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Wilson Alfredo Meneghel As eleições dos diretores no Estado de Minas Gerais: o colegiado escolar e a legitimidade dos diretores reeleitos nas escolas públicas de Andradas Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL Americana 2008

As eleições dos diretores no Estado de Minas Gerais: o colegiado …livros01.livrosgratis.com.br/cp055515.pdf · Citamos aqui alguns autores dessas obras: Vitor Henrique Paro (1996),

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  • Wilson Alfredo Meneghel

    As eleições dos diretores no Estado de Minas Gerais: o colegiado escolar e a legitimidade dos diretores reeleitos nas escolas públicas de Andradas

    Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

    Americana

    2008

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  • Wilson Alfredo Meneghel

    As eleições dos diretores no Estado de Minas Gerais: o colegiado escolar e a legitimidade dos diretores reeleitos nas escolas públicas de Andradas

    Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação à comissão julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Francisco Martins.

    Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

    Americana

    2008

  • Meneghel, Wilson Alfredo M498e As eleições dos diretores no Estado de Minas Gerais: o

    colegiado escolar e a legitimidade dos diretores reeleitos nas escolas públicas de Andradas / Wilson Alfredo Meneghel. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2008.

    236 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientador: Prof. Dr. Marcos Francisco Martins. Inclui bibliografia e apêndices. 1. Colegiado escolar. 2. Diretor de escola - Eleição.

    3. Legitimidade. I. Título. CDD - 371.2012

    Catalogação elaborada por Terezinha Aparecida Galassi Antonio Bibliotecária do Centro UNISAL – UE – Americana - CRB-8/2606

  • COMISSÃO JULGADORA _____________________________________________

    Prof. Dr. Marcos Francisco Martins -UNISAL _____________________________________________

    Prof. Dr. Luís Antonio Groppo - UNISAL _____________________________________________

    Prof. Dr. José Luis Sanfelice - Unicamp

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço a todos os professores. Todos contribuíram de alguma forma para a

    realização deste trabalho, em especial ao meu orientador Prof. Dr. Marcos

    Francisco Martins, pela precisão de suas orientações.

    Aos pais, alunos, funcionários, professores e as diretoras das escolas estaduais

    de Andradas, Minas Gerais, que sempre me receberam de maneira acolhedora.

    Aos funcionários da Superintendência de Ensino de Poços de Caldas, pela

    prontidão com que atenderam minhas solicitações.

    Pela hospitalidade dos amigos andradenses.

  • RESUMO

    O objetivo desse trabalho é identificar os elementos que legitimam os diretores de escola reeleitos pela comunidade escolar. A investigação contou com uma pesquisa de campo realizada em abril de 2007 em três escolas da cidade de Andradas pertencente à Superintendência de Ensino de Poços de Caldas, Minas Gerais. Este Estado adota, desde 1991, o mecanismo da seleção, seguida de eleições, para compor seu quadro de diretores escolares. Consultamos os membros do colegiado escolar, órgão que reúne representantes de segmentos da comunidade escolar e que é o responsável oficial em indicar o novo diretor, após a consulta realizada junto à comunidade. Também entrevistamos as diretoras reeleitas e a coordenadora de ensino que acompanhou e organizou esse processo na região. Analisamos a literatura sobre o tema da eleição de diretores e identificamos os processos que historicamente foram utilizados para o preenchimento desse cargo no Brasil: a indicação, o concurso e as eleições. Pela pesquisa que realizamos é possível dizer que a indicação foi instituída na República Velha (1889-1930), o concurso adotado durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) e as eleições implementadas nas décadas de 1980 e 1990, já no processo de redemocratização do Brasil. A implantação de um mecanismo não significou a superação do anterior, tanto assim que tais processos continuam vigentes até hoje. Analisamos também as concepções da administração geral (taylorismo, fordismo, fayolismo e toyotismo) e as respectivas repercussões que tiveram na gestão das escolas e no papel de seu diretor. Essa análise possibilitou-nos compreender historicamente o processo de implantação das eleições em Minas Gerais, vistas não apenas como conseqüência do processo de redemocratização, mas também como resultado das lutas dos trabalhadores em educação, bem como do re-ordenamento político e econômico do mundo motivado pela expansão do neoliberalismo, da ingerência do Banco Mundial e da emergência do toyotismo. Adotamos as formulações de Weber como referencial teórico, o que nos auxiliou a identificar que a legitimidade dos diretores eleitos ancora-se nos resultados concretos da gestão para a comunidade escolar (“bom ensino”, ações pautadas nas leis e nos estatutos, entre outros), parecendo vincular-se à legitimidade racional-legal, sem excluir a importância do carisma do diretor. Palavras-chave: colegiado escolar; diretor de escola; gestão escolar; legitimidade; teorias da administração.

  • ABSTRACT The goal of this essay is to identify the elements that legitimate the schools directors reelected by the school community. The investigation was based on a research realized in April, 2007, in three schools of Andradas City that belongs to Superintendência de Ensino de Poços de Caldas, Minas Gerais. This region adoptes since 1991, the mechanism of selection, followed by elections, to constitute the schools directors statf. We consulted members of the collegiate, the department that joins representants of segments of school community and which is the official member responsible to choose a new director, after to inquiry the community. We interviewed the reelected principals and the coordinator of education that attended and organized this process in that region. We analyzed the literature about the theme of director s elections and we identify the process that historically were used to fill in this occupation in Brazil: the indication, the test and elections and it´s possible to say through the research we had made that the indication was instituted in the Old Republic (1889-1930), the test was adopted during the dictatorship of the New State (1937-1945) and the elections were implemented in the 80´s and 90´s when was occurring democracy again in Brazil. The implementation of a mechanism didn´t mean the superation of the previous system as we can see some valid processes until today. We analyzed the conceptions of the general administration (taylorism, fordism , fayolism and toyotism) and the respective repercussion that they had brought in to school administration and in the director´s role. This analysis enables to understand historically the process of implementation of elections in Minas Gerais Condad, being able to see not only the consequences of the democracy process but the conquer of workers of education and the politic and economic reorganization of the world motivated by the expansion of neoliberalism, the World Bank mediation and the toyotism emergency. We adopted the Weber´s formulations as theory referee, that helped us to identify that the legitimacy of the choosen principals of schools anchored on the concret results of the administration to the school community (good education, actions based on laws and on the statutes, among other), looking like to be joined to the legal-rational legitimacy, without excluding the importancy of the director´s charisma.

  • Key words: school collegiate, school director, administration, legitimacy, theories.

    Introdução....................................................................................................................... 10

    1. Um breve resgate histórico do trajeto do cargo de diretor de escola no Brasil .......... 17

    1.1 A origem da administração................................................................................... 18

    1.2 A administração escolar no Brasil colonial e o cargo do diretor.......................... 24

    1.3 A escola sem direção no Império ......................................................................... 31

    1.4 O cargo de diretor: a indicação, os concursos e os mecanismos atuais................ 34

    2. Os princípios elementares da administração geral e as repercussões nas escolas ...... 50

    2.1 A fábrica ............................................................................................................... 51

    2.2 O taylorismo ......................................................................................................... 56

    2.3 O Fordismo........................................................................................................... 60

    2.4 O Fayolismo ......................................................................................................... 61

    2.5 O toyotismo .......................................................................................................... 63

    2.6 As repercussões da administração geral na administração escolar....................... 67

    3. A conjuntura da implantação das eleições dos diretores nas escolas mineiras .......... 77

    3.1 Contexto interno: o governo de Tancredo Neves/Hélio Garcia (1983-1987) ...... 80

    3.2 O governo Newton Cardoso e a continuação do clientelismo (1987-1991)......... 84

    3.3 Hélio Garcia e as eleições para diretores (1991-1994)......................................... 85

  • 3.4 A conjuntura externa: o liberalismo ..................................................................... 91

    3.5 A crise do capitalismo e o keynesianismo............................................................ 98

    3.6 O Banco Mundial: de Bretton Wodds até a década de 1960 .............................. 101

    3.7 O reordenamento do mundo e o Banco Mundial até 1991 ................................. 109

    4. O “ouro de Minas Gerais”: as eleições dos diretores de escola................................ 119

    4.1 Um “diálogo possível” entre Weber e Marx ...................................................... 122

    4.2 Apontamentos sobre os aspectos metodológicos da pesquisa de campo ........... 131

    4.3 A História de Andradas ...................................................................................... 137

    4.4 A legitimidade do colegiado escolar .................................................................. 150

    4.5 A legitimidade inicial dos diretores.................................................................... 157

    4.6 A legitimidade do processo e dos candidatos..................................................... 159

    4.7 A legitimidade do diretor reeleito....................................................................... 170

    Conclusões.................................................................................................................... 182

    Referências Bibliográficas............................................................................................ 193

    APÊNDICE A - Relatos gerais das observações nas escolas mineiras ....................... 207

    APÊNDICE B – Instrumento para a coleta de dados: entrevistas............................... 226

    APÊNDICE C – Análise dos apontamentos do colegiado escolar.............................. 243

  • Introdução

    Este trabalho foi iniciado de certa forma na cidade de Andradas, Sul de Minas Gerais, após

    presenciarmos as eleições dos diretores de escola pela comunidade escolar. Apesar de

    termos informações que alguns estados do Brasil adotavam esse mecanismo para preencher

    o cargo de diretor, não possuíamos conhecimento algum dos procedimentos adotados no

    Estado de Minas Gerais.

    Compreendemos que o cargo do diretor de escola esteve sempre muito associado

    com o de um representante e cumpridor das determinações do Estado, legitimado pela

    aprovação em um concurso público ou por uma indicação política. Um personagem

    desempenhando o papel de agente autoritário, centralizador e controlador, isolado em sua

    sala, afastado das questões pedagógicas, enfim uma figura meramente burocrática. Mas

  • também entendemos que esse cargo é de fundamental importância para o bom

    funcionamento de uma escola, desde que exerça o seu papel como um educador.

    Foram com essas concepções sobre esse cargo que fomos motivados a pesquisar a

    legitimidade do diretor reeleito pela comunidade escolar na cidade de Andradas.

    Entendíamos que as eleições pela comunidade poderiam oferecer um modelo diferenciado

    de administração ou gestão e assim de legitimidade, oposto ao que concebíamos para os

    diretores concursados ou indicados.

    Em uma obra sobre as eleições dos diretores de escola, Paro afirma “que

    legitimidade não se mede por concursos, mas pela livre manifestação da vontade da

    maioria” (PARO, 1996, p. 33). Ao tomar conhecimento da possibilidade da reeleição

    ficamos determinados a entender as ações que legitimariam um diretor de escola perante

    essa maioria que o autor se referiu, ou seja, quais seriam as razões para pais, alunos,

    professores e funcionários reelegem determinados candidatos. Assim o nosso principal

    objetivo na investigação foi identificar os elementos que compõem a atuação desse diretor

    reeleito e assim apontarmos qual tipo de legitimidade que ele exerce perante a comunidade

    que o reelegeu.

    À medida que pesquisávamos, outras indagações foram adicionadas à nossa

    preocupação inicial:

    a) qual concepção teórica de legitimidade poderíamos utilizar para dar uma resposta

    consistente ao nosso principal problema levantado?

  • b) Qual a legitimidade do colegiado escolar, que é um órgão que reúne um pequeno número

    de representantes da comunidade e participa ativamente das eleições dos diretores de escola

    a em Minas Gerais?

    c) O trabalho como professor influi na escolha e na legitimidade de um diretor?

    d) A comunidade escolar considera legítimo esse mecanismo eleitoral implementado em

    1991 para designar os diretores das escolas mineiras?

    Neste trabalho daremos respostas para essas indagações e para outros problemas

    levantados a partir do envolvimento com o nosso objeto de pesquisa. Para isso, investimos

    na análise de uma produção bibliográfica que aborda o tema das eleições dos diretores e as

    reformas no Estado de Minas Gerais. Citamos aqui alguns autores dessas obras: Vitor

    Henrique Paro (1996), Mônica Abranches (2003), Carlos Vasconcelos Rocha (2003),

    Larisse Dias Pedrosa (2006). Incluímos os trabalhos apresentados nos encontros da

    Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED -, como as

    pesquisas de Elie Ghanem (1996), Paulo R. C. Lopes (2000), Erasto Mendonça (2000) e

    Ângelo Ricardo de Souza (2007), além de uma extensa série de obras de pesquisadores

    atraídos pelo tema das reformas educacionais em Minas Gerais.

    Além da análise bibliográfica, ocorreu a aproximação com o objeto de pesquisa in

    locu. Acompanhamos o processo das eleições dos diretores no mês de abril de 2007 nas

    escolas de Andradas, Minas Gerais. Conseguimos realizar grande parte da pesquisa com os

    membros da comunidade escolar envolvida nesse procedimento, principalmente junto ao

    Colegiado Escolar.

  • Nossa perspectiva de investigação é mediada pelos recursos da História, o que

    justifica a inserção no grupo de pesquisa HIPE1 do Unisal. Diferentemente dos relativismos

    e ceticismos que têm afetado as ciências na contemporaneidade, as respostas que

    conseguimos dar ao problema que formulamos atrelam-se ao entendimento de que a

    história é capaz de nos revelar os contornos, os limites e as possibilidades do objeto

    pesquisado. Isto é, acreditamos que a abordagem histórica do fenômeno pesquisado nos

    possibilitou produzir sobre ele alguma verdade, muito embora não o tenha esgotado.

    Nos vinculamos a um Programa de Mestrado em Educação sócio-comunitária, pois

    entendemos que as eleições dos diretores é um momento que evidencia a relação entre a

    escola e a comunidade.

    Os fatos nos conduziram para o estudo em particular de três casos de diretores

    concorrendo à reeleição. Nossas expectativas iniciais eram que o trabalho do diretor

    reeleito estaria plenamente legitimado perante a comunidade, a ponto de o candidato

    merecer a reeleição. Nos casos analisados esses diretores foram reeleitos para um terceiro

    mandato e sem concorrência de outras chapas, extrapolando nossa expectativa inicial, pois

    entendemos que tais diretores, ao concorrerem pela terceira vez e sem concorrentes,

    estavam legitimados pela comunidade.

    Como a função do diretor está vinculada à administração das escolas, outra

    indagação nossa reside em entender qual a origem da administração e, posteriormente,

    quais foram os mecanismos utilizados no Brasil para o preenchimento desse cargo.

    1 Grupo de Pesquisa do Programa de Mestrado em Educação denominado “Análise histórica da práxis educativa nas experiências sócio-comunitárias e institucionais”.

  • Outro problema levantado por nós foi o de entender as idéias e as práticas de

    administração geral contemporânea: o taylorismo, o fordismo, o fayolismo e o toyotismo,

    bem como saber se essas idéias repercutiram (contaminaram) nas obras ou as idéias sobre o

    papel do diretor de escola. Do que resultou uma outra dúvida: será que as ações dos

    diretores reeleitos teriam alguma relação com esses pressupostos da administração geral?

    Todos esses questionamentos somaram-se a um outro, cuja resposta perseguimos

    em nossa investigação: por que razão implantou-se as eleições dos diretores após décadas

    de utilização da indicação, um procedimento vinculado ao clientelismo no Estado de Minas

    Gerais?

    Para responder a todos esses problemas dividimos nosso trabalho em cinco

    capítulos. O primeiro - Um breve resgate histórico do trajeto do cargo de diretor de escola

    no Brasil - procura demonstrar a origem histórica da administração vinculada ao

    aparecimento dos excedentes de produção e das divisões em classes sociais antagônicas.

    Abordaremos algumas experiências de administração escolar do Brasil com destaque para o

    mecanismo do preenchimento do cargo em cada época e o papel do diretor de escola nesse

    processo. Concluiremos analisando as formas existentes na atualidade: a indicação, o

    concurso, a eleição e a seleção seguida da eleição.

    No segundo capítulo - Os princípios elementares da administração geral e as

    repercussões nas escolas - apontaremos a Revolução Industrial como o processo que

    mudou radicalmente a forma pelo qual as sociedades humanas organizam sua produção, e

    como passaram a exercer seu trabalho e a conviver no interior das fábricas. Destacaremos

    as idéias fundamentais da administração científica e da administração clássica: o

  • taylorismo, o fordismo e o fayolismo. Completamos esse estudo com a análise do método

    mais recente nesse campo: o toyotismo. Entendemos que essas idéias e práticas

    extrapolaram os muros das fábricas e serviram de paradigma ao bom funcionamento de

    outras instituições, inclusive as escolares. Tornaram-se referência de eficiência,

    influenciando na elaboração das obras sobre a administração escolar e, em especial, sobre o

    papel reservado para o diretor.

    No terceiro capítulo - A conjuntura da introdução das eleições dos diretores nas

    escolas mineiras - abordaremos primeiro o contexto interno da implantação das eleições

    dos diretores de escola com destaque para os aspectos políticos do Brasil na década de

    1980, momento em que se efetivaram uma série de mudanças como o retorno das eleições

    para governadores dos Estados, que também contribuíram para a implantação das eleições

    dos diretores. Também o contexto externo, ou seja, as transformações ocorridas no mundo,

    em especial a substituição de um Estado centralizador do pós-guerra pelo Estado “mínimo”

    do neoliberalismo, e a substituição do taylorismo-fordismo pelo toyotismo. Destacaremos o

    papel exercido pelo Banco Mundial, instituição que parece ter influenciado decisivamente

    os rumos da educação do Brasil, investigando sua historicidade até 1991, ano da

    implantação das eleições dos diretores de escola no estado de Minas Gerais.

    O quarto capítulo – O “ouro de Minas Gerais”: as eleições dos diretores de escola

    - reservamos para as explicações acerca da metodologia utilizada na análise de nosso

    objeto, dos métodos empregados e principalmente do referencial de legitimidade do diretor

    de escola. Tivemos aqui que estabelecer um diálogo com Weber e suas categorias de

    legitimidade, que nos parecem apropriadas para esse estudo, seguido da análise dos dados

    coletados durante o processo da eleição. Resgatamos a história da cidade de Andradas,

  • local onde foi realizada a nossa pesquisa de campo. Por meio da análise das informações

    coletadas discutiremos a legitimidade do colegiado escolar, a relação entre o trabalho como

    professor e a legitimidade inicial dos diretores eleitos e a legitimidade ou não do processo

    das eleições para a comunidade. Finalmente, amparados em todas essas observações e

    principalmente nos apontamentos dos membros do colegiado escolar, identificaremos as

    ações que legitimam um diretor reeleito perante a comunidade.

    Tínhamos várias hipóteses sobre a constituição da legitimidade. E por se tratar de

    eleição, acreditávamos que um diretor exercendo um papel de líder carismático, sustentado

    em demagogia, abarcaria a aprovação da comunidade escolar. Ressaltamos que os casos

    estudados foram de escolas públicas que congregam uma comunidade diversificada, porém

    em sua maioria composta por trabalhadores da cidade ou do campo e seus filhos.

    Poderíamos imaginar um grupo facilmente manipulado por lideranças carismáticas e

    demagógicas.

    As conclusões da pesquisa parecem nos revelar um perfil muito diferente desse que

    imaginávamos. Encontramos lideranças legitimadas pela competência em executar um

    trabalho com resultados concretos para a comunidade escolar. Encontramos também uma

    comunidade que, apesar das limitações, está suficientemente madura para avaliar com

    objetividade um trabalho complexo e árduo que é o de gerir uma escola. Uma comunidade

    disposta a compreender os limites impostos ao diretor, e mais, disposta a não só avaliar,

    mas contribuir de forma responsável na gestão da escola. Isso é o que consideramos “o ouro

    de Minas Gerais”.

  • Capítulo 1

    Um breve resgate histórico do trajeto do cargo de diretor de escola no Brasil

    Iniciamos esse capítulo abordando a origem histórica da administração como uma criação

    humana e fruto das contradições engendradas com o surgimento dos excedentes de

    produção, das divisões sociais e do aparecimento do Estado. Em síntese, a administração

    como controle racional do trabalho humano. Identificaremos os mecanismos de

  • preenchimento do cargo de diretor nas escolas atrelado às fases da história do Brasil.

    Encontramos em um primeiro e longo período a transplantação do empreendimento da

    Companhia de Jesus e sua rígida hierarquia religiosa de inspiração militar e sua

    conseqüente expulsão. Identificaremos as tentativas de composição de um corpo

    administrativo das escolas durante a fase do Império, quando existia pouca distinção entre o

    papel do professor e do diretor. O clientelismo que caracteriza tão bem a fase da República

    Velha não deixou incólume nem mesmo a escola e, como conseqüência, a indicação

    política do diretor de escola como um dos mecanismos que resiste até hoje para o

    preenchimento do cargo do diretor. O longo período do governo getulista legou a prática

    que parecia moralizar e racionalizar o emprego público: os concursos. Encerraremos

    demonstrando como os pesquisadores identificam os mecanismos atuais para o

    preenchimento do cargo de diretor inclusive o que mais nos interessa: as eleições.

    1.1 A origem da administração2

    “Desejo que ames a escrita mais do que a tua própria mãe. Descortino para ti os encantos da arte de escrever; nenhuma outra profissão tem encantos maiores. Em todo o país nada existe capaz de igualar esta arte em beleza [...]. Dentre todos os que exercem uma profissão somente o escriba não está sujeito a receber ordens. Ele próprio manda” (De um papiro egípcio – 2.000 a.C ?)

    2 Muitas obras sobre administração partem do contexto de sociedades divididas em classes sociais. A administração, que é um processo mediador da relação entre homens, aparece como sendo algo natural. Julgamos necessário partir de uma análise que considera o aparecimento da administração como algo vinculado ao surgimento das relações de dominação entre os homens.

  • Por milhares de anos as comunidades humanas viveram em uma organização primitiva ou

    em sociedades igualitárias. Não existiam divisões sociais, todos eram iguais exceto pelas

    diferenças de gênero ou idade. Todos possuíam armas assim como suas ferramentas de

    trabalho. Todos trabalhavam e a única divisão do trabalho era por sexo. Os homens

    caçavam e pescavam e as mulheres coletavam os frutos da natureza. Não produziam

    excedentes e tudo era dividido igualmente entre todos, em períodos de fartura todos

    engordavam e em períodos de escassez de alimentos todos emagreciam, “o alimento devia

    ser conseguido todo dia” (ENGELS, 1977, p. 57). Não existia a propriedade privada, tudo

    era de todos e a “riqueza duradoura limitava-se pouco mais ou menos à habitação, às

    vestes, aos adornos primitivos [...]” (Id., 1977, p. 57).

    “Era uma coletividade pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra, e

    unida por laços de sangue” (PONCE, 2000, p. 17). Um novo membro ou um recém-nascido

    pertencia ao grupo ou ao clã e seu aprendizado seria realizado nas relações cotidianas,

    “para aprender a manejar os arcos a criança caçava; para aprender guiar um barco,

    navegava. O ensino era para a vida e por meio da vida” (Id., 2000, p. 19).

    Não existia um responsável por administrar ou comandar, “não existiam graus nem

    hierarquia” (PONCE, 2000, p. 20) sustentadas na posse ou na riqueza, mas somente em

    relação à idade e ao gênero. Nesta comunidade, destacava-se um líder, invariavelmente o

    homem mais velho que aconselhava o grupo, mas não impunha sua vontade pela força, que

    também era o responsável pela mediação entre os homens e as divindades. Era o

    responsável pelos rituais mágicos que davam segurança e coesão ao grupo. Todas as

  • decisões eram sempre coletivas sem haver a imposição da vontade de uma minoria sobre a

    maioria, “não havia nada, mas absolutamente nada, superior aos interesses e as

    necessidades da tribo (Id., 2000, p. 21)”. Longe de idealizações, era uma sociedade

    submetida aos domínios da natureza.

    No período Neolítico3 estes grupos iniciaram a primeira revolução ou transformação

    radical pela qual a humanidade passou. Em algumas regiões abandonaram sua condição de

    nômades e tornaram-se sedentários. Passaram a domesticar animais e a praticar agricultura,

    mas pela primeira vez produziram excedentes, isto é, além do necessário para a

    sobrevivência do grupo.

    Ao contrário do que ocorria nas sociedades igualitárias, os excedentes de produção

    não foram divididos igualmente e sim apropriados por um grupo. Os líderes desta

    comunidade; o homem mais velho e o responsável pela magia se apropriaram desses

    excedentes como uma oferenda aos deuses. Pela primeira vez existia na humanidade um

    grupo acumulando bens mais do que os outros. Era a origem das divisões sociais.

    O acúmulo desses excedentes favoreceu o enriquecimento cada vez maior da classe

    dominante o que a possibilitou manter homens armados: um exército para obrigar a maioria

    dominada a entregar o resultado de seu trabalho para a minoria dominante, o imposto. Esta

    classe dominante apropriou-se da terra e a “propriedade privada se sobrepôs à propriedade

    coletiva” (ENGELS, 1977, p. 86) garantida pelo casamento monogâmico.

    A divisão em classes sociais e a apropriação da maioria das riquezas produzidas

    pela sociedade por uma classe dominante garantida pela coerção liberou um grupo de

    3 O Período Neolítico estende-se de 12000 a.C até por volta de 4.000 a.C.

  • homens da tarefa de trabalhar, de produzir. Este grupo especializou-se em administrar4, em

    controlar ou governar a sociedade e os negócios públicos em beneficio próprio. A classe

    dominante criava “um poder público especial distinto do conjunto dos cidadãos que

    compõem o Estado” (ENGELS, 1977, p. 105).

    Este processo engendrou o aparecimento das primeiras civilizações da humanidade.

    Na Idade Antiga a ação de administrar, de controlar, monopolizada por uma classe

    dominante, possibilitou a construção de imensas obras através do controle do trabalho

    coletivo de milhares de pessoas.

    A administração para os gregos antigos era a oikonomía, a arte de bem administrar

    uma casa ou um estabelecimento particular ou público. Os gregos possuíam o conceito de

    política, a arte de decidir o destino da pólis, da cidade-Estado, responsabilidade de poucos.

    Para os gregos a arte da política era extremamente significativa; Aristóteles, por exemplo,

    escreveu no século IV a.C. a obra Política, em que analisa a democracia ateniense.

    Os romanos, povo de origem latina, conquistaram e administraram um imenso

    território na Antiguidade, com povos das mais diversas culturas e é do latim que temos

    outra definição: administrare, administrar, que significa uma ação construída racionalmente

    (do latim ratio, razão) para gerir, dirigir, governar.

    Na Antigüidade as elites proprietárias aprendiam nas escolas a arte de governar,

    guerrear, conquistar. As classes dominadas aprendiam com a vida.

    4 Administração pode ser definida como a “utilização racional de recursos para a realização de fins determinados” (PARO, 2005, p. 18).

  • Na Idade Média ou no Feudalismo a ausência de um poder temporal legou à Igreja

    Católica a responsabilidade pela administração e o controle da sociedade da Europa

    Ocidental. Nos feudos a Igreja Católica mediava as relações entre servos e senhores.

    Acreditava-se que o destino estava nas mãos de Deus, que regulava todas ações humanas na

    Terra. A Igreja colocava-se como a intermediária entre Deus e os homens. Por meio de uma

    organização verdadeiramente simples, sustentada em uma rígida hierarquia, a Igreja

    Católica conseguiu manter a coesão de uma sociedade multifacetada, a da Idade Média.

    A escola medieval formava a elite religiosa. Os guerreiros aprendiam com seus

    mestres e os servos (dominados) continuavam aprendendo com a vida.

    O tempo era administrado não por horas ou minutos, mas pela duração de uma

    oração como a ave-maria ou o cozimento de um alimento. As condições climáticas

    impunham aos homens longas jornadas de trabalho durante o verão e curtas no inverno.

    Existiam algumas máquinas extremamente rudimentares que dependiam do esforço

    humano para se movimentarem. O movimento dessas máquinas da era pré-mecânica, que

    estava sempre em compasso com o esforço humano (CARMO, 2001).

    Da Antigüidade até o final da Época Medieval grandes obras foram realizadas

    utilizando-se do esforço de milhares de trabalhadores; na construção das pirâmides do

    Egito, o Partenon da cidade de Atenas, o Coliseu de Roma, a catedral de Notre Dame de

    Paris. Escravos na Antigüidade e servos na Idade Média, esses trabalhadores não estavam

    submetidos ainda à prática do trabalho como uma mercadoria e essas construções se

    arrastavam por longos anos e até mesmo por séculos.

  • O papiro egípcio citado na abertura desse capítulo evidencia em sua descrição a arte

    de escrever como uma característica deste longo período da humanidade: a associação do

    saber com o poder e o comando.

    As bases sociais e econômicas do Feudalismo ruíram em um longo processo de

    transição para um novo modo-de-produção: o capitalismo industrial, intermediado pela fase

    mercantil. O fim do feudalismo foi marcado por uma série de transformações que

    modificaram não somente as estruturas da Europa, mas do mundo como um todo. A

    formação de Estados Nacionais com poderes centralizados, capacitados a recolherem

    impostos, e realizarem vultuosos investimentos na expansão marítima e comercial. O

    domínio de novas tecnologias como a transformação da pólvora em armas de fogo, e o

    conhecimento de cartografia, possibilitou a algumas nações enfrentarem o “Mar

    Tenebroso” como chamavam o Oceano Atlântico, em uma busca de uma nova rota para as

    Índias.

    Portugal, Estado Nacional de formação precoce, iniciou sua expansão antes de

    qualquer outro, seguido pela Espanha. O projeto Espanhol de circunavegação do Mundo

    inseriu um “novo continente” na História e na geopolítica da Europa. O Tratado de

    Tordesilhas assegurou a Portugal parte das terras “descobertas”. A princípio denominada

    como Terra de Santa Cruz, além de um domínio econômico feroz implantaram-se as

    normas de uma rígida ordenação religiosa: a Companhia de Jesus, nascida da reação da

    Igreja Católica ao processo de cisão da Reforma Protestante. Foi entregue aos jesuítas a

    missão de implantar no Brasil uma das primeiras experiências de administração: a

    catequização dos índios.

  • Encontrar ouro ou outras pedras preciosas na área portuguesa da América demoraria

    alguns séculos.

    1.2 A administração escolar no Brasil colonial e o cargo do diretor

    “Quem poderá contar os gestos heróicos do Chefe à frente dos soldados, na imensa mata: Cento e sessenta as aldeias incendiadas, Mil casas arruinadas pela chama devoradora, Assolados os campos, com suas riquezas, Passado tudo ao fio da espada”. (José de Anchieta, “De Gestis Mendi de Saa” ,1560)

    Para os portugueses que aqui aportaram em 1500, os índios ou os “negros da terra” que

    aqui viviam eram um povo sem rei, nem fé e nem lei, ou seja, o povo da desordem. Foi no

    interesse de impor uma ordem temporal, uma ordem religiosa e ainda uma economia

    amplamente exploratória, que a colonização portuguesa se efetivou no Brasil. Os interesses

    do rei de Portugal, representante do poder temporal se coadunaram com os objetivos da

    Igreja Católica, uma instituição cindida na Europa, que procurava na conquista de novos

    fiéis, de uma forma simples e rápida, repor o rebanho perdido para os protestantes. O padre

    Manoel da Nóbrega, no início da colonização do Brasil, afirmava que era mais simples

    converter um ignorante do que um “malicioso” e “soberbo” filósofo, que se fundavam nas

    sutilezas da razão, já que as coisas da fé não se provam com a razão. Os soberbos filósofos

  • eram os homens europeus do Renascimento e da Reforma Protestante, e até mesmo de

    outras partes do mundo, mas o ignorante era o índio das terras ocupadas pelos portugueses,

    que se tornariam o Brasil (VILLALTA, 1997).

    O Estado português entregou a responsabilidade de constituir e administrar escolas

    para educar o “povo da desordem” aos membros da Companhia de Jesus, os jesuítas, que

    exerceriam sua influência na educação de 1549 até 1759, quando foram expulsos.

    A ordem desejada pelo rei de Portugal não foi só conseguida com a violência direta

    e extrema, como citado na epígrafe, versos do jesuíta José de Anchieta em homenagem à

    Mem de Sá, em uma de suas ações contra os “gentios” da terra, mas também e

    principalmente com a imposição de um sistema de catequização, alicerçado em uma

    hierarquia religiosa de inspiração militar.

    Fundada em 1539, por Ignácio de Loyola, a Companhia de Jesus teve o Brasil como

    primeiro local fora da Europa a receber os seus “soldados”. Por mais de duzentos anos

    foram esses padres os responsáveis pela educação e administração da escola. Assim,

    compreender esse modelo de administração montado pelos esses padres jesuítas, é

    compreender um pouco da administração e do funcionamento da escola no Brasil colônia.

    O Ratio Studiorum foi um conjunto de regras impostas pelos jesuítas durante o

    período da colonização do Brasil, cujo objetivo era organizar as escolas. Um de seus itens

    diz: “se alguns forem amigos de novidades ou de espírito demasiado livre devem ser

    afastados sem hesitação do serviço docente” (apud RIBEIRO, 1967, p. 28). Era o início de

    um sistema de ensino calcado no controle e repulsa às novidades da Europa do movimento

    Renascentista e também do Reformismo Protestante.

  • Maria Luisa Santos Ribeiro faz uma consideração que julgamos importante para a

    compreensão dos objetivos da educação jesuítica relacionada ao contexto da Reforma

    Protestante:

    É interessante notar que os movimentos de Reforma e Contra-Reforma ocorridos no início do século XVI criam o mesmo problema no seio do cristianismo. É assim que Portugal, entre outras nações, se considera um defensor do catolicismo e estimula a atuação educacional, tanto no território metropolitano como no colonial, de uma ordem religiosa que se constituiu para servir de instrumento de defesa do catolicismo e, conseqüentemente, de ataque a toda heresia. Nesta tarefa seus membros se dedicam por inteiro, como guerreiros de Cristo. Inácio de Loylola. O fundador, como antigo militar espanhol, chega a imprimir diretamente um regime de trabalho modelado na sua anterior forma de vida (RIBEIRO, 2003, p. 25).

    A autora completa que os objetivos educacionais dos jesuítas eram acima de tudo de

    caráter religioso, fundado no “escolasticismo”5 que se afastava de uma forma geral das

    novas orientações religiosas, mas também do espírito cientifico da época.

    No século XVI o Brasil foi dividido em Províncias e Circunscrições, territórios onde

    estavam as casas e os colégios dos padres jesuítas. No topo da hierarquia administrativa

    elaborada pelos padres jesuítas encontrava-se o Provincial Geral, responsável pelos

    colégios em todas as províncias. O Provincial Geral exercia este controle de Roma. Abaixo

    dele estava o Provincial, responsável direto de cada província. A função desse Provincial

    era de cuidar da formação de bons professores e a tarefa primordial era dirigir e observar o

    cumprimento das regras determinadas pelo Ratio.

    O Provincial também era responsável pela nomeação do Reitor, a autoridade

    máxima do colégio e sua função voltava-se para a doutrinação e o bom funcionamento da

    escola. Entenda-se por bom funcionamento da escola o cuidado com portas, armários, sinal,

    5 Linha de pensamento que predominou na Europa do século IX ao XVI e que tentava conciliar fé e razão.

  • distribuição dos ofícios, convocação e direção das reuniões com os professores, além de

    presidir grandes solenidades.

    Abaixo do Reitor figurava o Prefeito de Estudo, braço direito do Reitor na

    orientação pedagógica. O Prefeito acompanhava a vida escolar, visitava as aulas,

    fiscalizava a execução dos programas e dos regulamentos.

    A base dessa hierarquia era formada pelos professores que deveriam cumprir as

    ordens do Prefeito de Estudos e as normas do Ratio, principalmente aquelas que previam a

    preparação e o desenvolvimento das atividades durante as aulas. Abaixo dos professores

    encontravam-se os alunos.

    Paulo Ghiraldelli (1990) faz uma consideração sobre a pedagogia dos jesuítas que

    aborda a ação dos professores e o comportamento ideal dos alunos diante dos estudos. Diz

    ele:

    A pedagogia do Ratio Studiorum baseava-se na unidade de matéria, unidade de método e unidade de professor. Ou seja, a unidade de professor significava que cada turma deveria seguir seus estudos, do começo ao fim, com o mesmo mestre. Todos os professores deveriam se utilizar da mesma metodologia. E o assunto a ser estudado deveria contemplar poucos autores, principalmente aqueles ligados ao pensamento oficial da Igreja, como Tomás de Aquino. Além disso, o Ratio determinava uma disciplina rígida, o cultivo da atenção, da perseverança nos estudos – traços de caráter considerados essenciais para o cristão leigo e, mais ainda, para o futuro sacerdote. O princípio pedagógico fundamental era a emulação, tanto individual como coletiva, aliada a uma hierarquização do corpo discente baseada na obediência e na meritocracia (GHIRALDELLI, 1990, p. 20).

    Todas as ações dos envolvidos neste projeto de educação estavam dentro do

    previsto pelo Ratio Studiorum e supervisionado pelos padres visitadores. Até 1759 os

    padres jesuítas controlaram uma grande parte das escolas no Brasil colônia.

  • O objetivo dos jesuítas era a catequização dos índios, e não aceitaram por um

    período os “homens pardos” ou os mestiços considerados por eles indisciplinados. A

    readmissão desses mestiços foi revista, pois os jesuítas recebiam verbas do governo

    português para a manutenção das escolas. Também não formularam um plano para a

    maioria escrava. Mesmo alguma ação por parte do governo de Portugal encontrava

    resistências das elites proprietárias no Brasil. Temos o exemplo de D. Lourenço de

    Almeida, que governou Minas Gerais de 1721 a 1732 e recebeu uma ordem de D. João V,

    rei de Portugal para implantar um sistema de educação que “em cada vila, se pagassem

    mestres para ensinar a ler, a escrever, a contar e, ainda, o latim, à multidão de ilegítimos da

    capitania” mas este simplesmente não cumpriu, pois os alunos eram “filhos de negras”

    (VILLALTA, 1997, p. 350).

    A instrução escolar no Brasil nasceu prisioneira de uma hierarquia religiosa, cuja

    orientação barrava o espírito científico e as inovações. Uma educação sustentada na

    manutenção de uma ordem patriarcal, estamental e colonial, com uma didática baseada na

    repressão e obediência. Para a imensa população escrava educar-se significava assimilar

    alguns aspectos da cultura dominante facilitando a resistência diante da opressão da

    escravidão.

    Independente da escola controlada pelos Jesuítas, homens livres aprendiam e

    ensinavam em seu espaço doméstico. Nas Minas Gerais do século XVIII encontramos o

    exemplo de Cláudio Manoel da Costa, alfabetizado por um tio, antes de ir para os colégios.

    O escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, aprendeu a ler e a escrever no espaço

    doméstico. Mulheres também participaram da tarefa de aprender e ensinar como dona

    Maria da Cruz, que possuía escolas de leitura e de música, e Josefa de Godói Castro, que

  • ensinava as moças a ler e a costurar em Mariana do século XVIII (VILLALTA, 1997 p.

    359).

    Os padres jesuítas tiveram sucesso em realizar seu objetivo essencial que era a

    catequização dos índios e a formação dos membros das elites proprietárias em seus

    colégios. Os segmentos excluídos da educação jesuítica, como os escravos africanos,

    buscavam de forma independente se integrar à cultura dominante, assimilando a língua, por

    exemplo. Também homens e mulheres livres em seu espaço doméstico reproduziam o

    conhecimento na arte de ler e escrever, mas a característica que melhor define esse período

    reside na ação dos membros da Companhia de Jesus em impor uma disciplina pela

    obediência às regras e ao poder centralizado. Tal ação dos jesuítas mereceu uma observação

    de Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil:

    Nenhuma tirania moderna, nenhum teórico da ditadura do proletariado ou do Estado totalitário, chegou sequer a vislumbrar a possibilidade desse prodígio de racionalização que conseguiram os padres da Companhia de Jesus em suas missões (HOLANDA, 2001, p. 39).

    Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, foi ministro do Rei D.

    José I de Portugal entre 1750 a 1777. Além de Ministro, o Marquês de Pombal foi

    diplomata português em Londres. A Inglaterra iniciava pioneiramente um processo que

    mudou radicalmente as relações de produção e trabalho: a Revolução Industrial.

    Pombal percebeu o avanço inglês e o atraso de Portugal e elegeu um dos

    responsáveis pelo atraso dos portugueses: os jesuítas. Em busca da modernização do

    Estado, Pombal expulsou os jesuítas de Portugal e do Brasil. A educação jesuítica fundada

    na fé não mais convinha aos interesses do Estado português. Para o Brasil, a principal

  • conseqüência foi a desarticulação do modelo de ensino dos jesuítas, sem a substituição por

    outro mais eficaz ou que atendesse a população. No vazio deixado pelos jesuítas, a

    administração pombalina implantou as Aulas Régias e criou o cargo de Diretor Geral dos

    Estudos, com interesse de servir e modernizar o Estado. A implantação das Aulas Régias

    fragmenta o ensino, porém, coloca a essência do controle nas mãos de agentes do governo.

    Na noite de 30 de novembro de 1807, sob os protestos de D. Maria I, a Louca, a

    Corte portuguesa fugiu da invasão francesa em Portugal para o Brasil. A Transferência da

    Corte portuguesa para o Brasil pouco mudaria a administração das escolas.

    A segunda invasão6 dos portugueses trouxe modificações principalmente para o Rio

    de Janeiro, que se tornou sede da Corte Portuguesa no Brasil. Foi fundada a Imprensa

    Régia, a Biblioteca Nacional, escolas de ensino superior para prepararem oficiais da

    Marinha e do Exército, e alguns cursos superiores de cirurgia, anatomia e medicina entre

    outros.

    D. João, o Príncipe Regente de 1808 a 1821, iniciou um controle mais efetivo do

    Estado na educação organizando o ensino primário e mantendo o secundário através das

    Aulas Régias. Tudo controlado pelo Diretor Geral de Estudos, e centralizada nas mãos da

    Corte portuguesa.

    A educação escolar no Brasil Colonial foi implantada e sustentada por uma

    hierarquia de uma ordem religiosa de inspiração militar, que disputava com colonos a posse

    dos índios e não possuía nenhum plano para o restante da população, principalmente para

    os escravos. O aluno da escola dos padres jesuítas era um elemento a ser catequizado ou

    6 Tomei a expressão “invasão” de Darcy Ribeiro (2006), raramente utilizada pelos historiadores.

  • convertido na fé cristã, e a atividade de ensinar totalmente vinculada ao sacerdócio, e a uma

    espécie de sacrifício pessoal de privações e obediência.

    Mesmo a presença da Corte portuguesa no final do período colonial contribuiu

    pouco para mudar a organização das escolas.

    1.3 A escola sem direção no Império

    No início do século XIX, a industrialização, em pleno processo de expansão de produção de

    mercadorias, exigia a abertura de novos mercados e o fim dos velhos domínios coloniais,

    que ainda impunham barreiras ao livre comércio. A Independência dos Estados Unidos, a

    primeira colônia da América a tornar-se uma nação livre, libertando-se da metrópole

    inglesa, serviu de exemplo real de luta contra o domínio europeu. A Revolução Francesa

    expandiu os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil colonial, esse ideal de

    liberdade foi interpretado como libertação do domínio de Portugal. A invasão francesa, e a

    conseqüente transferência da Corte portuguesa para o Brasil, com a proteção da marinha

    Inglesa, apressaram a Independência do Brasil.

    A Inglaterra exigiu uma transformação econômica extremamente significativa:

    Abertura dos Portos, que na prática significava o fim do monopólio português. A presença

    do Rei de Portugal aqui no Brasil provocou também uma mudança política, pois o Brasil

    deixou de ser colônia para ser elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves.

  • Após a Revolução do Porto (1820) e a volta do rei D. João VI para Portugal, em

    1821, as Cortes de Lisboa e o parlamento exigiram que o Brasil voltasse à sua antiga

    situação de colônia. O príncipe Regente D. Pedro e as elites proprietárias consumaram o

    que de fato já existia: a Independência política do Brasil em relação a Portugal.

    Com o Brasil independente era necessário organizar o Estado e a primeira

    Constituição foi outorgada em 1824. Em 1827 foi decretada a primeira lei da Educação

    Nacional Brasileira, a lei Geral de 15 de outubro de 1827, que se tornou Lei Nacional

    durante o reinado de D. Pedro I. Determinava em seu primeiro artigo que deveriam existir

    escolas de “primeiras letras” em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos e caberia

    ao Estado Nacional legislar sobre a instrução pública.

    Em 1834, com a introdução do Ato Adicional, a administração foi descentralizada

    transferindo o dever da instrução primária e gratuita e o ensino secundário paras as

    Assembléias Legislativas e aos presidentes das Províncias7.

    Nesta época não existia o cargo de diretor de escola e na província de São Paulo

    foram criadas comissões com representantes do Governo Provincial, do poder municipal e

    da Igreja para fiscalizar as escolas. Os responsáveis pelas escolas eram os professores que

    estavam subordinados diretamente ao Presidente da Província.

    Somente em 1847 foi criado o cargo de diretor para as escolas responsáveis pelo

    ensino secundário: os Liceus. O diretor era nomeado pelo governo e tinha a

    7 Artigo 10º parágrafo 2º do Ato Adicional. O Ato Adicional de 1834 reformou a Constituição outorgada em 1824 durante o governo de D.Pedro I.

  • responsabilidade de fiscalizar professores e alunos. Porém esses liceus tiveram uma vida

    curta e em 1868 não estavam mais oficializados.

    Desta forma pode-se considerar que não existia o cargo do diretor de escola durante

    o Império. A responsabilidade pelas escolas cabia aos professores, que eram fiscalizados

    pelos agentes das Câmaras Municipais e pelo Inspetor Geral da instrução, que respondia

    diretamente ao presidente da Província.

    No final do século XIX, em meio a um cenário de transformações sociais, políticas

    e econômicas, chegou ao fim o governo do Imperador D. Pedro II. Um novo produto

    econômico expandiu-se durante a segunda metade do século XIX, o café.

    Concomitantemente à expansão cafeeira ocorreu um processo de incipiente

    urbanização do interior do Estado de São Paulo, e assim novos segmentos sociais surgiram,

    a própria aristocracia cafeeira e um segmento médio de profissionais liberais e

    trabalhadores livres. A monarquia brasileira não atendeu as demandas desses novos

    segmentos, inclusive na expansão da educação pública. Porém, ao entrar em conflito com

    sua base de sustentação que eram a Igreja, o Exército e os proprietários de terras, o

    Imperador D. Pedro II ficou só e sem apoio. Os militares e as elites forjaram um golpe em

    15 de novembro de 1889, sem a participação do povo, e colocaram fim ao Império

    brasileiro8.

    8 Sobre a passagem da Monarquia para a República consultar Emilia Viotti da Costa (1985).

  • 1.4 O cargo de diretor: a indicação, os concursos e os mecanismos atuais

    Washington Luís (1926-1930) foi o último presidente da República Velha, período que se

    estende de 1889 até 1930. Além de ter sido deposto no final de seu mandato, em 1930, um

    outro elemento curioso desse presidente é que ele foi eleito com 97,99% dos votos. Esse

    resultado quase unânime foi uma constante em praticamente todas as onze eleições

    presidenciais ocorridas na República Velha.

    Qual estrutura foi criada durante esse período no Brasil que justifica a eleição de

    presidentes com a quase totalidade dos votos ou o que sustentou o poder das oligarquias

    durante esse período?

    Essa resposta nos interessa particularmente, pois está vinculada a um dos

    mecanismos adotados para o preenchimento do cargo de diretor de escola: a indicação

    política. Ela é um dos artifícios consolidados nesse período e presente até hoje nas escolas

    do Brasil e está atrelada ao coronelismo, base da estrutura que sustentou o poder durante a

    República Velha.

    A origem do coronelismo encontra-se no Império Brasileiro com a formação da

    Guarda Nacional controlada pelos grandes proprietários de terras e escravos, que recebiam

    como benefícios ou postos nessa organização militar e utilizaram-se dessa prerrogativa para

    aumentar ainda mais seu poder local. Formou-se no Brasil do século XIX uma oligarquia

  • rural que controlava tudo. Emilia Viotti da Costa faz uma consideração sobre o poder

    dessas oligarquias durante o Império:

    Nas cidades do interior a oligarquia rural dominava em termos absolutos, enfrentando com sucesso, em caso de conflito, os representantes do poder imperial. São numerosos os casos que testemunharam essa supremacia, como, por exemplo, o daquele funcionário que, incumbido pelo Governo Imperial de averiguar um caso de contrabando de escravos na região de São Paulo, viu-se obrigado a interromper a missão em virtude da pressão dos potentados locais, envolvidos com o comércio ilícito. O mal-sucedido funcionário da Coroa não conseguiu na cidade ninguém que se dispusesse a depor contra os poderosos, se bem que todos tivessem ciência de sua culpabilidade. Igualmente significativo é o caso daquele outro agente da lei que se viu impossibilitado de exercer sua função por encontrar, numa cidade do interior de São Paulo, todos os cargos públicos controlados por uma mesma família (COSTA, 1985, p. 209, grifos nossos).

    O chefe oligarca local exercia seu poder distribuindo cargos a sua clientela

    protegida.

    O advento da República acabou com o coronelismo e sua face clientelista?

    Entendemos que não. O regime republicano não destruiu o poder dos coronéis. Ao

    contrário, contribui para fortalecer ainda mais esse poder local através da adoção do

    federalismo e da aliança do poder central com essas oligarquias regionais, que se

    desdobrou na chamada Política dos Governadores ou Política dos Estados. Formulada

    durante o governo do presidente Campos Sales (1898-1902), a Política dos Governadores

    garantia que os grupos políticos que governassem os estados dariam apoio total ao governo

    Federal. Esse, em troca, impedira que deputados federais eleitos pela oposição chegassem

    ao poder. A Política dos Estados garantiu a alternância na presidência da República de

    representantes de São Paulo e Minas Gerais, a chamada Política do Café-com-Leite.

    O voto era plenamente controlado, já que apenas uma minoria da população era

    eleitora: somente os homens alfabetizados, algo que girava em torno de 6% da população.

  • Não existiam partidos políticos na acepção estrita da palavra e o Partido Republicano

    Paulista e o Partido Republicano Mineiro controlavam as eleições. A economia restringia-

    se praticamente à política de valorização do café, que nada mais era que uma socialização

    das perdas dos cafeicultores.

    Mas para as escolas ou para a administração das escolas e o cargo do diretor a

    República mudou alguma coisa?

    A Constituição foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, contendo novas leis

    para a educação. Porém, é importante considerar que os assuntos educacionais não

    ganharam durante essa fase um departamento próprio, estando sempre vinculados a uma

    simples repartição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Assim, pelo menos na

    Federação, existiu somente o Conselho Superior do Ensino, de jurisdição do Ministério da

    Justiça, substituído em 1925 pelo Conselho Nacional de Ensino, para tratar de maneira mais

    técnica da administração escolar. Apesar de atribuições reduzidas, essas instâncias federais

    contribuíram para uma mudança importante ao introduzir a competência técnica (NAGLE,

    1974).

    Nos Estados de uma forma geral a instrução pública era dirigida por uma seção

    denominada Inspetoria Geral de Instrução Pública, das Secretarias do Interior ou das

    Secretarias da Agricultura, Indústria e Comércio, na década de 1920 transformadas em

    Diretorias Gerais. Eram órgãos incumbidos de difundir ao máximo a instrução primária

    assim como seus componentes fiscalizadores. Também nos estados o surgimento das

    delegacias de ensino e a estruturação da carreira do magistério foram medidas

    administrativas adotadas visando maior eficiência do sistema.

  • O perfil do cargo de diretor de escola também mudou com o advento dessa nova

    ordem política no Brasil.

    Em São Paulo, por exemplo, as primeiras nomeações oficiais ao cargo de diretor

    ocorreram entre 1890, quando foi criada a Escola-Modelo, escola de prática de ensino dos

    alunos normalistas. Este cargo era denominado professor-diretor e suas atribuições

    referiam-se mais à coordenação pedagógica do que a administração, e era nomeado pelo

    governo. Em 1892 a Lei nº 88 de 8 de setembro, instituiu a administração interna da escola

    com um diretor, coexistindo com o controle externo. Cabia ao diretor a fiscalização dos

    alunos e professores até o pagamento das contas da Escola, bem como a demissão e

    contratação de funcionários (ANANIAS 2006; FONSECA 2006; SECO, 2006).

    Porém foi com a criação do Grupo Escolar através do Decreto n° 248, de 26 de

    setembro de 1894, que o papel do diretor ganhou ainda mais relevância. Em 1894 temos o

    primeiro diretor efetivo do estado de São Paulo: Dr. Bento Pereira Bueno. O Grupo Escolar

    com o ensino seriado, classes homogêneas, reunidas em um mesmo prédio e

    principalmente, sob uma única direção e padronização dos métodos de ensino,

    possibilitaram a administração e supervisão escolar sob o controle do Estado. A reforma era

    garantida pela ação do diretor, que substituiu os professores na relação da escola com o

    Estado. Nessa fase o próprio Estado indicava o diretor, que devia:

    Fiscalizar todas as classes durante o funcionamento das aulas, elaborar horários [...] propor ao governo criação e supressão de lugares de adjuntos no grupo e nomeação e dispensa de professores, indicar a nomeação de porteiros, contratar e despedir porteiro e servente, proceder a matrícula, classificação e eliminação de alunos, submetê-los a exames mensais e finais, responder por toda a escrituração da escola, organizar folha de pagamento e diário de ponto, apresentar relatórios anuais, além de fazer cumprir as disposições legais sobre o recenseamento escolar e impor ao pessoal as penas que incorressem (SOUZA, 1998, p. 81).

  • O diretor continuava sendo também um professor, dividindo seu tempo com a sala

    de aula, mas como era nomeado e assim representante do Estado e do Governo, passou a

    dedicar-se exclusivamente à tarefa de dirigir as escolas.

    Em 1920 foi criada a Faculdade de Educação do Estado de São Paulo com a

    intenção não só de formar professores, mas também diretores de escola.

    Foi também desta década que o ideário da Escola Nova9 difundiu-se pelo Brasil.

    Não foi a primeira manifestação do escolanovismo que estava presente desde o século XIX,

    porém foi na década de 1920 que encontrou seu período de maior difusão. No Brasil o

    movimento do escolanovismo teve alguns aspectos próprios, como a iniciativa nas escolas

    públicas ao contrário do que ocorria em outros países onde as iniciativas ocorriam em

    caráter privado (NAGLE, 1974).

    O movimento da Escola Nova possui uma relação com a expansão da

    industrialização e assim com a propagação do liberalismo. Se o liberalismo político

    significou a destruição das velhas práticas opressoras que barravam o desenvolvimento

    “natural” da sociedade, o movimento da Escola Nova representou o liberalismo no setor da

    educação. Esse movimento acredita que a educação é o único elemento capaz de construir

    uma sociedade democrática, respeitando as individualidades.

    9 Escola Nova é o nome de um movimento de renovação do ensino ocorrido principalmente durante as primeiras décadas do século XX. Alguns de seus expoentes são: Heinrich Pestalozzi (1746-1827), Freidrich Fröebel (1782-1852), John Dewey (1859-1952), Eduard Claraparède (1873-1940) Adolphe Ferrière (1879-1960), Ovide Decroly (1871-1932).

  • Mas também o movimento da Escola Nova fazia uma crítica ao caráter livresco da

    educação tradicional, que deveria ser substituído por atividades concretas, eliminando a

    simples decoração de tabuadas, nomes de paises e suas capitais ou características de plantas

    e animais. Isso deveria ser substituído pela observação concreta das coisas que as crianças

    pudessem ver e pegar, ou seja, o contato com as coisas. Daí a importância de visitas aos

    museus, aos jardins botânicos, ao campo, às fábricas.

    Esse ideário da Escola Nova esteve presente em iniciativas reformadoras de vários

    Estados da nação, como no Ceará com a atuação de Lourenço Filho e na Bahia com Anísio

    Teixeira.

    A República Velha chegaria ao fim em 1930 com um movimento liderado por

    Getúlio Vargas. A crise mundial do capitalismo repercutiu no Brasil com a quebra do

    acordo político conhecido como Política do Café-com-leite. Mais do que nunca os

    cafeicultores paulistas precisavam da atuação da chamada política de proteção ao café que

    indenizava suas perdas. O rompimento deu-se com a indicação à Presidência da República

    de Júlio Prestes, um paulista e não um mineiro como previa o acordo. A cisão nas

    oligarquias agrárias coadunou-se com a formação de duas chapas que concorreram as

    eleições de 1930. Uma encabeçada por Júlio Prestes e seu vice Vital Soares e a Aliança

    Liberal com Getúlio Vargas como candidato à presidência e seu vice João Pessoa, apoiados

    por Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Sul, entre outros.

    Apesar de eleito no velho esquema fraudulento da República Velha, Júlio Prestes

    não chegou a tomar posse. Seu antecessor, o também paulista Washington Luís (1926-

  • 1930), foi deposto por uma junta militar que entregou o poder para Getúlio Vargas em 03

    de novembro de 1930.

    O ano de 1932 foi marcado por dois fatos: o primeiro está relacionado com a

    Revolução Constitucionalista de 1932, uma reação das oligarquias paulistas derrotadas

    contra o Governo de Getúlio exigindo a constitucionalização do país. O outro foi o

    Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, elaborado por educadores que haviam aderido

    ao movimento da Escola Nova e ficaram conhecidos como renovadores. Fernando Azevedo

    (1894-1974) encabeçava esse manifesto com mais 26 educadores, entre eles Anízio

    Teixeira (1900-1971).

    Entre tantos elementos do Manifesto, destacamos a critica que os renovadores

    elaboraram pela ausência de pressupostos científicos para resolver os problemas da

    educação e também da administração escolar. Nos dizeres do Manifesto:

    Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma "cultura própria", nem mesmo uma "cultura geral" que nos convencesse da "existência de um problema sobre objetivos e fins da educação" (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, p. 1 Disponível em: Acesso em 03 de nov. de 2007, grifos nossos).

    O manifesto destaca que a preparação dos administradores escolares seria de

    fundamental importância para a consolidação do processo educativo no Brasil

    (ANDREOTTI, 2006).

  • Em 1932 as oligarquias paulistas foram derrotadas, porém Getúlio teve que

    convocar uma Assembléia Constituinte. A nova Constituição foi promulgada em 1934, e

    elementos da organização da administração pública moderna já estavam presentes, por

    exemplo, o concurso obrigatório para o provimento de cargos no magistério.

    Outro aspecto previsto na Constituição de 1934, era a realização de eleições para a

    presidência da República em janeiro de 1938. Essas eleições nunca ocorreram, pois em

    1937 Getúlio Vargas desferiu um golpe e instituiu o Estado Novo (1937-1945). Um

    complexo contexto que envolve cisões nos grupos militares brasileiros, combate ao

    comunismo e avanço de regimes totalitários na Europa, explica a instituição da ditadura do

    Estado Novo. Para a nação a justificativa deu-se por meio do Plano Cohen. Um plano

    forjado que alegava um ataque dos comunistas, e somente um governo forte e centralizado

    conseguiria combater essa ação.

    Uma característica que interessa para nós sobre a ditadura do Estado Novo foi a

    criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) em 1938, com o

    objetivo de modernizar a administração pública. Entenda-se por modernizar a

    administração a substituição da velha prática da indicação política para o preenchimento

    dos cargos públicos pelo recrutamento baseado na formação profissional, capacidade

    técnica e mérito10.

    Em 1941, por exemplo, efetivou-se em São Paulo o concurso público para o cargo

    de diretor do Grupo Escolar.

    10 A criação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 1944 está vinculada ao objetivo de formar profissionais pra a administração.

  • É dessa época também a criação do SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem

    Industrial, criado em 1942, destinado a formar mão-de-obra para a indústria. O SENAI é

    um exemplo da ação do empresariado na educação.

    O concurso público significou o fim do domínio das oligarquias nos quadros

    administrativos do Estado? Marisa Ribeiro Teixeira Duarte analisou a política de gestão dos

    trabalhadores em educação durante as décadas de 1930 e 1940 no Estado de Minas Gerais e

    sobre a formação do Corpo Técnico de Educação; ela fez a seguinte consideração que

    citamos:

    A exigência do diploma do curso de pós-normal11 e de acesso por concurso não se mantém por todo o período, mas parcela significativa dos alunos formados pela Escola de Aperfeiçoamento passa a ocupar cargos técnicos na Secretária de Estado. Importa, ainda, destacar a base social de recrutamento destas alunas, que posteriormente vão compor a elite da burocracia educacional. Consulta ao livro de notas da Escola de Aperfeiçoamento, constante no acervo do Instituto de Educação de MG, revela o sobrenome de famílias ligadas aos principais grupos oligárquicos. Constituíam, portanto, uma elite no quadro de magistério e para a administração do ensino no Estado (DUARTE, 2005, p. 254).

    Conclui-se que em São Paulo o curso de pós-normal (Pedagogia) em

    Administração Escolar foi introduzido em 1958, com a atribuição de pontos para os

    diretores que participassem. De uma forma geral esses cursos buscavam um

    aperfeiçoamento técnico dos diretores (ANDREOTTI, 2006).

    Assim, do início da República até o final do primeiro governo de Getúlio Vargas,

    em 1945, foram engendradas duas formas de escolha dos diretores de escola: a indicação e

    o concurso público. Nota-se que tanto a indicação seguida da nomeação ou concursos

    públicos estão vinculados a tentativas políticas do Governo de promover a modernização da

    11 O curso de pós-normal foi criado a partir de 1930 em Minas Gerais e formava os especialistas em ensino. Desses cursos saiam os quadros técnicos para a Secretaria da Educação e Saúde Pública (Duarte, 2005).

  • educação escolar, atrelando o cargo de diretor à eficiência das reformas. É o caso da

    nomeação dos diretores para os Grupos Escolares, símbolo do grande projeto republicano

    de educação da República Velha.

    O concurso para os cargos do magistério foi previsto na Constituição de 1934, na

    fase do governo provisório de Getúlio Vargas, e o concurso para diretores do Grupo

    Escolar no momento da ditadura do Estado Novo, quando se anunciava a pretensão de

    modernizar, moralizar e industrializar o Brasil. Uma prática não suplantou a anterior em

    todo o Brasil. A indicação do diretor continuou existindo na maioria dos Estados, e o

    concurso público foi aplicado somente em São Paulo.

    Vitor Henrique Paro em seu livro Eleições de Diretores: a escola pública

    experimenta a democracia, de 1996, analisa essas duas práticas adotadas. Para o autor o

    concurso público para diretores vincula-se a uma defesa da moralidade na escolha dos

    funcionários públicos e a democratização do acesso, considerada por muitos a forma mais

    avançada, objetiva e imparcial de colocar, por exemplo, um diretor em uma escola. O

    concurso público possibilita a aferição do conhecimento do diretor e “uma excelente forma

    de contratação de pessoas para serviço público, talvez a única verdadeiramente moral”

    (PARO, 1996, p. 20).

    Porém, o concurso público não consegue medir a capacidade de liderança do

    candidato diante do pessoal escolar e dos usuários da escola pública, entendendo o diretor

    de escola somente como um agente de uma prática burocratizada (PARO, 1996).

    A outra prática engendrada e muito vinculada à República Velha foi a indicação do

    diretor de escola, normalmente feita pelo representante do Poder Executivo ou algum chefe

  • político local, prática que aumentou após o fim da ditadura de Getúlio Vargas (ROCHA,

    2003).

    A indicação esteve vinculava às práticas clientelista de poder, e a escola

    transformada em um “curral eleitoral” de chefes políticos locais, que precisavam distribuir

    empregos, mantendo sua esfera de influência e poder (COSTA, 1988). Assim o cargo de

    diretor de escola em grande parte do Brasil era um instrumento de barganha para políticos

    em troca de apoio. Não foi uma prática com características homogêneas, mas esteve

    presente em vários Estados do Brasil.

    Nas últimas décadas várias mudanças ocorreram no mundo do trabalho e

    principalmente na administração, que agora é chamada de gestão. A Constituição de 1988

    incluiu o termo “Gestão democrática da Educação”. Gestão vem do latim gestio, que, por

    sua vez vem de gerere, que significa trazer em si. “Gestão não é só e o ato de administrar

    um bem fora-de-si, alheio, mas é algo que se traz em si porque nele está contido” (CURY,

    2005, p. 201).

    Quais seriam os elementos existentes na gestão democrática das escolas brasileiras

    depois de quase duas décadas da promulgação da Constituição de 1988?

    Erasto Mendonça (2000) pesquisou em todo o território nacional a adaptação do

    artigo constitucional que prevê a gestão democrática da educação nas políticas educacionais

    dos Estados, das capitais e do Distrito Federal. A metodologia aplicada por ele consistiu na

    leitura de uma bibliografia adequada ao tema e documentos que tratam do assunto. Após a

    análise desse material o autor destacou cinco categorias que aglutinam a idéia e a prática de

  • uma gestão democrática: participação, a implantação e o funcionamento do colegiado

    escolar, descentralização e autonomia e a escolha dos diretores de escola.

    Conseguiu informações por meio de um roteiro enviado para os órgãos federais,

    estaduais e municipais da educação. O autor observa que nem todos os órgãos

    responderam, algo que oscilou entre 33% e 73%. Somente do Estado do Pará é que não se

    obteve nenhuma resposta. Com esses dados e também com leis, decretos e regulamentações

    recebidas em sua coleta o autor elaborou uma análise do processo de adequação do

    princípio de gestão democrática presente na Constituição de 1988, e na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, nas escolas públicas, abarcando inclusive a

    escolha dos diretores de escola.

    Erasto Mendonça inicia sua análise pela história da inclusão do princípio de gestão

    democrática na Constituição Federal de 1988, destacando que a democratização ficou

    reservada ao ensino público. A LDB ampliou a idéia já exposta na Constituição Federal, e

    em seu artigo 14 determina que as normas atendam às peculiaridades locais, os princípios

    de participação dos profissionais na elaboração do projeto pedagógico da escola e da

    comunidade escolar em conselhos escolares ou equivalentes. Também o artigo 15 da LDB

    contempla a ampliação progressiva de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão

    financeiras das escolas.

    O autor passa a analisar os resultados obtidos em sua pesquisa sobre os aspectos que

    considera primordiais para a democratização da escola. Ele concluiu que, em relação à

    participação, ainda prevalece nas escolas o predomínio da opinião dos diretores e dos

    professores nas decisões. Muitos continuam vendo a escola pública como uma propriedade

    do governo e dos professores donos de seu cargo e de suas classes e o diretor de escola

    como guardião dessas concepções. Erasto Mendonça aponta que os limites para a

  • participação dos pais e responsáveis encontram-se também em algumas legislações, e que o

    diretor de escola pode facilitar ou dificultar esse processo.

    Outro mecanismo utilizado largamente como expressão da gestão democrática é a

    implantação dos colegiados escolares, existentes mesmo antes da Constituição de 1988 e

    incorporado pela LDB 9394/96 em seu artigo 14, inciso II. As experiências com o

    colegiado escolar consolidaram a idéia de que essa instituição busca de certa forma o bem

    comum e não vantagens pessoais. Composto de representantes dos segmentos da

    comunidade escolar, pais, alunos, professores e funcionários, o colegiado tornou-se um

    instrumento de superação do poder total do diretor. A implantação e o funcionamento dos

    colegiados não ocorre de forma tranqüila, com conflitos internos e muitas vezes o

    monopólio das considerações pelos professores.

    Em relação à administração o autor considera que a centralização administrativa

    ajudou em um determinado momento na organização e na modernização do Estado. Na

    educação atingiu níveis de exagero, tornando a escola extremamente distante da

    comunidade. Porém a descentralização não é necessariamente democrática se não forem

    acrescidos elementos que possibilitem ampliar a participação. A principal forma de

    descentralização que vem se aplicado é a financeira, ou, como o autor pontua, a

    administração da escassez.

    Aponta também que no cotidiano das escolas públicas, as burocracias centrais e

    intermediárias expandem-se cada vez mais se justificando por meio da criação dos projetos

    a serem realizados em suas unidades.

    Podemos definir autonomia como a capacidade que a escola possui de auto

    governar-se. Porém, a pesquisa do autor apontou que os mecanismos estabelecidos pelos

    sistemas de ensino economizam em implantar meios para esse fim, mas são abundantes em

  • estabelecer limites. Um exemplo é a elaboração do Regimento Escolar, que possui forma

    única estabelecido pelas administrações centrais.

    Sobre a escolha dos diretores, o autor aponta que é o aspecto da democratização que

    mais tem motivado as pesquisas e as investigações empíricas sobre a gestão democrática da

    escola. A escolha dos diretores monopolizou as discussões sobre a democracia nas escolas,

    pois seria uma forma concreta de superar os entraves impostos pelas práticas clientelistas

    da indicação e a centralização autoritária dos diretores.

    Mendonça (2000) destaca e analisa os quatro mecanismos apontados em sua

    pesquisa pela qual o diretor de escola chega ao cargo no Brasil atualmente:

    A – a indicação pela autoridade do Estado, que sofre pressão dos padrinhos políticos

    dos indicados, foi apontada como o segundo mecanismo mais utilizado aparecendo em 44%

    dos Estados: Amapá, Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins, Alagoas, Bahia, Maranhão,

    Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Goiás.

    B – o concurso de provas e títulos, ocorre somente no Estado de São Paulo. A

    principal crítica a esse modelo é que o diretor de escola acaba constituindo um funcionário

    burocrático sem qualquer aferição de sua capacidade de liderança.

    C – a eleição através do voto da comunidade escolar apareceu nas pesquisas em

    53% dos Estados. Diz que a eleição dos diretores materializou a luta contra o clientelismo e

    o autoritarismo nas escolas, e é o princípio mais utilizado como democratização da gestão

    escolar. O pesquisador pondera que os limites desse processo são o excesso de

    personalismo e falta de preparo dos candidatos, e muitas vezes o aprofundamento dos

    conflitos. Mas é um sistema em processo de aperfeiçoamento, e várias medidas foram

    tomadas para diminuir essas contradições como a apresentação das propostas de trabalho

  • dos candidatos em assembléias e também o controle das campanhas. A eleição é adotada

    nas escolas públicas estaduais no Acre, Paraíba, Sergipe, Rio de Janeiro, Paraná, Rio

    Grande do Sul, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

    D – a seleção seguida de eleição aparece somente em 10% dos Estados. Nesse

    sistema os candidatos passam por uma prova de conhecimento e somente os aprovados

    podem se candidatar ao cargo. Após a apresentação das propostas de trabalho pelos

    candidatos em assembléias dos segmentos da comunidade escolar ocorre a eleição. A prova

    de conhecimento foi uma estratégia encontrada para apurar o conhecimento técnico do

    candidato e também diminuir ou eliminar a interferência política na indicação dos diretores.

    Os Estados que adotam esse mecanismo são: Amazonas, Ceará, Pernambuco, Espírito

    Santo e Minas Gerais, que adota esse modelo desde 1991, sempre com modificações ao

    longo desse período.

    Na 30ª reunião da ANPEd o pesquisador Ângelo Ricardo de Souza (2007), da

    Universidade Federal do Paraná apresentou informações que não mudam muito o quadro

    apresentado por Mendonça (2000). Souza coletou dados apresentados no Sistema de

    Avaliação de Educação Básica - SAEB12 de 2003 pelos próprios diretores e constatou que

    45,5% dos diretores de escola chegaram ao cargo por indicação política. As eleições

    representam 43% do montante e somente 6,3% chegaram pela via dos concursos públicos.

    A administração entendida como um controle racional do trabalho coletivo surgiu

    com o aparecimento dos excedentes de produção apropriados por um grupo que se destacou

    na sociedade dominando os demais. Essa administração do trabalho coletivo possibilitou a

    12Exame do Governo Federal que avalia a qualidade do ensino no país.

  • realização de grandes obras e podemos incluir nessa relação as primeiras experiências

    educativas da catequização dos índios no Brasil. Dessa experiência emergiu por séculos

    uma educação com decisões centralizada nas Europa, fortemente hierarquizada e

    principalmente fruto da reação da Igreja Católica ao movimento reformista.

    A ascensão do Marquês de Pombal e a conseqüente expulsão dos jesuítas deixaram

    um vazio que não foi facilmente preenchido, e as decisões continuaram centralizadas no

    governo e somente um ensaio de organização da educação durante a implantação da Corte

    portuguesa no Rio de Janeiro. O governo Imperial pouco alterou o quadro educativo e

    administrativo das escolas existentes no Brasil. Os professores respondiam pela

    organização da escola e eram fiscalizados pelos agentes do governo municipal e provincial,

    já que o cargo de diretor de escola teve uma curta existência nos liceus.

    Na fase da República Velha e durante o longo governo de Getúlio Vargas

    consolidaram-se pelo menos as duas formas pelas quais o diretor de escola chegaria ao

    cargo no Brasil: a nomeação (após a indicação) pelo governo e seus vínculos clientelistas,

    praticamente uma alegoria da República Velha, os concursos públicos implantados em

    1941 em plena ditadura do Estado Novo. Essas duas formas sobrevivem até hoje, somado

    agora pelas eleições dos diretores de escola pela comunidade escolar. Essa última

    desdobrou-se em duas variantes: a eleição dos candidatos e a existência de uma pré-seleção

    através de uma prova de conhecimento para a verificação da capacidade técnica, seguida da

    eleição para a verificação da capacidade de liderança.

    No século XX, a indústria tornou-se referência do bom funcionamento para as

    demais esferas da organização humana. A formulação de teorias de racionalização do

  • trabalho que foram engendradas no espaço das fábricas forneceu a possibilidade de

    produção de excedentes como nunca visto antes na humanidade. Por representarem a

    excelência em organização, essas teorias e suas aplicações suplantaram os muros e as

    chaminés das fábricas e embrenharam-se em outras instituições, como nas escolas. Algo

    que veremos no próximo capítulo.

    Capítulo 2

    Os princípios elementares da administração geral e as repercussões nas escolas

    A administração entendida como o controle do trabalho humano surgiu como fruto das

    divisões sociais e das relações de dominação de uma classe sobre outra. Esse controle foi

    uma das razões que possibilitaram a edificação de grandes obras e de imensos movimentos

    humanos para construir, guerrear ou catequizar. Porém, a Revolução Industrial adicionaria

    um elemento a mais. Uma formulação com base científica para controlar racionalmente o

  • trabalho humano na tarefa de produzir excedentes como nunca a humanidade havia

    concebido. Essa tarefa foi empreendida principalmente por Taylor, Ford e Fayol na

    primeira metade do século XX e Toyoda e Ohno no pós 2ª Guerra. Vimos no capítulo

    anterior que a montagem das escolas e dos mecanismos para o preenchimento do cargo do

    diretor não escaparam da influência do contexto histórico. A indicação do diretor de escola

    pelo chefe político ou a montagem da empresa catequizadora hierarquizada e execradora

    dos ideais Renascentistas ilustram a nossa consideração. Mas no século XX a fábrica

    tornou-se um referencial da boa administração e as concepções da administração científica

    e clássica foram parar nos livros sobre a administração das escolas. Compreenderemos o

    que se passava dentro das fábricas e a influência disso tudo nas escolas.

    2.1 A fábrica