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AS JUVENTUDES ESCOLARES E SUAS TRIBOS JUVENIS: UMA SAÍDA AOS TRILHOS DA VIDA COMUM Deane Monteiro Vieira Costa 1 Ifes/ Campus Venda Nova do Imigrante [email protected] RESUMO: Este trabalho é resultado do projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Juventudes (NETEJUV) que está sediado no Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) / Campus Venda Nova do Imigrante (VNI), na linha de pesquisa “Escola, culturas juvenis e sociabilidades”. É desenvolvido pelos professores e alunos pesquisadores. O olhar se voltou sobre as práticas juvenis construídas no cotidiano escolar. O intuito desta pesquisa é buscar, nos depoimentos desses/as jovens alunos/as, elementos que permitam entender as novas necessidades desses sujeitos diante do universo escolar. Para isso, investigamos dimensões juvenis geralmente negligenciadas no ambiente escolar, como: o lazer, a diversão, o tempo livre, o homoerotismo, o espaço não tutelado pelo adulto, a experimentação dos relacionamentos grupais e os sentidos estéticos de identificação, que refutam a ideia de uma juventude homogênea. Concluímos que, além do aprendizado, os jovens desejam frequentar uma escola que valorize a sociabilidade, o encontro, pois, mesmo reconhecendo a oportunidade de se credenciarem para o mundo do trabalho por meio da escola, não admitem a forma como muitas vezes acontecem as práticas pedagógicas. Palavras-chave: Juventudes. Tribos juvenis. INTRODUÇÃO: A moda é jovem: o cinema e a publicidade dirigem-se prioritariamente ao público de quinze-vinte anos; as mil rádios livres cantam, quase sobre o mesmo fundo de guitarra a felicidade de acabar com a conversa. E a caça ao envelhecido está aberta: enquanto há menos de um século, (...) os jornais recomendavam produtos para acelerar o crescimento da barba, e os jovens médicos recém-saídos da faculdade encarregavam- se de adquirir uma ligeira barriga e carregavam os seus narizes de óculos com armações de ouro, mesmo que a sua vista fosse perfeita, e tudo isso para dar aos seus pacientes a impressão de que tinha experiência nos nossos dias, a juventude constituiu o imperativo categórico de todas as gerações. 1 Doutora em Educação e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Juventudes (NETEJUV) que está sediado no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) / Campus Venda Nova do Imigrante (VNI). Contamos com a participação de alunos bolsistas nas transcrições das entrevistas realizadas com os grupos focais, durante a realização da pesquisa: Lara Neves Secchin, Júlia dos Santos Lima Sobreiro e Lucas Vasconcellos Roncette.

AS JUVENTUDES ESCOLARES E SUAS TRIBOS JUVENIS: … · E a caça ao envelhecido está aberta: enquanto há menos de um século, (...) os jornais recomendavam produtos para acelerar

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AS JUVENTUDES ESCOLARES E SUAS TRIBOS JUVENIS: UMA SAÍDA AOS

TRILHOS DA VIDA COMUM

Deane Monteiro Vieira Costa1

Ifes/ Campus Venda Nova do Imigrante

[email protected]

RESUMO:

Este trabalho é resultado do projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre Trabalho,

Educação e Juventudes (NETEJUV) que está sediado no Instituto Federal do Espírito Santo

(IFES) / Campus Venda Nova do Imigrante (VNI), na linha de pesquisa “Escola, culturas

juvenis e sociabilidades”. É desenvolvido pelos professores e alunos pesquisadores. O olhar se

voltou sobre as práticas juvenis construídas no cotidiano escolar. O intuito desta pesquisa é

buscar, nos depoimentos desses/as jovens alunos/as, elementos que permitam entender as novas

necessidades desses sujeitos diante do universo escolar. Para isso, investigamos dimensões

juvenis geralmente negligenciadas no ambiente escolar, como: o lazer, a diversão, o tempo

livre, o homoerotismo, o espaço não tutelado pelo adulto, a experimentação dos

relacionamentos grupais e os sentidos estéticos de identificação, que refutam a ideia de uma

juventude homogênea. Concluímos que, além do aprendizado, os jovens desejam frequentar

uma escola que valorize a sociabilidade, o encontro, pois, mesmo reconhecendo a oportunidade

de se credenciarem para o mundo do trabalho por meio da escola, não admitem a forma como

muitas vezes acontecem as práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Juventudes. Tribos juvenis.

INTRODUÇÃO:

A moda é jovem: o cinema e a publicidade dirigem-se prioritariamente

ao público de quinze-vinte anos; as mil rádios livres cantam, quase

sobre o mesmo fundo de guitarra a felicidade de acabar com a conversa.

E a caça ao envelhecido está aberta: enquanto há menos de um século,

(...) os jornais recomendavam produtos para acelerar o crescimento da

barba, e os jovens médicos recém-saídos da faculdade encarregavam-

se de adquirir uma ligeira barriga e carregavam os seus narizes de

óculos com armações de ouro, mesmo que a sua vista fosse perfeita, e

tudo isso para dar aos seus pacientes a impressão de que tinha

experiência – nos nossos dias, a juventude constituiu o imperativo

categórico de todas as gerações.

1Doutora em Educação e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Juventudes (NETEJUV)

que está sediado no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) / Campus Venda Nova do Imigrante (VNI). Contamos

com a participação de alunos bolsistas nas transcrições das entrevistas realizadas com os grupos focais, durante a

realização da pesquisa: Lara Neves Secchin, Júlia dos Santos Lima Sobreiro e Lucas Vasconcellos Roncette.

Alain Finkielkraut

A partir da leitura desse trecho de Alain Finkielkraut (1988), filósofo francês que analisa

os “estragos” da modernidade e a fragilização do meio social, é possível compreender que a

jovialidade está cada vez mais inclinada a transcender as faixas etárias e invocar como a mais

bela idade da vida, o que justifica o consumo de objetos que dão uma permanência ao espírito

da eterna juventude (COSTA, 2003, p. 122).

O que isso parece indicar? Inicialmente, torna-se necessário considerar que a juventude

é uma construção social, histórica e cultural. Significa dizer que existe “[...] uma juventude

pobre, rica, indígena, negra, popular, nordestina ..., que ultrapassa os limites etários e celebra

diferentes modos de sentir, pensar, dançar e de atuar no mundo” (COSTA, 2005, 49). Sendo

assim, a ideia de jovem é construída social e culturalmente e, portanto, a cada contexto

histórico, econômico, cultural e social são construídas novas concepções de jovem ou de uma

juventude. Como afirma Levi & Schmitt,

A juventude como construção social: em nenhum lugar, em nenhum momento da

história, a juventude poderia ser exclusivamente biológica ou jurídica. Sempre e em

todos os lugares, ela é investida também de outros símbolos e de outros valores. De

um contexto a outro, de uma época a outra, os jovens desenvolvem outras funções e

logram seu estatuto definidor de fontes diferentes: da cidade ou do campo, do castelo

feudal ou da fábrica do século XIX, da organização do campagnonnage no ancién

régime ou na cidade antiga (1996, p.14).

Sabendo disso, pergunta-se: quais os significados da escola para os jovens, tendo como

referência suas percepções sobre a relação que se estabelece, em especial com os seus pares? A

questão central parte das seguintes problematizações: De que forma o mundo juvenil está

presente na escola? Que experiências juvenis ocorriam no interior do mundo escolar? A busca

da compreensão da construção simbólica dessas expressões juvenis orientou as análises dessa

pesquisa.

Segundo Costa (2005, p.12):

Pode-se conceber a escola como a instituição da transmissão, por meio dos conteúdos

curriculares e pela própria relação pedagógica, de princípios fundamentais, normas e

valores gerais da sociedade, além do conhecimento acumulado nos campos das

ciências e das artes, ou seja, como a instituição encarregada da conservação e da

transmissão de uma cultura legítima. [...] seja como instituição transmissora da

herança cultural (para alguns, elitista e excludente; para outros, detentora de um

potencial de libertação e emancipação), [...] o fato é que há um esvaziamento de suas

funções tradicionais, creio que a escola vem tentando se manter como organização

mediante estabelecimento de regras, normas, procedimentos legais e burocráticos que

visam a regular o funcionamento do sistema. Alheia à existência de qualquer projeto

educativo, objetivos ou conteúdo, a regulação da organização parece ser o último

recurso na tentativa de mantê-la em pé.

A hipótese deste trabalho coincide com a da minha pesquisa de mestrado, intitulada

“Escola e juventude: encontros e desencontros” (2005), e evidencia que a socialização dos

jovens alunos tem ocorrido no âmbito da regulação do sistema educacional, com as lacunas

deixadas pela organização escolar, nos intervalos entre uma aula e outra, no recreio e nas

ausências dos (as) professores (as).

Desse modo, os jovens atribuem à escola outra função que se tornou bem evidente

durante a nossa pesquisa: a função de sociabilidade, entendida como um conjunto de relações

significativas, sem interesses específicos a priori e que destaca esse espaço como um lugar para

o encontro com os amigos, para as brincadeiras e para o namoro.

Além disso, ao se defrontarem com as normas e regras, estes desenvolvem estratégias

para identificar vantagens e desvantagens, locais permissivos e vigiados, como marcos de uma

relação essencialmente instrumental com a escola (COSTA, 2005).

Com o intuito de verificar a validade de tais questões, vivenciei de maneira intensa o

dia a dia da escola. Agora, no papel de pesquisadora, pude perceber o jovem como sujeito que

não está apenas limitado à instituição escolar e essa constatação vai ao encontro de estudos que

estão “voltados para a consideração dos próprios jovens e suas experiências, suas percepções,

formas de sociabilidade e atuação” (ABRAMO, 1994, p.25).

O texto foi dividido em quatro partes. Na primeira, buscou-se apresentar as referências

teóricas, a saber: Maffesoli (1987), Magnani (2004) e Pais (2004), a fim de se discutir as novas

formas de grupalismo na sociedade contemporânea, tomando a noção de “tribo urbana”. Depois

dessa exposição, são apresentados a instituição escolar pesquisada (Ifes/campus de VNI) e os

sujeitos da pesquisa. Na terceira seção, analisam-se as tribos dessa instituição. E, por fim,

discute-se o cenário escolar e os seus vários significados tecidos pelos seus jovens alunos.

1. A PESQUISA E SEUS APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Esta pesquisa caracterizou-se como qualitativa, uma vez que foram realizadas

observações diretas e indiretas, procurando interpretar os significados que os indivíduos dão as

suas ações, no meio em que constroem suas vidas e suas relações. Também foram realizados

contatos com alunos, professoras, corpo técnico e funcionários.

Segundo Lüdke& André (1986, p.26):

Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas

abordagens de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação

ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal

e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de

vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de

verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. “Ver para crer “, diz o ditado

popular.

Dentre as várias formas em que uma pesquisa qualitativa pode ser desenvolvida, a

etnografia se apresenta como a possibilidade para a investigação da realidade cotidiana da

escola que melhor atende aos anseios deste estudo. Essa abordagem antropológica na educação

convida o exercício da crítica cultural, trazendo à nossa visão os significados sociais que grupos

diversos manifestam em situações semelhantes e, sobretudo, complexifica a visão do próprio

ato educativo (Dauster, 2001).

Esse princípio da relativização consiste no “descentramento da sociedade do

observador, colocando o eixo de referência no universo investigado” (DAUSTER, 2001). Isso

significa que por intermédio de um “olhar” relativizador, o pesquisador busca o “outro”,

admitindo lógicas diferentes das suas de conceber e organizar o mundo, permitindo que a

interpretação de um fenômeno educativo se aproxime de um conhecimento sobre os alunos e

sua cultura.

Essas questões foram e têm sido categóricas para analisar os significados dados pelos

jovens ao processo de escolarização. Como já foi dito, os jovens atribuem à escola outra função

que se tornou bem evidente durante a nossa pesquisa – a função de sociabilidade, entendida

como um conjunto de relações significativas, sem interesses específicos a priori e que destaca

esse espaço como um lugar para o encontro com os amigos, para as brincadeiras e para o

namoro. Essas vivências são recriadas, por exemplo, nas lacunas deixadas pela organização

escolar, nos intervalos entre uma aula e outra, no recreio e nas ausências dos professores.

Depois dessa interpretação, o passo seguinte foi definir o referencial teórico que pudesse

discutir essa análise dos dados coletados e a instituição escolar. Interessa, de maneira especial,

o modo como Maffesoli (1987), Magnani (2004) e Pais (2004) percebem a prevalência da forma

e da estética na organização das relações sociais na sociedade contemporânea. O surgimento de

novas formas de grupalismo para além das formas instituídas que se apoia num paradoxo

essencial:

O vaivém constante que se estabelece entre a massificação crescente e o

desenvolvimento dos microgrupos que chamarei “tribos”. Trata-se da tensão

fundadora que me parece caracterizar a socialidade deste fim de século. A massa, ou

o povo, diferentemente de proletariado ou de outras classes, não se apoiam numa

lógica da identidade. Sem um fio preciso, elas não são os sujeitos de uma história em

marcha. A metáfora da tribo, por sua vez, permite dar conta do processo de

desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do

papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro dela. Claro está que,

com as massas em permanente agitação, as tribos, que nelas se cristalizam, tampouco

são estáveis. As pessoas que compõem essas tribos podem evoluir de uma para outra

(MAFFESOLI,1987, p.08-09).

Ainda de acordo com o autor, ao mesmo tempo que a desumanização, o

desencantamento e a solidão marcam esse novo século, novas redes de solidariedade se

constroem em torno da ordem de fusão. Diferentemente da ordem política que privilegia os

indivíduos e suas associações contratuais e racionais, a ordem de fusão vai acentuar a dimensão

afetiva e sensível.

Com efeito, tribo é um elemento de composição de palavras que exprime a ideia de atrito

(do grego tribé), isto é, a resistência de corpos que se opõem quando se confrontam. Essa

dimensão de resistência grupal, substantivamente ligada à ideia de atrito, encontra-se presente

no fenômeno das tribos urbanas. Contudo, o termo tribo, quando associada à figura juvenil,

muitas vezes tem sido comparado às condutas confrontativas, exóticas, desalinhadas e violentas

(PAIS, 2004, p.04).

2. A ESCOLA E OS SEUS SUJEITOS DA PESQUISA

O Ifes/campus de VNI iniciou suas atividades letivas em março de 2010, oferecendo

cursos técnicos integrados ao ensino médio, concomitantes e Proeja (Programa Nacional de

Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de

Jovens e Adultos), pertencentes aos eixos tecnológicos gestão e negócios e produção

alimentícias (FEITOSA, 2013). Atualmente, os cursos técnicos do ensino médio são integrados

e em tempo integral, e salienta-se uma expansão considerável na oferta de vagas de nível médio

na região.

O instituto está localizado num município de colonização predominantemente italiana,

com vocação econômica regional e local para a agroindústria e turismo. Atende a um público

juvenil oriundo de diversos segmentos socioeconômicos e de outros municípios. A escola

possui prestígio diante das outras escolas estaduais da região, isso faz com que a maioria desses

jovens deixe suas cidades e venha para o Ifes, em busca de uma escola de ensino médio com

melhores condições de infraestrutura e qualidade de ensino.

Foram sujeitos da pesquisa: alunos/as, professores/as, corpo técnico e funcionários da

escola pesquisada. Entretanto, os sujeitos mais diretamente investigados foram os jovens alunos

na faixa etária entre 14 e 18 anos.

Tendo optado pela pesquisa qualitativa, do tipo etnográfico, foi necessário na coleta dos

dados de campo lançar mão de instrumentos como: observação, entrevistas, consulta à

documentação e depoimentos, que permitissem captar a manifestação juvenil no interior da

escolar. As entrevistas foram realizadas por meio de seis grupos focais mistos. A escolha dos

(as) alunos (as) que participaram do grupo focal aconteceu por meio da observação, que

identificou os grupos formados na escola. Castro et al (2001, p.34) caracterizam o grupo focal

como:

[...] um processo no qual os membros do grupo narram e discutem visões e valores

sobre eles próprios e o mundo que os rodeia. Frequentemente usado nas ciências

sociais para buscar uma resposta ao “porquê” e “como” dos comportamentos, o grupo

focal tem-se revelado uma estratégia privilegiada para o entendimento de atitudes,

crenças e valores de um grupo ou de uma comunidade relacionada aos aspectos

específicos que se pesquisam.

Os grupos focais mostraram-se como momentos fecundos para o aprofundamento de

questões “não entendidas“ durante a observação. Após a transcrição feita pelos alunos

bolsistas, e leitura das entrevistas, realizei a análise temática e destaquei os depoimentos que

ressaltavam a positividade do agir e do falar desses/as jovens alunos/as e até mesmo o silêncio

em que transbordava muitas de suas percepções.

De acordo com Feitosa (2013), os cursos oferecidos pelo Ifes/VNI estão em consonância

com a vocação econômica regional e local, o que permitiu afirmar que havia a possibilidade de

fixação de egressos2 dos cursos na região. No entanto, esta investigação aponta um desencontro

nos currículos técnicos ofertados com os desejos dos jovens alunos:

As matérias técnicas não me interessam pois optei por Agro pela falta de

opções (Aslan3, 16 anos, 3º ano).

Eu não me identifico com as matérias técnicas do Ifes, e para mim elas são um

problema, uma vez que requerem um esforço que poderia ser aplicado em

outras disciplinas (Caçador de Sonhos, 16 anos, 3º ano).

Eu não pretendo seguir carreira na área da Agroindústria, pois não me

identifico (Tina, 16 anos, 3º ano).

Não vou seguir essa área, mas como vou fazer Gastronomia, tem um pouco de

relação. Seria interessante se tivesse essa opção aqui, mas não faria meu curso

superior em VNI (Spiderman, 16 anos, 3º ano).

Não vou seguir a carreira em Agroindústria [...], pretendo fazer medicina

(Manu, 18 anos, 3º ano).

Não pretendo seguir no curso de Agroindústria, pois não tem nada a ver com

o curso que quero, que é Direito, se o Ifes o oferecesse eu não iria querer, pois

quero sair de VNI e nada melhor do que uma faculdade, o horário não importa,

não quero trabalhar agora, quero aproveitar, fazer o que quero antes de ter uma

vida de trabalho (Leca, 17 anos, 3º ano).

Não penso seguir como técnico em Agroindústria. Pretendo, antes dos 25,

pegar minha herança e sair de Venda Nova [...] (Pensador, 18 anos, 3º ano).

Não vou seguir no ramo de Agroindústria, pois gosto mais de Sociologia e

Filosofia. Irei cursar à noite pois vou trabalhar de manhã e à tarde (Chico

Buarque, 18 anos, 3º ano).

Esse desencontro no currículo técnico/profissional da escola com os anseios dos jovens

alunos são sentidos quando eles reclamam da redução da carga horária das disciplinas da

educação básica em relação às aulas específicas do curso, o que, para eles, pode acarretar um

baixo rendimento no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Esse olhar dos estudantes é produzido pela ausência da integração sistematizada do

programa escolar com os conhecimentos humanos, a ciência, a tecnologia e a cultura. Além

2 No detalhamento do Plano de Desenvolvimento Institucional do Ifes/VNI de 2014, foi apontado a necessidade

de uma política interna de acompanhamento dos egressos do ensino médio.

3 Todos os nomes foram dados pelos entrevistados em forma de pseudônimo, para preservar a privacidade e

confidencialidade dos sujeitos pesquisados.

disso, o trabalho humano deveria ser abordado ao longo do ensino médio, como um princípio

educativo. Pois,

[...] o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades

humanas é o que conhecemos sob o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer

que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada

ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a

existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos

próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem

é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se

complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico (SAVIANI, 2006,

p.3).

A lacuna desses sentidos na escola pesquisada ganha para a produção dos significados

utilitaristas na vida desses jovens estudantes, inclusive na constituição de seus grupos, é o que

será discutido a seguir.

3. AS TRIBOS JUVENIS DO IFES/VNI

Os jovens pesquisados na escola constituem suas formas associativas de acordo com as

escolhas que lhes são significativas, ou seja, alguns inclinam-se para os grupos excluídos da

escola como jovens, outros em torno da exclusão como alunos e outros partem para o encontro

de seus grupos para além dos muros da escola.

3.1 A TRIBO MEDALHISTA

A tribo Medalhista é formada por 03 componentes, do gênero masculino, situados na

faixa etária de 15 anos, estudam na mesma turma do 1º ano do Ensino Médio do Ifes/VNI.

Todos oriundos de escolas públicas da região, e curiosamente desde a 5ª série (6º ano) do Ensino

Fundamental estudam na mesma sala de aula. São considerados pela turma e pelos professores

como alunos dedicados e com um “futuro garantido”.

Dos 03 componentes, 02 (Medalhista 1 e Medalhista 3) participam da OBMEP

(Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas). O Medalhista 1 já recebeu medalha

de ouro no ano de 2013. Em seus depoimentos, é comum a referência ao tempo/espaço escolar

[...] as pessoas dizem que eu sou um aluno com iniciativa e tal é, dedicado, é,

e ao meu ver eu tento me esforçar um pouco, sempre fazendo o que os

professores pedem, e eu tento sempre buscar o que gosto mais é, sempre fazer,

me dedicar mais na disciplina que eu gosto mais e procuro fazer da, do ensino,

algo legal, algo que não seja chato de se aprender, tento sempre brincar,

descontrair, é, sou esse jeito, meio espontâneo (Medalhista 3, 15 anos, 1º ano).

E a primeira vez que eles estudam numa escola de tempo integral. Fazem críticas que deveriam

ser ouvidas pela direção da escola, equipe técnica e pelos docentes.

[...] porque o tempo integral ele é pensado para os alunos ficarem mais tempo

na escola para desenvolverem suas atividades, o problema é que foi feito uma

má organização. [...] porque a gente fica muitas horas no dia na escola e as

atividades que os professores elaboraram não eram compatíveis com a nossa

disponibilidade de tempo (Medalhista 3, 15 anos, 1º ano).

[...] acho que toda a sala já passou pelo menos pelo sofrimento de tantas

atividades e provas para estudar em casa. [...] eu acho que, durante o ano todo,

alguém já passou pelo menos um mês [...] de noites mal dormidas [...], por

causa de trabalhos, atividades, provas, que, que são exageradas e,

principalmente, as atividades que são exageradas e pelo fato da gente ficar aqui

até mais tarde a gente tem um tempo menor pra realizar essas atividades e

trabalhos é fora da sala (Medalhista 1, 15 anos, 1º ano).

Tais julgamentos vão ao encontro de pesquisadores da área (Moll, et al, 2012) que

alertam para os riscos de uma educação integral de baixa potência perder os seus sentidos

humanizadores, na medida em que os alunos são confinados em um turno extra sem a existência

de currículos voltados para os saberes da vida. A respeito do futuro dos medalhistas. Ambos se

preocupam com o porvir e afirmam que vão fazer curso superior, depois de concluírem o ensino

médio.

[...] pretendo pelo menos, está estável economicamente daqui dez anos. [...]

passar pelo ensino médio, pela graduação, pela especialização, mas eu

pretendo, tipo, ter um trabalho [...] que eu possa me sustentar, e, não sei, se eu

pretendo [...] constituir uma família. Mas eu desejo [...] viajar bastante

(Medalhista 1, 15 anos, 1º ano).

Desse modo, para a tribo Medalhista o valor da escolarização passa pela dimensão

instrumental. A sessão de entrevista com essa tribo revelou que esses jovens justificam sua

presença na escola porque querem mudar de vida, fazer cursos e “serem alguém na vida”, termo

usado para definir uma pessoa bem-sucedida no contexto atual.

3.2 A TRIBO CATS

A tribo Cats é formada por 04 componentes, do gênero feminino, situados na faixa etária

de 15 anos, estudam na mesma turma do 1º ano do Ensino Médio do Ifes/VNI. Todas oriundas

de escolas privadas das regiões próximas ao Instituto. Gostam de festas, de moda, de

maquiagens e de serem consideradas as “gatinhas” da turma nas redes sociais. Há uma relação

íntima entre o cotidiano e o tempo livre individual com o encontro da tribo.

De acordo com as observações feitas na entrevista e em sala de aula, a integrante Cat 4,

sempre “toma a frente” de tudo, sendo vista por todas da tribo, como a líder do grupo. Ela

parece não ter vergonha e se porta com certa indiferença ao que os outros pensam, porém

sempre aparece em seu discurso uma preocupação constante com a sua imagem social.

Pesquisadora: Defina que jovem você é. Quem você é?

Cat 4:[...] Olha, eu não sei (risos) realmente quem eu sou, não sei definir, mais

as pessoas falam que eu sou engraçada, aliás, muitas pessoas falam que eu sou

engraçada, gente boa, mas também tem quem fala que eu sou antipática,

arrogante, ignorante e a maioria das pessoas acham isso. (Risos)

Cat 4: Que eu sou antipática e ignorante.

Pesquisadora: Antipática e ignorante. Mas você acredita nisso assim? Que

você é antipática e ignorante?

Cat 4: Às vezes. Às vezes eu sou mesmo. E as, as pessoas falam que eu sou

falsa. E às vezes eu sou falsa mesmo.

Percebe-se que os constrangimentos vividos pelas componentes da tribo permitiram a

plasticidade e a formação desse agrupamento:

Pesquisadora: Então se vocês estivessem individualmente numa sala, vocês

seriam mais fracas?!

Todas: Sim.

Pesquisadora: Como grupo?

Cat 4: Com certeza.

Todas: Sim.

Diferentemente da tribo Medalhista, não há uma preocupação constante com a formação

acadêmica depois da conclusão do ensino médio, por parte dessas jovens. O que permanece é

o desejo do namoro, da “curtição”, da sexualidade e das amizades.

3.3 A TRIBO ENGAJADOS

A tribo Engajados é formada por 06 componentes4, 3 do gênero feminino e 03 do

masculino, situados na faixa etária de 15 e 18 anos, estudam em turmas diferenciadas do Ensino

Médio do Ifes/VNI. A maioria deles são provenientes de escolas públicas de suas cidades de

4 Só participaram do grupo focal, três componentes. Os demais estavam envolvidos com as atividades do grêmio

estudantil.

origem, passaram no Ifes por meio das políticas de cotas e todos dependem da assistência

estudantil5 do Instituto para dar continuidade aos seus estudos.

Muitos desses aspectos os agregam, no entanto, o que de fato os uniu foi o desejo de

participação política no espaço escolar. Para isso, organizaram um grêmio, em agosto de 2014.

O grêmio estudantil Áurea Eliza – homenagem ao nome de uma das vítimas de desaparecimento

forçado durante a Operação Marajoara, no Araguaia, em 1973 – tem se envolvido em questões

internas do instituto como: educação profissional em tempo integral, elaboração de

programação para atender os calouros, participação em jornadas e também nas discussões de

caráter nacional que lutavam pelo fim da redução da maioridade penal.

Num texto escrito pela presidenta6 do grêmio, também componente dessa tribo, é

defendido que:

[...] o grêmio é a voz do estudante dentro de uma instituição, por isso deve ter

o máximo de representatividade em sua diretoria, e prezamos por isso em nossa

entidade. É de extrema importância o mantimento de uma boa comunicação

com a escola, visando a buscar a solução das demandas dos estudantes.

Nosso grêmio possui 13 cargos, ocupados por estudantes de todos os turnos e

séries. Cada diretor do grêmio possui funções, que estão especificadas no

estatuto do mesmo, apesar de haver a discriminação de cada cargo procuramos

sempre trabalhar em equipe, mantendo a organização.

Atualmente possuímos uma sede localizada em uma pequena sala cedida pela

instituição, que é o local em que nos reunimos e organizamos, além de abrigar

toda a documentação e pertences da entidade.

Os componentes da tribo Engajados, durante a semana não moram mais com os pais,

mas, em repúblicas com colegas de outras turmas do Ifes e um dos componentes mora com tios

em Venda Nova do Imigrante. A respeito dessa experiência de morar longe dos pais, eles

afirmam ser positiva, libertária e enriquecedora para o desenvolvimento pessoal de cada um.

Engajada 1: Para mim, foi uma experiência nova assim. Eu gostei muito da

experiência, porque eu gosto assim, dessa questão de independência assim, de

não depender dos pais para fazer alguma coisa, porque quando você mora

sozinho cê tem que fazer suas coisas por sua conta. Então eu gostei muito da

experiência, eu tô gostando e acredito que eu vou continuar tendo essa

experiência porque na graduação penso que vai ser da mesma forma, né, que

5 Trata-se de uma política com diversos programas que atendem prioritariamente a situação socioeconômica dos

discentes de baixa renda, a saber: auxílio transporte, auxílio alimentação, auxílio didático e uniforme, auxílio

moradia e auxílio financeiro. Os recursos para cada programa dependem do orçamento para a Assistência

Estudantil. Para isso, é feita uma avaliação por um profissional de Serviço Social. 6Termo utilizado pela estudante em referência à presidenta da república, Dilma Rousseff.

eu pretendo ir pra outro estado, então penso que vai continuar assim. Eu gostei

bastante da experiência de morar sozinha.

A respeito de suas características individuais, foi destacado por cada um deles as que

são mais necessárias na rotina política de um grêmio juntos aos estudantes, corpo docente e

direção da escola.

Engajado 2: Espontâneo, social, sociável, [...] engajado.

Engajada 1: Eu acho que eu posso me definir também como uma pessoa

sociável, assim, comunicativa, eu sou uma pessoa que gosta né, de falar (risos).

E como dedicada, eu me considero uma pessoa dedicada ao que eu é [...]decido

fazer assim, eu costumo me dedicar bastante assim.

Engajada 3: Eu sou uma pessoa dedicada também, aquilo que eu quero fazer

eu corro atrás e faço, porque eu tinha o desejo de vim para cá, me dediquei e

vim, literalmente vim com a cara e com a coragem. É [...] (risos), acho que é

isso.

Sobre suas famílias, eles contam mais fatos cotidianos com conflitos e apresentam outros

arranjos familiares que desejam constituir, apontando as falhas vivenciadas em seus lares:

Engajado 2: [...] eu tenho uma irmã mais velha que já se formou no curso

superior, já trabalha, casada e está grávida. Aí ficam lá em Vargem Alta só

meu pai e minha mãe. A minha relação com a minha mãe é muito boa, apesar

de às vezes a gente se estranhar um pouco. Com o meu pai já foi pior, mas não

agora, né, porque nossas ideias entram em conflito, porque eu não...não gosto

das coisas que ele faz, mas já foi pior, no auge da minha rebeldia adolescente.

Tudo bem, tenho quase dezoito anos, mais por volta dos treze, quatorze, meu

Deus! Nem eu me aguentava. Eu brigava com todo mundo, porque eu ainda

morava com os meus pais e eu comecei a mudar depois que eu vim para cá,

depois que eu conheci o mundo de fato. Então eu brigava com todo mundo, eu

não queria fazer nada dentro de casa, então era um caos. Mas agora já

está...está na paz.

[..]é ... hoje, vejo que nasci homossexual. Sempre, assim, desde que eu percebi

a diferença entre menino e menina, eu sentia algo diferente pelos meninos que

os meninos não sentiam um pelo outro, um pelos outros, mas eu sentia essa

coisa diferente, é... até quando eu entrei na adolescência, eu descobri que isso

era desejo, mas até então só ficava no viés do desejo, quanto a...as paixõezinhas

de criança, eram por meninas até porque a sociedade condicionava isso. Aos

treze anos, é...eu assumi a minha orientação sexual pra mim mesmo. Eu refleti

e falei assim: “Estou gostando de um menino e sinto atração sexual também

por um menino, então sou homossexual”. E ficou...eu fiquei nesse...nessa

construção por um ano, enquanto eu morava ainda na cidade dos meu pais, que

só minhas amigas...eu sempre tive apenas amigas, desde que eu me entendo

por gente, então eu conversava com as minhas amigas, aos catorze anos eu vim

morar em Venda Nova, cheguei aqui sem medo nenhum, é...e coloque minha

cara a tapa literalmente, porque ela foi bem é...estapeada (risos), é...não só pela

vida, mas pelas pessoas também. Então, a...esse ano, até o final de 2012, é...eu

me construí com uma sociedade, no final de 2012, aos plenos...com quinze

anos eu conversei com a minha mãe, foi um final de semana é...na angústia até

que, quando eu estava saindo de casa pra voltar pra Venda Nova, eu não tinha

coragem de falar, eu digitei no celular, “Mãe, eu gosto de meninos”, ela leu e

teve uma reação que eu já esperava. “Meu filho, reza e pede a Deus que isso

vai passar”, ok, é...até hoje não passou e também creio eu que não vai passar

(risos), mas depois de que eu contei pros meus pais, o clima na minha casa

ficou super estranho, meu pai que sempre teve problemas de saúde, ficou pior,

teve depressão, ainda tem, e...mas agora eu tô bem com eles, se eles aceitam

ou não, pra mim já não faz diferença, porque a minha parte, o que eu sentia

que deveria fazer, era de colocá-los a par da situação, isso eu fiz, agora o resto

é com eles. É... Com o resto da minha família, os que me interessam, é...são

super tranquilos, agora os outros, tanto faz. E com a sociedade é...eu tenho uma

relação muito boa com algumas pessoas, mais, e com as mais conservadoras

é...nem tanto, mais eu não deixo de falar quem eu sou e não deixo de falar

minha posição.

No que se refere à homossexualidade, é importante destacar, a discussão de Ferrari

(2000, p.09) quando ressalta que a própria classificação de homossexualidade para “[...]

determinadas práticas sexuais já representaria a perpetuação de conceitos, crenças e,

consequentemente, de comportamentos que recuperariam o pensamento e as práticas dos

séculos XVIII e XIX”.

O autor defende a troca da palavra homossexualidade pela palavra homoerotismo,

no intuito de retirar do termo conotações preconceituosas (poupando delas as pessoas

classificadas como homossexuais), em função da origem médica do conceito. Além disso, o

termo homoerotismo representaria melhor a variedade de práticas sociais e sexuais das pessoas

que sentem algum tipo de atração pelo mesmo sexo e o uso dessa palavra abandonaria a ideia

da existência de uma identidade homogênea e de essência, que ainda hoje está presente quando

se emprega o termo homossexual. Assim,

A palavra “homossexual” está excessivamente comprometida com o contexto médico-

legal, psiquiátrico, sexológico e higienista de onde surgiu. O “homossexual”, como

tento mostrar, foi uma personagem imaginária com a função de ser a antinorma do

ideal de masculinidade requerido pela família burguesa oitocentista. Sempre que a

palavra é usada evoca-se, querendo ou não, o contexto da crença preconceituosa que

até hoje faz parecer natural dividir os homens em “homossexuais” e “heterossexuais”

(FERRARI, 2000, p.09).

Segundo Ferrari (2000, p. 92), o homoerotismo está presente em vários momentos

e locais da escola. Está presente nas conversas entre alunos, nos rabiscos nas carteiras, nas

pichações dos banheiros masculinos, enfim está no cotidiano da escola, dos professores, dos

alunos e, no entanto, a discussão não foi ainda trazida para o discurso oficial, ainda não foi

integrada de maneira satisfatória ao currículo. Dessa forma, o homoerotismo se mantém na

clandestinidade, como uma identidade desviante, como algo que deve ser escondido.

A tribo se queixa, ainda, da falta da participação dos outros estudantes na pauta de lutas

que o grêmio tem produzido:

Engajada 1: O Diretor de Ensino, o nosso Diretor Geral, eles entendem e

sabem a importância do Movimento Estudantil, essas pessoas sabem. Mais os

estudantes não sabem, então a gente conseguiu fazer uma jornada de lutas

muito grande, porque a gente conseguiu reunir todos os estudantes, só que no

momento em que a gente tava fazendo essa jornada, a gente percebeu que as

pessoas que eram interessadas, que ficavam pra ouvir a gente ao menos, foram

poucas, porque as outras pessoas foram se dispersando, como era uma “aula

vaga”, entre aspas, é...elas foram saindo e antes de ter essa jornada a gente não

pôde falar qual ia ser o horário da jornada, justamente porque a gente sabia, se

fosse ser de manhã, sete horas, eles não iriam chegar sete horas e se fosse

depois da aula, até dez e quarenta, eles iriam em bora mais cedo, então a gente

não pôde por não confiar em nós mesmos né, porque a gente tá representando

os estudantes, a gente não pôde, até o último dia, falar [...].

Pesquisadora: Isso incomoda vocês?

Engajado 2: Muito.

Engajado 1: Muito. Mas isso é reflexo de uma sociedade?

Engajada 1: Sim. Que a gente vive numa sociedade hoje que é... aonde se fala

muito em política, porque você ouve muito falar é...mal do governo ou é...falar

dos políticos, mas as pessoas não entendem o que tá acontecendo, as pessoas

escutam, elas veem notícias e elas simplesmente falam e criticam e...e só sabem

fazer isso [...].

Engajado 2: O homem é um ser político e por que fugir disso?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada deixou claro que é através dos tempos livres e dos lazeres no

universo escolar, que esses jovens se diferenciam do mundo adulto, construindo ritos, normas

e expressões culturais. Essa sociabilidade juvenil no Ifes/VNI passa pelos critérios da vivência,

do pragmatismo, da estética, do lazer e também no envolvimento em ações coletivas, como é o

caso da tribo “os engajados”.

Nesse sentido, a construção das tribos de identidade juvenil apareceu como um dos

elementos constitutivos da singularidade da condição juvenil. Essa situação é explicada por

Camacho:

O grupo se converte no centro de seus interesses, tudo gira em torno dele, as

atividades, as sensações e os pensamentos estão vinculados ao que pensam, digam ou

opinam os seus pares. Surge a necessidade de compartilhar tudo. O fundamental é não

ser rejeitado e estar incluído em todas as atividades grupais, porque a necessidade de

pertencimento é vital e o ostracismo é temido (2000, p.127).

Concluímos que, além do aprendizado, os jovens desejam frequentar uma escola que

valorize a sociabilidade, o encontro, pois, mesmo reconhecendo a oportunidade de se

credenciarem para o mundo do trabalho por meio da escola, não admitem a forma como muitas

vezes acontecem as práticas pedagógicas.

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