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125 RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto As marmorarias de Ribeirão Preto (1890-1930): contribuições ao estudo da arte funerária no Brasil Maria Elizia Borges

As marmorarias de Ribeirão Preto (1890-1930 ... · Dentro de um contexto mais urbano, surgiu a segunda marmoraria de Ribeirão Preto, em 1914, denominada “Marmoraria Italiana”,

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125RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

As marmorarias de Ribeirão Preto (1890-1930): contribuições ao estudo

da arte funerária no Brasil

Maria Elizia Borges

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Maria Elizia BorgesProfessora do Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal de Goiás. Orienta temas voltados à história da arte e da imagem, história da arte funerária no Brasil. Pesquisadora do CNPq. Tem artigos publicados no país e no exterior sobre arte funerária no Brasil. Foi professora e coorde-nadora do curso de Artes Plásticas da Universidade de Ribeirão Preto, UNAERP (1973-91). Ministrou aulas na Faculdade de Arquitetura da Instituição Moura Lacerda (Ribeirão Preto, 1992) e no curso de pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista, UNESP (Franca, 1994-95). Exerceu o cargo de Secretária da Cultura na cidade de Ribeirão Preto (1993). Livros publicados: Arte Funerária no Brasil (1890-1930): ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto / Funerary Art in Brazil (1890-1930): italian marble carver craft in Ribeirão Preto (2002); Estudos cemiteriais no Brasil: catálogos de livros, teses, dissertações e artigos (Org.) (2010). Membro das associações ABCA; ANPAP; AGS/EUA; RED IBEROAMERICANA; ABEC; ANPUH e do CBHA.

www.artefunerariabrasil.com.br

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127RIBEIRÃO PRETO • A cidade como fonte de pesquisa | USP-Ribeirão Preto

Introdução

Identificação dos aspectos relevantes dos processos de desenvolvimen-

to econômico e urbano da cidade de Ribeirão Preto (SP), apontando o momento

propício para a instalação dos cemitérios e, consequentemente, das marmorarias.

Dado o caráter eminentemente situacional e quantitativo da arte funerária, en-

tre outras razões, é descrito o processo de leitura e de criação dos marmoristas

— “artistas-artesãos” — que produzem um tipo de obra situada na fronteira am-

bígua entre a arte e a técnica. Como referência é utilizado o livro Arte Funerária

no Brasil (1890-1930): ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto (BORGES,

2002). A partir deste estudo de caso é feita uma leitura abrangente de alguns

textos publicados sobre arte funerária no Brasil. Assim, procura-se demonstrar

a complexidade desse assunto e de como foi estabelecida uma relação entre o

conjunto de modelos produzidos pelas marmorarias de Ribeirão Preto e os demais

escultores e artistas-artesãos brasileiros e da América Latina. Certamente, a im-

portância do imaginário coletivo existente nas representações do luto dominante

num determinado momento histórico será salientada.

Ribeirão Preto: consideração entre a cidade dos vivos e a cidade dos mortos

A cidade de Ribeirão Preto percorreu o ciclo evolutivo comum à maio-

ria das cidades brasileiras do século XIX, ou seja, primeiro vieram os índios, em

seguida instalou-se a primeira capela e, então, o primeiro cemitério público da

paróquia.

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Em 1868, com o progresso crescente de Ribeirão Preto, foi inaugurada

a Matriz e, em suas proximidades, foi instalado o primeiro Cemitério Público da

Paróquia (CIONE, 1987), que ocupava parte da atual Praça XV de Novembro, es-

tendendo-se até as adjacências da esquina da Rua Duque de Caxias. Esse costume

não fugia à regra tradicional de todo o país. Na época, tanto as igrejas quanto os

cemitérios estavam sob os cuidados das irmandades religiosas, embora a luta pela

secularização dos últimos já tivesse começado.

A necrópole era muito pequena e simples demais para abrigar em seu

interior túmulos de mármore de Carrara (comuna italiana da região da Toscana,

província de Massa-Carrara), já em uso nos cemitérios da região do Vale do Para-

íba e nos dos grandes centros urbanos do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Provavelmente, o primeiro cemitério de Ribeirão Preto continha covas rasas indi-

viduais no chão, marcadas por cruzes. Sabe-se que estava cercado de madeira e

tinha um único portão, onde hoje se erguem duas figueiras monumentais (PRA-

TES, 1971).

Após 1876, na fase da monocultura cafeeira, a cidade precisou criar, às

pressas, condições para atender aos novos fazendeiros e aos imigrantes recém-

chegados e fixá-los. O arrojo das mudanças e o crescimento desordenado foram

percebidos e criticados pela imprensa local, como se pode observar pelo seguinte

trecho:

A Vila acha-se colocada em uma soberba planície, tendo em seu cen-tro a igreja matriz e em volta da qual se conservam atualmente duas praças, sendo uma em frente, onde está colocado o tradicional cru-zeiro das missões e outra pelo lado do fundo da referida matriz, onde pretendem os atuais senhores feudais fazer construir casas e forma-rem ruas, esquecendo-se que ainda existem no dito lugar os restos mortais da antiga cerca do cemitério! Como se observam os preceitos da higiene por estas alturas! [...] (VERITAS, 1880).

Como se vê, quem escreveu esse artigo recorreu à filosofia positivista

para criticar a atuação do clero e dos vereadores da Câmara Municipal de Ribeirão

Preto, pregando o princípio de higiene ao mencionar as modificações que estavam

acontecendo no local do primeiro cemitério e nos demais lugares da Vila. Essa

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abordagem é muito similar às polêmicas criadas no fim do século XVIII na Europa,

quando as grandes cidades afastaram os cemitérios para os arrabaldes.

Pelo artigo pode-se confirmar a existência do segundo cemitério, que

existiu na atual Praça das Bandeiras. A escolha do local está vinculada ao fato

de ele ter sido construído sob os auspícios da Igreja, pois estava localizado em

frente ao terreno onde já se iniciava a edificação da Catedral Diocesana. Sabe-se,

apenas, que este cemitério era cercado de arame farpado e que lá foram enterra-

dos os restos mortais de José Theodoro Jacques, fundador do bairro Santa Cruz do

José Jacques (PRATES, 1971).

Já no primeiro governo republicano criaram-se normas e leis para a

secularização dos cemitérios brasileiros, surgindo, então, o terceiro cemitério

de Ribeirão Preto, administrado pela Prefeitura Municipal. Tentaram afastá-lo o

mais distante possível do centro da cidade, localizando-o nas imediações da atual

Praça Sete de Setembro.

Nada restou dos três primeiros cemitérios; com a expansão da cidade,

esses lugares foram descaracterizados. No lugar dos mortos nasceram árvores

robustas e flores, construíram-se fontes luminosas, coretos, enfim, praças onde a

multidão de vivos se reúne até hoje para se distrair e comemorar a vida.

Em 1892, a cidade pôde contar com o quarto cemitério, instalado na

Avenida da Saudade. Ele foi construído no bairro dos Campos Elíseos, bem afas-

tado do centro da cidade, no sentido oposto do terceiro. Tornou-se, então, um

emblema de uma nova mentalidade que, sob o impacto da ideologia sanitarista,

promoveu uma separação nítida entre o espaço dos vivos e o espaço dos mortos,

suspeitos de serem focos de infecções e doenças.

Até 1930, sua área geográfica era composta por dezesseis quadras,

que comportavam 1597 carneiras, conforme atesta o primeiro Livro de Registros

Perpétuo do Cemitério da Avenida da Saudade (de 22 de junho de 1892 a seis de

dezembro de 1965). A primeira ampliação deu-se a seguir, com o acréscimo de

seis quadras e a construção do Necrotério (1933), da Capela (1934) e do Portão

Monumental (1935), projetados pelo então arquiteto da prefeitura, Cícero Mar-

tins Brandão. A segunda grande ampliação ocorreu no período de 1952-53, na

administração do Prefeito Alfredo Condeixa Filho, que se incumbiu de construir

o Cruzeiro.

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No transcorrer dos anos, o cemitério sofreu sucessivas reformas que

contribuíram para a descaracterização do seu traçado inicial. Foram realizadas

inúmeras demolições de túmulos em mármore de Carrara nas quadras antigas.

Em fins de 1970, o Cemitério da Avenida da Saudade encontrava-se lotado, sem

condições de sofrer ampliações e reparos.

Talvez essa instituição pública municipal tenha sido instalada no

bairro Campos Elíseos por ser esse local um subúrbio com poucas possibilidades

de progredir e que, segundo PRATES (1971), assemelhava-se bastante ao bairro

paulistano do Brás, considerando-se o constante movimento de operários nes-

ta parte da cidade. Entre seus habitantes havia grande número de imigrantes

italianos que introduziram no traçado do bairro as chamadas vilas — casas

pequenas construídas nos centros dos quarteirões. Tratava-se, pois, de uma

região pobre, com pouca especulação imobiliária, local que não comprometeria

a “vida dos vivos”.

É provável supor que, com a instalação do Cemitério da Avenida da

Saudade, fez-se necessária a instalação de uma marmoraria na cidade. A primeira

foi implantada em 1892, pelo escultor italiano Carlo Barberi, oriundo da cidade

de Amparo (SP). Ao se dedicar à produção da arte funerária e à arquitetura, na

então “Marmoraria Ítalo-Brazileira”, ele mantinha um contato direto com a po-

pulação local e regional. Provavelmente, Carlo Barberi foi pioneiro ao introduzir

nessas comunidades o gosto e o valor do estilo eclético, já em voga no país.

Adotando o pensamento de Marsilio Ficino, para quem “a cidade não

é feita de pedras, mas de homens” (ARGAN, 1983), procura-se, também, retra-

tar as experiências individuais dos habitantes comuns que dão uma atribuição

pessoal ao seu espaço visivo. Por isso, destaca-se aqui a importância pessoal

do marmorista Carlo Barberi para a comunidade local. Sabe-se que foi um dos

sócios fundadores da Sociedade Dante Alighieri (1910), cujos objetivos eram

congregar os imigrantes italianos e estreitar suas relações com os demais in-

tegrantes da comunidade no decurso das atividades sociais, culturais, despor-

tivas, recreativas e beneficentes por ela promovidas. Coube a ele a vice-presi-

dência dessa sociedade, em 1912, por ocasião da aprovação de seu estatuto, e

a presidência, em 1917, quando se introduziu o ensino da língua portuguesa na

escola da entidade.

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Dentro de um contexto mais urbano, surgiu a segunda marmoraria de

Ribeirão Preto, em 1914, denominada “Marmoraria Italiana”, de propriedade dos

marmoristas italianos Alfredo Gelli e Antônio Roselli, oriundos da cidade de São

Paulo. Possivelmente, Barberi, Gelli e Roselli tornaram-se fortes concorrentes dos

marmoristas das cidades vizinhas de menor porte, pois são encontrados túmulos

construídos por eles nos cemitérios de toda a região. Na época, já havia os mar-

moristas João Santini, Piro Cima e Natale Maffei, em São Simão; Natale Frateschi

e irmãos Dinelli, em Franca; Terencio Ricciardi, em Sertãozinho e Salvador Suzana,

em Batatais.

Pode-se afirmar que, durante toda a década de 1910, a sociedade de

Ribeirão Preto preocupou-se constantemente em alterar a fisionomia física da

cidade dos vivos e dos mortos. Coube aos imigrantes italianos refletir nos pala-

cetes, nos sobrados e na arte funerária, o gosto elitista da burguesia cafeeira,

advinda do ideal estético europeu.

Ao término da Primeira Guerra Mundial, o Brasil sofreu dificuldades

econômicas às quais se somou a primeira contenção na expansão cafeeira, acar-

retada pela geada de 1918. Enquanto algumas regiões do Estado de São Paulo

reduziam a produção dos cafezais, Ribeirão Preto continuou ocupando um lugar

de destaque dentro da economia nacional como a maior produtora de café do

país. Isto acarretou uma imigração interna dentro do Estado. Foi nesse clima de

euforia pela Região do Oeste Paulista que, em 1918, surgiu na cidade a terceira

marmoraria, filial da “Grande Marmoraria Amparense”, da cidade de Amparo. Foi

inicialmente composta pela sociedade dos marmoristas Aldamiro Fazzi e Vicente

Franceschini e denominada “Marmoraria Progresso”. Todavia, ela é sempre lembra-

da pela produção artística realizada por seus donos posteriores, os marmoristas

Vicente Alberto Crosera e Amleto Belloni.

No início da década de 1920, os donos das marmorarias de Ribeirão

Preto tornaram-se, em pouco tempo, importantes homens de negócios, exploran-

do o mercado da morte em todo o Oeste Paulista, na Região do Triângulo Mineiro

e chegando até o Estado de Goiás. Para isso, contaram com o trabalho dos bons

artistas-artesãos que se profissionalizaram no transcorrer desses anos.

Através dos dados contábeis sobre a receita e as despesas do municí-

pio, entre os anos de 1918 e 1922, referentes ao Cemitério da Saudade, vê-se

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que suas despesas constituíam apenas cerca de metade da receita que ele gerava

para o município (GUIÃO, 1923). A renda maior provinha da venda de sepulturas,

cujos valores não acompanharam a inflação do país.

Receita geral do município nos últimos cinco anos

Despesa geral do município nos últimos cinco anos

Percebe-se, então, que a “cidade dos mortos” dava lucro aos cofres

do município, mas este a tratava com descaso, fazendo benfeitorias apenas em

última instância. E a “cidade dos vivos” já gozava de um corpo autônomo, con-

tendo seus próprios mecanismos de defesa, o que veio a proporcionar um campo

crescente de trabalho a todos, até mesmo aos marmoristas, que diversificavam

sua produção, executando, além da arte funerária, altares de igrejas, fachadas de

prédios, pias e lavabos. Não é sem motivo que a cidade de Ribeirão Preto passou a

ser denominada a “Capital do Oeste”. Nesse ambiente propício à formação profis-

sional dos ribeirão-pretanos, os marmoristas Renato Bulgarelli e João De Bortoli

instalaram a “Marmoraria Paulista”, em 1926.

Com a grande crise econômica que afetou todo o país no final da

década de 1920, iniciou-se também a crise das marmorarias, que perdurou até

a Segunda Guerra Mundial, quando a maioria delas foi desativada. Os primeiros

marmoristas de Ribeirão Preto não chegaram a enriquecer, conforme sonhava

todo estrangeiro, mas foram socialmente reconhecidos na cidade pelos seus

dotes artísticos e pelas suas qualidades culturais superiores à média brasileira.

Alcançaram, é certo, um padrão econômico suficiente para educar seus filhos,

fazendo-os doutores. Alguns aprendizes tornaram-se donos de marmorarias em

outras cidades do país; muitos permaneceram simples operários e nesse ofício

se aposentaram.

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O ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto

Quando se recorre à historiografia dos artistas-artesãos, poucas versões

sobre o valor de seu trabalho são encontradas. Essa lacuna está relacionada com a

pouca importância que lhes é dada no contexto em que se fizeram presentes.

No fim do século XIX, no transcorrer da polêmica sobre o papel do

artesão, pode-se considerar que os marmoristas encontravam-se numa posição

privilegiada. Tratava-se do período áureo de sua profissão, pois prestavam servi-

ços aos inúmeros cemitérios secularizados e às construções ecléticas que, então,

foram surgindo na Europa e no Brasil. Nessa época, por sua formação profissional,

o marmorista era um pequeno burguês.

Mas as consequências da Revolução Industrial chegaram às marmora-

rias já no início do século XX. O artista-artesão foi, aos poucos, perdendo sua

função social, sendo progressivamente atingido pelas limitações e mutilações das

faculdades criativas que levariam à alienação. Nesta época, o artista-artesão não

era mais o proprietário dos meios de produção; tornou-se um simples operário que

vendia sua força de trabalho para obter um salário (ROSSI, 1980). No entanto, a

maioria das marmorarias não se adequou integralmente à fase manufatureira, o

que levou à proletarização do artista-artesão.

Em resumo, pode-se considerar o marmorista ou artista-artesão do

fim do século XIX e início do século XX como aquele artista mediador, que está

empenhado em reunir a arte e a sociedade por meio de seus trabalhos artísti-

cos. Aliás, era assim que se via nos anúncios de suas marmorarias. Ele rompe

o mito da arte pura, abandona o papel de intelectual, transforma-se em um

técnico profissional, aceitando lentamente a tecnologia industrial da produção.

Com isso, satisfaz os desejos de “sujeição feliz” (MOLES, 1975) da burguesia

dominante da época.

Os marmoristas italianos chegaram ao Brasil, sobretudo no período de

1880 a 1890, juntamente com os demais profissionais dos mais variados setores

da ciência, da arte e das letras. Ocorreu, nesta época, um tipo de imigração di-

ferenciada, sem qualquer subvenção governamental. Eles traziam recursos finan-

ceiros próprios para instalar uma pequena firma, sozinhos ou em sociedade com

outros patrícios.

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Na maioria dos casos das marmorarias de Ribeirão Preto, a sociedade

era composta de um sócio que possuía melhor tino comercial e de outro com boa

formação profissional de marmorista. Em regra, eram jovens altamente produtivos,

com um grau de escolaridade superior ao da classe média brasileira e, ainda, com

o conhecimento de certas habilidades manuais técnicas, então raras no Brasil.

Generalizando-se, pode-se dizer que esse tipo de empreendimento que

se estendeu por toda a região de Ribeirão Preto e, provavelmente, por todo o Esta-

do de São Paulo, se tratava de uma firma industrial, comercial e de importação.

Para melhor compreender o sistema de produção das marmorarias estu-

dadas foi elaborado um protótipo de organograma desse tipo de firma, através do

conjunto de informações obtidas dos entrevistados (BORGES, 2002):

A — Setor de vendas

O maior volume de vendas em uma marmoraria recaía sobre a arte

funerária. O mais frequente era o cliente escolher elementos daqui e dacolá para

compor o monumento desejado. Cabia ao projetista da marmoraria realizar um

estudo preliminar, dentro das devidas exigências e proporções, e apresentá-lo ao

cliente sob a forma de desenho na técnica da tinta aguada. Juntos estudavam o

grau de redução ou ampliação das imagens escolhidas, a junção de uma ou outra

peça e a feitura de esculturas e adornos especiais.

B — Setor de produção

Em regra, o marmorista responsável pelo setor de produção era um dos

donos da marmoraria. Era considerado por todos os operários e aprendizes como

o mestre — portador dos conhecimentos teóricos e práticos, controlador de toda

a produção das oficinas, enfim, a cabeça pensante do estabelecimento. No setor

de produção havia: a seção de arquitetura, composta de projetistas que eram

responsáveis por todos os desenhos; a seção da marmoraria, onde trabalhavam

os esboçadores, os escultores, os scarpellinos e os lustradores na feitura das lajes

que revestiam os túmulos, santos, anjos e adornos, enfim, de tudo aquilo que se

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produzia em mármore; e a seção da cantaria, local reservado aos canteiros res-

ponsáveis por todas as obras de granito.

C — Setor administrativo e de compras

Geralmente, este setor era gerenciado por um dos sócios da marmoraria

que tivesse maior tino comercial. Cabia a este setor gerir os recursos financeiros

da firma, registrar e demitir operários, cuidar do patrimônio da firma e da sua par-

te publicitária. Ele se encarregava, também, de apresentar o projeto do túmulo,

destinado a um determinado cemitério, à prefeitura à qual este estava vinculado,

bem como de pagar a taxa estipulada e executar todo o trâmite necessário para

se obter o alvará para sua instalação. Já o setor de compras controlava os pedidos

para importação de artigos e de matéria-prima, como blocos de mármore bruto,

chapas de mármore e de máquinas elementares.

O sistema de produção dessas firmas remonta às corporações da Idade

Média, adaptado obviamente às realidades do começo do século XX. Havia uma

suposta organização hierárquica, fundada na divisão e na integração de ativida-

des produtivas, que dava grande valor às habilidades técnicas do artista-artesão,

tal como outrora fizera a Loggia. Ao mesmo tempo, essas firmas propiciavam aos

artistas-artesãos uma flexibilidade de atuação dentro da oficina, influenciadas

pelo sistema das Guildas. As marmorarias associaram-se também, de maneira par-

cial, ao sistema de produção industrial, produzindo peças seriadas para os túmu-

los. Isso foi facilitado pelo uso das máquinas, o que favorecia o barateamento do

seu custo. Mas o acabamento dos adereços era de feitura artesanal, momento em

que o artista-artesão interferia com sua criatividade. Comprova-se, então, que as

produções industrial e artesanal coexistiram e se comunicaram.

Arte funerária: uma produção simbólica de caráter eclético

A arte funerária do período da Primeira República refletiu a mentali-

dade e o gosto dominante do grupo social de que procedia, cuja abrangência foi

maior do que se supõe. Podem-se relacionar aqui alguns objetivos alcançados

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pela burguesia cafeeira por meio da arte funerária: perpetuar o indivíduo e sua

família diante da sociedade vigente; consagrar o status quo que os coronéis do

café conquistaram em vida; evidenciar a desigualdade que se assenta na organiza-

ção da sociedade de classe a que pertence o morto; propiciar um ambiente íntimo

e de recolhimento para o morto, onde os descendentes até hoje podem exercitar

seu ato de devoção, fazer visitas, embelezar com flores; expressar, nos ornatos

tumulares, o sinal de sua condição de vida, como por exemplo através do emprego

de brasões com ramo de café, produto que deu a muitos fazendeiros da região o

título de “Coronel”. O destaque maior ficou por conta da proliferação dos bustos

dos coronéis. Eles possuíam um discurso limitado, mas de grande importância

para o imaginário coletivo, de caráter profano e positivista.

Em Ribeirão Preto e região foram enterradas grandes personagens vin-

culadas à história política e econômica. Como exemplo, podem ser mencionados:

Francisco Rodrigues dos Santos Bonfim, fundador da cidade de Bonfim Paulista;

Coronel João Evangelista Nogueira, político de destaque na região de Cravinhos;

Antônio Honório Alves Ferreira, pai da “Rainha do Café”, Dona Iria Alves Ferreira;

e Mariana Constância Junqueira, esposa do grande cafeicultor Francisco Maximia-

no Diniz Junqueira.

A arte funerária contribuiu para desenvolver certo gosto estético na

população da época. Para isso, interpretou repertórios estilísticos já cristalizados

pela sociedade da época, que avançaram os limites uns dos outros, fundiram-se

pela ação dos marmoristas e se popularizaram de forma democrática e sem confli-

to, e propôs uma variedade estilística abrangente, acumulada no transcorrer dos

anos. De fato, são encontrados monumentos funerários de vários estilos: neoclás-

sico — os cânones do classicismo foram aplicados com maior ou menor rigor em

quase todos os monumentos; eclético — predominou em todo o período da Belle

Époque, dando primazia às novidades e levando a produção artística e arquite-

tônica ao nível da moda e do gosto burguês; Art nouveau — foi uma linguagem

plástica acessível à clientela por expressar a sensualidade, fruto da moda. A arte

funerária recorreu ao emprego de materiais perenes e nobres como o mármore,

reforçando um dos objetivos da burguesia em ascensão, que era eternizar o ato

da morte em monumentos grandiloquentes, e misturou com harmonia os símbolos

cristãos e profanos, de fácil assimilação, e que despertam nos sobreviventes o

mais profundo e significativo sentimento.

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Os túmulos construídos pelas marmorarias de Ribeirão Preto baseiam-

se em modelos padronizados, o que torna difícil traçar diferenças estilísticas

entre uma e outra oficina, mesmo porque os repertórios são sempre os mesmos.

Todavia, pode-se identificar a diferença de algumas características gerais dos

túmulos que se transformaram com o passar dos anos.

Foto 1 — Exemplo de túmulo da primeira etapa • Cemitério Municipal de Batatais (SP).

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Na primeira etapa (1890-1910), os túmulos eram marcados por um es-

tilo muito próximo dos cemitérios italianos. Houve emprego do mármore branco

para as sepulturas dos ricos e do tijolo caiado para as dos pobres. A arquitetura

e a escultura estão integradas para a realização de um monumento delicado e

harmonioso. A decoração transmite uma riqueza de mensagens simbólicas de

caráter sacro.

Foto 2 — Exemplo de túmulo da segunda etapa • Cemitério Municipal de Cravinhos (SP).

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Na segunda etapa (1910-1920), pode-se notar um apuro estilístico nos

túmulos. O mármore cinza passou a ser introduzido nas construções. Apareceram

os primeiros jazigos-capela. A arquitetura e as esculturas, juntas, compunham

uma construção luxuosa, ostensiva e monumental. A decoração passou a transmi-

tir, também, mensagens que evidenciavam a força da família na sociedade.

Na terceira etapa (1920-1930), os túmulos adaptaram-se a uma nova

Foto 3 — Exemplo de túmulo da terceira etapa • Cemitério de Ribeirão Preto (SP).

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realidade econômica nacional. Iniciou-se o emprego de materiais nacionais e

acessíveis, como a alvenaria aparente, o granito e o bronze. Os modelos desta

fase são mais sóbrios, preservando-se a pompa tumulária pela aplicação de formas

geométricas arrojadas. A escultura destoa no túmulo pelo seu caráter de monu-

mentalidade. A decoração tornou-se mais um elemento plástico compositivo.

De uma maneira geral, os túmulos seguem uma estrutura construtiva

comum e simples. Os jazigos-capela possuem sempre uma planta retangular, pe-

quena, variando apenas no verticalismo da construção. Os túmulos monumentais,

de porte médio e simples, partem constantemente de uma base maior, por onde

vão sendo assentadas outras partes, até que se chegue a um afunilamento verti-

cal. O sistema de construção parietal prevalece na arte funerária.

Os blocos de mármore que revestem os túmulos são colocados de uma

maneira regular e uniforme. Essa simplicidade dos túmulos está camuflada por

fachadas repletas de estereótipos neogóticos e de adornos que dão uma aparência

de sofisticação construtiva.

Na arte funerária de Ribeirão Preto, como em geral ocorre, predomina

o emprego de símbolos cristãos figurados em anjos, imagens sacras e adornos.

São fórmulas estereotipadas — criaturas imaginárias que povoam o mundo dos

cemitérios — que são hieráticas, simplificadas e que pertencem ao domínio da

arte popular. Elas valem por si mesmas e sua presença é suficiente para preencher

seu compromisso com o discurso religioso.

Para LICHT (1979), a escultura funerária “vive além dos limites do

padrão acadêmico corrente, não é para ser contemplada como um fato estético e

cumpre a função específica, como a maioria dos objetos da arte popular, sendo

popular mais do que individual na sua motivação”. Isso justifica, portanto, uma

análise estilística genérica da escultura funerária, bem como de todos os compo-

nentes que formam o túmulo.

Voltar a atenção para a arte funerária no Brasil, produzida por marmora-

rias de procedência italiana, permitiu comprovar que tal assunto, levado às últimas

consequências, dá uma visão do homem diante da vida e da morte, pois abarca a

criatividade do imaginário coletivo. O cortejo fúnebre, o casamento, o nascimento

são acontecimentos que representam a atitude coletiva de uma sociedade. Arreba-

tadores, cheios de rituais, ficam gravados para sempre na mente das pessoas.

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Pesquisas subsequentes: contribuições ao estudo da arte funerária no Brasil

Até 1991 havia no Brasil poucos estudiosos que se dedicavam a levan-

tamentos sobre a arte funerária. Porém, a partir daí, este universo começou a ser

mais investigado, com uma crescente vitalidade de trabalhos acadêmicos, artigos

em revistas especializadas e livros.

BORGES (1991) pesquisou especificamente a produção funerária da ci-

dade de Ribeirão Preto (SP). A seguir, ampliou suas pesquisas, desenvolvendo

uma série de artigos que relacionam a produção dos artistas-artesãos daquela

região com os profissionais instalados em outras localidades do país, apontando

as diferenças estilísticas e de feitura encontradas.

BORGES (1995) faz abordagens sobre a criança, sua importância e os

papéis que representa na sociedade brasileira no período da Primeira República

(1889-1930). O universo selecionado foi a Região Nordeste do Estado de São Pau-

lo. A autora faz uma leitura dos túmulos através das imagens plásticas e fotográ-

ficas, tendo como parte nuclear a representação da criança despida. Proliferaram

estátuas clássicas de anjo-criança despido, colocado numa posição tal que nos

impede de identificar o sexo. Outro tipo frequente é a criança vestida com uma

camisola, que permite avistar um certo ar de sensualidade ao deixar à mostra

um de seus ombros. Os retratos de porcelana, por sua vez, procuram mostrar a

aparência saudável do nu. Certamente, eles estão revelando uma nova maneira

da sociedade e da família tratar a criança, instaurando no túmulo valores e ideias

próprias do mundo adulto-social.

BORGES (1996) descreve o procedimento adotado para fazer a cura-

doria da exposição Arte Funerária, exibida sucessivamente em São Paulo (1993),

Ribeirão Preto (1995), Goiânia (1998) e Jataí (2000). Esta exposição apresenta

um acervo de 48 fotos (18 x 24cm) selecionadas para demonstrar a tipologia da

arte funerária, segundo a forma e o mobiliário funerário mais adotado pelas mar-

morarias do Estado de São Paulo. Cada tipologia vem acompanhada de um texto

explicativo.

BORGES (1997) procura estabelecer uma ponte entre as tradições do

passado, analisando obras como as Pietàs de Michelângelo, e as vivências do

presente, como por exemplo a obra Mise au Tombeau (O Sepultamento, 1923), de

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Victor Brecheret, e outras “pietàs” feitas por marmoristas da América do Sul. Para

finalizar, observa o túmulo do artista plástico Diogo Rivera, no Panteon Carmem

Dolores, na Rotonda dos homens ilustres, na Cidade do México, uma obra ao

mesmo tempo de caráter cívico e religioso. Parte, assim, do princípio que a arte

funerária, adotada nos cemitérios convencionais do começo do século XX, muitas

vezes serve-se da arte erudita quando essa se populariza.

BORGES (1999a) apresenta um modelo de Inventário da arte funerária

no Brasil que vem sendo realizado desde 1996 na Faculdade de Artes Visuais da

Universidade Federal de Goiás. Ele foi concebido como módulo destinado a reco-

lher, sucintamente, todas as informações de caráter histórico, formal, estilístico

e iconográfico de cada túmulo catalogado. Para sua formulação recorreu-se a

modelos anteriormente elaborados pelas pesquisadoras Maria Elizia Borges (2002)

e Tânia Andrade Lima (1994). Estes modelos sofreram alterações e acréscimos,

resultando em uma ficha-padrão que sintetiza e codifica todos os dados. Já foram

cadastradas em torno de 1000 sepulturas, datadas a partir de 1850 em, aproxima-

damente, 53 cemitérios brasileiros. Este registro vem sendo realizado de maneira

aleatória, isto é, conforme se tem oportunidade de visitar e documentar os es-

paços funerários. Em cada um procura-se registrar aqueles túmulos considerados

como peculiaridades do seu entorno e/ou que expressem claramente os valores

desse tipo de produto artístico quanto ao apuro artesanal e artístico.

BORGES (1999b) deu prosseguimento ao estudo de túmulos de criança

focalizando a representação do vestuário infantil. Enquanto a estatuária preocu-

pa-se em reproduzir o padrão das feições europeias e vestir os anjinhos com ca-

misolinhas curtas e vestidos que marcam a cintura, os retratos de porcelana apre-

sentam a imagem da criança em vida, com vestuários condizentes com a moda da

época, sujeitos à influência de seu ambiente adulto-social. A vulnerabilidade da

moda e do gosto é um fato; todavia, a arte funerária a eterniza, transformando-a

em elemento de ritual e de adorno.

BORGES (2001) estabelece uma ponte entre as imagens realizadas

por escultores italianos radicados na cidade de São Paulo (Antelo Del Débbio,

Eugênio Pratti, Galileo Emendabili, Luigi Brizzolara, Victor Brecheret) e as rea-

lizadas por artistas-artesãos das marmorarias da Região Nordeste do Estado de

São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Para isso, a autora procurou se-

lecionar, de forma aleatória, cemitérios e obras que nos façam seguir o percurso

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da Vida de Cristo, incluindo a Via Sacra. Acredita-se que as mensagens contidas

nesse caminhar se fazem presentes, de maneira espontânea, nos cemitérios

secularizados do Brasil.

Alguns alunos do Curso de Design Gráfico da Universidade Federal de

Goiás, sob orientação da pesquisadora Maria Elizia Borges, elaboraram um folder

(2001) sobre o Cemitério Santana, de Goiânia (GO), considerado uma iniciativa

pioneira no país. Esta peça gráfica apresenta um breve histórico do cemitério

inaugurado em 1939, o mapa de um percurso pelo local, a planta baixa com

fotos e a localização de túmulos selecionados em função do seu valor artístico e

simbólico, com breves textos explicativos. Fica evidente a estratificação social da

sociedade goianiense.

A seleção dessas publicações propicia o questionamento da abrangên-

cia desta área do conhecimento e acredita-se que possa ser um paradigma de

mudança quanto à relevância deste tipo de produção artística e do papel que ela

exerce na tomada de consciência do homem diante da finitude da vida.

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