brasileiras atualmente e que muitas vezes sofrem nesse período ao

serem privados de seus direitos de brincar e ser criança livremente, passando por

momentos de incertezas, medos e angústias, além de trazer também a reflexão de como

é importante que os professores estejam preparados para recebê-las de forma carinhosa.

Que saibam o quanto o lúdico e a brincadeira são importantes para a formação

intelectual, física e emocional das crianças, e o quanto elas podem aprender e seu dia-a-

dia na escola se torna muito mais agradável quando elas podem contar com

professores capazes de entendê-las. Portanto, a pesquisa foi muito importante também

para minha formação como educadora, já que desde experiências vividas em sala de

aula como estagiária presenciei momentos muito tristes de privação da infância e

sempre quis entender o porquê de situações como essas aconteciam. Pesquisar de forma

teórica e prática, além de vivenciar uma experiência muito positiva com uma professora

que valoriza os direitos da infância me fez entender porquê tudo isso acontece e eu,

como futura professora vou poder amenizar o trauma de muitas crianças, trazendo para

elas uma vivência escolar feliz e afetuosa.

Trago como conclusão geral a reflexão como a escola e a vivência escolar de muitas

crianças pode ficar negligenciada sem o apoio das políticas públicas e mais ainda, como

as políticas públicas, por interesses desconhecidos, tomam decisões que não trazem

benefícios para as crianças, dificultando ainda mais a situação da educação em nosso

país, e, como na maioria das vezes essa função de amenizar os danos fica apenas para os

educadores empáticos e comprometidos, que abraçam ainda mais responsabilidades,

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51

mas que apesar das dificuldades podem tornar a experiência escolar das crianças uma

memória feliz e saudável a partir das relações de amizade entre professor-aluno.

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fundamental, São Paulo, Educação e Pesquisa, 2011.

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