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  Vanessa Junqueira Megale AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS E O TURISMO NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO NA CIDADE DE SILVIANÓPOLIS   MG: PRÁTICAS E ATIVIDADES SÓCIO   CULTURAIS Belo Horizonte Centro Universitário UNA Agosto/ 2007

As Manifestacoes Religiosas e o Turismo Na Festa de Nossa Se

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Festas religiosas e seus sig. no Turismo

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  • Vanessa Junqueira Megale

    AS MANIFESTAES RELIGIOSAS E O TURISMO NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSRIO NA

    CIDADE DE SILVIANPOLIS MG:

    PRTICAS E ATIVIDADES SCIO CULTURAIS

    Belo Horizonte Centro Universitrio UNA

    Agosto/ 2007

  • Vanessa Junqueira Megale

    AS MANIFESTAES RELIGIOSAS E O TURISMO NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSRIO NA

    CIDADE DE SILVIANPOLIS - MG:

    PRTICAS E ATIVIDADES SCIO - CULTURAIS

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Turismo e Meio Ambiente do Centro Universitrio UNA, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Turismo e Meio Ambiente.

    rea de Concentrao: Turismo e Meio Ambiente

    Orientador: Dr Reinaldo Dias

    Belo Horizonte Centro Universitrio UNA

    Agosto/ 2007

  • MEGALE, Vanessa Junqueira M496m As manifestaes religiosas e o turismo na festa de Nossa Senhora do Rosrio na cidade de Silvianpolis - MG : prticas e atividades scio-culturais / Vanessa Junqueira Megale. Belo Horizonte:2007. 129 f.: il.

    Orientador: Reinaldo Dias.

    Dissertao (mestrado) Centro Universitrio UNA, Programa de Mestrado em Turismo e Meio Ambiente. 2007.

    Bibliografia : f. 98-107

    1. Turismo Teses. 2. Cultura Teses. 3. Religio - Teses. 4. Tradio Teses. 5. Silvianpolis Teses. I. Dias, Reinaldo. II. Centro Universitrio UNA. III. Ttulo

    CDU : 379.85

    Ficha catalogrfica elaborada por Vanessa Santos CRB-6/2456 MG

  • DEDICATRIA

    Aos meus pais Nadir Junqueira Megale e Gelsio Marinelli Megale

    pela pacincia, compreenso e principalmente sabedoria. Vocs so minha referncia de vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu orientador Reinaldo Dias pela dedicao, carinho e acima de tudo generosidade por ter acompanhado comigo, alm dos problemas pertinentes a todo

    iniciante a pesquisa, meus conflitos pessoais, que, se no fosse pela sua insistncia,

    conselhos e confiana, esta dissertao no teria sido finalizada. Agradeo a Andrea Lameirinhas e Kndice secretrias do mestrado pela amizade e dedicao.

    Agradeo a minha irm Dbora Junqueira Megale pelas vrias puxadas de orelhas que fizeram reavivar nosso imenso lao de amor. Agradeo as minhas amigas de mestrado, Ana Paula de Abreu e Lima, Roberta Gontijo e Luciana Lopes por compartilharem minhas angstias em reunies informais e pela bela amizade slida que criamos. Agradeo a minha amiga Clarissa Cruz pelo estmulo, e por sempre ter acreditado em mim. Agradeo pela verdadeira amizade. Agradeo a minha querida amiga Andra Domingues por ter me iluminado do

    incio ao fim desta dissertao, por estar sempre ao meu lado e pela honesta e verdadeira amizade. Agradeo a minha querida amiga Cristina Helou por ser to fiel e amiga nos momentos difceis.

    Agradeo a doutora Berenice Santoro por seu apoio e seu carinho profissional e tambm pelo nascimento de uma grande amizade. Agradeo aos meus amigos e colegas de trabalho Bertuolo e Ana Paula Maiochi pelo incentivo e pelas nossas boas risadas. Agradeo a minha amiga Lenine pelo apoio e carinho.

  • RESUMO

    O objeto de estudo desta dissertao a Festa de Nossa Senhora do Rosrio da cidade de Silvianpolis MG. O festejo teve incio no Brasil, desde 1711 e era comumente chamada Reinado ou Reisado. Em Silvianpolis especificamente, ocorre h mais de duzentos anos. significativo notar que a caracterstica principal da festa o culto Nossa Senhora do Rosrio, que foi adotada pelos negros no Brasil desde a poca da colnia, por semelhana ao seu Deus: Orix If, apresentando a forma dinmica como culto e festejo tm sido re-significados desde ento. Concomitantemente analisaram-se os impactos scio culturais ocasionados pela atividade turstica e percebe-se que a festa carregada de tradies com elementos que so preservados desde os primrdios sob novas formas de representaes, assim como outros so incorporados ou diludos. Foi investigado o modo

    como esta se organiza e organizada, bem como o modo que assistida e vivenciada por seus expectadores.

    PALAVRAS CHAVE: Cultura, Festas, Turismo, Tradio e Religio.

  • ABSTRACT

    The aim object of this dissertation is the party of Our Lady of the Rosary from the city of Silvianpolis MG. The festivity had its beginning in Brazil in 1711 and it used to be commonly called Reinado or Reisado (Reign). In Silvianpolis specifically, it has been occuring for more than two hundred years. It is significant noticing that the establishing characteristic of this party is the cult of Our Lady of the Rosary, that was adopted by the black people in Brazil after the colonization period, due to its similarity to its God: Orix If, presenting the dynamic shape as cult and festivity they have been receiving new

    meanings ever since. In conjunction we reviewed the social cultural impacts brought by the touristic activity and we noticed that the party is filled with traditions whose elements are preserved since the beginning under new forms of representations, while others are incorporated or diluted. We investigated the way on which it organizes itself and is

    organized, as well as the way that it is watched and experienced by its expectators.

    KEYWORDS : Culture , Parties , Tourism , Tradition and Religion.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 01 Coroa do Rei segurada pelo festeiro 2006. 73 Figura 02 Coroa do Rei e da Rainha (festeiros) seguradas pela famlia dos festeiros

    2006. 73

    Figura 03 Barracas utilizadas para vender diversos produtos no dia da festa. 75 Figura 04 pice da Festa Subida do Reinado com as coroas sendo protegidas

    pelos guarda coroa. 76

    Figura 05 Esmolas doadas pela comunidade local e empresas. 81 Figura 06 Estandarte com a imagem dos santos. 82 Figura 07 Terno de congo. 82 Figura 08 Terno de congo. 83 Figura 09 Almoo feito no Barraco. 84

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 Sexo dos participantes da Festa do Rosrio 87 Grfico 02 Faixa etria 87 Grfico 03 Freqncia dos turistas na Festa do Rosrio 88

    Grfico 04 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Hospedagem 88 Grfico 05 Hospedagem 89 Grfico 06 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Transporte 89 Grfico 07 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Servios mdicos 90 Grfico 08 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Informaes

    tursticas 90

    Grfico 09 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Banheiros 91 Grfico 10 Classificao da infra-estrutura da Festa do Rosrio: Alimentao 91 Grfico 11 Funo da Associao de Caridade Nossa Senhora do Rosrio 92 Grfico 12 A Festa do Rosrio uma comemorao para cultuar Nossa Senhora

    do Rosrio 92

    Grfico 13 Atraes da Festa do Rosrio 92 Grfico 14 Melhor momento da Festa 93 Grfico 15 Motivo do comparecimento Festa 93 Grfico 16 Escolha dos festeiros 93 Grfico 17 Pessoas conhecidas dos entrevistados, que danam nos terno de congo 94

  • SUMRIO

    1. INTRODUO 10 2. PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL 14 2.1 Patrimnio Cultural 14

    2.2 Patrimnio Imaterial 19 2.3 Turismo e Patrimnio Imaterial 25 2.4 A importncia do Turismo 31 2.5 Cultura e Turismo 34 3. FESTAS, FESTIVIDADES, MANIFESTAES RELIGIOSAS E

    TURISMO 41

    3.1 A relevncia da peregrinao no turismo religioso 41 3.2 Atratividade dos eventos religiosos 47

    3.3 Evento religioso e o turismo 59 4. A FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSRIO 61 4.1 O contexto histrico e geogrfico de Silvianpolis MG 61 4.1.1 A cidade 62 4.1.2 A histria 64 4.1.3 De Santana do Sapuca Silvianpolis 66 4.2 A Festa do Rosrio 67 4.2.1 Histria Geral 67 4.2.2 A Festa de Nossa Senhora do Rosrio na cidade de Silvianpolis MG 71 4.2.3 A Irmandade da Festa do Rosrio 78 4.2.4 Caractersticas e organizao da Festa do Rosrio 80 5. ANLISE DOS RESULTADOS 86 6. CONSIDERAES FINAIS 96 7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 98 8. APNDICE 108 9. ANEXOS 112

  • 10

    1. INTRODUO

    O objeto de estudo desta dissertao a Festa de Nossa Senhora do Rosrio que ocorre em Silvianpolis, Minas Gerais, h mais de duzentos anos, provocando uma srie

    de visitaes tursticas ao local e tornando mais intensa a vida de moradores da comunidade. O Municpio, localizado no sul de Minas Gerais, tem aproximadamente cinco mil oitocentos e setenta e sete habitantes, e seus moradores so, em sua maioria,

    catlicos. Assim, a festa de Nossa Senhora do Rosrio que acontece anualmente na cidade se d num ambiente profundamente religioso e intensamente vivenciada pelos membros responsveis por sua realizao. Esta festa acontece no Brasil desde 1711 e chamada Reinado ou Reisado;

    teve sua primeira comemorao realizada na antiga Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, tambm localizada em Minas Gerais, caracterizando o culto dos negros Nossa Senhora do Rosrio. Alm disso, interessante notar que os negros que vieram para o Brasil poca da escravido privilegiaram o culto santa porque esta se assemelhava

    ao Orix If, um Deus negro que eles consultavam para saber sobre seus destinos. Esse foi um fator fundamental para as prticas em torno da Santa que resultaram na festa que ocorre ainda hoje no Brasil. Entretanto, esse assunto no assim to singelo. Sabe-se que a festa no uma

    comemorao que se manteve tal qual desde o sculo XVIII. A festa a representao de tradies e como tal vem se transformando ao longo do tempo, incorporando traos da cultura e abolindo outros. Observando especificamente a festa de Nossa Senhora do Rosrio em Silvianpolis, temos percebido que ela carregada de re-significaes, onde se v

    elementos que permaneceram desde seus primrdios, mas que tm se apresentado sob a forma de novas representaes. O turismo e o modo como a festa tem se tornado espetculo um exemplo disso, tornando-a ao mesmo tempo tradicional e atual, e, como j nos apontou Raymond Williams, re-significada, porque evoca no presente, necessidades vigentes tanto daqueles que vivem no local quanto dos que a assistem como turistas.

    Neste sentido, para abordar a festa como foco deste trabalho, temos nos inspirado em alguns autores que nos tm ajudado a entender essa forma dinmica com

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    que esta se apresenta. o caso de Raymond Williams (1979) com suas discusses sobre tradio e re-significao; Thompson (1998), quando fala das transferncias dos costumes cotidianos de uma gerao a outra; Dias (2006) que nos explica que a explorao da cultura como atrativo turstico proporcionou o crescimento do turismo cultural. O ltimo autor, inclusive, explana sobre o turismo cultural como categoria,

    dizendo que o fenmeno cultural est em constante movimento e tende a se modificar todo tempo por intermdio das atividades tursticas. Vendo dessa forma a presena do turista traz tambm constantes mudanas comunidade e ao modo como a festa tem sido vista por seus espectadores.

    Interpretando as fontes citadas, utilizamos alguns autores, tais como Alessandro Portelli, especializado em discusses sobre narrativas orais, e que por isso orientou grande parte das nossas discusses promovidas por meio das entrevistas, bem como Marilena Chau, que promove discusses sobre memria uma importante categoria de

    anlise para este trabalho, j que tratamos aqui de uma festa que perdura a mais de duzentos anos.

    Visando tornar a pesquisa mais didtica, dividimos esta dissertao em quatro captulos. O Captulo 1 aborda o Patrimnio Cultural Imaterial, bem como o Turismo

    Cultural. Neste, vrios autores foram utilizados destacando-se a ampliao da noo de patrimnio cultural. O Captulo 2 aborda a Festa de Nossa Senhora do Rosrio como uma das expresses das manifestaes religiosas e o modo como estas tm feito parte do turismo religioso no Brasil. O Captulo 3 trata especificamente da festa em questo,

    seu contexto histrico e geogrfico, contextualizando-a na cidade de Silvianpolis. O Captulo 4 trata da anlise dos questionrios aplicados nos trabalhos de campo.

    Enfim, as pginas que se seguem vo abordar a festa de Nossa Senhora do Rosrio como uma das expresses da cultura religiosa e sua utilizao pelo turismo no Brasil, especificamente em Minas Gerais.

    Objetivo geral.

    Este trabalho aborda a Festa de Nossa Senhora do Rosrio da cidade de

    Silvianpolis - Minas Gerais e tem como objetivo analisar as diferentes atividades culturais dentro do festejo e a interferncia do turismo.

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    Objetivos especficos.

    Analisar a histria e organizao da Festa do Rosrio; Identificar os impactos scio culturais positivos e negativos do turismo na

    Festa do Rosrio.

    Metodologia da pesquisa.

    Para efetuar tal investigao, porm, foi necessria inicialmente, adotar como

    mtodo deste estudo a pesquisa documental, explorando-se alm da bibliografia especfica, descrita ao final desta dissertao, uma vasta coleta de dados, fontes que contriburam para nossas anlises, tais como entrevistas com membros responsveis pela realizao da festa, atas, jornais e fotografias. Na pesquisa de campo, tambm conhecida como pesquisa de laboratrio, utilizamos como mtodo o estudo de caso. Conforme Lakatos (2001) a pesquisa de campo envolve as tcnicas de observao direta intensiva: observao e entrevistas; de observao direta extensiva:

    questionrios, formulrios, medidas de opinio, histrias de vida e atitudes tcnicas mercadolgicas. Justifica-se a utilizao do estudo de caso porque, segundo alguns autores, entre eles, Yin (2001) ressaltam que o estudo de caso possibilita uma investigao que inclui, de maneira significativa e abrangente as caractersticas de fenmenos da vida real tais como ciclo de vida individual e processos gerenciais e organizacionais de forma geral.

    Para alcanarmos os resultados, usamos as abordagens discritiva e interpretativa. As informaes analisadas foram obtidas atravs de entrevistas e aplicao de cem questionrios estruturados aos participantes da festa, com o objetivo de diagnosticar os diferentes motivos, que levam as pessoas, turistas e membros ligados a sua organizao, a participarem da Festa do Rosrio. Os questionrios tiveram como funo o fornecimento das informaes necessrias ao desenvolvimento desta dissertao. O nmero de questionrios distribudos totalizando cem foi aleatrio, diante da

    amplitude da festa, da inexistncia de anterior anlise da demanda, impossibilitando a mensurao ainda que aproximada da quantidade de participantes que pudesse indicar o nmero correto de questionrios a serem distribudos.

  • 13

    Quanto a escolha dos entrevistados que constituiram a amostra, foi escolhido um membro mais antigo da Associao de Caridade Nossa Senhora do Rosrio, o festeiro do ano de 2007 quando foi realizada esta pesquisa, um membro dos ternos de congo e, por indicao da D. Carlina a ltima entrevista foi realizada com uma participante ativa da Festa do Rosrio desde adolescente, conforme elencados abaixo.

    A amostra foi composta de cinco entrevistados, distribudos da seguinte maneira: 1- D. Carlina de Moraes Dutra Historiadora e membro da Associao de

    Caridade Nossa Senhora do Rosrio; 2- Sr. Joaquim (nome fictcio) festeiro da Festa de Nossa Senhora do Rosrio; 3- D. Maria Patrocnio da Conceio participante ativa da festa desde

    adolescente; 4- Joo Magalhes j foi festeiro da Festa do Rosrio; 5- Sr. Antnio participante do terno de congo.

    Quanto ao entrevistado Sr. Joaquim, utilizamos de um nome fictcio porque de maneira nenhuma permitiu a meno de seu nome verdadeiro, alegando que participava da festa em cumprimento promessa feita santa. Respeitamos por bvio sua privacidade, mas no poderamos deixar de entrevist-lo, por ser o festeiro do ano,

    consequentemente a pessoa mais importante da ocasio. O cruzamento dessas informaes obtidas com os questionrios e as entrevistas

    possibilitaram-nos identificar os motivos que levam as pessoas a participarem da festa, bem como conhecer melhor os servios tursticos disponibilizados, principalmente de

    infra-estrutura de apoio, como: hospedagem, alimentao e transporte, dentre outros. O mesmo cruzamento fornece-nos ainda elementos para a anlise dos resultados.

  • 14

    2. PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL 2.1 Patrimnio Cultural.

    As idias de patrimnio cultural ficaram vinculadas, durante muito tempo a edificaes histricas, prdios, cidades e outros bens materiais, visando estabelecer um movimento de proteo a impedir que estes fossem substitudos por novas formas arquitetnicas.

    Barreto (2004, p.9) salienta que at a metade deste sculo, praticamente, patrimnio cultural foi sinnimo de obras monumentais, obras de arte consagradas, propriedades de grande luxo, associadas s classes dominantes, pertencentes sociedade poltica e civil, ou seja, apenas eram considerados patrimnios culturais as obras de arte, como a pintura, a escultura e a arquitetura, e principalmente dava-se grande importncia aos antigos palcios, residncias de nobres ou locais de relevncia dentro da histria poltica de um local determinado, deixando-se de lado as manifestaes locais, espelho do cotidiano das pessoas e reflexo da histria social regional.

    Assim como a histria oficial os grandes feitos e batalhas -, a histria social tambm passou a levar em conta a histria dos renegados, das minorias, que incluem as relaes econmicas e sociais, a vida domstica, as condies de trabalho e lazer, a atitude para com a natureza, a cultura, a religio, a msica, a arquitetura, a educao

    (BARRETO, 2004, p.11), atentando-se desta forma para que o patrimnio cultural no inclua somente os bens tangveis, mas tambm os intangveis, por assim dizer, outras formas de arte que transcorrem com o tempo, como a dana, a literatura, a msica, os rituais, a gastronomia, enfim manifestaes que fazem parte de todo o fazer humano, e que representam no s a cultura de classes mais abastadas, mas tambm a dos menos

    favorecidos. As tradies culturais no advm somente das elites, mas, tambm, de classes

    populares, que ainda mantm suas festas, seus rituais, sejam de cunho religioso ou folclrico, passando de gerao para gerao sua herana cultural. Pode-se utilizar o

    termo legado cultural, que no idioma ingls traduz em uma palavra o que patrimnio cultural significa heritage: aquilo que nos deixado por nossos antepassados, sejam bens materiais ou abstratos. A identidade de um povo refere-se a algo que herdamos e que, por conseguinte, deve ser protegido.

  • 15

    Ao analisarmos as Cartas Patrimoniais que segundo o Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional (Iphan )1 so documentos nacionais ou internacionais que vo tratar do conceito, normas de preservao e conservao do patrimnio cultural, notamos que pouco ou muito pouco dessas manifestaes culturais considerado patrimnio cultural.

    Com o Decreto lei n 25, 30 de novembro de 1937 (anexo I) de criao do Iphan estipulou-se que o patrimnio histrico e artstico nacional seria definido da seguinte forma:

    constitui o patrimnio histrico e artstico nacional o conjunto de bens mveis e imveis existentes no pas e cuja conservao seja de interesse pblico, que por sua vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou artstico. (Barbosa, 2001, p. 79)

    No que diz respeito Recomendao sobre a Conservao dos Bens Culturais

    ameaados pela execuo de Obras Pblicas ou Privadas, redigida a partir da Conferncia Geral das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, ocorrida em novembro de 1968, em Paris, bens culturais so assim definidos:

    a) Bens imveis, como os stios arqueolgicos, histricos ou cientficos, edificaes ou outros elementos de valor histrico, cientfico, artstico ou arquitetnico, religiosos ou seculares, includos os conjuntos tradicionais, os bairros histricos das zonas urbanas e rurais e os vestgios de civilizaes anteriores que possuam valor etnolgico. Aplicar-se- tanto aos imveis do mesmo carter que constituam runas ao nvel do solo como aos vestgios arqueolgicos ou histricos descobertos sob a superfcie da terra. A expresso bens culturais se estende tambm ao entorno desses bens. b) Bens mveis de importncia cultural, includos os que existem ou tenham sido encontrados dentro dos bens imveis e os que esto enterrados e possam vir a ser descobertos em stios arqueolgicos ou histricos ou em quaisquer outros lugares.

    A expresso bens culturais engloba tanto os stios e monumentos arquitetnicos,

    arqueolgicos e histricos reconhecidos e protegidos por lei, antigos ou modernos, bem como aqueles no protegidos.

    1 Criado em 13 de janeiro de 1937, pela Lei n 378, no Governo de Getlio Vargas, o IPHAN, um

    rgo hoje vinculado ao Ministrio da Cultura. Coube a Rodrigo Melo Franco de Andrade a tarefa de implantao do Servio do Patrimnio e a Mrio de Andrade a elaborao de um anteprojeto de Lei para salvaguarda desses bens. Em 30 de novembro de 1937, foi promulgado o Decreto Lei n 25, que organiza a proteo do patrimnio histrico e artstico nacional.

  • 16

    Na maior parte do sculo XX, houve mais preocupao com a preservao do

    patrimnio arquitetnico relacionado a um maior significado histrico. No ano de 1964, realizou-se o II Congresso de Arquitetos e Tcnicos de Monumentos Histricos, na cidade de Veneza, Itlia, aprovando-se a Carta de Veneza, importante documento que se tornou um marco na preservao e conservao do patrimnio histrico, ao conceituar

    monumento, no s como a criao arquitetnica isolada, mas tambm como o conjunto urbano ou rural que d testemunho de uma civilizao particular, de uma evoluo significativa, ou de um acontecimento histrico. Refere-se no s s grandes criaes, mas tambm s obras modestas que adquiriram com o tempo uma significao

    cultural2.

    A partir desse novo conceito de monumento, evoluram a proteo e a restaurao do patrimnio histrico em muitos pases, incorporando ao circuito turstico lugares, vilas e cidades que sofreram um processo de revitalizao, principalmente em

    funo do aumento do nmero de visitantes. Em reunio realizada em Paris, em 1972, a Unesco aprova a Conveno para a Proteo do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, na qual se estabelece um sistema de proteo mundial do patrimnio cultural e natural de valor universal considerado excepcional, e que hoje conta com inmeros bens inscritos em vrios pases.

    Nesta conveno do Patrimnio Mundial da Unesco, em 1972, define-se patrimnio cultural como3:

    monumentos: obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueolgica, inscries, cavernas e combinaes destas que tenham um valor de relevncia universal do ponto de vista da histria, da arte ou das cincias; conjunto de edificaes: conjunto de edificaes separados ou conectados, os quais, por sua arquitetura, homogeneidade ou localizao na paisagem, sejam de relevncia universal do ponto de vista da histria, da arte ou das cincias; stios: obras feitas pelo homem ou pela natureza e pelo homem em conjunto, e reas que incluem stios arqueolgicos que sejam de relevncia universal do ponto de vista da histria, da esttica, da etnologia ou da antropologia.

    Os pases signatrios dessa Conveno podem indicar bens culturais e naturais a serem inscritos na lista do Patrimnio Mundial. As informaes sobre cada candidatura

    2 Artigo 1. Carta de Veneza, 25 a 31 de maio de 1964. II Congresso de arquitetos e tcnicos de

    monumentos histricos, na cidade de Veneza, Itlia. 3 UNESCO. Conveno para a Proteo do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural. Actas de la 17

    Conferencia General, Paris, 17 out. 1 nov. 1972.

  • 17

    so avaliadas por comisses tcnicas e a aprovao final feita anualmente pelo Comit

    do Patrimnio Mundial, integrado por representantes de vinte e um pases. A proteo e a conservao dos bens declarados Patrimnio da Humanidade so compromissos do pas onde se localizam. A Unesco participa apoiando aes de proteo, pesquisa e divulgao, com recursos tcnicos e financeiros do fundo do Patrimnio Mundial.

    Segundo Barreto (2004, p.13),

    determinar o que digno de preservao uma deciso poltico-ideolgica, que reflete valores e opinies sobre quais so os smbolos que devem permanecer para retratar determinada sociedade ou determinado momento, donde os grandes questionamentos sobre quem tem ou deveria ter autoridade para decidir.

    Para que um bem seja declarado patrimnio da humanidade deve conseguir a concordncia dos governos nacionais e das comunidades prximas ao stio a ser preservado, mesmo quando o patrimnio no se identifica com a cultura da comunidade

    naquele momento histrico. Isso s pode ser obtido atravs de um trabalho de conscientizao, de parceria entre a comunidade e os rgos administrativos municipais, estaduais e federais, e mais a iniciativa privada; e, tambm, da predominncia de uma ideologia que reconhea valores universais se sobrepondo aos valores nacionais e at

    mesmo religiosos.

    Visto que o patrimnio cultural est exposto a constantes riscos de depredao e at mesmo extino, seja por parte da atividade turstica ou de qualquer outra atividade, faz-se necessria utilizao de formas legais de preservao destes bens. Conforme o

    Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), alm da legislao nacional especfica, a preservao de bens culturais ainda orientada por cartas, declaraes e tratados nacionais e internacionais, alm de outros instrumentos legais, tais como as legislaes que tratam de questes ambientais, de arqueologia e de turismo

    cultural.

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988 (Brasil, 2004, p.137), em seu artigo 216, entende como patrimnio cultural brasileiro:

    Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I. as formas de expresso; II. os modos de criar, fazer e

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    viver; III. as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV. as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico culturais; V. os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

    Nesse sentido podemos entender e compreender como patrimnio os modos de criar, viver e fazer, ou seja, as prticas culturais dos homens que passam tempos diversos sobrevivendo no cotidiano das grandes e pequenas cidades.

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil ressalta ainda nos pargrafos 1, 3 e 4 que o poder pblico, com a colaborao da comunidade promover e proteger o patrimnio cultural brasileiro, por meio de inventrios, registros, vigilncia, tombamento e desapropriao, e de outras formas de acautelamento e preservao. A lei

    estabelecer incentivos para a produo e o conhecimento de bens e valores culturais, lembrando que os danos e ameaas ao patrimnio cultural sero punidos, na forma da lei.

    De acordo com a Constituio Federal (Saraiva, 2004, p.138) artigo 216 pargrafo 6 facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento cultura at cinco dcimos por cento de sua receita tributria lquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicao desses recursos no pagamento de despesas com pessoal e encargos sociais, servio da dvida e qualquer outra despesa corrente no vinculada diretamente aos investimentos a aes apoiados.

    importante ressaltar, de acordo com o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), que o tombamento um ato administrativo realizado pelo poder pblico com o objetivo de preservar, por intermdio da aplicao de legislao especfica, cujo embasamento no Decreto Lei n 25, de 30 de novembro de 1937, bens de valor histrico, cultural, arquitetnico, ambiental e tambm de valor afetivo para a populao, impedindo que venham a ser destrudos ou descaracterizados.

    Conforme Rodrigues (2003), o tombamento no altera a propriedade de um bem, apenas probe que venha a ser destrudo ou descaracterizado; logo, um bem tombado

    no necessita ser desapropriado; e tambm no existe qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herana de um bem tombado, desde que continue sendo preservado.

    Segundo Neves (2003, p.56):

    O instrumento do tombamento ainda em vigor pressupe que o bem a ser preservado s geraes futuras no pode ser descaracterizado e ,

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    ainda, alvo de outras crticas constantes em especial pelo fato de atribuir a particularidades a conservao do bem tombado. A ao do poder pblico no recai sobre o patrimnio do bem, que poder ser alienado como qualquer outro, mas impe restries s reformas, as quais no podero descaracterizar o imvel sob pena de punies.

    O tombamento a primeira ao a ser tomada para a preservao dos bens culturais materiais (tangveis), na medida em que impede legalmente a sua destruio.

    No caso de bens culturais, preservar no s conservar a memria coletiva, mas todos os esforos e recursos j investidos para sua construo. A preservao somente se torna visvel para todos quando um bem cultural se encontra em bom estado de conservao, propiciando sua plena utilizao.

    O patrimnio cultural deve andar juntamente com a comunidade local. De nada adiantar investir na proteo e conservao de bens mveis e imveis sem a colaborao direta da sociedade nessas aes, envolvendo-a numa participao responsvel, criando ao mesmo tempo uma parceria consciente, e estimulando a noo

    de cidadania, decorrente da preservao da memria cultural de uma nao. Devemos educar-nos para participarmos do processo de preservao cultural e mantermos o respeito s tradies, festas e lendas da cidade, e valorizarmos nosso patrimnio.

    2.2 Patrimnio Imaterial.

    Com a instituio oficial do SPHAN (Secretaria de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) em 1937, objetos produzidos por homens e mulheres ao longo de nossa histria comearam a ganhar outro reconhecimento. Obras como esttuas, prdios pblicos histricos, tais como Igrejas entre outros, passaram a fazer parte do acervo patrimonial brasileiro. Na dcada de 1950, Igrejas, Palcios de Governo, obras religiosas referentes aos perodos colonial e imperial, enfim, bens materiais (atualmente denominados tangveis) foram tombados com fins de preservao da histria nacional.

    Entretanto, somente no final do sculo XX, a concepo de patrimnio ampliou-se, nela se inserindo todo o legado cultural de um povo, como festas, danas, manifestaes artsticas, dentre outras e tudo o que existe como elemento essencial para o registro da memria individual e social, que possa contribuir para a formao do

    sentimento de pertencimento de uma comunidade. Fonseca (2003, p.70) ressalta que a ampliao da noo de patrimnio cultural

    pode ser considerada, portanto, mais um dos efeitos da globalizao, na medida em que

  • 20

    ter aspectos de sua cultura, at ento considerada por olhares externos como tosca,

    primitiva ou extica, reconhecidos como patrimnio mundial, contribui para inserir um pas ou um grupo social na comunidade internacional, com benefcios no s polticos, mas tambm econmicos.

    Atualmente devido ampliao da concepo de patrimnio e nela estar inserido

    todo o legado cultural de um povo, como suas lendas, festas, folguedos, costumes, crenas, dentre outros, tudo o que existe como elemento essencial para o registro da memria individual e coletiva, e que possa contribuir com a formao do sentimento de pertena de uma comunidade considerado patrimnio cultural imaterial.

    Para ilustrar a especificidade do que se est entendendo por patrimnio imaterial, valemo-nos de um exemplo citado por Fonseca (2003, p.66): a arte dos repentistas, embora a presena fsica dos cantadores e de seus instrumentos seja imprescindvel, a capacidade de os atores utilizarem, de improviso, as tcnicas de

    composio dos versos, assim como sua agilidade, que produz, a cada performance, um repente diferente. Abreu (2003, p.81) ao escrever sobre os tesouros humanos vivos, em um programa intitulado com este nome que tem por objetivo a valorizao dos mestres em diferentes ofcios e assegurar a transmisso s novas geraes do saber fazer dos mestres da arte, as polticas para salvaguarda dos bens imateriais, traz a definio da Unesco (1993)4 para o conceito de patrimnio cultural imaterial ou intangvel como:

    O conjunto das manifestaes culturais, tradicionais e populares, ou seja, as criaes coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre a tradio. Elas so transmitidas oral e gestualmente, e modificadas atravs do tempo por um processo de recriao coletiva. Integram esta modalidade de patrimnio as lnguas, as tradies orais, os costumes, a msica, a dana, os ritos, os festivais, a medicina tradicional, as artes da mesa e o saber fazer dos artesanatos e das arquiteturas tradicionais.

    Na Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial5 realizada

    nos dias 29 de setembro a 17 de outubro de 2003 em Paris, durante a 32 reunio da

    4 UNESCO. Material de divulgao do sistema de tesouros humanos vivos, 142 reunio do conselho

    executivo. Paris, 1993. Mimeo. 5 UNESCO, Convencin para la salvaguardia Del patrimonio cultural inmaterial. 32 Conferencia

    General de la Organizacin de las Naciones Unidas para la Educacin, la Ciencia y la Cultura. Paris, 29 septiembre al 17 de octubre de 2003.

  • 21

    Unesco, a conveno definiu Patrimnio cultural imaterial em seu artigo 2 como

    sendo:

    os usos, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaos culturais que lhe so inerentes que as comunidades, os grupos e em alguns casos os indivduos reconheam como parte integrante de seu patrimnio cultural. Este patrimnio cultural imaterial, que se transmite de gerao a gerao, recriado constantemente pelas comunidades e grupos em funo de seu entorno, sua interao com a natureza e sua histria, infundindo-lhes um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural e criatividade humana.

    Essa mesma conveno estabelece ainda que o patrimnio cultural imaterial se

    manifesta em particular nos seguintes mbitos:

    a)tradies e expresses orais, incluindo o idioma como veculo do patrimnio cultural imaterial; b) artes do espetculo; c)usos sociais, rituais e atos festivos; d)conhecimentos e usos relacionados com a natureza e o universo; e)tcnicas artesanais tradicionais.

    No Brasil, a idia de que o patrimnio no se compe apenas de edifcios e obras de arte remonta aos anos 1930 e se encontrava no projeto que o poeta modernista Mrio de Andrade elaborou para o Servio do Patrimnio Artstico Nacional, em 1936. Como se sabe, o conceito revolucionrio e visionrio de patrimnio do poeta paulista no vingou nessa poca, nem chegou a ser codificado em termos legais. Entretanto, SantAnna (2003, p.51), salienta que Mrio de Andrade foi, na prtica, um pioneiro do registro dos aspectos imateriais do patrimnio cultural, pois documentou

    sistematicamente manifestaes dessa natureza ao longo de sua vida, deixando para posteridade fotografias, gravaes e filmes que realizou em suas famosas viagens do Nordeste. Entretanto, somente em 04 de agosto de 2000 foi institudo, por meio do Decreto

    3.551 (anexo II) o registro do patrimnio imaterial que constitui o patrimnio cultural brasileiro e criao do programa nacional do patrimnio imaterial. O Decreto n 3.551/2000 estabeleceu que as aes sero desenvolvidas no mbito do programa nacional do patrimnio imaterial, que tem como objetivo

  • 22

    implementar uma poltica pblica de identificao, inventrio e valorizao desse

    patrimnio. Os bens selecionados so inscritos em livros denominados:

    a) Livro de registro dos saberes: para o registro de conhecimentos e modos de fazer; b) Livro das celebraes: para as festas, os rituais e os folguedos; c) Livro das formas de expresso: para a inscrio de manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas: d) Livro dos lugares: destinado inscrio de espaos onde se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas.

    Ao considerar a dinmica dessas manifestaes e com o objetivo de acompanhar suas transformaes, prev-se que o registro seja refeito, no mnimo, a cada 10 anos6 .

    Santanna (2003, p.52) ressalta que o registro imaterial corresponde identificao e produo de conhecimento sobre o bem cultural de natureza imaterial e equivale documentar, pelos meios tcnicos mais adequados, o passado e o presente

    dessas manifestaes, [...]. O objetivo manter o registro da memria desses bens culturais e sua trajetria

    no tempo, porque s assim se pode preserv-los (SANTANNA, 2003). Espelhar se no passado significa buscar razes e olhar para o futuro e no

    simplesmente copi lo ou reproduzi lo. (SIMO, 2006). O Programa Nacional do Patrimnio Imaterial / ( PNPI )7, institudo pelo

    Decreto n 3551/2000, viabiliza projetos de identificao, reconhecimento, salvaguarda e promoo da dimenso imaterial do patrimnio cultural. um programa de fomento que busca estabelecer parcerias com instituies dos governos federal, estadual e

    municipal, universidades, organizaes no-governamentais, agncias de desenvolvimento e organizaes privadas ligadas cultura, pesquisa e ao financiamento.

    Neste contexto que podemos afirmar que nosso objeto de estudo, a Festa do Rosrio na cidade de Silvianpolis Minas Gerais, um legado cultural, patrimnio de um povo que entre tticas e estratgias se agencia no tempo presente para manter seus

    costumes e todo um ritual de festa que envolve ricos, pobres, negros e brancos.

    6 Ver lista em anexo III. Processos de registro abertos de 2000 a 2004 (bens imateriais). FONSECA,

    Maria Ceclia Londres. O patrimnio em processo trajetria da poltica federal de preservao no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; MinC Iphan, 2005. 7 Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Programa Nacional do Patrimnio Imaterial.

    Ver anexo IV

  • 23

    A Festa do Rosrio considerada patrimnio cultural principalmente nas aes

    culturais do povo que pertence cidade de Silvianpolis, pois suas falas, aes, sentimentos relacionados festa trazem lembranas de dcadas passada, permeadas por desejos e necessidades de manter o festejo vinculado as experincias j vividas.(DOMINGUES, 2006)

    E neste contexto a Associao do Rosrio permanece ativa com a responsabilidade de:

    promover a celebrao da tradicional Festa do Rosrio de Silvianpolis, zelando pela conservao dos mesmos costumes, estilos, tradies e cerimoniais que a caracterizam desde seus primrdios.8

    O Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), conforme previsto no decreto n 3551/2000 (anexo V), regulamentado pela resoluo n 001/2006 (anexo III), e de acordo com a deciso do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural em sua 49 reunio, realizada em 03 de agosto de 2006, determina os procedimentos a serem observados na instaurao e instruo do processo administrativo de registros de

    bens culturais de natureza imaterial. O requerimento para instaurao do processo administrativo de Registro pode ser apresentado pelo Ministro de Estado da Cultura, pelas instituies vinculadas ao Ministrio da Cultura, pelas Secretarias Estaduais, Municipais e do Distrito Federal e

    por associaes da sociedade civil. Sempre ser dirigido ao Presidente do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional Iphan, podendo ser encaminhado diretamente a este ou por intermdio das demais Unidades da instituio. O requerimento deve ser apresentado em documento original, datado e

    assinado, acompanhado das seguintes informaes e documentos: I. Identificao do proponente (nome, endereo, telefone, e-mail, etc.); II. Justificativa do pedido; III. Denominao e descrio do bem proposto para registro, com

    indicao da participao e/ou atuao dos grupos sociais envolvidos de onde ocorre ou se situa, do perodo e da forma em que ocorre;

    IV. Informaes histricas bsicas sobre o bem;

    8 Ato Constitutivo e Estatutos da Associao de Caridade Nossa Senhora do Rosrio foi homologado aos

    02 (dois) dias do ms de maio de 1965.

  • 24

    V. Documentao mnima disponvel, adequada natureza do bem, tais

    como fotografias, desenhos, vdeos, filmes, gravaes sonoras ou filme;

    VI. Referncias documentais e bibliogrficas disponveis; VII. Declarao formal de representante da comunidade produtora do

    bem, ou de seus membros, expressando o interesse e a anuncia com a instaurao do processo de Registro.

    Caso o requerimento no contenha a documentao mnima necessria, o Iphan (Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) oficiar ao proponente no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogvel mediante solicitao justificada, sob pena de arquivamento do pedido.

    A instruo tcnica do processo administrativo de registro consiste, alm da documentao mencionada acima, na produo e sistematizao de conhecimentos e

    documentao sobre o bem cultural (est previsto um prazo de at 18 (dezoito) meses para execuo desta etapa) e deve, obrigatoriamente, abranger:

    I. Descrio pormenorizada do bem que possibilite a apreenso de sua complexidade e contemple a identificao de atores e significados

    atribudos ao bem; processos de produo, circulao e consumo; contexto cultural especfico e outras informaes pertinentes;

    II. Referncias formao e continuidade histrica do bem, assim como s transformaes ocorridas ao longo do tempo;

    III. Referncias bibliogrficas e documentais pertinentes; IV. Produo de registros audiovisuais de carter etnogrfico que

    contemplem os aspectos culturalmente relevantes do bem, a exemplo dos mencionados nos itens I e II deste artigo;

    V. Reunio de publicaes, registros audiovisuais existentes, materiais

    informativos em diferentes mdias e outros produtos que contemplem a instruo e ampliem o conhecimento sobre o bem;

    VI. Avaliao das condies em que o bem se encontra, com descrio e anlise de riscos potenciais e efetivos sua continuidade;

    VII. Proposio de aes para a salvaguarda do bem. Finalizada a fase de pesquisa e documentao, o material produzido na instruo do processo administrativo de Registro ser sistematizado na forma de um dossi, ser examinado pelo Iphan, que emitir parecer tcnico.

  • 25

    Aps a concluso da instruo tcnica do processo administrativo de Registro e

    do seu exame pela Procuradoria Federal, o Presidente do Iphan determinar a publicao, na imprensa oficial, de Aviso contendo o extrato do parecer tcnico do Iphan e demais informaes pertinentes, para que a sociedade se manifeste no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de publicao.

    Se a deciso do Conselho Consultivo for favorvel, o Iphan proceder inscrio do bem no Livro de Registro correspondente, conforme o estabelecido no Decreto n 3.551/ 2000, e emitir Certido de Registro. Se a deciso do Conselho Consultivo for contrria ao Registro, o Iphan

    arquivar o processo e comunicar o ato formalmente ao proponente.

    2.3 Turismo e Patrimnio Imaterial

    O turismo um fato irreversvel social, humano e econmico e cultural. Sua influncia na esfera dos monumentos e stios particularmente importante e s pode aumentar, dados os conhecimentos de desenvolvimento desta atividade.(ICOMOS, 1976) O Icomos, em 1976, pela Carta de Turismo Cultural, definiu turismo cultural:

    aquela forma de turismo que tem por objeto, entre outros fins, o cnhecimento de monumentos e stios histrico artsticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui para satisfazer seus prprios fins a sua manuteno e proteo. Esta forma de turismo justifica, de fato, os esforos que tal manuteno e proteo exigem da comunidade humana, devido aos benefcios scio culturais e econmicos que comporta para toda a populao envolvida.

    Pensado como uma tendncia da poltica patrimonial mais recente, o patrimnio imaterial , na verdade, uma alternativa para o reconhecimento de outras histrias no

    presentes nos bens considerados como monumentos histricos e culturais at a dcada de setenta do sculo passado. Neste caso, o papel do turismo fundamental no reconhecimento das diferenas e no direito a elas. A valorizao da cultura tpica como: gastronomia local e o folclore

    manifestado atravs de danas, espetculos teatrais, desfiles, festas, dentre outros surgem como elementos da cultura, incluindo todas as camadas sociais das mais

  • 26

    diversas cidades. o exemplo do queijo de Minas Gerais ou do empado goiano ambos reconhecidos como patrimnio do povo brasileiro. Obviamente, tanto um como outro so saberes que foram se repassando de gerao a gerao, caracterizando, porm, o processo de transformao e adaptao pelo qual passaram e vm passando. Esse processo de transformaes dos costumes cotidianos de gerao a gerao,

    o que alguns estudiosos denominam de folclorizao, mas neste estudo este processo no entendido como resultado da chamada modernizao, mas sim como perda de sentido e significados para a cultura do povo, no sendo o folclore sinnimo de alterao, podendo ser mais bem refletida nas palavras de Thompson (1998) quando diz que o povo:

    ...estava sujeito a presses para reformar sua cultura segundo normas vindas de cima... Quando surgiu o estudo de folclore, esses costumes j comeam a ser vistos como antiguidades, resduos do passado...

    Estes costumes que so passados de gerao a gerao podem ser entendidos como resultado do resgate cultural de um povo, do sentido, significado e simbolismo

    que aquele produto intangvel traz para a comunidade local, resgatando seus saberes e reforando sua identidade cultural.

    Conforme Dias e Aguiar (2002) as definies de folclore de uma maneira geral o caracterizam como uma representao do passado (as tradies), uma forma de mostrar aquilo que os antepassados faziam, trajavam, danavam, cantavam, etc. senso comum que as manifestaes folclricas tm uma ligao com as razes da cultura popular e a participao nelas voluntria e prazerosa. De todo modo, remetem a uma apropriao social, no presente, de uma cultura popular do passado.

    Os autores tambm afirmam que:

    quando bem conduzida, a interao folclore e o turismo pode levar a uma revitalizao das prticas tradicionais da comunidade, num processo de renascimento das atividades culturais voltadas para o turista, mas mantendo uma funcionalidade local mais fortemente associada construo de uma identidade.

    Isto implica em compreender que todo movimento em prol do reconhecimento de patrimnios imateriais desemboca numa esfera de valorizao de prticas que so

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    tradicionais, mas, sobretudo dinmicas, porque esto em constante transformao e

    atendem sempre s necessidades culturais de um povo. Raymond Williams (1979) j apontou algumas reflexes nesse sentido. A tradio, segundo o autor, seletiva e, portanto guardamos o que necessitamos no presente em que vivemos e somamos coisas conforme as mesmas necessidades.

    A cultura, principalmente se associada atividade turstica, pode sofrer modificaes com o passar dos anos, o que no significa riscos autenticidade da comunidade, a qual tal cultura e suas manifestaes pertencem. necessrio, portanto, que os bens imateriais como as manifestaes folclricas da cultura de um povo, sejam registrados de forma a preservar sua trajetria no tempo. Simo (2006, p. 28) diz que:

    ser brasileiro significa ser moderno e isto implicava em entender o prprio Brasil, buscar sua histria e suas razes. Buscar essa tradio, conhecer a nao significava estabelecer vnculos para a arte brasileira.

    As atividades tursticas tm se valido de valores culturais diversos e, nesse

    sentido, tm se alimentado daquilo que comumente chamamos patrimnio. No que tange o patrimnio imaterial isso se expressa das mais diferentes formas. s vezes em eventos gastronmicos, como o Fest Gourmet realizado na cidade de Tiradentes Minas Gerais, ou nas festas tais como Crio de Nazar em Belm do Par, Jubileu de

    Bom Jesus de Matosinhos no Rio de Janeiro, Nossa Senhora do Rosrio que tem incio em Minas na cidade de Conceio do Mato Dentro no dia primeiro de janeiro, acontecendo nos outros meses em diversas cidades, sendo que suas festividades encerram na cidade de Alpinpolis no ms de dezembro, dentre outras festas.

    O que significativo no modo como isto se d que a populao que produz esse patrimnio participa e interage com ele, se pe como parte do processo de re-significao9 (WILLIAMS, 1979) da poltica patrimonial, inserindo-se tambm nas atividades tursticas. Isto implica em dizer, portanto, que o turismo e o patrimnio

    imaterial esto intimamente ligados. As pessoas criam, montam, participam das festas; cozinham, vendem comida e entrecruzam-se com o turista visitante, dando s atividades tursticas uma dinmica nada unilateral e extremamente forte, carregada de

    9 Re significar significa atribuir novos sentidos, ainda que muitos anteriormente solidificados

    permaneam.

  • 28

    diversidades, fazendo da relao populao-turista uma via para a produo do

    conhecimento nacional e para a propagao das culturas nas suas mais diversas formas de expresso. Moura (2003, p. 49) salienta que na festa folclrica, o lendrio, a msica, a dana, o cortejo, o auto e o culto esto efetivamente ligados realidade de seus atores. Estes representam objetivamente os problemas do trabalho e da vida com os quais se encontram envolvidos. Ressaltamos ainda que a participao da comunidade vai alm de atuar em diferentes servios, fica sob sua responsabilidade a divulgao de suas riquezas

    culturais. So essas riquezas culturais que formam e diferenciam os locais, tornando-os singulares e fazendo com que a atividade turstica cresa, pois os turistas quando viajam buscam aspectos que se diferenciem dos encontrados em sua localidade de origem, como hbitos e costumes.

    Cada destinao possui uma marca prpria, algum elemento peculiar que a torna diferente dos demais lugares e que, por isso, tornam-se atrativos tursticos. Dias (2006, p. 38) afirma que a explorao da cultura como atrativo turstico implicou o crescimento do turismo cultural, principalmente nos ambientes urbanos, nos

    quais se concentram diversos tipos de atividades tursticas convenes, museus, festivais, feiras, eventos de vrios tipos, etc. O patrimnio refere-se s pessoas, s origens, a histria de toda uma comunidade. Entretanto no podemos esquecer, como diz NEVES (2003), que deve surgir da prpria comunidade a deciso do que deve ser preservado dentre seus produtos culturais, afinal fundamental a importncia desse patrimnio como suporte da histria e da memria dos grupos sociais. Dias (2006, p. 39) define turismo cultural como a:

    segmentao do mercado turstico que incorpora uma variedade de formas culturais, em que se incluem museus, galerias, eventos culturais, festivais, festas, apresentaes artsticas e outras, que, identificadas com uma cultura em particular, fazem parte de um conjunto que identifica uma comunidade e que atraem os visitantes interessados em conhecer caractersticas singulares de outros povos.

  • 29

    Barbosa (2001) diz que o patrimnio tem um significado muito forte identificado ao conceito de nao, pois ambos carregam o smbolo dos acontecimentos histricos de todo um povo.

    Nesse sentido importante entender Dias (2006) quando diz que todo o fenmeno cultural est em constante mutao e certamente se modificar com as

    atividades tursticas, pois estas implicam contatos e interao de culturas diferentes, que, sem dvidas, sofrero influncias recprocas, realizando o hibridismo cultural.

    Neste sentido, o turismo possui um papel fundamental, pois pode garantir o registro e o experimento de costumes, como a alimentao e as festas populares. Se no

    alimentadas e re-alimentadas, no podem ser re-significadas e assim tambm no resistiro ao tempo, pois so ainda mais frgeis que os bens que podemos restaurar.

    Concordamos com Marilena Chau (2000, p. 293) quando diz que :

    cultura memria, poltica, trabalho, histria, cozinha, vesturio, religio, festa, etc. Ali onde as pessoas criam smbolos, valores, prticas, h cultura. Ali onde criado o sentido do tempo do tempo, do visvel e do invisvel, do prazer e do desejo, da beleza e da feira, da bondade e da maldade, da justia e da injustia, ali h cultura

    Assim, entende-se que cultura uma forma pela qual as pessoas desenvolvem suas prticas sociais e maneiras de fazer em seu cotidiano; nesta perspectiva, cultura

    ser sempre uma categoria em construo.

    Devemos destacar tambm que a prtica da atividade turstica no que se refere ao segmento de turismo cultural pode trazer benefcios e malefcios para a comunidade local.(Dias e Aguiar, 2002)

    A presena dos turistas traz mudanas visveis nas comunidades receptoras, de

    modo geral alterando comportamentos normalmente aceitos, e ocorrendo choques com os cdigos morais locais. Dentre os efeitos negativos quando o turismo mal planejado podemos citar (Dias e Aguiar, 2002; Ignarra, 2003; Milone e Lage,2000):

    - uma alterao profunda na comunidade local, pela perda do seu orgulho

    e identidade cultural, o que ocorre quando busca tornar-se mais aceitvel para os visitantes, adotando hbitos e costumes destes;

    - um aumento da velocidade e escala em que ocorrem os conflitos culturais e as mudanas da decorrentes; de modo geral, isso acontece quando se

    modificam os papis e a posies sociais dos jovens e das mulheres;

  • 30

    - a adoo, pela juventude local, de novos comportamentos- roupas, linguagem, modas musicais etc. - que a fazem entrar em choque com os habitantes mais velhos da comunidade local;

    - so colocados em risco, muitas vezes, crenas e valores sociais consolidados ao longo do tempo;

    - a diminuio ou perda da estabilidade social; - a comercializao da cultura local para entreter os visitantes, alterando-se

    suas caractersticas e motivaes originais;

    - o declnio da produo artstica local, substituda por objetos industriais, sem nenhum vnculo com a comunidade receptora e que s aparentam ser "autnticos". Tais objetos, no entanto, se adequam s necessidades do turista que busca comprar algo aceitvel e que perpetue a memria do local visitado;

    - turistas que aparentam riqueza e esbanjamento, quando visitam reas pobres, podem causar inveja e ressentimentos na populao local;

    - muito freqentemente os turistas apresentam uma falta de suficiente conhecimento cultural e compreenso das comunidades visitadas, incluindo-

    se valores, estilos de vida, regras sociais, papel dos eventos culturais, linguagem etc.

    H tambm efeitos positivos no oferecimento do produto turstico cultural quando este passa a ser planejado, pois existe uma relao, integrao entre a comunidade local e os turistas. Alguns benefcios (Dias e Aguiar, 2002; Ignarra, 2003) so:

    - aumento do conhecimento das culturas locais pelos visitantes, que tomam conscincia de sua histria, msica, artes, comida, religio, lngua etc. Essa busca de conhecer a cultura local faz com que, muitas vezes, a

    comunidade receptora renove seu orgulho cultural, fortalecendo sua identidade;

    - com o aumento dos contatos sociais produzidos com a chegada dos visitantes, h o estmulo para a circulao de novas idias e valores na

    comunidade receptora; - a cultura local, em vrios de seus aspectos (arte, artesanato, msica etc.)

    sobrevive e, em muitos casos, renovada pelo interesse despertado pelos turistas;

  • 31

    - a presena dos turistas leva criao de muitos servios teis que

    facilitam e amenizam a vida da populao, e que de outra forma provavelmente no estariam disponveis para a comunidade receptora;

    - h uma maior valorizao do patrimnio histrico, com a populao passando a ver os imveis antigos com outros olhos.

    No entanto este aspecto positivo do turismo s poder ser concretizado com o aumento do planejamento das viagens, tomando-se o cuidado de aumentar-se o grau de informao sobre a cultura visitante e sobre a cultura visitada entre os envolvidos, pois em uma relao hbrida obrigatoriamente h a troca de conhecimento, que ocorre entre

    os turistas e a comunidade local; podendo fazer desta relao um momento de prazer com benefcios para ambos os lados, diminuindo os contrastes culturais.

    Com uma perspectiva para o futuro, o respeito ao patrimnio mundial, cultural e natural, o que deve prevalecer sobre qualquer outra considerao, por muito

    justificada que esta se paute do ponto de vista econmico, social ou poltico. Tal respeito s pode assegurar-se mediante uma poltica dirigida orientao do movimento turstico. (ICOMOS, 1976).

    2.4 A importncia do Turismo

    Conforme revista anurio exame turismo 2007-200810 a atividade turstica

    tornou-se uma das mais ricas, dinmicas e promissoras reas da economia global para todas as naes, desenvolvidas ou mais pobres, que enxergam no turismo fonte de gerao de empregos e de divisas. Nesses lugares, o setor cresce dez vezes mais rapidamente que nos mercados industrializados, afirma o francs Francesco Frangialli, secretrio geral da Organizao Mundial de Turismo (OMT), agncia da Organizao das Naes Unidas (ONU) voltada para o setor. De acordo com Dias e Aguiar (2002), etimologicamente, a palavra turismo deriva do latim tornus, substantivo que significa a ao de movimento e retorno, e que d origem a tornare, girar. Desse modo as razes tour e turn tem procedncia latina e

    significaram aproximadamente viagem circular, ou seja, h ida e volta, o retorno

    10 OLIVEIRA, Maurcio. A maior indstria do mundo: ao longo dos ltimos 50 anos, o turismo cresceu

    de forma rpida e transformou-se numa das reas mais importantes da economia global. No ritmo atual de expanso o setor chegar a 2020 com faturamento de 3 trilhes de dlares por ano. Revista Anurio Exame Turismo 2007-2008. So Paulo, p. 19-22, abr. 2007.

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    essencial nesse sentido. No sculo XII, aparece no francs a palavra tour, com o

    significado de circuito, movimento circular; encontra-se registro, em ingls, em 1643, do vocabulrio tour, de onde derivou tourist (1800) e tourism (1811). O turismo uma atividade mais antiga do que muitos de ns pensamos; sua origem est ligada aos primrdios de nossas civilizaes. Os homens pr histricos

    passaram a buscar alimentos e bebidas em vrios lugares, ou seja, para sobreviverem os homens passaram a se deslocar em funo de suas necessidades. Por volta de 800 a.C., os jogos olmpicos eram realizados em Olmpia, antiga Grcia, onde se acredita que alguns jogos tenham atrado at 200.000 pessoas. Durante a Idade Mdia, aps a queda do Imprio Romano, as viagens por motivaes religiosas, como a peregrinao de muulmanos a Meca, ou de cristos a Santiago de Compostela ou Jerusalm cresceram.(DIAS E AGUIAR, 2002)

    As pessoas no se deslocavam de uma localidade a outra por subsistncia, j comeavam a ter outras razes, desejos e motivaes, independentemente de quaisquer que fossem os motivos: religiosos, aventureiros, dentre outros.

    Destacamos conforme Dias e Aguiar (2002) que, de um modo ou de outro, ocorreram deslocamentos contnuos de pessoas em toda a histria da humanidade. Essas

    viagens serviram sempre para satisfazer a curiosidade humana de explorar novas culturas, novas terras, outros caminhos. A descoberta, a explorao, a aventura motivaram muitos viajantes, que contriburam para estreitar os laos entre diversos povos, nos mais distantes pontos do mundo.

    As grandes navegaes (sculo XVI ao XVII) deram impulso s viagens de longo curso, antecedendo o perodo denominado de turismo moderno. Na falta de meios de comunicaes mais eficazes, a melhor maneira de conhecer novos lugares era viajar at eles. (OLIVEIRA, 2005).

    A era das ferrovias representou o desenvolvimento do turismo e passou a ganhar

    adeptos em todo o mundo, motivados pela curiosidade de explorar e conhecer novos lugares e culturas.

    Devemos relatar conforme Ignarra (2003) que o advento das ferrovias no sculo XIX propiciou deslocamentos a distncias maiores em perodos de tempo menores.

    Com isso, o turismo ganhou grande impulso. Na Inglaterra, desde 1830, j existiam linhas frreas que transportavam passageiros. Em 1841, Thomas Cook organizou uma viagem de trem para 570 passageiros entre as cidades de Leicester e Lougboroug, na Inglaterra. O sucesso foi tanto que a sua empresa passou a organizar excurses para os

  • 33

    Estados Unidos. A empresa prosperou e passou a ser considerada a primeira agncia de

    viagens do mundo. Ignarra (2003) observa tambm que na Idade Mdia houve o incio de um hbito

    nas famlias nobres de enviarem seus filhos para estudar nos grandes centros culturais na Europa. Nasciam, assim, as viagens de intercmbio cultural.

    Nos sculos XVII e XVIII, as viagens ganham um novo sentido; a expresso Faire de Grand tour, originria da Frana, passa para a Inglaterra, significando viagens pelo continente feitas por uma elite de jovens ingleses para complementarem sua formao. (RABAHY, 2003).

    A partir da Revoluo Industrial, o fenmeno turstico se expandiu vertiginosamente. A diminuio da jornada de trabalho e os direitos trabalhistas possibilitaram uma maior disponibilidade de tempo para o lazer. Rabahy (2003) afirma que a partir de meados do sculo XX, so verificadas transformaes no campo social, econmico e tecnolgico, que afetam o

    desenvolvimento da atividade turstica. No campo social, destaca-se a modernizao das leis trabalhistas, que passam a reconhecer o direito s frias remuneradas a todos os trabalhadores; no econmico, observam-se ganhos de produtividade, com o aumento e

    melhor distribuio de renda; no poltico, verifica-se uma maior interdependncia nas economias dos pases e no comrcio internacional; e no tecnolgico, o seu avano, a par do desenvolvimento econmico que propiciou, provocou tambm efeitos diretos no turismo, pela modernizao do sistema de transportes e do setor da construo civil.

    Na dcada de 40, muitos estudiosos da atividade turstica evoluram a conceituao de turismo. Destacou-se o apresentado em 1942 pelos professores Hunziker e Krapf, que definiram turismo como:

    o conjunto das relaes e fenmenos originados pela deslocao e permanncias de pessoas fora do seu local habitual de residncia,, desde que tais deslocaes e permanncias no sejam utilizadas para o exerccio de uma atividade lucrativa principal, permanente ou temporria. (CUNHA, 1997 apud DIAS & AGUIAR, 2002, p. 23)

    Embora no haja uma definio nica do que seja turismo, as Recomendaes da Organizao Mundial de Turismo / Naes Unidas o definem como11:

    11 OMT. Organizao Mundial do Turismo/World Tourism Organization. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2007.

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    as atividades que as pessoas realizam durante suas viagens e estadias em lugares diferentes do de sua moradia habitual, por um perodo de tempo contnuo inferior a um ano, com fins de lazer, por negcios ou outros motivos, no relacionados com o exerccio de uma atividade remunerada no lugar visitado.

    De um modo geral, entendemos que o turismo depende da ao daquele que viaja, afinal, como coloca Dias (2005), o turismo o movimento de pessoas que abandonam temporariamente o lugar de sua residncia permanente por qualuqer motivo relacionado com o esprito, seu corpo ou sua profisso. importante ressaltar que devido ao fato do produto turstico ser intangvel (abstrato/imaterial) ele no pode ser consumido antes, e muito menos sem a pessoa se deslocar at o lugar o produto no vai at o turista, mas o turista vai at o produto.

    A atividade turstica se revela um instrumento fundamental ao desenvolvimento

    econmico e social das sociedades modernas, pode trazer benefcios s comunidades receptoras, que inclusive, podem assimilar as mudanas causadas pelo turismo, sem perder sua essncia; basta que a comunidade local tenha conscincia do que o turismo e como podemos fazer a interao comunidade turistas de forma que ocorra o mnimo

    de impactos possvel.

    2.5 Cultura e Turismo.

    Neves (2003) diz que torna-se fundamental enfatizar a importncia do patrimnio como suporte da histria e da memria dos grupos sociais, ou seja, os bens patrimoniais so instrumentos importantes de identidade dos grupos sociais. Salienta tambm que da prpria comunidade que deve surgir deciso do que deve ser

    preservado dentre seus produtos culturais. neste sentido que compreendemos cultura como movimento, onde as pessoas trocam saberes, podendo ou no haver mudanas.

    Hoebel (1982 ) deixa claro que cada sociedade humana possui sua cultura prpria e caracterstica, de maneira que os membros de uma sociedade comportam-se

    diferentemente, com relao a alguns aspectos significativos, do comportamento dos membros de qualquer outra sociedade.

    A identidade de um povo est intimamente ligada memria, e ns buscamos atravs da histria oral resgatar a cultura com a comunidade local, quer seja atravs de entrevistas ou relatos com pessoas que presenciaram o acontecimento ou com outros

  • 35

    membros da comunidade mais velhos que possam de alguma maneira contribuir com

    informaes que foram passadas de gerao para gerao. Atravs do uso da histria oral permitido adentrar no mundo dos prprios

    sujeitos inseridos na Festa do Rosrio fazendo-nos entender seu papel como tal, atravs do modo como cada um conta suas histrias, de acordo com o que nos orienta

    Alessandro Portelli (1997) a histria oral ao se interessar pela oralidade procura destacar e centrar sua anlise de viso e verso que dinamizam do interior e do mais profundo da experincia dos atores sociais.

    O uso da oralidade neste estudo abre possibilidade de navegar nas memrias

    dessas pessoas, observando suas experincias de vida que transmitem todo um processo de construo social dentro de uma cidade.

    Nesse sentido, o trabalho com memria fundamental para buscarmos entender as trajetrias de cada participante da Festa do Rosrio e como esta composta, e que vm perdendo-se com o passar do tempo, memrias estas fundamentais no processo cultural e patrimonial da construo da cidade de Silvianpolis-MG. Pois, compreendemos que:

    as recordaes no so meras exposies da memria, mas um olhar atravs do tempo mltiplo, um olhar que reconstri, decifra, revela e permite a passagem de um tempo a outro e, especialmente traz a possibilidade de atualizao do passado no presente...(GUIMARES, NETO,2000)

    A memria uma atualizao do passado ou a presentificao do passado e tambm registro do presente para que permanea como lembrana. (CHAU, 1996)

    Na tentativa de melhor explicitar o uso e o trabalho com memria podemos ainda utilizar autores como Henry Rousso (1998 apud Freire e Pereira 2002, p. 125)12 que conceitua memria da seguinte forma:

    A memria [...] uma reconstruo psquica e intelectual que acarreta de fato uma representao seletiva do passado, um passado que nunca aquele do indivduo somente, mas de um indivduo inserido num contexto familiar, social, nacional. Portanto toda memria , por definio, coletiva, como sugeriu Maurice Halbwachs. Seu atributo mais imediato garantir a continuidade do tempo e permitir resistir alteridade, ao tempo que muda, s rupturas que so o destino de toda

    12 ROUSSO, Henry. A memria no mais o que era. In: AMADO, Janana & FERREIRA, Marieta

    (coords). Usos e abusos de histria oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

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    vida humana; em suma, ela constitui eis uma banalidade um elemento essencial da identidade da percepo de si e dos outros.

    Bolle (1984, p.13) diz ainda que [...] para um indivduo cuja cultura sofre ameaa de destruio, uma arma eficiente de resistncia a memria afetiva. Dela que

    depende a preservao da identidade, sua ou do seu grupo; ela o ncleo de sua personalidade.

    A memria pura ou propriamente dita aquela que no precisa da repetio para conservar uma lembrana. Pelo contrrio, aquela que guarda alguma coisa, fato ou

    palavra nicos, irrepetveis e mantidos por ns por seu significado especial afetivo, valorativo ou de conhecimento. (CHAU, 1996)

    Freire e Pereira (2002, p.126) afirmam que a histria oral permite aprender como a memria de um grupo se constitui e se transmite, como ela ajuda a reforar sua identidade e assegurar sua permanncia para alm da esfera da vida de seus membros

    individuais. Todos os bens culturais formam a identidade de um povo e por isso devem ser

    preservados, no s em funo da atividade turstica, mas pelo fato de preservar a histria, as crenas, os rituais, as festividades de uma comunidade para geraes futuras.

    Oportuna, aqui, a transcrio do item 65 da Carta de Veneza13:

    a vida de uma cidade um acontecimento contnuo, que se manifesta ao longo dos sculos por obras materiais, traados ou construes que lhe conferem sua personalidade prpria e dos quais emana pouco a pouco a sua alma. So testemunhos preciosos do passado que sero respeitados, a princpio por seu valor histrico ou sentimental, depois, porque alguns trazem uma virtude plstica na qual se incorporou o mais alto grau de intensidade do gnio humano. Eles fazem parte do patrimnio humano, e aqueles que os tm ou so encarregados de sua proteo, tm a responsabilidade e a obrigao de fazer tudo o que lcito para transmitir intacta para os sculos futuros essa nobre herana.

    Cabe ressaltar que a busca de uma identidade cultural busca de afirmao de uma diferena e de uma semelhana. Quando se busca a identidade cultural, procura-se identificar aqueles que apresentam traos em comum, que se identificam entre si, o que fortalece o sentimento de solidariedade grupal. (DIAS, 2006)

    13 Carta de Veneza. II Congresso de arquitetos e tcnicos de monumentos histricos, na cidade de Veneza,

    Itlia. 25 a 31 de maio de 1964.

  • 37

    A atividade turstica como um todo, pode trazer benefcios s comunidades

    receptoras, que inclusive, podem assimilar as mudanas causadas pelo turismo, sem perder a essncia de seu modo de vida; basta que a comunidade receptora tenha sua identidade cultural dotada de tradies e costumes, reforada, por meio de prticas comunitrias.

    Como estamos falando de patrimnio cultural, necessrio dentre vrios conceitos, categorias de trabalho dialogar um pouco mais sobre o conceito de cultura onde o autor Hoebel (1982, p. 208) define:

    cultura algo mais do que um conjunto de formas isoladas de comportamento. a soma total, integrada das caractersticas de comportamento aprendido que so manifestas nos membros de uma sociedade e compartilhadas por todas.

    Como observamos a categoria cultura ultrapassa o material, sendo carregada de viveres e fazeres que se apresentam na ao do homem que para poderem atuar em sociedade, tm que constantemente produzir e utilizar bens culturais.

    A cultura, principalmente se associada atividade turstica, pode sofrer

    modificaes com o passar do tempo, o que no significa riscos autenticidade da comunidade, a qual tal cultura e suas manifestaes pertencem, pois o homem integra com seu tempo e espao, mantendo tradies de diferentes geraes podendo atualiz-las ou no.

    Neste sentido importante entender Dias (2003) quando diz que a proteo excessiva de um bem imaterial, como as manifestaes populares e folclricas, pode causar o engessamento das mesmas, enclausurando-a, em determinado tempo histrico, o que descaracteriza da mesma forma a cultura de um povo.

    Entendemos que o registro de bens imateriais no deve ser visto como o engessamento das manifestaes populares e folclricas, mais sim um modo de preservar a existncia e at mesmo recuperar identidades locais ameaadas ou mesmo esquecidas; neste sentido importante se discutir a importncia e os cuidados que

    devem ter um bem imaterial Pelegrini Filho (1993) diz que a proteo a manifestaes folclricas apresenta-

    se como assunto de extrema delicadeza. A proteo excessiva pode expor as manifestaes culturais ao risco de uma cristalizao artificial, o que lhes d uma

    sobrevida, que lhes rouba o valor funcional anterior e esvazia, assim, o seu significado.

  • 38

    necessrio, portanto, que os bens imateriais como as manifestaes folclricas da cultura de um povo, sejam registrados de forma a preservar sua trajetria no tempo.

    O conhecimento gerado no processo de registros, sobre essas formas de expresso, permite identificar de modo bastante preciso as maneiras mais adequadas de apoio sua continuidade ou de resgate das mesmas, embora possamos afirmar no ser

    um trabalho nada fcil o resgate da cultura. preciso respeitar-se as dimenses do tempo, mesmo quando se trata do resgate de manifestaes da cultura esquecidas no passado.

    Uma das caractersticas desse processo de construo cultural reside exatamente

    no fato de que, quanto maior a carga simblica conferida no passado a um bem cultural, tanto mais ricas sero as possibilidades de sua utilizao futura. Tal causa simblica est presente na Festa do Rosrio que traz em seu seio experincias e tradies de mais de duzentos anos.

    Em nossos dilogos com os autores observamos diferentes discusses: Rssio (1984, p.63), por exemplo, salienta que na medida em que atribumos valores, ns criamos bens, transformamos as coisas, os objetos e os artefatos em bens, e os bens constituem o patrimnio o patrimnio suscetvel de ser adquirido, de ser transmitido.

    Portanto, condio necessria do patrimnio que ele seja preservado. Macena (2003) diz que os costumes, tais como festas, lendas, crenas so formas

    culturais imateriais que revelam a cara do povo que os produz e, quando isto se torna marcante, vira patrimnio da comunidade, da cidade, do pas, da humanidade.

    Diz ainda que as festas que celebram a vida dos santos constituem-se num dos principais atrativos tursticos no Brasil, sendo hoje grande motor do turismo nacional. Esta afirmativa serve para ressaltar a grande importncia do estudo das festas folclricas, buscando, com isto, o reconhecimento de seus smbolos e caractersticas para incentivar seu possvel uso no turismo.

    A autora salienta tambm que as festas, costumes, danas, folguedos, histrias locais, podem servir para atrair a ateno e o interesse de muitas pessoas para conhecerem um pouco mais do lugar e destes costumes, muitas vezes, inclusive, despertando nelas um desejo ntimo de vivenciarem a festa junto com a prpria comunidade. Isto possvel quando uma cidade, consciente do seu potencial, resolve, com organizao e parcerias, transformar estas manifestaes culturais em atrativo

    turstico, possibilitando assim, oportunidades de negcios e empregos alm da valorizao da arte e identidade local.

  • 39

    Neves (2003) diz que o turismo, alm de um importante instrumento de promoo social e econmica, tambm, uma atividade cultural. Diz ainda que conhecer lugares, assitir apresentao de manifestaes artsticas, degustar pratos peculiares de cada regio, compartilhar com nativos a experincia de uma feira local, conhecer elementos que dizem respeito a pessoas e suas sensibilidades, suas normas e

    valores, suas emoes. um exerccio de se colocar por alguns momentos na condio do outro que experimenta cotidianamente aquilo que, aos turistas, proporcionado fortuitamente.

    A autora Maria Nazareth Ferreira (2001 apud Dias, 2006. p.51)14 diz que o processo de construo da identidade traz baila, inevitavelmente, um processo de relao social conflituoso:

    fazer festa significa colocar se diante do espelho, procurando a si mesmo e sua identidade; buscar reencontrar as garantias histrico culturais, reconfirmando as na fora da representao, no ato comunicativo e comunitrio. Esta ao de resgatar a prpria identidade fundamental para encontrar se a si mesmo e recuperar um equilbrio que pode estar ameaado. Este resgate, entretanto, um ato conflitivo, porque significa incorporar novos valores queles tradicionais.

    A maior riqueza cultural que Silvianpolis possui o seu folclore, denominado por diferentes estudiosos de cultura popular no sentido de evitar a

    compreenso ambgua da palavra, como diz Domingues (2005):

    el uso de la palabra popular puede llevar a un primer juzgamiento, pudiendo generalizar un suceso u olvidarlo, instituyendo o desnaturalizando, transformndose en un bien comn que anula y desaparece. Entender lo popular depende entonces de la relacin que se tiene con el objeto de estudio, que debe ser un abanico abierto, para realizar diferentes lecturas y prcticas cotidianas en el foco de la investigacin, pues este es compuesto y transmitido, as, declarar un objeto de lo popular y confirma una relacin y se encaja en un discurso poltico, pues existe una relacin en un nudo, en un juzgamiento.

    Em uma festa que resiste a diferentes presses sociais, polticas e econmicas e

    que se mantm h mais de duzentos anos, fundamental pensar no seu significado cultural, pois a festa um conjunto de valores mltiplos que envolvem religio,

    14 FERREIRA, Maria Nazareth. As festas populares na expanso do turismo: a experincia italiana.

    So Paulo: Arte & Cincia Vilipress, 2001.

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    costumes, lazer e turismo. Todo povo mantm em seu seio manifestaes culturais de

    geraes do passado. Tambm a pequena Silvianpolis vem mantendo desde 1780 a tradicional e famosa Festa do Rosrio, transbordante de rituais de religiosidade na representao de seus personagens como festeiros, reis, rainhas e congadeiros.

    Para Dias (2006), o contato entre os atores sociais (moradores locais e turistas) promove o fortalecimento da identidade do grupo social. Assim, o fortalecimento da identidade um dos aspectos mais importantes do turismo cultural e aponta para seu papel de incrementar a diversidade, que passa a ser valorizada.

    O valor social das prticas culturais aumenta e estas consolidam sua funo de

    smbolo que identifica grupos culturais determinados. Portuguez (2004, p.03) ressalta que pensar o espao turstico a partir de suas

    formas arquitetnicas antigas significa um esforo de interpretao do mundo vivido pelos grupos sociais que antecederam a vida moderna (urbana ps-industrial) e, que sem sombra de dvidas, desperta o interesse e a curiosidade dos turistas.

    Estes elementos de identidade cultural fazem com que exista um resgate e a valorizao da identidade de um povo, possibilitam um reconhecimento daquilo que fala deles para eles mesmos, fazem com que estas pessoas no sejam absorvidas pelo processo de globalizao, ou seja, no faro parte de um todo homogneo. Sempre estaro vivas suas histrias e tradies, todo o seu legado cultural; mantendo a heterogeneidade global. Dias (2005) afirma que:

    a valorizao das coisas locais, em contraposio globalizao da economia e da comunicao, reveste de importncia a manifestao de identidades especficas, que garantam s pessoas a referncia do seu lugar. O passado e suas referncias marcadas no territrio, as manifestaes culturais tradicionais, repassadas de gerao em gerao, as formas de fazer objetos, alimentos, festas voltam, na virada do milnio a ser valorizados.

    O espao da cidade e o uso desta para a Festa de Nossa Senhora do Rosrio trazem consigo toda uma rede de representaes, de memrias que se entrelaam construindo o saber e a viso de mundo que envolve os moradores e turistas de Silvianpolis Minas Gerais, influenciando a viso de mundo destes sobre a realidade

    do presente.

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    3. FESTAS, FESTIVIDADES, MANIFESTAES RELIGIOSAS E TURISMO 3.1 A relevncia da peregrinao no turismo religioso

    A religio um campo de experincia humana voltada para a convivncia com o que considera sagrado e tem sua eficcia no simbolismo. Possui um dos mais poderosos sistemas objetivos de sentido conhecidos at hoje, alm de uma semntica estabilizada dentro de uma comunidade social. Todo esse corpo de valores no deve ser criticado ou desprezado, pois essas formas objetivas foram fundadas e criadas durante a histria da humanidade. Damos aqui um exemplo ilustrativo e pertinente da nossa tradio religiosa crist: Deus uma idia produzida historicamente por um povo, o de Israel, h

    mais de cinco milnios. (AOUN, 2005) A f tem a fora de atrair as pessoas e, ao mesmo tempo, mudar radicalmente os

    espaos, transformando-os e sacralizando-os, criando verdadeiros roteiros de f, espaos abenoados pela constante busca do sagrado e pelos espetculos causados pela experincia mstica das pessoas, que no s transforma um determinado local em

    santurio, mas toda uma regio que dever ser influenciada por esta sacralizao.

    A f e continuar sendo uma qualidade hbrida divina/humana, sagrada/profana capaz de justificar imediatamente grandes viagens em busca de algo que transcende o cotidiano. A f remove montanhas [...] com f pode-se ir muito alm das montanhas, plancies, campos e desertos [...] as idias de f e sacrifcio esto na origem do ato religioso que motiva uma peregrinao. (OLIVEIRA, 2004, p. 14)

    O ser humano sempre se deslocou pela terra em busca do sagrado, seja com o intuito de realizar visitas de adorao, de festa a santos, padroeiros e divindades, seja por pura curiosidade ou, ainda, acrscimo de cultura e conhecimentos. Os interesses religiosos influenciaram um grande volume de longas viagens de peregrinao crist

    permitindo um maior desenvolvimento de servios de atendimentos aos viajantes, como estruturas de hospedagem e acolhida aos turistas religiosos, que, segundo Oliveira (2004, p. 14), so tambm chamados de peregrinos, que apenas atualizam essa prtica (turismo religioso) adaptando suas viagens s caractersticas do processo turstico, conforme o contexto socioeconmico do fenmeno religioso.

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    O ato de peregrinar tende a ser, antes de tudo, um ritual das origens nmades dos grupos humanos. Peregrina-se em busca de algo mais significativo; em busca da vida que supera a simples sobrevivncia. Neste sentido, simbolicamente, a peregrinao comporta-se como uma viagem de volta, um retorno. Peregrinar voltar ao campo, ao espao aberto, ao lugar de origem, terra dos antepassados, ao centro ou umbigo do mundo. (OLIVEIRA, 2004, p. 15)

    A peregrinao viagens a lugares sagrados ou de devoo tem objetividades diversas, desde render graas, cumprir promessas ou at fazer pedidos de interveno do

    sagrado sobre a realidade cotidiana, ou seja, est ligada a conformao histrica, poltica, cultural e religiosa de cada pas ou regio (RIBEIRO, 2002, p. 19). Assume, portanto, lugar de destaque no turismo religioso.

    Configura-se como um afastamento do cotidiano em busca de um encontro com

    a f, com o ser invisvel e transcendente (RAVASI, 1998). A palavra peregrinao originria do latim peregrinus, cujo significado estrangeiro, itinerante, aquele que viaja ou anda por terras distantes (ROSENDAHL,1998 apud CRISPIM 2002)15. De acordo com Santos e Fagliari (2003) a peregrinao uma forma de expresso cultural comum a todas as religies e momentos histricos, sendo inspirados os roteiros religiosos brasileiros em grande parte no Caminho de Santiago de Compostela.

    H uma diversidade de peregrinaes que constituem uma unidade religiosa. A simbologia religiosa da peregrinao a passagem do homem pela terra, cumprindo o seu tempo de provas para merecer o paraso perdido. E o peregrino

    um caminheiro que faz o seu prprio caminho. Passar de caminhante a peregrino uma aposta espiritual que responde a uma chamada transcendente (de Deus), a um desejo de chegar a um lugar santo e sagrado (santurio) (SAMPAIO, 1990 apud CRISPIM, 2002)16. Portanto, para peregrinar h que ter em conta que no se trata apenas do ato de caminhar (no caso da peregrinao a p), ou executar um trajeto com um determinado nmero de quilmetros, deve-se reconhecer que peregrinar necessita de motivo por ou para alguma coisa. A peregrinao tem, assim, um sentido e um valor acrescentado ao sujeito.

    15 ROSENDAHL, Zeny. Percepo, vivncia e simbolismo do sagrado no espao: peregrinos e turistas

    religiosos. In: LIMA, Luiz C.(Org.). Da cidade ao Campo: a diversidade do saber-fazer turstico. Fortaleza: UECE, 1998, v.2, p.161-170. , 16

    SAMPAIO, F. J. T. Santurio. 4 congresso Internacional das Cidades-Santurio, 1990 em Ftima Portugal (mimeografado).

  • 43

    A peregrinao um smbolo, uma expresso da cultura de um povo, de sua religiosidade, lutas, esperanas, desejos, anseios, sofrimentos, conquistas. O fenmeno das peregrinaes complexo, rico, diversificado, peculiar de cada pas, de cada regio (CRISPIM, 2002)

    O principal destino procurado na poca da Idade Mdia era Santiago de Compostela17 e suas Rotas Ibricas, ainda hoje considerado o mais famoso complexo turstico-religioso. No Brasil, os principais centros de peregrinaes surgiram na poca de colonizao do pas sculos XVII e XVIII, numa tentativa dos catlicos em se fazer mais presente e atuante nas diversas regies brasileiras. Os santurios catlicos sempre foram as expresses mais fortes da religiosidade dos peregrinos. No Brasil, os centros

    de devoo e as romarias constituem, ao longo da histria brasileira, o lugar de maior expresso coletiva da religio popular (RIBEIRO, 2002, p. 21).

    Para Vitarelli (2001, p. 20) em nosso pas o catolicismo adquiriu um teor singular devido miscigenao de portugueses, africanos, indgenas e imigrantes de

    vrios pases do mundo. Cada cidade brasileira possui uma igreja, e esta , geralmente, o principal monumento localizado na praa central. O turismo religioso praticado informalmente em todo o pas. Em todos os estados, as pessoas se deslocam por motivos religiosos e a potencialidade para o desenvolvimento da atividade imensa.

    No Brasil possvel identificar a importncia dada religio pela quantidade e diversidade de locais e atividades religiosas, tais como santurios, eventos, caminhadas, romarias, etc. Alm disso, no h como deixar de notar no calendrio brasileiro as inmeras datas comemorativas referentes a santos, santas e acontecimentos religiosos.

    (AUGUSTI; BOSCHIERO; RUY, 2005) Talvez por esses fatores que atribumos ao catolicismo a liderana de incentivo a prtica da peregrinao e, indiretamente, ao turismo. Joo Paulo II desde que assumiu a chefia do Vaticano influenciava fortemente a mobilidade dos catlicos aos lugares mticos e eventos. O prprio Papa era conhecido por suas longas e diversificadas viagens, ao todo foram mais de cem viagens em 25 anos de pontificado. No s o incentivo peregrinao se faz presente nas diversas

    17 Segundo a tradio, aps a morte de Jesus, So Tiago saiu de Jerusalm e foi de barco at a Galcia, na

    Espanha. De volta Palestina, foi morto e decapitado com uma espada, por ordem do rei. So Tiago foi o primeiro dos apstolos a sofrer o martrio em nome da f. Acreditam que seu corpo foi elevado de volta a Galcia por discpulos. Alguns sculos aps a invaso da pennsula ibrica pelos muulmanos, a tumba de So Tiago foi encontrada. Segundo a tradio, no incio do sculo IX,luzes no cu chamaram a ateno de um eremita. No lugar indicado pelas luzes, forma encontrados os restos mortais do apstolo e de dois de seus discpulos. Com a ajuda do rei, foi construda a primeira igreja no lugar que passou a ser chamado de Campus Stellae (Campo da Estrela), hoje Compostela. O auge da peregrinao a Santiago aconteceu nos sculos XI e XII. Nessa poca, peregrinos de todaa Europa se dirigiram a Compostela. As vias mais freqentadas passaram a ser conhecidas como Caminho de Santiago. (RIBEIRO, 2000, p.28)

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    religies. A competitividade entre elas as fizeram desenvolver estratgias de marketing

    em relao aos neopentecostais, que lutam por conservar e ampliar seus espaos no

    mundo contemporneo.

    O modelo de desenvolvimento turstico dos santurios vem sendo atualizado por uma convergncia de fatores tcnicos que incluem a prpria perspectiva pastoral das lideranas das Igrejas Crists (principalmente da hierarquia catlica) [...] a divulgao de santurios e caminhos mticos torna-se um instrumento de veiculao das especificidades da instituio promotora. (OLIVEIRA, 2004, p. 26)

    Entretanto, as antigas e atuais viagens de peregrinao no