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6 ENTREVISTA INOVAÇÃO em pauta Número 15 Foto: Divulgação Steven Johnson

As ideias são redes – entrevista exclusiva com Steven Johnson para a Revista da FINEP

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As ideias“ ”são redes“Eureka!”, exclamou o matemático grego Arquimedes ao descobrir que

era possível calcular o volume de um corpo medindo o volume de água

movida quando submergido. O sábio fez a descoberta enquanto estava no

banho, e diz-se que saiu pelas ruas gritando a célebre palavra, que significa

“Descobri!”, em grego. Momentos repentinos de “insights” como este não

são tão frequentes como se imagina. A maior parte das ideias geniais nasce

após um período de incubação. Segundo Steven Johnson,

escritor americano de ciência e tecnologia e teórico de mídia, as boas ideias

são frutos de uma rede, e é necessário interagir para que as intuições se

transformem em inovações. Também não se deve desprezar o acaso, os erros,

e o caos como motores de novidades relevantes. Autor do best-seller “De

Onde Vêm as Boas Ideias”, publicado em 2010, e recentemente traduzido

para o português, Johnson conversou com a Inovação em Pauta durante

o 5º Congresso Internacional de Inovação, em outubro de 2012, em Porto

Alegre, promovido pelo Sistema FIERGS, com patrocínio da FINEP.

Foto: Divulgação Steven Johnson

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Rogério Rangel

Inovação em Pauta – Em seu livro “De Onde Vêm As Boas

Ideias”, você cita padrões ambientais e comportamentais

que promovem a inovação. Um deles – a “intuição lenta” –

diz que as ideias inovadoras raramente nascem de “insights”

repentinos, e levam um longo tempo para evoluir. Quanto

tempo é necessário para se amadurecer uma boa ideia?

Steven Johnson – Quase nunca algo realmente novo surge de um momento em que alguém diz “Eureka!”, como geral-mente se imagina. A maior parte das ideias importantes leva muito tempo para evoluir, ficam dormentes até amadurecer. Às vezes, podem levar anos ou décadas até que se tornem vivas ou utilizáveis para alguém. Isso se deve ao fato de que as intuições iniciais vão crescendo e se transformando com a colisão de outras ideias, formando algo maior que a soma das partes, algo novo. Um exemplo conhecido é a internet: Tim Berners-Lee, considerado o pai da World Wide Web (WWW) dedicou-se cerca de dez anos a um projeto do qual ele não tinha uma “visão completa final”. Ele começou com um projeto que visava ajudá-lo a organizar seus arquivos, e que foi descartado. Logo depois, ele teve outras ideias e, com a tal colisão de pen-samentos e intuições, esboçou o que viria a ser a WWW, após um período longo de incubação, daí o nome “intuição lenta”. O que leva, muitas vezes, uma intuição a se transformar numa inovação é essa colisão de ideias. Há outras pessoas pensando coisas parecidas ou complementares e, quando há troca de informações, há mais chance de ocorrer o salto da incubação para algo novo e real. O que se pode fazer para promover isso é criar sistemas que permitam que as interações ocorram cada vez mais. Não é à toa que cidades grandes são mais criativas do que pequenas. Quanto mais gente interagindo, mais ideias, e mais oportunidades de inovação. Ideias são redes.

IP – Como se pode promover essa interação, a “rede líqui-

da” a que você se refere no livro?

SJ – A inovação ocorre em ambientes mais caóticos do que normalmente imaginamos. É dificílimo planejar a ino-vação – não sabemos onde ela vai ocorrer. Mas podemos criar ambientes onde haja tantas “colisões de acontecimen-tos” - com muitas pessoas, centros de pesquisa, empresas, interações em redes sociais, por exemplo – que novas ideias terão mais chance de brotar. Grupos de diversos tipos, instituições e até países podem encorajar os indivíduos e grupos a conversar interdisciplinarmente. Um fato positivo que o Brasil tem a seu favor é ser tão multicultural e urba-no, com algumas das maiores cidades do mundo. Uma das

razões pelas quais cidades são grandes centros de inovação é porque são lugares onde profissionais de várias áreas se encontram – um local onde um arquiteto conversa com um escritor de ciência e com um agente de governo - é onde existe o que chamo de “rede líquida”. Ela nunca é estática, ela se redesenha a todo o momento. Em empresas, é interessante dar a pessoas-chave o papel de promover essas conexões, que podem ocorrer em lugares comuns como a sala do café. O desenho dos escritórios também favorece. Por exemplo, na Universidade do Alabama criaram um laboratório de inovação, chamado The Edge, que é aberto à comunidade. Em Nova York, há os “co-working spaces”, espécie de escritórios abertos, que pessoas podem entrar e usar, e que promovem um ambiente multicultural extraordinário. São como as casas de café inglesas do século XIX lugares em si inovadores, responsáveis por um tipo de revolução cultural na época. O hábito de se reunir nesses locais para se tomar chá e café, ao mesmo tempo reduziu o consumo de álcool dos trabalha-dores e provocou o encontro de pessoas, debates e ideias. Viraram moda na Europa, e depois no mundo todo, como centros culturais. Essas casas de café são um microcosmo das redes líquidasHoje em dia, um equivalente às casas de café daquela época seria a internet. O fato de você poder usar a rede virtual para

É preciso abraçar o erro

como parte do processo de

descobrimento e aprendizado.”

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escolher e construir novas redes líquidas é extremamente rico. Pessoalmente, no Twitter, procuro construir uma rede de contatos bem diversificada: sigo pessoas que escrevem sobre tecnologia, como eu, e também políticos, cientistas, jornalistas. O que realmente conta não são os tweets - as mensagens que escrevemos em, no máximo, 140 caracteres - e sim os links que apontam para artigos, “talks” e blogs, os quais eu provavelmente não conheceria se não tivesse formado essa rede. Atualmente, essas pessoas influenciam meus hábitos de leitura mais do que o New York Times, por exemplo. Na internet entra também a noção da serendipidade, outro padrão que identifico no qual as novidades relevantes acontecem: as descobertas feitas por acaso.

IP – Qual a diferença de serendipidade para o “momento

Eureka”?

SJ – O “momento Eureka” pressupõe uma descoberta feita num “insight”, após alguém ter ficado pensando sobre um assunto um tempo e, de repente, a solução lhe vir à cabeça. Algo muitíssimo raro, como já dissemos. Se fosse comum, se-ria mais proveitoso para um pesquisador se isolar no campo, concentrar-se muito, que logo uma resposta lhe surgiria, mais cedo ou mais tarde, num “estalo”. Já a serendipidade não pres-

supõe busca – ela simplesmente ocorre, mesmo quando se está caminhando em outra direção. Um exemplo é a descoberta da penicilina. Fleming realizava pesquisas com estafilococos e, antes de sair de férias, deixou algumas culturas sobre uma mesa do laboratório. Ao voltar, notou que colônias de um mofo tinham se formado, por acaso, provavelmente porque outro pesquisador vizinho vinha trabalhando com esse tipo de microorganismo. E Fleming viu que os estafilococos não se desenvolviam ao redor do tal mofo, chamado Penicillium notatum, que deu origem à penicilina. Pura serendipidade. Mas esses momentos, por mais mágicos que pareçam, só têm sentido num certo momento histórico e num determinado lugar. O Youtube, por exemplo, não seria um sucesso absurdo que é hoje se tivesse sido criado no início dos anos 90, quando a velocidade de conexão da web não comportaria vídeos. Ideias boas têm mais chance de virarem realidade de acordo com as possibilidades em volta.

IP – Isto é o que você chama de “adjacente possível”?

SJ – Exato. Só é possível realizar coisas novas com as possibilidades reais que temos a nossa volta, e há certos caminhos a percorrer que não permitem que se pulem etapas. A formação da vida em nosso planeta demonstra isso: desde o caldo primordial de elementos que formaram a Terra, tivemos inúmeras combinações com vários resultados, numa certa sequência, que veio a dar na primeira célula. Daí até a formação de seres vivos aconteceram outras combinações possíveis, não se pulou de uma sopa de elementos para a exis-tência de animais. E a evolução foi feita com os elementos e condições disponíveis. São como portas em uma sala: pode-se escolher que porta será aberta para se passar a outra sala, com um desdobramento infinito, mas não se pode pular de uma sala para outra - temos que percorrer um caminho de portas. O “adjacente possível” são as portas que podemos abrir, em dado momento, para seguir em frente. A banda larga foi uma porta aberta para o Youtube. Isso também explica por que mais inovações ocorrem em centros urbanos, onde há mais possibilidade de interação e adjacentes possíveis. Existem outras adaptações de que lançamos mão na imi-nência de fazer uma ideia já amadurecida virar algo novo. Um dos mais recorrentes é a “exaptação”. Esse termo vem da biologia e descreve modificações que serem vivos fazem de certas funções ou órgãos já existentes para exercerem outras, de acordo com novas necessidades. As asas dos pássaros, por exemplo, foram desenvolvidas pela natureza para isolamento térmico, inicialmente. Mais tarde, foram adaptadas para o voo. Outro exemplo conhecido foi o desenvolvimento da prensa, por Gutenberg. Inicialmente, ele utilizou prensas de

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uvas, para a produção de vinho. Este é um padrão recorrente no caminho da inovação.

IP – Até que ponto os erros são importantes para a busca

de novas ideias?

SJ – Diversas inovações são resultados de erros. Podem vir de algo totalmente não esperado – como no exemplo da penicilina – ou de fato de conclusões precipitadas, que leva-vam a um caminho inicial sem respostas, ou com respostas erradas. É preciso abraçar o erro como parte do processo de descobrimento e aprendizado: errar indica um novo caminho e permite uma nova conexão na sua mente. O economista britânico William Stanley Jevons escreveu em 1874 que “os erros de uma mente brilhante são mais numerosos do que os das mentes menos vigorosas.” Outro erro brilhante, este do século passado: durante mais de um ano, os cientistas que pesquisavam imagens espaciais feitas por um super teles-cópio, acreditavam que as marcas de radiação que estavam vendo se tratavam de um defeito do equipamento. Até que conversas com outros pesquisadores os levaram a uma nova análise que resultou na descoberta da radiação cósmica de fundo, que, por sua vez, deu origem à revolucionária teoria do Big Bang. O que era um erro de interpretação inicial resultou, mais tarde, no Prêmio Nobel para os cientistas.

IP – Num mundo cada vez mais rápido e competitivo,

como é possível se dar ao luxo de permitir o tempo de

incubação das intuições?

SJ – Algumas empresas altamente inovadoras permitem que seus funcionários tenham uma parcela de tempo livre para criar projetos pessoais, como a Google, onde cada em-pregado tem 20% do tempo para cuidar de seus interesses extras, hobbies e outras ideias que podem levar anos para vingar. Certamente, isso não é possível em todo lugar, mas podemos adotar algumas estratégias. Eu acredito muito em tomar nota de tudo que você julgar interessante. Interessar-se pelo mundo à sua volta também faz brotar intuições. Estudar, passear e conversar, tudo isso é relevante e tanto as empresas como as escolas devem estimular isso mais e mais. Observe, também, que nem tudo é totalmente organizável – o caos faz parte da vida e temos que abraçá-lo e aprender dentro dele, e com os problemas e erros que nascem disso.

IP – Você acredita que há culturas mais criativas do que outras?

SJ – Acho que sim, mas num determinado tempo e espaço. É interessante notar como os centros de inovação mudam

num contexto histórico. Hoje, a China é uma gigantesca fábrica, mas será que estão realmente inovando? Estão pro-duzindo inovações de verdade? Não me parece que seja o caso agora, mas isso virá com o tempo, possivelmente num futuro próximo. Os centros inovadores são mutáveis. Desde a revo-lução dos computadores, que já tem 30 anos, até um passado bem recente, Nova York estava fora do mapa tecnológico. O epicentro da área de TI estava na Costa Oeste americana. Mas, aos poucos, a cidade passou a ser a segunda colocada em pesquisa e produção dessa tecnologia nos EUA. Acredito que isso se deva ao fato de Nova York ser um centro de uni-versidades e de negócios, além de ser um caldeirão cultural. A inovação fervilha nesses lugares. E creio que é possível plantar sementes para que isso ocorra em outros locais. O que a Califórnia, Seattle e Nova York, por exemplo, têm em comum são universidades sólidas, técnicos, engenheiros, pesquisadores de todas as áreas, e estudantes preparados, assim como financiamento diversificado e uma cultura que encoraja o empreendedorismo, desde o fomento de capital, com “venture capital” a outros incentivos. A densidade e a diversidade contam, como também no Rio e em São Paulo.

IP – Em relação ao registro de inovações, com a exigência de

patentes, como é possível promover a “colisão de ideias” e

compartilhamento de informações e manter-se competitivo?

SJ – Acho que, em geral, estamos dando valor demais às paten-tes como meio de encorajar a inovação. Basicamente, por uma razão essencial: se as ideias são redes e dependem de outras ideias, as patentes podem restringir esse fluxo; se, por um lado, a nova patente pode permitir um retorno econômico inicial, por outro ela é uma barreira para a colaboração. 10

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Permita que outros construam sobre suas ideias; empreste, recicle, reinvente.”

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Nos EUA, já se discute que há patentes demais, detalhadas demais, e que têm gerado uma indústria de advogados de pa-tentes. A guerra entre a Apple e Samsung, as líderes do mercado de smartphones, está chegando a um ponto sem retorno. No mundo da tecnologia, ninguém realmente acredita que essas milhares de patentes sejam sinônimos de inovação. Já se debate que talvez seja mais inteligente eliminar as patentes desse tipo de tecnologia e começar do zero. Se isso fosse feito, tudo se moveria mais rápido e economizaríamos cerca de 10 bilhões de dólares ao ano em processos legais abusivos. As empresas lu-crariam mais com esse desembaraço e os consumidores teriam produtos mais eficientes e baratos em suas mãos. Está claro que o sistema de patentes, pelo menos no mundo da tecnologia, está ultrapassado. A criação da WWW não foi patenteada. O que teria acontecido se Berners-Lee tivesse registrado suas criações? Teríamos um sistema fechado e, sem dúvida, sem a maioria das facilidades com que nos acostumamos em menos de duas décadas. O que foi melhor para inovação, nesse caso? Para mim, não há dúvida da resposta.O intercâmbio multidisciplinar de ideias é uma das condições para o terreno das coisas novas ser fértil. A esse emaranhado de intuições e trocas eu chamo de “plataforma”. Nenhuma boa ideia começa do zero. As plataformas abertas, de qualquer natureza – sejam literárias, matemáticas ou tecnológicas – são a melhor base para se semear inovação. Obviamente, quem utiliza essas plataformas tem de ser generoso e manter suas descobertas disponíveis para os que vêm depois. Assim, todos ganham. Mais uma razão para se repensar o uso abusivo das patentes. Não estou pregando, logicamente, o fim delas, mas sim uma nova forma de lidar com o registro, que se transfor-mou num problema em vez de solução.

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IP – Geralmente, temos a impressão que o momento que

vivemos é especialmente bom ou ruim, em comparação

com o passado. Estamos vivendo um momento especial

em termos de boas ideias?

SJ – Sou um crente no progresso à moda antiga. Apesar das crises recentes e de outros problemas, temos hoje uma vida bem melhor do que há 100, 200 anos, pelo menos, em todos os padrões. Há mais saúde, segurança, acesso à informação e tolerância. Temos que lembrar que, mesmo em cidades hoje avançadíssimas, como Londres ou Paris, as pessoas viviam em condições horríveis no século XIX, por exemplo. E, claramente, nos últimos 30 anos, os padrões de vida estão melhores no mundo inteiro. Parece-me natural que, com a idade, cresça em nós um certo sentimento de nostalgia, mas também há pessoas que têm saudade do que não viveram. O passado tem, sem dúvida, muitos encantos e charmes. Mas eu prefiro o presente. E este é um ótimo momento para se estar vivo!

IP – Afinal, de onde vêm as boas ideias? E no nível pessoal,

é possível nos tornarmos indivíduos mais inovadores?

SJ – Eu poderia resumir os padrões que identifiquei como sendo “onde e como as boas ideias vêm” da seguinte maneira simplificada: dê caminhadas; cultive suas intuições; anote tudo, mas mantenha as anotações um pouco bagunçadas; abrace a serendipidade; cometa erros criativos; tenha vários hobbies; frequente casas de café e outras redes líquidas; siga os links; permita que outros construam sobre suas ideias; empreste, recicle, reinvente. n

Johnson foi um dos

palestrantes convidados do 5º

Congresso Internacional de

Inovação, em Porto Alegre

Foto

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