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Nelio Bizzo LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 4.1 Introdução 4.2 Ideia e implementação da inovação 4.3 Avaliação do projeto 4.4 Concluindo Referências Projetos de Ensino de Ciências II: Bases Teóricas 4 AS GRANDES IDEIAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: "OS CIENTISTAS"

AS GRANDES IDEIAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: Projetos de ... · científico, mas também ousadia política, uma vez que ele fora cassado pela Ditadura Militar e afastado do Instituto

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Nelio Bizzo

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

4.1 Introdução4.2 Ideia e implementação da inovação4.3 Avaliação do projeto4.4 ConcluindoReferências

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Projetos de Ensino de Ciências II: Bases Teóricas

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4.1 Introdução Por volta de 1954, no quarto andar do prédio da Faculdade de Medicina da USP, o Dr. Isaías

Raw fundava um “Clube de Ciências”, um laboratório onde duas dúzias de estudantes constru-

íam equipamentos e faziam experiências que poderiam ser replicadas em escolas e mesmo na

casa dos alunos. Esta seria a semente que logo assumiria a forma de kits de experimentos para o

ensino de ciências, e de um grande movimento que entusiasmaria pessoas em todo o país, por

diversas décadas, e viria a culminar em outra iniciativa de grande envergadura - “Os Cientistas”,

que marcou a trajetória da professora Myriam Krasilchik como coordenadora do projeto, e de

centenas de milhares de adolescentes que o seguiram.

O Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), criado nos moldes das

agências da UNESCO, começara a produzir material para professores e alunos, acompanhados

de cursos para professores, seguindo a reforma educacional trazida pela Lei de Diretrizes e Bases

de 1961. Regulamentada nos anos seguintes, tinha instituído a obrigatoriedade do ensino de

ciências na forma de Iniciaçao à Ciência, mas não havia professores e materiais que abarcassem

todas as disciplinas científicas. Rapidamente o esforço regional em São Paulo transcendeu suas

fronteiras e os materiais e treinamentos alcançaram pontos distantes do país.

O trabalho do IBECC ganhou escala com a criação da Funbec (Fundação Brasileira para

o Desenvolvimento de Ensino de Ciências), em 1966, outra iniciativa do Dr. Isaías Raw, e

em colaboração com a Secretaria de Educação, com o Cecisp (Centro de Treinamento de

Professores de Ciências de São Paulo), no qual um grupo de professores trabalhava no desenvol-

vimento de currículos, materiais e equipamentos. Em pouco tempo, pelo esforço coordenado

pelo Ministério da Educação, outros estados tinham também criado tais centros. Assim, em

1965 havia centros de ensino de ciências, organizados nos moldes norte-americanos em São

Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.

Esse esforço brasileiro era tributário de iniciativas de universidades e sociedades científicas

norte-americanas, que tinham elaborado projetos de ensino de Matemática, Física, Química e

Biologia, refletindo a situação da Guerra Fria. Os kits já eram populares nos Estados Unidos

desde o início dos anos 1950, entre os quais o “Atomic Energy Lab”, que garantia diversão nos

experimentos com “materiais radioativos seguros”, que incluíam a construção de uma câmara

na qual se produzia uma “nuvem atômica”, iluminada por um feixe luminoso.

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4 As grandes ideias no ensino de ciências: "Os Cientistas"

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A indústria nuclear ganhava grandes dimensões, e alguma forma de controle internacional

apareceria em julho de 1957, com a criação da Agência Internacional de Energia Nuclear da

ONU em julho daquele ano. Dois meses depois ocorria o terrível desastre do complexo nuclear

de Mayak, na União Soviética, que gerou uma nuvem radioativa nada inofensiva, considerada

muito mais danosa do que a de Chernobil, e sobre a qual a “Cortina de Ferro” pouco deixou

o mundo saber. Segundo alguns historiadores do período, foi esse desastre que antecipou o

lançamento do Sputnik, em 4 de outubro de 1957, que se tornou um emblema a que ficaram

ligados os projetos de ensino de ciências hoje chamados de "alphabet soup", a “sopa de letrinhas”

das iniciais norte-americanas.

De fato, em 1951, a Universidade de Illinois, sob a liderança de Max Beberman, propunha

a reforma do ensino de Matemática, como o MSG, e, em 1956, Jerrold Zacharias liderava a

reforma do ensino de Física no projeto “PSSC”. Em 1958, o Congresso norte-americano

aprovava um fundo de 400 milhões de dólares, em valores da época, no bojo do National

Defense Education Act, promulgado em 2 de setembro de 1958, que estabelecia uma série

de vinculações para o seu uso, entre as quais o Disclaimer Affidavit, uma declaração ideológica

alinhada com as iniciativas macartistas, que, segundo alguns, afrontava a liberdade de pensamento

garantida pela constituição daquele país.

Esse fundo abasteceu a National Science Foundation, que financiou o American Institute of

Biological Sciences, que tinha tido H. Bentley Glass, da John Hopkins University, como coorde-

nador executivo de um projeto de reforma do ensino de Biologia, com Arnold Grobman, do

Museu da Flórida, como diretor geral. Assim nascia o Biological Sciences Curriculum Study (BSCS),

uma instituição que realizou sua primeira reunião em fevereiro de 1959 e funciona até hoje.

Assim, ao final da década seguinte, já como uma referência nacional na produção de mate-

riais para o ensino de ciências, o IBECC seria convidado a trabalhar na tradução dos materiais

instrucionais já produzidos, e a professora Myriam iria para a Universidade do Colorado, em

Boulder, nos Estados Unidos, onde foi produzida a primeira versão do BSCS, junto com um

cientista brasileiro, o Dr. Oswaldo Frota-Pessoa, outra mente brilhante e de saudosa memória,

que se ocupava da genética sem descuidar da educação básica e da divulgação científica.

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Projetos de Ensino de Ciências II: Bases Teóricas

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Nas palavras da professora Myriam:

“A experiência no BSCS foi um dos pontos de virada na minha trajetória.

Conviver proximamente, numa relação de companheirismo, com expoentes da

ciência biológica americana e depois inglesa foi um privilégio que me marcou para

sempre. Faziam parte do grupo Fritz Went, botânico, muitas vezes cogitado para

o prêmio Nobel, John Moore, zoólogo, que até recentemente escreveu trabalhos

para o ensino de ciências, Bentley Glass, significativo geneticista de populações,

Marston Bates, que abriu caminho para estudo de comunidades ecológicas, Joseph

J. Schwab, um dos maiores estudiosos de currículo e, principalmente, Arnold

Grobman, coordenador geral do programa, e sua esposa Hulda Grobman, com os

quais mantive uma forte amizade que se prolongou até sua morte recente. Hulda

me mantinha a par das novidades, me mandava livros, dava conselhos e foi uma

mentora a quem muito devo. O deleite de ouvir as discussões sobre os textos

produzidos, as controvérsias, a dificuldade de tomar decisões contrapostas tanto

nas reuniões formais como encontros informais foi profundamente instrutivo.”

(KrasilchiK, 2012, p. 131)

Myriam Krasilchik e Frota-Pessoa assumiram a posição de que o material do BSCS não deveria

ser simplesmente vertido para o português, mas adaptado para a realidade brasileira, com contextos

tropicais e, em sua primeira versão, apareceu com enfoque ecológico, constituindo provavelmente

o primeiro material didático alinhado com a educação ambiental no Brasil. Posteriormente, a

chamada “versão azul” foi totalmente adaptada, com o mérito principal de superar a tradicional

divisão entre Botânica e Zoologia por meio de temas unificadores, como relação forma-função,

diversidade de tipos, evolução, continuidade genética e homeostase, entre outros.

4.2 Ideia e implementação da inovaçãoA massa crítica criada com as diversas iniciativas em prol da melhoria do ensino da ciência

e a participação em projetos internacionais, nos quais havia uma evidente escala industrial,

com a preocupação de dar viabilidade comercial a produtos, a fim de garantir-lhes circulação

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e capilaridade, ficou como uma ideia a ser implantada no Brasil. A década de 1970 veria a

iniciativa dos kits ganhar escala industrial no Brasil, com o projeto da FUNBEC denominado

“Os Cientistas”, em parceria com a Abril Cultural.

Os kits, em caixas de isopor, com um fascículo ricamente ilustrado e um manual de instru-

ções, eram colocados quinzenalmente à venda nas bancas de jornal, com uma tiragem inicial de

200.000 exemplares. Do lado da editora Abril figuravam como Diretor da Divisão de Fascículos

Pedro Paulo Poppovic, e como supervisor de arte o jovem Elifas Andreatto, para citar apenas

dois nomes. Do lado da FUNBEC, que tinha o Dr. Isaías Raw à frente, trabalhavam diversos

professores ligados ao CECISP, como Norma Maria Cleffi, cujos escritos passavam previamente

pela avaliação de grandes nomes da ciência brasileira, por vezes vinculados à Academia Brasileira

de Ciências, como o saudoso professor Herman Lent, referência mundial em triatomídeos, que

viu, em vida, nada menos do que 23 espécies de insetos receberem o nome específico lenti

em sua homenagem. Tê-lo como consultor atestava não apenas a busca de excelência e rigor

científico, mas também ousadia política, uma vez que ele fora cassado pela Ditadura Militar e

afastado do Instituto Oswaldo Cruz dois anos antes, no chamado “Massacre de Manguinhos”,

e logo teria de deixar o país, rumando para o exílio.

A década de 1970 assistia ainda a uma tímida expansão da oferta de escolaridade para além

do curso primário. Havia poucas vagas para a etapa correspondente ao ensino fundamental II,

e até mesmo poucos professores com formação para ministrar a disciplina de Ciências Físicas

e Biológicas, como era chamada. Foi nesse contexto que um grupo de cientistas e educadores

liderados pelo Dr. Isaías Raw teve a ideia de elaborar projetos de experimentação na escola em

grande escala, deixando de vê-los como iniciativas isoladas e artesanais, obra da criatividade de

alguns professores abnegados, transformando-os em um projeto de dimensão nacional, com

uma tiragem suficientemente alta para ser viável comercialmente. Para tanto, foi envolvida a

editora Abril Cultural e elaborados planos de distribuição e comercialização de kits de expe-

rimentos, montados em caixas de isopor menores do que caixas de sapato, acompanhados de

um encarte colorido, impresso em papel de qualidade, formando uma coleção de 50 fascículos.

A proposta era ousada, pois envolvia a formação de uma grande equipe, desde a concepção

de cada um dos números, o planejamento dos experimentos a serem realizados, os materiais e

insumos a serem incluídos nos kits, além de uma estrutura paralela de produção gráfica. Além

do fascículo colorido, no qual era focalizada a vida e o trabalho do cientista, um encarte orien-

tava a montagem dos experimentos, com perguntas sobre os resultados obtidos.

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Os kits traziam um manual de montagem

de experimentos, que era seguido por questões

para análise de resultados, intituladas “O que

aconteceu?”, “Como?”, “Por quê?”. Era um

roteiro para montagem e estudo individual,

no qual o estudante poderia até encontrar a

resposta das diversas perguntas abertas, caso

utilizasse uma pequena membrana de celulose

vermelha, sem a qual a leitura era dificultada.

A vida e obra de cientistas de diferentes

áreas foi focalizada nos diferentes kits, tendo

como marco inicial Isaac Newton, com tiragem

inicial de 200.000 exemplares, vendidos em

bancas de jornal. Foi um estrondoso sucesso

editorial, que se manteve ao longo de dois

anos, regularmente publicados a cada quinzena

(Figura 4.1). Até mesmo o trabalho de cientistas contemporâneos, como Albert Einstein e

Linus Pauling, em diversas áreas da ciência moderna, foram alvo de números, com experimentos

que exploravam questões sofisticadas, como o efeito fotoelétrico e a eletroforese.

A ideia central pretendia levar os estudantes a aprender ciência de uma maneira diferente,

significativa, o que poderia trazer impacto não apenas em suas vidas, como também promover

mudanças no ensino de ciências das escolas públicas. Em seu depoimento, a professora Myriam

Krasilchik, que coordenou o projeto em companhia com uma grande equipe (Figura 4.2), fala

que ainda hoje encontra cientistas que dizem ter passado pela experiência de colecionar esses

kits, o que os teria influenciado decisivamente a optar pela área científica.

Figura 4.1: Capa do encarte do número 13 da coleção “Os Cientistas”, focalizando o trabalho de Joseph Priestley. / Fonte: Gatti; GoldberG, 1974.

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4.3 Avaliação do projetoO efeito da realização dos experimentos contidos nos kits da coleção “Os Cientistas” foi

testado em uma pesquisa do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos

Chagas (Gatti e GoldberG, 1974), que procurou evidenciar em que medida eles contribuíam

com o objetivo de desenvolver “comportamentos científicos”.

Figura 4.2: Créditos do fascículo 13, dedicado ao trabalho de Joseph Priestley, no projeto coordenado pela Profª Myriam Krasilchik. / Fonte: KrasilchiK, 2012.

O projeto manteve-se a tal ponto inscrito na memória dos jovens que dele participaram, que a ideia de revivê-lo nunca foi abandonada e tomou corpo recentemente. Uma série de cientistas e educadores manteve reuniões visando à sua reedição. Com financiamento do Governo Federal, uma grande quantidade de kits inspirados nessa coleção foi produzida e distribuída às escolas em todo o país. Clique aqui para saber mais a respeito desse projeto.

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A pesquisa partiu de um panorama esquemático de duas “grandes escolas” de ensino de

ciências que se teriam desenvolvido no Brasil. Uma delas defendia a prevalência de atividades

de dedução, enquanto outra abordagem ressaltava a importância das atividades indutivas. Entre

esse último grupo havia os que defendiam o chamado “ensino molecular”, que se referia a

estratégias nas quais os estudantes deveriam desenvolver pequenas tarefas, esperando-se que

depois compreendessem o “todo”. Outra proposta dentro da escola indutivista defendia o

“ensino molar”, no qual seriam apresentados inicialmente grandes objetivos e um panorama

amplo, para então iniciar o processo de particularizar observações, formular e testar hipóteses

etc. A proposta da série “Os Cientistas” era definida como “indutivista molecular”.

Para verificar o desenvolvimento de um conjunto de comportamentos ligados à ciência,

os pesquisadores definiram uma tabela de especificação desses comportamentos, na qual havia

aspectos cognitivos e atitudinais, ou seja:

“definimos comportamento científico como resultante da aquisição de conhe-

cimentos, habilidades e atitudes necessários à compreensão e aplicação do método

científico. Os conhecimentos dizem respeito a conceitos, terminologia científica etc.

Entre as habilidades intelectuais necessárias, incluímos as seguintes:1. observar e medir coisas e fenômenos com meticulosidade e rigor;2. perceber ou discernir problemas;3. formular hipóteses adequadas ao problema;4. testar hipóteses, realizando ou concebendo experimentos;5. interpretar dados e extrair conclusões pertinentes.No domínio das atitudes, incluímos as seguintes:1. ter curiosidade, ser inquisitivo;2. apreciar o desafio de uma atividade de descoberta;3. basear suas opiniões, tanto quanto possível, em fatos comprovados;4. não tirar conclusões apressadas.”(Gatti e GoldberG, 1974, p. 14)

Foram utilizados quatro kits da série em seu formato original, dedicados a Newton, Lavoisier,

Einstein e Volta, e um deles modificado, dedicado a Galileu. Foram montados dois grupos de

24 alunos, pertencentes a três escolas da cidade de São Paulo, após diversos cuidados amostrais,

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como homogeneização de variáveis, como idade e nível socioeconômico. Os alunos estavam no

final do ensino fundamental, e tinham idades que variavam entre 13 e 16 anos.

Um dos grupos realizou os experimentos com os quatro kits originais (“grupo experimental”),

e depois realizou os experimentos com o kit Galileu modificado. O outro grupo (“grupo

controle”) realizou apenas os experimentos deste último kit. Os dois grupos realizaram uma

prova de conhecimentos antes do início das atividades, sem que fosse possível observar diferenças

de conhecimento entre ambos.

Os grupos realizaram as tarefas dos kits divididos em subgrupos de seis integrantes,

observados por auxiliares de pesquisa, que anotavam comportamentos evidentes, registrando

as observações. O trabalho foi desenvolvido ao longo de cinco dias consecutivos, sendo que o

último foi dedicado ao trabalho dos dois grandes grupos (“experimental” e “controle”) com o

kit Galileu (modificado).

Os instrumentos de medida para evidenciar os comportamentos em estudo incluíam uma

escala de observação de persistência na tarefa, escala de observação na tarefa, um “opinário”,

onde havia afirmações com escala Likert, na qual o aluno registrava suas opiniões como

interesse e dificuldade na realização das tarefas, protocolos de observação da execução das tarefas

necessárias para resolver os problemas do kit Galileu, e avaliações objetivas sobre conhecimentos

envolvidos nos experimentos relativos a esse kit.

A observação de ações necessárias para resolver os problemas relativos ao kit Galileu

dizia respeito ao estudo das variações das oscilações de pêndulos, a exemplo de alguns testes

padronizados por Jean Piaget. É comum os jovens pensarem que a frequência de oscilação do

pêndulo depende da força com que o peso é lançado, ou mesmo do ângulo de lançamento. O

kit Galileu levava os alunos a perceberem que apenas o comprimento do pêndulo é a variável

realmente relevante. Assim, foram registrados comportamentos como observar se os estudantes

conseguiam realizar as medidas utilizando adequadamente as escalas fornecidas, se realizaram as

observações experimentais obedecendo ao número de observações requerido no protocolo etc.

Em termos cognitivos, os alunos receberam problemas que poderiam ser resolvidos a partir

da compreensão e aplicação dos fenômenos e processos evidenciados nas tarefas do kit Galileu,

que deveriam ser resolvidos individualmente.

Os resultados indicaram diferenças significativas entre os dois grupos de alunos. O grupo

experimental realizou medidas de maneira mais precisa, prestando atenção a detalhes como o

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uso adequado da escala de medida, observância do número requerido de oscilações do pêndulo

a fim de registrar o tempo médio de maneira adequada. O grupo experimental, por outro lado,

não realizou medidas de maneira cuidadosa, abreviou o número de observações de oscilação do

pêndulo, calculando médias com número reduzido de observações.

O desempenho apresentado na resolução dos dois problemas foi significativamente dife-

rente, tendo sido previstos três níveis de desempenho. Quando o aluno errava na resposta, ou

na medida realizada, seu desempenho era avaliado como “insatisfatório”; quando acertava a

resposta, mas se valia de alguma medida errada, seu desempenho era considerado “razoável”; e,

por fim, quando acertava a resposta a partir de medidas precisas e corretas, seu desempenho era

avaliado como “satisfatório”.

No primeiro problema, o grupo controle teve 15 soluções insatisfatórias, e 4 satisfatórias,

enquanto o grupo experimental teve 8 soluções insatisfatórias contra 10 soluções satisfatórias.

No segundo problema, o grupo controle teve 11 soluções insatisfatórias, e 8 satisfatórias,

enquanto o grupo experimental teve 7 soluções insatisfatórias contra 12 soluções satisfatórias.

As diferenças no desempenho acadêmico foram igualmente significativas no teste

aplicado ao final das tarefas do kit Galileu modificado, lembrando que os dois grupos tinham

obtido pontuações semelhantes antes de iniciar as tarefas. Os alunos do grupo experimental

demonstraram maior domínio da terminologia e dos conceitos centrais envolvidos nas tarefas

do kit Galileu.

Esse conjunto de dados de observação e de desempenho objetivo em tarefas de solução de

problemas indica que o grupo experimental apresentou persistência muito superior à do grupo

controle em todos os kits, da mesma forma que demonstraram um “ganho bastante significativo”

no desempenho, refletindo aquisição de “conhecimentos e habilidades intelectuais”.

4.4 Concluindo• Grandes projetos curriculares dos Estados Unidos dos anos 1950-60 tiveram como um de seus

resultados uma geração muito ativa na busca de melhorias permanentes no ensino de ciências.

• A iniciativa destacada no período do início dos anos 1970 é de um projeto brasileiro

que estimulava os estudantes a refazer experimentos ligados a um determinado cientista,

compondo a série “Os Cientistas”, muito bem-sucedida no início dos anos 1970.

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• Um conjunto de 50 kits foi produzido e comercializado no Brasil, na década de 1970, sob

a coordenação da FUNBEC.

• Os alunos realizavam experimentos, repetindo montagens clássicas, emblemáticas do

trabalho de diferentes cientistas.

• A avaliação do projeto foi realizada, em uma montagem em que um dos kits foi modificado

e oferecido a dois grupos diferentes de estudantes. Aqueles que tinham experiência

anterior na realização dos kits teve desempenho superior.

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