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VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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AS MARÉS NEGRAS EM SINES CARACTERIZAÇÃO DOS DERRAMES DE PETRÓLEO EM SINES
Miguel Costa do Carmo [email protected]
Mestrado em Gestão do Território – Ambiente e Recursos Naturais Coord. Profa. M. J. Roxo, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – UNL
Resumo
No Porto de Sines e na costa envolvente, a Marinha registou desde 1973 – data que
corresponde ao início da actividade do terminal petroleiro - 93 derrames de hidrocarbonetos
no mar, que totalizam mais de 6 000 toneladas. Deste valor, 75% corresponde ao acidente
com o navio-tanque Marão a 14 de Julho de 1989, que libertou cerca de 4 500 ton. de petróleo
no interior do porto. Para uma melhor noção de escala, mencione-se que o Prestige derramou
aproximadamente 63 000 ton., dez vezes mais.
Este tipo de poluição ocorre, genericamente, em operações de transporte (acidentes com
petroleiros, operações com navios, despejos de lastro e lavagens de tanques) ou em
instalações fixas (refinarias costeiras, explorações “off-shore”, terminais). Em Sines,
destacam-se como fontes de poluição os acidentes no porto e a lavagem ilegal de tanques ao
largo. Estas descargas operacionais traduzem-se, devido à natureza difusa e clandestina do
fenómeno, numa difícil identificação e quantificação dos eventos. Acrescenta-se ainda o risco
de poluição associado à refinaria da Galp instalada junto à costa.
É feito um levantamento exaustivo dos derrames ocorridos na costa de Sines,
debruçando-se sobre as consequências, através do cruzamento dos registos da Marinha com o
arquivo de imprensa da Hemeroteca. Neste contraponto, a base de dados extensa da Marinha é
enriquecida com a descrição dos eventos mais mediáticos. Com esta informação procura-se
fazer uma leitura cartográfica dos derrames em Sines, assinalando os locais dos principais
derrames e das zonas do litoral afectadas.
Esta pesquisa pretende substituir a ideia de acidente, como referência a um
acontecimento fortuito e/ou associado ao erro humano, pela ideia de persistência de uma
situação de risco. Em Sines ocorre um elevado número de pequenos derrames espalhados no
tempo, resultado directo do conjunto de usos que caracterizam aquela costa: a) no Porto de
Sines entra 60% do petróleo consumido em Portugal; b) cerca de 30% do petróleo mundial
(12 navios/dia) utiliza corredores marítimos na ZEE portuguesa.
Palavras-chave: Sines, maré negra, petróleo, poluição
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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Abstract
Along the Sines harbor and in the enveloping shore, the Portuguese Navy has registered
since 1973 - the year corresponding to the beginning of the oil-decker terminal activity - 93
hydrocarbons spills in the sea, which add up to more than 6000 tons. About 73% of this value
is due to one single accident (Marão ship, 1989, 4500 tons) and 92% to the biggest three
(Nisa ship, 1987; Marão, 1989; Theogennitor, 1990). For a better scale conception, one
should mention that Prestige Ship has approximately spilled 63000 tons, about ten times
more.
This type of pollution generally occurs in conveyance operations (oil tankers accidents,
ship operations, ballast emptying and tank washing) or in fixed locations (coastal refineries,
off-shore explorations, terminals). In Sines, the accidents in the harbor and the illegal tank
washing at sea are highlighted as the major pollution sources. The last one render, due to the
phenomenon concealed and diffuse nature, a hard identification and quantification of the
events. The installed Galp refinery near the shore also increases the pollution risk.
An exhaustive surveying of the occurred spills in Sines is achieved through the crossing
of the Navy's records with the press archives. In this counterpoint, the extensive Navy's
database is enriched with the most mediatic events description. This kind of information
allows one to build a cartographic reading of the Sines spills, marking the major spill spots
and the affected coastal zones.
This research pretends to replace the idea of accident, as a reference to a casual
happening and/or connected to human errors, by the idea of the persistence of a risky
situation. In Sines, a wide number of small spills occur, scattered through time and as a direct
result of the totality of practices that pertain to that shore: a) in the Sines harbor, about 60% of
the national trade in oil products takes place; b) about 30% of the world oil transportation
(12 ships/day) use traffic gateways in the Portuguese EEZ is.
Key words: Sines, black tide, oil, pollution
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Introdução
Fará sentido falar de Catástrofe Ambiental em relação aos derrames de petróleo
ocorridos no mar de Sines? É a partir desta pergunta que surge e se desenvolve esta pesquisa.
O início do levantamento, intencionalmente exaustivo, dos derrames ocorridos na costa de
Sines, através do cruzamento dos registos do Serviço de Combate à Poluição do Mar por
Hidrocarbonetos (SCMPH) da Marinha com o arquivo de imprensa da Hemeroteca Municipal
de Lisboa, revela um elevado número de pequenos eventos espalhados no tempo, pontuados
por derrames de maior gravidade. A persistência de uma situação de risco aparece assim no
centro da reflexão, que deverá diga-se já, não apenas analisar a concretização do risco e as
suas consequências, mas sobretudo as razões do próprio risco, ou seja, o conjunto de causas
estruturais da elevada frequência de marés negras no mar de Sines.
Em 1987, após o derrame provocado pelo navio Nisa, um membro da Associação de
Amigos de Vila Nova de Mil Fontes, afirma ao semanário Expresso (06/06/1987) que
“situações deste tipo têm tendência a repetir-se”. Em 1988, explode um tanque da Galp, em
1989 ocorre o maior derrame da região (Marão), em 1990 nova maré negra (Theogennitor).
Sempre no Porto de Sines [4].
Marés Negras
As marés negras estão entre os acidentes ambientais que maiores impactos negativos
provocam de imediato. Resultam de derrames de hidrocarbonetos (petróleo bruto ou
derivados como fuelóleo, gasolina, gasóleo, etc.), provocados sobretudo pela ruptura acidental
dos tanques de petroleiros, que flutuando e alastrando-se progressivamente, formam extensas
manchas negras que podem atingir a costa. A grande maioria dos derrames são, porém, de
menor dimensão, originados em lavagens dos tanques de carga dos navios no mar ou em
operações de rotina (abastecimentos e descargas) nos portos e terminais petrolíferos. O termo
hidrocarbonetos designa, em rigor, os compostos químicos constituídos somente por átomos
de carbono e de hidrogénio e que quando extraídos geologicamente no estado líquido tomam
a designação de petróleo. De facto, o termo é utilizado livremente como sinónimo de petróleo
e de todos os seus derivados. Os termos crude e nafta, também utilizados com recorrência,
designam petróleo no estado bruto, não refinado e separado nos componentes.
A problemática das marés negras ganha relevo com a intensificação da economia do
petróleo, concretamente com o aumento do comércio marítimo de hidrocarbonetos e é
inaugurada, naturalmente, com os primeiros grandes acidentes: Torrey Canyon (1967, Canal
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da Mancha, 100 000 T); Sea Star (1972, Golfo de Omã, 115 000 T); Jacob Maersk – 13ª
maior maré negra (1975, Porto de Leixões, 80 000 T); Amoco-Cadiz (1978, Bretanha, 223
000 T). Cerca de 90% do comércio mundial é transportado por mar, sendo que em 2005 a
frota mundial perfazia 46 222 navios, dos quais cerca de um quarto são navios-tanque para o
transporte de petróleo [11].
A introdução de hidrocarbonetos no mar tem diferentes origens, tanto antrópicas como
naturais. Na tabela 1, as proporções estimadas para os diferentes tipos de contribuições
mostram que o transporte marítimo é responsável por apenas uma pequena parte da poluição
por hidrocarbonetos. Esta fracção resulta, na maior parte, de descargas operacionais
associadas às operações de abastecimento e às lavagens dos tanques e apenas uma pequena
fracção deve-se a acidentes em navios petroleiros, provocados por erros de navegação ou por
colisões com rompimento do casco, muitas vezes acompanhados de incêndios. Estes são a
face mais mediática deste tipo de poluição, devido à forte concentração de poluição libertada
e aos impactos imediatos nos ecossistemas.
Transporte
(operações com navios, acidentes com petroleiros, despejos de lastro) 23.5%
Instalações fixas
(refinarias costeiras, explorações “off-shore”, terminais) 7.6%
Fontes naturais 10.6%
Transferência de poluição atmosférica para o mar 12.7%
Outras fontes
(descargas urbanas, municipais, industriais) 45.6%
Tabela 1 – Estimativa das fontes de poluição marítima por hidrocarbonetos (Clark, 1997; cit.
Fernandes, 2001)
Processos
Quando ocorre um derrame os hidrocarbonetos, menos densos do que a água do mar,
flutuam e movimentam-se em manchas em função das condições meteorológicas e das
Figura 1- Principais processos que afectam a mancha de hidrocarbonetos (site ITOPF; adaptado por Afonso et.
al., 2002). E escala temporal dos processos. (Shen e Yapp, 1988; cit. Afonso et.al., 2002)
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correntes oceânicas, tendo lugar diversos processos que actuam sobre os mesmos. Geralmente
consideram-se duas categorias distintas: os processos de transporte e os processos físico-
químicos de transferência de massa entre os diferentes meios (hidrocarbonetos-atmosfera e
hidrocarbonetos-mar). Os primeiros controlam a trajectória da mancha e os segundos, também
designados por processos de destino, controlam as transformações nas propriedades das
substâncias, governando o destino final do hidrocarboneto derramado. Assim, a trajectória da
mancha é controlada fundamentalmente pelas equações do movimento, enquanto a sua
concentração é orientada por fenómenos como a evaporação, a dissolução, a biodegradação,
etc. (fig. 2) [1].
A modelação destes processos é dificultada por vários motivos. Por um lado, os
hidrocarbonetos são compostos por uma grande diversidade de componentes com
propriedades diferentes, o que torna delicado a definição de equações globais para a mancha.
Algumas fases dissolvem-se na água, enquanto outras no ar e é possível encontrar pontos de
ebulição e solubilidade distintos. Acrescente-se ainda que existem centenas de óleos com
composições diferentes. Por outro lado, alguns processos envolvidos no envelhecimento do
petróleo são ainda pouco claros. Assim, muitas das formulações utilizadas na modelação são
fundamentalmente empíricas e algumas muito simplificadas. Nas últimas duas décadas, têm
sido desenvolvidos vários tipos de modelos matemáticos para a previsão da trajectória e
evolução físico-química de hidrocarbonetos derramados em ambientes marinhos, que se
podem classificar em modelos de trajectória (prevêem a posição futura da mancha de
hidrocarbonetos, com o objectivo de combater a poluição e quantificar riscos potenciais), de
comportamento (prevêem a transformação físico-química do petróleo a partir dos processos
que ocorrem durante um derrame, como a evaporação, a diluição, a emulsificação, etc.) e os
modelos de concentração na coluna de água (que prevêem a distribuição das concentrações de
hidrocarbonetos). Actualmente, a utilização de modelos está largamente difundida, podendo-
se facilmente encontrar modelos tridimensionais, que consideram a trajectória e a
transformação química dos hidrocarbonetos derramados, incluindo ainda a simulação de
acções de combate. A eficácia das respostas a um derrame, tanto imediatas como de
recuperação dos ecossistemas, é melhorada pelo acesso às previsões dos modelos,
possibilitando a adequação das medidas à evolução do problema [1]. A título de exemplo, o
MOHID, sistema de modelação hidrológica a três dimensões, criado pelo MARETEC no
Instituto Superior Técnico, desenvolveu simulações para o derrame do petroleiro Marão no
Porto de Sines em 1989 [5] e para o derrame do Prestige [5] com resultados bastante
satisfatórios.
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Contexto Português
Considerando que a Zona Económica Exclusiva
(ZEE) portuguesa, uma das maiores da União
Europeia, com cerca de 1.6 milhões de km2, cerca de
18 vezes a área continental [1], é atravessada por
grande parte das rotas comerciais mundiais; e que
todo o petróleo consumido no país é importado por
via marítima detecta-se a existência de uma situação
risco de acidentes com hidrocarbonetos. Sobre este
pano de fundo, tem se verificado de facto na ZEE
uma grande quantidade de derrames. De 1971 a
2004, a Marinha Portuguesa e o Centro Internacional de Luta contra a Poluição marítima no
Atlântico Nordeste (CILPAN) identificaram mais de 1800 acidentes na costa portuguesa,
cerca de 600 dos quais provocaram derrames, a maior parte de pequena dimensão [11]. Em
média sucede um derrame grave por ano e mais de metade das quantidades derramadas
ocorreram nos portos, no âmbito de operações com os navios [5; 11]
Figura 2 – Delimitação da ZEE
portuguesa (200 milhas náuticas), das águas
territoriais e da zona contígua (12+12
milhas) [Afonso et. al, 2002 ].
Figura 3 –localização dos derrames de petróleo ocorridos, desde
1971, na ZEE portuguesa, com uma escala de quantidades
[SCMPH, 2007].
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Localização da área de estudo
O concelho de Sines (13.500 habitantes) confina a norte e a este com o concelho de
Santiago do Cacém, a sul com o concelho de Odemira e a oeste tem litoral no oceano
Atlântico. A sede do concelho, Sines, situada na vertente sul do
cabo com o mesmo nome, é a única cidade costeira do Alentejo.
Está situada aproximadamente no centro da costa alentejana, a 150
km de Lisboa e a 80 km de Setúbal (a cujo distrito pertence). O
Porto de Sines é um porto de águas profundas, construído entre
1973 e 1978, composto por vários terminais: Petroleiro,
Petroquímico, Multipurpose e Gás Natural Liquefeito.
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina,
abrange o litoral desde São Torpes, no município de Sines, até à
praia do Burgau no concelho de Vila do Bispo, depois de dobrar o
cabo de S. Vicente. Em 1988 foi criada a Área de Paisagem
Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina que em 1995
dá lugar ao Parque, incluindo a área marinha adjacente, numa
extensão de 110 km. Para além da faixa costeira e da zona
submarina de 2 km a partir da costa, o parque inclui o vale do rio
Mira desde a foz até à vila de Odemira.
Figura 5 – Mapas sem escala para a localização do Porto de Sines e das zonas
envolventes, designadamente as praias situadas a sul.
Figura 4 – Parque Natural
do Sudoeste Alentejano e
Costa Vicentina [ICN].
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Metodologia
A parte central da pesquisa ocupou-se do levantamento dos derrames ocorridos em Sines,
de forma bastante exaustiva. O SCMPH da Direcção-Geral da Autoridade Marítima possui
uma ampla base de dados com registos de derrames desde 1971, porém com pouca
informação para cada acidente. Obtém-se a data, o local, a quantidade e genericamente o tipo
de combustível e local de origem. Os nomes dos navios não são divulgados ao público, assim
como outras informações. Procurou-se estender a informação através da consulta do arquivo
de imprensa da Hemeroteca Municipal de Lisboa, para os eventos mais graves e portanto mais
susceptíveis de serem noticiados.
As duas fontes usadas não são totalmente consistentes entre si. Alguns eventos referidos
nos jornais não encontram correspondência na base de dados da Marinha e naturalmente a
maior parte dos derrames registados, porque de pequena dimensão, não surgem na imprensa.
Não obstante, outros factores que não serão aqui analisados controlam também a produção de
notícia. Por exemplo, dois dias após o derrame do Marão, o maior em Sines e que afectou
vastas áreas de litoral, no Correio da Manhã a notícia é apresentada numa pequena caixa sem
destaque descrevendo-se a situação como controlada e sem perigo para as praias. No Diário
de Notícias (DN), três dias após o sucedido novamente uma pequena caixa refere o acidente,
mas um página inteira é reservada ao concurso de construções na areia organizado pelo DN,
que ocorre no dia seguinte em Vila Nova de Mil Fontes onde provavelmente já chegou a maré
negra ou está prestes a chegar.
Caracterização do risco
Na área de jurisdição da Capitania de Sines1, sucederam segundo a base de dados do
SCMPH da Marinha 172 acidentes, desde 1973 até o final de 2006, dos quais 93 provocaram
derrames de hidrocarbonetos no mar, somando no total mais de 6 000 T. A maior parte dos
derrames registados são de pequena dimensão, sendo que cerca de 73% da quantidade vertida
corresponde a um único acidente (Navio Marão, 1989, 4 500 T). Se considerarmos os três
maiores derrames (Nisa, 1987; Marão, 1989; Theogennitor, 1990) esta relação sobe para
92%. Para uma melhor noção de escala, mencione-se que o Prestige derramou mais de 63 000
T, dez vezes mais.
1 Confinada a norte com área de jurisdição da Capitania de Setúbal, no limite definido pela foz da Ribeira das
Fontaínhas, e a sul com a Capitania de Lagos, no limite definido pela foz da Ribeira de Seixe, incluindo ainda
as águas interiores não marítimas do Rio Mira, até a linha tirada do Casal de D. Soeiro [9].
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Na tabela 2, na página seguinte, estão sintetizados todos os derrames ocorridos em Sines,
de quantidades superiores ou iguais a 5 T. São 25 acidentes, dos quais 19 ocorreram no
interior do Porto de Sines em operações de carga/descarga no terminal petroleiro ou devido a
problemas diversos com os navios como embates ou rupturas. Os restantes, localizados ao
largo, correspondem as mais das vezes a lavagens de tanques ou descarga de águas de lastro,
ambas ilegais e com identificação da origem difícil. Como já referido, os registos públicos da
Marinha foram enriquecidos com a descrição dos eventos mais mediáticos proporcionada pelo
arquivo de imprensa, cujo destaque na tabela surge naturalmente devido ao maior volume de
informação disponível.
É notório o abrandamento da frequência de derrames na passagem para a década de 90.
Até o ano de 1991, inclusive, dão-se 20 dos 25 incidentes. Esta relação persiste na análise da
totalidade dos derrames. Sobre esta questão, vários factores como a evolução dos fluxos
anuais de entrada de petroleiros no porto, da segurança nos navios e no terminal, da
capacidade de fiscalização da costa, da legislação portuguesa, não descartando transformações
ao longo do tempo, objectivas e subjectivas, na recolha da informação que compõe a base de
dados, deveriam ser analisados para que se possam retirar as ilações adequadas.
Com a informação recolhida procura-se fazer uma leitura cartográfica dos três maiores
derrames citados atrás, assinalando os locais dos acidentes e as zonas de litoral afectadas.
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Nisa
O petroleiro Nisa sofre uma ruptura numa soldadura no interior do porto a 26 de Maio de
1987. Derramam-se cerca de 900 T de crude e cerca de 50 T espalham-se pelos areais a sul de
Sines: S. Torpes, Porto Covo, Ilha do Pessegueiro, Aivados, Malhão, porto de abrigo do Canal
a 2 km a norte de Vila Nova de Mil Fontes. Não houve contaminação a norte do porto, nem a
sul de Mil Fontes. Em cerca de 500 metros as praias ficaram fortemente afectadas, tendo sido
necessária a utilização de máquinas para retirar a nafta. Os barcos e os aparelhos de pesca
foram afectados.
Marão
No dia 14 de Julho de 1989, após um rombo no casco à entrada do porto por colisão com
o molho oeste, derramam-se mais de 4500 T de crude. As barreiras flutuantes não impedem
que uma mancha com mais de 20 km2 saia do porto e avance para sul ao longo da costa
tingindo de negro as praias desde Sines até Odeceixe, já na fronteira com o Algarve. São
cerca de 60 km de costa afectados: Porto Covo, Ilha do Pessegueiro, Vila Nova de Mil Fontes,
Almograve, Zambujeira, Carvalhal, Cabo Sardão. A actividade pesqueira ficou impedida em
todo este litoral. Duas semanas após o sucedido, resíduos do derrame atingem as praias a
norte de Sines, da Galé até Sesimbra.
Figura 6 – Representação ilustrativa das zonas de litoral afectadas pelo derrame dos Navios Nisa
(esquerda) e Marão (direita) a partir da informação veiculada pela imprensa da época.
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Theogennitor
No dia 5 de Maio de 1990, o petroleiro
cipriota Theogennitor derrama no porto cerca de
170 T de crude devido a um erro durante a
operação de bombagem para as instalações
portuárias. Durante os três dias seguintes, são
recolhidas mais de 40 T. Cerca de um ano depois
da maré negra do petroleiro Marão, o sistema de
radar (que permite a aproximação de navios em
caso de nevoeiro) continua avariado e as barreiras
flutuantes não evitaram o alastramento do crude
para fora do porto. Um voo da Força Aérea
Portuguesa permitiu identificar, no dia 8, uma
mancha com cerca de 150 milhas quadradas a
norte de Sines que se desenvolvia numa extensão de 15
milhas no sentido norte-sul, e de 10 milhas no sentido
este-oeste, ameaçando as zonas balneares de Santo
André e Melides. Mais uma vez a actividade piscatória
é suspensa.
Tráfego marítimo
A ZEE portuguesa – faixa de 370 km ao longo do
litoral - é muita extensa e em termos de tráfego
marítimo é atravessada por alguns dos principais
corredores mundiais de tráfego (8 corredores), por onde
passam cerca de 30% do transporte mundial de petróleo,
do qual 30 milhões de toneladas destinam-se a Portugal
[2,4]. Estima-se que por dia passam pela ZEE cerca de
70 navios, sendo 12 petroleiros (sobretudo junto à costa
continental), em circulação para o Mediterrâneo, para o
Norte da Europa, África e América. Por outro lado, os
corredores de tráfego marítimo em Portugal encontram-
Figura 8 - representação ilustrativa das
zonas de litoral afectadas pelo derrame do Navio
Theogennitor a partir da informação veiculada
pela imprensa da época.
Figura 7 – Rotas do tráfego marítimo na
ZEE portuguesa. O corredor junto ao
litoral representa a maior ameaça
[adaptado CILPAN; Exp 17/10/98].
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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se demasiado próximos da costa, sobretudo em pontos nevrálgicos de confluência de
corredores como a área do cabo de São Vicente e do cabo Espichel. A alteração do traçado
dos corredores com o afastamento de algumas milhas da costa, importante para a redução do
risco de acidente e de contaminação do litoral, está dependente da Organização Marítima
Internacional que impõe como pré-requisito o desenvolvimento de um sistema de controlo do
tráfego marítimo (vulgo estação VTS: Vessel Traffic System), composto por uma rede de
radares costeiros. Ainda no contexto de falta de vigilância, a costa portuguesa está sujeita a
lavagens de tanques de navios e outras descargas ilegais e ainda que muitos navios se desviem
dos corredores, aproximando-se da costa com o aumento do perigo de acidente. O aumento da
frequência de voos da Força Aérea nos anos 90 sobre os corredores de navegação diminui o
número de infracções como as lavagens de porões (Expresso 25/07/98).
As áreas próximas dos portos ou de aproximação aos portos são áreas de grande risco,
sobretudo nos portos ligados a refinarias, como o de Sines ou Leixões. Como se pode
observar na tabela 3, passam pelo Porto de Sines aproximadamente 60% de todo o comércio
nacional de produtos petrolíferos
Tabela 3 – Dados relativos ao transporte marítimo de mercadorias no Porto de Sines com comparação
com os totais nacionais, para o ano de 2005 [adaptado de INE]
Impactos
Perante a ausência de estudos específicos sobre as consequências ambientais dos
derrames em Sines, apresenta-se um sumário genérico dos impactos associados às marés
negras e por fim uma lista dos impactos referidos nas noticias consultadas.
Os derrames de crude põem em risco os habitats e ecossistemas, especialmente os mais
frágeis e atingem particular gravidade quando são atingidas áreas protegidas, povoadas por
fauna ou flora raras e em vias de extinção. Os impactos dependem em primeiro lugar da
quantidade derramada, seguindo-se o tipo de óleo e composição, e factores externos como a
2005 Total nacional
(continentes+ilhas)
Porto de
Sines
Relação do Porto de
Sines com o total
nº embarcações 28 159 2 386 8,5 %
Quantidade total de mercadorias embarcadas
e desembarcadas (T) 65 300 744 24 929 317 38,2 %
Quantidade total de Petróleo
(bruto+derivados) embarcadas e
desembarcadas (T)
30 180 469 18 374 006 60,9 %
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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época do ano em que ocorre o acidente, as condições meteorológicas e de circulação marinha,
e as características globais do território afectado.
Um estudo que se debruça sobre a redução drástica, durante a segunda metade do século
XX, nas populações de uma espécie de ave marinha, o Arau-comum, na costa Atlântica da
Península Ibérica, identifica a poluição marinha, nomeadamente os derrames de petróleo,
como um dos factores que contribuiu para aquela redução. Estabelece uma duplicação no
número de mortos nos anos em que ocorreram grandes marés negras, e mostra que as
comunidades restantes na costa norte galega, depois de fortemente dizimadas pela poluição do
Prestige, suspenderam a reprodução nos anos seguintes.
Os animais marinhos são, de facto, as primeiras vítimas. Como o petróleo não se dissolve
na água - flutua à superfície ou próximo desta, as aves ficam impregnadas e as suas penas
ganham permeabilidade, ficando impedidas de voar ou sujeitas à hipotermia, o mesmo
acontecendo com o pêlo dos mamíferos marinhos. Mamíferos e tartarugas marinhas morrem
por asfixia ou envenenamento, devido à ingestão directa de petróleo ou por inalação dos
compostos aromáticos voláteis que contaminam a atmosfera. Larvas e ovos de peixe que
estejam em suspensão na água (e que formam o zooplâncton) perecem. E sendo afectado o
plâncton - a base da cadeia alimentar marinha – é atingido todo o ecossistema. Na costa o
problema agrava-se se forem afectadas zonas estuarinas e lagunares, mangais e recifes de
coral – áreas de pouca profundidade e de grande produtividade biológica. Em costa arenosa
ou rochosa são sobretudo afectadas algas, crustáceos e moluscos (como os bivalves) [11]. A
recolonização lenta e progressiva do meio marinho só tem início após a dissipação da
poluição. Numa fase inicial de recuperação, constata-se uma rápida diversificação das
espécies presentes [8].
Em relação a Sines, surge com destaque nos jornais o impacto directo sobre as praias
com contaminação física e química dos areais e zonas adjacentes. Segue-se a suspensão da
actividade pesqueira junto à costa e danificação de redes; a contaminação da água, do peixe e
do marisco, a redução das colónias de percebes, mexilhões, lapas e caranguejos; os cheiros
nauseabundos que provocam indisposições e mal-estar; o perigo para as aves marinhas, como
as gaivotas e os corvos marinhos; e o risco sobre espécies em vias de extinção, como a lontra
marinha (lutra lutra) quase extinta na Europa e a águia pesqueira, com apenas dois últimos
casais naquela costa (pandion haliaetus) dum total de cinco em toda a Península Ibérica
(Expresso 29/07/89) [4]
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Na tabela seguinte procura-se resumir os impactos sobre os seres vivos a partir de
Fernandes (2001)
Peixes Dificuldades respiratórias e locomotivas; ingestão provoca lesões hepáticas; a exposição
dos ovos gera malformações e crescimento lento
Mamíferos
Alteração da função termoreguladora do pêlo � hipotermia; alteração do olfacto
importante no reconhecimento de alimento e de parentescos; asfixia; irritação das
mucosas; maior tempo submersos �perda de resistência e subnutrição; ingestão
provoca destruição do sist. digestivo, desordens neurológicas e bioacumulação de
contaminantes
Aves
Alteração da função termoreguladora e aerodinâmica das penas � hipotermia,
afogamento, esgotamento das reserva energéticas; ingestão provoca destruição do sist.
digestivo, diminuição dos glóbulos vermelhos (anemia); subnutrição devido à redução
do alimento disponível; redução da postura e eclosão dos ovos
Outros
Os mexilhões e outros moluscos que se fixam nas rochas, perdem a capacidade de
aderência, caem e morrem; genericamente, a ingestão provoca de modo crónico
bioacumulação, aumento da taxa respiratória, diminuição de assimilação de nutrientes,
aumento da taxa de mortalidade.
Flora
estuarina
Sufoco das zonas cobertas pela mancha; contaminação dos fundos
Tabela 4 – Resumo de impactos sobre os seres-vivos provocados por derrames de hidrocarbonetos em
ambientes marinhos (adaptado de Fernandes, 2001)
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Comentários finais
É dito após o derrame do navio Nisa em 1987 que “têm ocorrido frequentemente
pequenos derrames na zona portuária e também com grande regularidade os petroleiros que
demandam o porto de Sines lavam os seus tanques ao largo da costa alentejana provocando
ondas de poluição” (Expresso 06/06/87). De facto, esta pesquisa mostra uma frequência
elevada de derrames de hidrocarbonetos na zona de Sines, desde a construção do porto na
década de 70, na maior parte de pequenas dimensões, resultado de acidentes operacionais no
terminal petroleiro ou de descargas ao largo. Os derrames que atingiram maiores proporções
(Marão e Nisa) resultaram de rupturas, ocorridas no interior do porto, nos cascos dos
navios-tanque por embate ou rebentamento, precisamente a causa mais comum dos grandes
derrames provocados por navios.
Tendo em conta que (a) no Porto de Sines circula aproximadamente 60% de todo o
comércio nacional de produtos petrolíferos e (b) a ZEE portuguesa é atravessada por alguns
dos principais corredores mundiais de tráfego (8 corredores), por onde passa cerca de 30% do
transporte mundial de petróleo, percebe-se que na leitura desta realidade a noção de acidente,
como referência a um acontecimento fortuito ou associado ao erro humano, deverá ser
substituída pela de persistência de uma situação de risco proveniente do conjunto de usos que
caracterizam aquela costa.
Múltiplos factores contribuem para esse risco: as condições gerais de segurança do porto
relativas, por exemplo, aos procedimentos de entrada dos navios ou às operações nos
terminais; as condições de seguranças dos navios, como a existência de cascos duplos que
reduzem a possibilidade de um rombo (até 2010 todos os petroleiros deverão dispor de casco
duplo segundo a Organização Marítima Internacional [11]); a capacidade de fiscalização da
costa e o valor das coimas aplicadas aos infractores como forma de diminuir as descargas
voluntárias; o afastamento das rotas de navegação do litoral; as medidas de prevenção e de
combate em caso de derrame; etc. Sabe-se assim que é possível controlar um conjunto de
factores para reduzir o risco de derrames e as suas consequências, mas só até determinado
ponto, porque na raiz do risco persiste a circulação de petroleiros nos corredores marítimos e
no Porto de Sines, fluxo este que tende a aumentar acompanhando a progressão da economia
mundial. Neste momento, Sines representa 40% da actividade portuária nacional, sendo que
ambiciona tornar-se “um porto como o da Antuérpia daqui a 20 anos” (Expresso 24/02/2007)
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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Recordando a pergunta inicial, considera-se de maior proveito utilizar o termo catástrofe
ambiental para referir o conjunto de causas estruturais, já citadas, que estão na origem dos
derrames de hidrocarbonetos no mar de Sines e que conformam a situação de risco, do que
para referir cada acidente particular. Com isto pretende-se sublinhar a incontornabilidade da
degradação do ambiente, dos ecossistemas e da qualidade das praias na proximidade de portos
industriais. A opção pelo petróleo comporta custos, também a este nível, concretos e nalguns
casos irreversíveis sobre os sistemas naturais. A não aceitação destes, implica a crítica e
rejeição daquele. É portanto profundamente contraditória a delimitação de uma área protegida
costeira nas imediações do complexo porto-industrial de Sines, ainda mais quando localizada
a jusante em termos do fluxos da deriva litoral e dos ventos dominantes.
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Referências bibliográficas
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Vigilância Marítima e Gestão da ZEE. Colóquio Pedro Nunes “Novos Saberes na Rota do
Futuro”, Escola Naval de Alfeite, Portugal. Consultar http://gasa.dcea.fct.unl.pt/infozee
[2] Ambar I et. al. 2002. Modelo de derrames de hidrocarbonetos no mar aplicado ao
Atlântico Nordeste (MODHIMAR). Centro de Oceanografia, Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa. Lisboa. Consultar http://www.io.fc.ul.pt/fisica/projectos/modhimar/
[3] Consultar http://www.mohid.com/Prestige/
[4] Consulta do arquivo de imprensa da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Inclui o semanário
Expresso, os diários Correio da Manhã, Capital e Diário de Notícias, o tridiário Setubalense e
o Boletim Municipal de Sines
[5] Fernandes R. 2001. Modelação de derrames de hidrocarbonetos. Trabalho Final de Curso
em Engª do Ambiente, Instituto Superior Técnico, Lisboa
[6] Mota M. 2003. O papel da detecção remota na monitorização de manchas de petróleo no
mar. Mestrado em Ciência e Sistemas de Informação Geográfica, Instituto Superior de
Estatística e Gestão de Informação, Lisboa
[7] Munilla I, Díez C, Velando A. 2007. Are edge bird populations doomed to extinction? A
retrospective analysis of the common guillemot collapse in Iberia. Departamento de Ecoloxía
e Bioloxía Animal, Universidade de Vigo, Vigo, Espanha
[8] Perreira A. Marés Negras, o mar ameaçado. Artigo na Naturlink, publicação online em
http://www.naturlink.pt
[9] Regulamento Geral das Capitanias: Decreto Lei 265/72, de 31 de Julho no anexo I
[10] SCMPH. 2007. O Combate à Poluição. Resposta de emergência a derrames acidentais
de petróleo: perspectivas regionais num quadro de colaboração transnacional. Vigo,
Espanha.
[11] Vídeo sobre marés negras em Portugal disponível em http://ecoline.ics.ul.pt/ no dossier
de crises ambientais