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1 AS (IN)VISIBILIDADES DAS MULHERES NO MEIO RURAL CONTEMPORÂNEO: O CASO DAS AGRICULTORAS FAMILIARES DE ROLANTE (RS). ALINE NANDI Mestranda em Desenvolvimento Regional, FACCAT Taquara RS Brasil/Bolsista Capes [email protected] . 1. Introdução Ao abordar o trabalho desempenhado pelas agricultoras familiares e sua participação no desenvolvimento, destaca-se a expressiva carga de trabalho destinada as mulheres nas propriedades rurais de economia familiar e ainda a invisibilidade das atividades desenvolvidas por estas mulheres quando se tratam das atividades ligadas ao lar. As mulheres desempenham atividades ligadas ao trabalho do lar, cuidados com os animais e produção para o auto consumo, enquanto os homens desempenham atividades ligadas a compra de insumos, gerenciamento da propriedade, destinação dos recursos e investimentos. Embora hajam mudanças ainda lentas acontecendo no Brasil e no mundo em torno desta realidade, já tem refletido nas relações familiares (2009). Para Silveira e Schwartz (2011), o uso de novas tecnologias o acesso à comunicação e ainda a mecanização do campo, fazem com que o trabalho se transforme. Tal fator tem contribuindo ao longo de sua implantação para ampliar a masculinização do campo (STROPASOLAS, 2004). Neste contexto, diversos estudos têm relatado a diminuição da presença feminina no campo, e tem recebido atenção especial o debate sobre a sucessão familiar. Segundo, Brumer et al. (2008), a participação das mulheres na tomada de decisões e a permanência das mulheres no campo com o desenvolvimento de atividades

AS (IN)VISIBILIDADES DAS MULHERES NO MEIO RURAL ... · ao espaço rural , ... Embora haja uma histórica exclusão das mulheres das atividades produtivas no meio rural em termo da

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AS (IN)VISIBILIDADES DAS MULHERES NO MEIO RURAL

CONTEMPORÂNEO: O CASO DAS AGRICULTORAS FAMILIARES DE

ROLANTE (RS).

ALINE NANDI Mestranda em Desenvolvimento Regional,

FACCAT – Taquara – RS – Brasil/Bolsista Capes [email protected]

.

1. Introdução

Ao abordar o trabalho desempenhado pelas agricultoras familiares e sua

participação no desenvolvimento, destaca-se a expressiva carga de trabalho destinada as

mulheres nas propriedades rurais de economia familiar e ainda a invisibilidade das

atividades desenvolvidas por estas mulheres quando se tratam das atividades ligadas ao

lar.

As mulheres desempenham atividades ligadas ao trabalho do lar, cuidados com

os animais e produção para o auto consumo, enquanto os homens desempenham

atividades ligadas a compra de insumos, gerenciamento da propriedade, destinação dos

recursos e investimentos. Embora hajam mudanças ainda lentas acontecendo no Brasil e

no mundo em torno desta realidade, já tem refletido nas relações familiares (2009).

Para Silveira e Schwartz (2011), o uso de novas tecnologias o acesso à

comunicação e ainda a mecanização do campo, fazem com que o trabalho se

transforme. Tal fator tem contribuindo ao longo de sua implantação para ampliar a

masculinização do campo (STROPASOLAS, 2004).

Neste contexto, diversos estudos têm relatado a diminuição da presença feminina

no campo, e tem recebido atenção especial o debate sobre a sucessão familiar. Segundo,

Brumer et al. (2008), a participação das mulheres na tomada de decisões e a

permanência das mulheres no campo com o desenvolvimento de atividades

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consideradas não rurais neste ambiente, tem contribuindo para um amplo debate

acadêmico e social acerca das demandas deste cenário.

O acesso a terra e a criação de políticas públicas que garantam as agricultoras

familiares o direito de terem sob sua posse, terras em assentamentos, assim como de

propriedades adquiridas através de programas de acesso ao crédito, ou ainda quando a

terra for adquirida em “parceria” com o companheiro, só se consolidou com mudanças

no Código Civil. Tal fator se consolida com a reformulação das políticas de acesso a

terra e a exigência de que cartórios realizem os registros com a titularidade também

feminina.

No entanto, a efetividade de acesso a diferentes mudanças implicadas pela Lei,

ocorre de forma muito pequena em todas as regiões do Brasil. Esta implicação, não se

deve apenas a cultura comportamental de que o homem é o proprietário por ser “o

detentor” dos recursos financeiros da família, necessários para a compra. Esta ainda na

ausência de rigidez para fiscalização que aplique a legislação vigente, acrescido ainda à

falta de conhecimento das próprias mulheres sobre seus direitos.

No contexto das práticas de trabalho e atividades desempenhadas no meio rural,

as experiências de mulheres agricultoras familiares na construção do desenvolvimento

sustentável e para a soberania alimentar, tem proporcionado uma ruptura nos modelos

sociais da agricultura familiar. Estando a alimentação da família, historicamente ligada

ao trabalho ou o fazer das mulheres, Jr e Andrade (2013), destacam que a articulação

das mulheres e o trabalho em conjunto, reafirmam não apenas suas identidades.

Contribuem assim, para desestabilização dos espaços tradicionais ocupados no seio da

agricultura familiar, a partir, do trabalho desempenhado pelas mulheres.

Este artigo tem objetiva uma abordagem sobre as práticas sociais e familiares na

reprodução dos modelos de comportamento que reafirmam as invisibilidades femininas

no meio rural, tendo como recorte espacial as agricultoras do município de Rolante

(RS). Sendo assim, estruturamos o artigo, procurando apresentar, num primeiro

momento, uma revisão da literatura pertinente ao tema e em seguida, procuramos

discutir a temática a partir deste específico, que é o contexto de Rolante.

2. Revisão da Literatura

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As desigualdades de gênero no meio rural estão relacionadas com: a educação,

infraestrutura, acesso à água e a energia elétrica, que historicamente chegam muito tarde

ao espaço rural, afirmam Heredia e Citrão (2006). As condições de trabalho das

agricultoras brasileiras nos últimos 20 anos, sofreram inúmeras transformações que

impactaram em sua dinâmica de relações e atividades desempenhadas. Os movimentos

de mulheres tiveram e continuam tendo um papel fundamental para proporcionar a

visibilidade do trabalho feminino no campo, bem como para efetivação da garantia de

seus direitos. Heredia e Citrão (2006), analisam que a construção e consolidação de

políticas públicas contribuem para a mudança do olhar da sociedade sobre o papel das

mulheres no desenvolvimento e ainda para a auto percepção das trabalhadoras rurais,

como atores sociais e políticos.

A migração juvenil, também sofreu transformações no contexto da ocupação de

espaços nas últimas décadas. Os espaços ocupados pelas jovens e mulheres no meio

rural, sob a perspectiva do trabalho, apontam para importância do trabalho feminino na

agricultura. Tal importância, não reside apenas no emprego de mão-de-obra, mas,

também nas atividades relativas à continuidade da produção do tipo familiar, porém está

ultima sofre invisibilidade e configura-se diferente entre os sexos (BRUMER,

PANDOLFO e CORADINI , 2008).

Embora haja uma histórica exclusão das mulheres das atividades produtivas no

meio rural em termo da divisão das tarefas não remuneradas e/ou reprodutivas, assim

como na decisão dos gastos, as novas ocupações femininas em atividades não agrícolas

remuneradas tem contribuído para “estancar o êxodo agrícola”( STADUTO et al., 2007,

p. 22). Estes espaços tem proporcionado assim, uma nova organização mesmo que ainda

tímida na divisão sexual do trabalho dentro das propriedades rurais, com maior

possibilidade de integrar diferentes espaços de comercialização e tomada de decisão

sobre a produção agrícola e de insumos na propriedade.

Destacam-se assim desde a implementação da nova política rural do país, as

contribuições do trabalho feminino nas atividades agrícolas de comercialização a partir

do Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA). As atividades por elas

desempenhadas, se reflete expressivamente no campo da divisão do trabalho, vistos a

partir das diferenças sexuais e geracionais, com a participação das mulheres produtoras

rurais nas atividades de comercialização. As mudanças incluem o espaço familiar, “não

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apenas das rotinas de trabalho, mas também com relação ao seu papel social” (CINTÃO

e SILIPRANDI 2010, p. 03). Os homens perdem força no que diz respeito a concentração

da renda e da centralidade do poder de decisão sobre o uso dos recursos adquiridos nas

atividades produtivas, valorizando assim o trabalho desempenhado pelas agricultoras e

ainda as impulsionado para ocupar novos espaços sociais.

No entanto, mesmo com avanços, as representações do feminino e do masculino

no universo da agricultura familiar ainda carecem de significativas mudanças.

Menasche (2004) discute a partir de uma pesquisa realizada com agricultores no Rio

Grande do Sul, o comportamento dos agricultores frente ao trabalho da capina na horta.

Sendo a capina, considerada uma atividade de trabalho a ser desempenhada pelas

mulheres, com a adoção do uso de agrotóxico, a atividade de capina foi substituída.

“Passando a ser uma atividade de trabalho masculina, fomentada pelo “saber” e uso de

equipamentos tecnológicos”. (2004, p. 33).

Com a Revolução Verde, houve consideráveis transformações nas práticas de

trabalho no campo. No entanto, o saber popular também tem grande influência para

adoção destas novas práticas, com a reprodução de discursos de que a fertilidade

feminina estaria prejudicada com o manuseio dos agrotóxicos. Outro fator está ligado a

visão sobre incapacidade feminina ao uso de tecnologias sendo este “um elemento de

afirmação de sua masculinidade” (2004, p. 35). Desta forma reafirmam-se as atividades

relacionadas ao autoconsumo como atividade feminina, assim como a capina, e aos

homens reservaram-se os demais espaços.

Para tanto, evidencia-se que as dinâmicas de trabalho no meio rural possuem

diversidade no que tange as posições políticas nestas estruturas referentes às questões de

gênero, principalmente no que tange as atividades consideradas reprodutivas, ou seja,

aquelas práticas dentro das propriedades, na invisibilidade dos lares. Existe o controle

moral dos corpos e dos espaços por elas ocupados, e uma naturalização trabalho,

reafirmando a construção histórica do não reconhecimento do trabalho doméstico como

trabalho (CARDOSO, RIBEIRO, BARLETTO, 2009). Tal afirmativa reforça a

necessidade de construir espaços de desnaturalização da divisão do trabalho, e a

ampliação da visibilidade sobre o trabalho reprodutivo das mulheres, como fator de

geração de renda.

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A regida divisão sexual do trabalho (Siliprandi e Cintão, 2010; Mesquita, 2014),

as diferenciações de papéis geracionais, e a permanente atribuição do trabalho feminino

não remunerado as mulheres, não potencializam maior geração de renda nos espaços

rurais.

Ao abordarmos o trabalho das mulheres agricultoras familiares no contexto do

desenvolvimento humano e na promoção dos espaços de desigualdades, a divisão sexual

do trabalho apresenta-se como “colaborador para a reprodução da invisibilidade do

trabalho das mulheres” (MAIA e LOPES 2001 p. 11). Embora as mulheres constituam a

categoria mais pobre do mundo, estas tem importante contribuição para minimização

das situações de pobreza e ampliação dos espaços de igualdade nas relações sociais e de

trabalho.

Sendo as relações desiguais são determinadas culturalmente (Nascimento,

Rodrigues e Santos, 2013; Mesquita, 2014; Naciso e Henriques, 2008), o território

apresenta-se como um espaço de construção das dinâmicas de produção. Embora haja

um expressivo aumento do agronegócio as mulheres desenvolvem a capacidade de

interagirem no trabalho da agricultura familiar. Estas criam condições de autonomia e

de resgate a antigos conhecimentos e costumes, garantindo a produção em pequena

escala e para consumo familiar, construindo assim espaços de valorização e visibilidade

do trabalho feminino na agricultura familiar.

A partir das relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho, à luz

potencialidades e dificuldades de organização das mulheres para produção

agroecológica nas pequenas propriedades, as relações de trabalho sexuadas e a

hierarquização do masculino sobre o feminino para o desempenho das atividades,

reafirmam “os papéis tradicionais de gênero” (GOMES e JR, p.393 2013). Nas

atividades produtivas de plantio agroecológico, sua base está no trabalho das mulheres

para o cuidado com a conservação do solo e dos alimentos proporcionando assim, não

apenas a geração de renda, mas um novo enfoque para a segurança alimentar.

O papel das mulheres na construção do modelo agroecológico de produção para

comercialização, pauta-se ainda a partir do trabalho desempenhado nas feiras e

diferentes espaços de comercialização potencializados à medida em que tal atividade,

passa a ser vista como produtiva. As mulheres passam a desenvolver o trabalho de

comercialização dos produtos, garantindo assim a autonomia pessoal e financeira

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(MICHELIN, ALVES, MARTINS e MOURA, 2011). Constitui-se assim um novo

espaço para a quebra de comportamentos no que diz respeito à ocupação do espaço do

lar, as atividades ditas reprodutivas e ainda a participação destas nas contribuições

financeiras das propriedades, como algo que vai se naturalizando, embora ainda haja

dependência e subordinação à figura masculina em diferentes atividades.

O trabalho desempenhado pelas mulheres na agricultura familiar, assim como

nas atividades ligadas a produção, constitui um importante patrimônio sociocultural de

ruralidade. Porém suas contribuições para a diversificação da produção, novas formas

de produzir, reprodução e preservação dos saberes adquiridos ao longo do tempo

permitem sua visibilidade (KARAN, 2004). Diferentes saberes, hábitos culturais,

formas de plantio, espécies de sementes, são preservadas a partir do trabalho

desempenhado pelas mulheres, perpassando a forma de produção agroecológica e

refletindo ainda em diferentes espaços por elas ocupado.

Mas, não é apenas nas formas de produção que os espaços femininos precisam

ser reafirmados ou sofrem influencias para sua saída ou invisibilidade no meio rural. O

casamento é visto como um fator importante no contexto da ocupação de atividade e

permanência neste espaço. Stropasolas (2004 p. 266) considera que, o casamento

“assumia um papel fundamental na reprodução do patrimônio familiar e na organização

do processo do trabalho, busca-se reproduzi-lo com modelos e padrões típicos de

família”. Evidenciam-se as representações em torno do papel assumido por homens e

mulheres no matrimônio. Os comportamentos e padrões de sucessão são reproduzidos

através das gerações de agricultores familiares, em um processo acelerado de

mobilidade social. São atribuídos culturalmente à mãe o papel de realizar a iniciação das

filhas no aprendizado que culmina com a realização do casamento, e ao pai a função de

balizar os passos dados nessa direção (2004).

Ainda neste contexto, estão refletidas as formas de sucessão das terras, onde a

moça apenas garante o direito às terras dos pais, no caso de ser filha única, estando de

forma mais expressiva a garantia da terra dada ao marido por ela escolhido que

preferencialmente sua atividade de trabalho estivesse ligada a agricultura. Neste

contexto, a maioria das moças saem de casa em busca de emprego na cidade e

escolaridade. Tais fatores contribuem para redução do número de mulheres no meio

rural e incide significativamente no celibato masculino (SILIPRANDI, 2009).

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A diferença no acesso aos recursos produtivos e a participação nos processos

decisórios, aponta as desigualdades existentes na distribuição de poder acesso a

diferentes espaços por homens e mulheres. Neste contexto os autores, Narciso e

Henriques (2008) consideram que estas diferenças de ocupação dos espaços e de

realização de atividades produtivas e reprodutivas estão “ligadas aos costumes,

tradições e valores” (2008 p. 3). Estas diferenciações refletem na diminuição do número

de jovens no meio rural. Onde a concentração de poder estava no pai, com a figura

central dos processos decisórios, colocando na invisibilidade os demais membros da

família, reafirmados ainda pela priorização dos filhos homens no processo de sucessão

das terras.

3. Discussão e ánalise de dados

Em 1880, deu-se inicio ao processo de ocupação de Rolante pelos imigrantes

europeus, com os grupos de teutos, vindos de São Leopoldo, Taquara e São Sebastião

do Caí. Parte da economia regional concentrava-se na leva de gados do Rio Grande do

Sul até o estado de São Paulo, e foi assim fazendo este trabalho, que moradores da

região passaram a utilizar o caminho que tinha inicio em Viamão passando por Rolante

seguindo até o território paulista. Os conhecidos tropeiros tinham Rolante em seu

roteiro.

Em meados de 1734 e 1735, embora a estrada geral Cristóvão Pereira de Abreu

apresentasse precárias condições de uso, muito viajantes que vinham do norte faziam

este percurso e paravam onde hoje é a comunidade de Ilha Nova para descansar e depois

seguir viagem.

Mas foi, em 1882, que chegaram à Rolante, os primeiro colonizadores, vindos

das colônias velhas, fixaram moradia em Alto Rolante hoje distrito de Rolante. As terras

foram cedidas por uma empresa colonizadora a imigrantes alemães. Os ítalos –

brasileiros chegaram por volta de 1905,procedentes de Caxias do Sul, Salvador do Sul,

Farroupilha, Gramado, entre outras levas das primeiras colônias.

Em 19 de abril de 1909, por designação do Governo da Província, Rolante

passou a ser distrito. Logo passaram a chegar as famílias húngaras, seguidas pelas

suecas, polonesas, italianas e alemãs. Em algumas localidades estas novas famílias

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passam a dividir suas rotinas com os caboclos que já estavam estabelecidos em algumas

localidades.

Rolante pertencente originalmente a Santo Antônio da Patrulha, teve sua

emancipação político administrativa, concedida em 28/02/1955. Atualmente é

conhecida como a "Capital Nacional da Cuca", e também como a terra natal do cantor

tradicionalista gaúcho Teixeirinha.

O município de Rolante faz parte do Vale do Paranhana, na Encosta da Serra

Gaúcha, e desde 2010 integra a Região Metropolitana de Porto Alegre, estando ainda

inserido na Reserva Biosfera de Mata Atlântica. Tem como municípios limítrofes: Santo

Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula, Riozinho e Taquara.

De acordo com o Senso Demográfico (IBGE 2010), sua população total é de

19 493 habitantes. Tendo como principais atividades econômicas a indústria, os

serviços e a agricultura, Rolante apresenta grande concentração de propriedades com

atividades produtivas ligadas a agricultura familiar.

De acordo com dados do Conselho de Desenvolvimento Rural de Rolante, em se

tratando das atividades agrícolas, o município pode ter sua ocupação e uso de solo

divididos em 3 regiões conforme mostra o mapa da figura 1.

Figura 1- Ocupação e Uso de Solo- Rolante/RS

Fonte: Emater/RS- Ascar

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Na região 1(um) encontram-se as áreas planas, onde as principais atividades

econômicas giram em torno da pecuária leiteira, hortifrúti Granjeiros e piscicultura. Já

na região 2(dois) estão as produções para auto consumo e de pecuária leiteira. Enquanto

na região 3(três) estão as agroindústrias familiares, fruticultura, vitivinicultura e

reflorestamento.

Estas divisões territoriais com ênfase no uso do solo influência diretamente nas

atividades de trabalho desempenhadas pelas agricultoras familiares de Rolante. Tendo

em vista ainda, a existência da divisão sexual do trabalho reproduzida historicamente.

As primeiras mulheres vieram como esposas ou como filhas nas primeiras levas

migratórias e passam a reproduzir aqui alguns modelos do estilo de vida de seus países e

cidades de origem. Colonizada no ano de 1882 por alemães vindos das velhas colônias,

com forte influência das companhias colonizadoras foram seguidos pelos italianos por

volta do ano de 1909. No entanto a formação do seu povoamento teve inicio com os

lusos brasileiros, tendo esta formação étnica, passado a fazer parte deste espaço no ano

de 1747 (SHIEROLT, 2004).

As agricultoras em Rolante contribuíram significativamente para a organização

do espaço rural com base na agricultura familiar. Algumas herdaram propriedades e

outras já moradoras do espaço rural com o processo de sucessão desde a chegada das

primeiras levas migratórias, outras ainda, casam-se com proprietários ou arrendatários e

permaneceram morando e/ou trabalhando no meio rural.

Por volta dos anos de 1980, muitos produtores deixaram de realizar atividades na

agricultura familiar, sendo este processo motivado pelos fracassos e prejuízos

ocasionados pelo desgaste do solo com o excessivo uso de agrotóxicos e ainda pelo

processo de industrialização no município.

Diferente de outras regiões do Estado onde predominavam no Séc. XIX e até

meados do Séc XX as grandes estancias, em Rolante desde o inicio do uso e ocupação

do território apresentam-se em maior número as pequenas propriedades.

Seu desenvolvimento econômico está apoiado no excedente econômico agrário

que impulsionou o surgimento de diversas indústrias no município na década de 1980,

porém, mesmo aparentando menor expressividade, a agricultura familiar permanece nos

dias atuais, como um dos pilares econômicos do município.

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Histórica e economicamente, esta nova ocupação do território a partir das levas

migratórias, que foram apoiadas pelas forças políticas nacionais, “como parte de um

projeto de “branqueamento” e de preenchimento dos “vazios” territoriais, dando o tom

da população e da economia local” (Pedro, 2004 p. 280), transforma a geografia da

região inicialmente de modo imaterial. Espaços antes ocupados pelos indígenas

(Gaaguás e Guaranis) passam a ser ocupados por homens e mulheres brancas. No inicio

do contato entre os indígenas e colonizadores, os índios eram guias no acesso as

sesmarias e espaços destinados às colônias (SHIEROLT, 2004).

No caso das famílias colonizadoras em Rolante, o homem chefe da família,

tomava a frente para o trabalho, distribuía as tarefas e organizava a produção, a mulher

trabalhava junto na roça, cuidava da horta e da ordenha, além de preparar a comida e

realizar outros afazeres da casa com apoio das filhas nestas tarefas, além disso, as

mulheres costuravam e bordavam e as moças preparavam seus enxovais, estas últimas

atividades eram mais comuns em dias de chuva, pois não atrapalhavam o andamento das

demais atividades da propriedade.

Para as imigrantes alemãs que participaram do processo de colonização de

Rolante, o espaço do lar e as atividades domésticas e do cuidado com a família,

constituíram seus modos de vida no “novo lar”.

No que diz respeito ao trabalho das mulheres italianas em Rolante, a divisão do

trabalho é nítida, assim como a submissão da mulher ao homem. “Toda a família

participava do trabalho. O pai era chefe de família e quem comandava tudo. A mulher

era muito submissa ao marido, embora também enérgica e trabalhadora” (SHIEROLT,

2004. P. 41).

Em Rolante, segundo o Instituto Brasileiro de Economia e Estatística-

IBGE(2014), no ano de 2000 eram 17.851 habitantes, destes 9.076 eram homens e

8.773 mulheres, já em 2010, a população total do munícipio era de 19.493 habitantes,

sendo 9.718 mulheres, destas 1.992 estavam fixadas no campo e 7.726 na cidade.

Analisando a série histórica dos sensos brasileiros desde os anos de 1960 é

possível perceber que nas ultimas décadas a taxa de população rural vem caindo

expressivamente. Portanto evidenciamos no quadro 1 os percentuais populacionais no

município de Rolante. A análise indica uma significativa mudança de ocupação dos

espaços e um esvaziamento do rural. Enquanto no RS grau de saídas entre os anos de

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1960 e 1991, a cada 10 anos foi de aproximadamente 10%, onde a população saia do

meio rural e migrava para o urbano e/ou para outras regiões do país. Em Rolante estes

números são ainda mais expressivos, quando que entre 1970 e 1991 a população rural

sofreu redução de 57,60%.

Quadro1 - Índices Populacionais no Município de Rolante – RS

Fonte:IBGE(2014)

Elaborado: Nandi

De acordo com informações da Emater/RS (1996), os aspectos econômicos de

Rolante estavam no final do Século XX, relacionados com a dependência ou o

estabelecer de relações com Porto Alegre na comercialização de hortigranjeiros; Novo

Hamburgo com a comercialização de embutidos, feijão, mel e hortigranjeiros; no litoral

e comercialização de carne.

A agricultura era responsável para produção para comercialização de alface,

amendoim, açúcar mascavo, aipim, alho, batata inglesa, batata doce, bergamota,

beterraba, cebola, cenoura e outros legumes, verduras e frutas em sua maioria, vendidos

sem agregação de valor. Hoje além da produção para venda em diferentes mercados da

região sem transformações, os agricultores produzem para comercialização na Merenda

Escolar municipal e ainda para o mercado interno, alguns destes produtos já

transformados.

Os vinhos atualmente comercializados em estabelecimentos comerciais parceiros

nos municípios do Vale do Paranhana e Vale do Sinos, são comercializados ainda nas

cantinas e propriedades produtoras assim como em feiras regionais e nacionais.

Entre as décadas de 1970 e 1980, houve significativa redução da população

rural, impulsionados pela oferta de trabalho nas empresas de calçados que em 1996

Ano do CensoTotal

HabitantesUrbana(hab) Rural(hab) Rural(%)

1960 16.326 - -

1970 14.866 2.481 12.395 83,31%

1980 11.769 5.491 6.278 53,34%

1991 13.420 9.970 3.450 25,71%

2000 17.851 13.928 3.923 21,97%

2010 19.493 15.318 4.175 21,42%

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empregavam formalmente 3.056 funcionários em 09 fábricas e 450 funcionários em

atelieres (Emater/RS, 1996, p. 07).

Rolante contou até inicio dos anos 2000 com uma importante cooperativa de

produtores. Parte da dinâmica econômica das propriedades rurais passava pela

Cooperativa Caprol. Entidade que possuía ainda importante poder de influência em

temas transversais na sociedade rolantense e da região.

Considerando que o acesso à comunicação e a infraestrutura de energia elétricas

são fatores importantes para a permanência das famílias no meio rural, bem como para

melhoria econômica dos estabelecimentos rurais e de suas dinâmicas produtivas, até o

ano de 1996 eram 397 telefones instalados na cidade, sendo estes divididos em

residenciais, comerciais, públicos e troncos, sendo que destes 67 estavam no meio rural.

Já no que tange a energia elétrica, hoje todos os estabelecimentos possuem ligações. No

entanto em agosto de 2006 eram 4.649 consumidores atendidos (Emater/RS, 1996).

A realidade do município foi se transformando e sua dinâmica de trabalho

também impulsionou mudanças no trabalho desempenhado pelas famílias no meio rural.

Tais dinâmicas foram alteradas também para as mulheres que passam a ocupar postos

de trabalho fora da propriedade rural, além de contribuírem com outras alternativas de

renda para as famílias.

A construção, a formalização de agroindústrias no meio rural, novas formas de

comercialização da produção do meio rural, acesso ao crédito de forma igualitária, além

das diferentes políticas de valorização das famílias da agricultura familiar com destaque

para a valorização do trabalho feminino tem ampliado a visibilidade das mulheres

agricultoras familiares em Rolante de modo mais expressivo nos últimos 10 anos.

4.Conclusão

Este artigo baseou-se em estudos bibliográficos e conhecimento empírico –

através do contato que se estabeleceu com essas mulheres, trazendo, com isso,

contribuições sobre a dinâmica do trabalho desempenhado pelas mulheres na agricultura

familiar, bem como, suas contribuições para o desenvolvimento e a divisão sexual do

trabalho presente no ambiente rural reafirmadas pela reprodução de determinados

padrões culturais e estereótipos.

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Consideramos que, os estudos sobre o trabalho feminino na agricultura familiar

têm como foco dar visibilidade as mulheres e ao trabalho por estas, desempenhados

inserindo assim, as mulheres nas discussões da temática do desenvolvimento, embora

ainda de forma tímida. No que se refere à inserção das agricultoras familiares,

constatou-se uma clara definição dos papéis diferenciados para o “espaço público e o

privado”. Nestes ambientes são realizadas atividades produtivas e sociais diferenciadas

para homens e mulheres.

As discussões bibliográficas foram concentradas nas discussões referentes ao

tipo de trabalho que as mulheres desempenham no meio rural, com foco ainda para as

atividades relacionadas a produção de alimentos no município de Rolante, assim como

os trabalhos femininos classificados como produtivos e/ou reprodutivos. São inúmeras

as atividades desempenhadas pelas mulheres, no entanto as consideradas reprodutivas

ainda carecem de atenção especial para a promoção de sua autonomia e valorização das

agricultoras familiares.

Por fim, esta pesquisa permitiu obter informações sobre o trabalho das mulheres

relativas a campos interdisciplinares, técnicas de pesquisa, contextos e interesses

existentes na realização dos estudos relacionados a dinâmica de trabalho das mulheres

na agricultura familiar. Os temas evidenciados neste estudo ressaltam a importância da

visibilidade ao trabalho e ao papel das mulheres na agricultura familiar, sua participação

e contribuição para o desenvolvimento, preservação dos saberes, técnicas de manejo,

produção de alimentos e diferentes atividades de trabalho feminino no meio rural.

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