33
AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal da Bahia e da Universidade do Estado da Bahia. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Conselheiro da OAB/BA e da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM. Sócio-Fundador do Escritório Fabiano Pimentel Advocacia Criminal. Advogado Criminalista. 1. Introdução O processo penal brasileiro dos dias atuais vive um momento de grande instabilidade, ou até mesmo, vale dizer, de grande retrocesso. Não é incomum encontrarmos discursos, na grande massa popular, em defesa de um processo penal punitivista, onde se busca a condenação do réu a qualquer custo, até mesmo com violação de princípios que foram garantidos pela Constituição Federal. Hoje, o que importa é punir, e punir de qualquer forma, desrespeitando qualquer regra ou princípio de direito, pois, para grande parte da população, os fins justificam os meios. Recentemente, o juiz Sérgio Moro, durante audiência pública realizada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para discutir o Projeto de Lei (PL) 402/2015 afirmou que "para avançar no combate à corrupção, é necessário reduzir as garantias individuais". Ouviu-se ainda expressão de Antônio César Bochenek: “Devido à ditadura militar, a constituição de 1988 deu grande amplitude às garantias individuais, o que hoje não é mais necessário, devido ao longo período de governos democráticos”. Vivemos um período crítico do processo penal. O combate à corrupção e a impunidade agora servem para justificar qualquer tipo de violação às garantias que foram conseguidas com derramamento de sangue de muitos inocentes, em período ditatorial no qual o Brasil esteve mergulhado de 1964 até 1985. Sabe-se que o governo democrático caracteriza-se pelo sistema de limites ao poder e esta limitação é dada pelos direitos fundamentais, como bem asseverou o juiz Rubens Roberto Rebello Casara,

AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL

Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela

Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Processual

Penal da Universidade Federal da Bahia e da Universidade do

Estado da Bahia. Membro da Academia de Letras Jurídicas da

Bahia. Conselheiro da OAB/BA e da Associação Brasileira dos

Advogados Criminalistas - ABRACRIM. Sócio-Fundador do

Escritório Fabiano Pimentel Advocacia Criminal. Advogado

Criminalista.

1. Introdução

O processo penal brasileiro dos dias atuais vive um momento de grande instabilidade, ou até

mesmo, vale dizer, de grande retrocesso. Não é incomum encontrarmos discursos, na grande massa popular,

em defesa de um processo penal punitivista, onde se busca a condenação do réu a qualquer custo, até mesmo

com violação de princípios que foram garantidos pela Constituição Federal. Hoje, o que importa é punir, e

punir de qualquer forma, desrespeitando qualquer regra ou princípio de direito, pois, para grande parte da

população, “os fins justificam os meios”.

Recentemente, o juiz Sérgio Moro, durante audiência pública realizada pela Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para discutir o Projeto de Lei (PL) 402/2015 afirmou que "para

avançar no combate à corrupção, é necessário reduzir as garantias individuais". Ouviu-se ainda expressão de

Antônio César Bochenek: “Devido à ditadura militar, a constituição de 1988 deu grande amplitude às

garantias individuais, o que hoje não é mais necessário, devido ao longo período de governos democráticos”.

Vivemos um período crítico do processo penal. O combate à corrupção e a impunidade agora

servem para justificar qualquer tipo de violação às garantias que foram conseguidas com derramamento de

sangue de muitos inocentes, em período ditatorial no qual o Brasil esteve mergulhado de 1964 até 1985.

Sabe-se que o governo democrático caracteriza-se pelo sistema de limites ao poder e esta

limitação é dada pelos direitos fundamentais, como bem asseverou o juiz Rubens Roberto Rebello Casara,

Page 2: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

em debate no senado sobre o mesmo projeto de lei descrito acima: “O estado democrático de direito se

caracteriza por limites no exercício do poder. Cada vez que uma garantia constitucional é relativizada, o

estado caminha para o autoritarismo, o estado policial, para o estado total. No fascismo clássico italiano, no

nazismo alemão, no stalinismo soviético, em todos esses períodos a presunção de inocência foi relativizada”.

O Brasil, entretanto, nestes últimos acontecimentos, vem demonstrando que retornará a este

processo penal fascista descrito por Rubens Casara. Digo isto, principalmente, porque este discurso de

supressão de garantias vem sendo proferido pelas próprias autoridades que deveriam guardá-las, às vezes,

dito por aqueles que devem julgar os processos criminais, aí o cenário torna-se ainda mais preocupante.

O pior de tudo isso é que a grande massa da população aplaude estas atitudes, ovacionando as

medidas antigarantistas como se fossem grandes feitos, como se o direito pudesse ser desrespeitado em

determinadas hipóteses, previamente selecionadas ou para certos “inimigos do estado”, esquecendo-se que

um dia estas baterias acusatórias podem ser voltadas para qualquer um de nós e aí não haverá mais tempo

para contê-las. .

Este cenário vivido pelo processo penal brasileiro me fez lembrar a primorosa obra de

Francesco Carnelutti: “As misérias do processo penal”. Ao reler seu texto, pude perceber que a referida obra

permanece ainda tão atual e que as misérias que foram tão combatidas pelo mestre do processo penal italiano

retornaram com força máxima no processo penal brasileiro. Assim, ao reler sua obra, destaquei pontos que

eram verdadeiros alicerces do processo penal italiano, mas que estão sendo esquecidos no Brasil.

Passeamos então a descrever as 10 misérias do processo penal brasileiro da atualidade

relembrando as lições de Francesco Carnellutti.

2. A primeira miséria do processo penal brasileiro: a violação ao princípio da presunção de inocência.

“A Constituição italiana proclamou solenemente a necessidade de tal respeito declarando que o acusado

não deve ser considerado culpado até que seja condenado com uma sentença definitiva”. (CARNELUTTI,

2009, p. 53).

Recentemente a AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil – ingressou com proposta

de alteração do Código de Processo Penal (PLS 402/2015) permitindo o decreto de prisão preventiva para

Page 3: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

determinados crimes após o julgamento da apelação pelo segundo grau de jurisdição, mesmo pendentes os

recursos extraordinários, além de propor outras reformas como: o fim do art. 600, §4º., do CPP; além de dar

o mesmo tratamento para as decisões do Júri; bem como, a redução das hipóteses de cabimento dos

embargos infringentes.

Assim justificou a AJUFE: “Após reuniões destinadas a discutir com a Associação dos Juízes

Federais do Brasil - AJUFE uma alteração na legislação processual penal brasileira, ofertou-nos aquela

associação o texto da presente proposição, destinada que é a promover alteração normativa que atribua maior

eficácia às sentenças condenatórias e aos acórdãos condenatórios no processo penal, evitando a eternização

da relação jurídica processual, com graves impactos na aplicação da lei penal. Não é razoável transformar a

sentença condenatória ou o acórdão condenatório, ainda que sujeitos a recursos em um “nada” jurídico,

como se não representassem qualquer alteração na situação jurídica do acusado”. (Justificativa da AJUFE

para o PLS 402/2015).

Fato relevante é que tais violações às garantias constitucionais foram propostas pelos juízes

que deveriam guardar os direitos fundamentais do cidadão. Isso é ainda mais preocupante...

Vejamos alguns artigos deste projeto de lei:

Art. 617-A: “Ao proferir acórdão condenatório por crimes hediondos, de tráfico de drogas, tortura, corrupção

ativa ou passiva, peculato, lavagem de dinheiro, o tribunal decidirá, fundamentadamente, sobre a

manutenção ou imposição da preventiva ou outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de

recursos que vierem a ser interposto”. §2º: “Quando imposta pena privativa de liberdade superior a quatro

anos, a prisão preventiva poderá ser decretada, mesmo tendo o condenado respondido ao processo em

liberdade, salvo se houver garantias de que o condenado não irá fugir ou não irá praticar novas infrações

penais se permanecer solto”.

Inicialmente cumpre ressaltar que o decreto da prisão preventiva sempre foi possível em

qualquer fase no processo penal, seja na sentença ou no acórdão, desde que o juiz fundamente sua decisão e

estejam presentes seus requisitos estruturantes previstos no art. 312 do CPP.

O que nos causa espécie é o fato de que a prisão está reservada para determinados crimes, em

detrimento de outros, sem uma explicação convincente para tal distinção. Ademais, o que se busca aqui, de

forma direta, é a “automatização” da prisão preventiva após o julgamento da apelação, mesmo tendo o

acusado respondido ao processo em liberdade, ou seja, sem que os requisitos da prisão preventiva estivessem

presentes.

Page 4: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

O pior ainda está por vir...

Na parte final do dispositivo o projeto ainda descreve que “quando imposta pena privativa de

liberdade superior a quatro anos, a prisão preventiva poderá ser decretada, mesmo tendo o condenado

respondido ao processo em liberdade, salvo se houver garantias de que o condenado não irá fugir ou não irá

praticar novas infrações penais se permanecer solto”.

Como se vê, a regra será a prisão, salvo se o condenado der garantias que não irá fugir. Como

se conceber tamanha inversão do ônus de provar determinado fato negativo? É possível provar que o

condenado jamais cometerá um novo delito, seja de que natureza for ? Como provar que o condenado não irá

fugir ? Como dar ao juiz uma garantia concreta que o condenado não deixará o distrito da culpa ou que não

praticará novas infrações penais se solto estiver ? Por óbvio que é um dispositivo que tem por objetivo

prejudicar o condenado e prendê-lo automaticamente, já que não conseguirá dar ao julgador tais impossíveis

garantias.

O Senador Ricardo Ferraço assim justifica a medida: “Os fundamentos da prisão preventiva

elencados no Projeto são diferentes daqueles previstos para o instituto no art. 312 do Código de Processo

Penal (CPP), pois, com o acórdão condenatório, já haveria certeza, ainda que provisória, quanto à

responsabilidade criminal do acusado, não se podendo falar mais, portanto, em “presunção” de inocência”.

O que é uma certeza provisória? Seria uma certeza não tão certa assim ? Uma certeza

condicional ?

Seria possível alcançar a certeza, um conceito tão absoluto, diante de um fato passado que

ficou no tempo? Nem mesmo nas ciências naturais se pode falar em certezas. Veja-se que Ilya Prigogine

afirmou o fim das certezas. Para o autor, as leis da natureza adquirem um significado novo e não tratam mais

das certezas morais, mas sim de possibilidades1.

Agora, imagine ser possível falar em certeza provisória, ou seja, uma certeza que é certa até

determinado período, que pode ser certa, ou não tão certa assim, a depender do momento temporal futuro.

Agora, imagine que esta certeza (que não é tão certa assim por isso recebeu o nome de “certeza provisória)

pode afastar o princípio da presunção de inocência, mesmo sendo um sinônimo de incerteza. Certeza

provisória é incerteza, e bem por isso, não pode ser fundamento para o início do cumprimento de pena.

1 “As leis da natureza adquirem então, um significado novo: não tratam mais de certezas, mas sim de possibilidades. Afirmam o

devir, e não mais somente o ser. Descrevem um mundo de movimentos irregulares caóticos, um mundo mais próximo do

imaginado pelos atomistas antigos do que das órbitas newtonianas”. (PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis

da natureza. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora da Universidade Paulista, 1996, p.159).

Page 5: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Este é o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No caso Oscar Alberto

Mohamed, o Estado Argentino foi condenado por violar o direito fundamental que tem todo acusado de

recorrer ou questionar uma sentença condenatória. Absolvido por homicídio culposo em 1ª instância, foi

condenado em 2ª. instância – “a pessoa recém condenada nesta instância, também tem o direito de revisão

ampla desta condenação”. Entendeu-se que foi negado o direito de revisão da sentença.

No Caso Ivan Suárez Rosero x Equador o réu ficou preso por mais de 04 anos e assim foi o

resultado do julgamento : “Esta corte defende que o princípio da presunção da inocência serve ao propósito

das garantias judiciais, ao afirmar a ideia de que uma pessoa é inocente até que sua culpabilidade seja

demonstrada. Do disposto no art. 8.2 da convenção se deriva a obrigação estatal de não restringir a liberdade

do preso além dos limites necessários para assegurar uma eficiente investigação, pois a prisão é uma prisão

cautelar não punitiva. Em caso contrário, se estaria cometendo uma injustiça ao privar a liberdade por prazo

desproporcional a uma pessoa cuja responsabilidade ainda não tenha se estabelecido. Seria o mesmo que

antecipar uma sentença, violando princípios universalmente reconhecidos”.

No Caso Ricardo Canese x Paraguai: “A corte frisou que a presunção de inocência implica

que o acusado não deve demonstrar que não cometeu crime e que o ônus da prova cadê a acusação”.

O Brasil, entretanto, na contramão da Corte Internacional, através do STF, acaba de negar o

HC 126.292 entendendo ser possível a execução provisória da sentença condenatória após confirmação da

sentença em segundo grau, afirmando que esta posição não ofende o princípio da presunção de inocência. O

acórdão ficou assim ementado: Ementa: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL

CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO.

EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório

proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o

princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição

Federal. 2. Habeas corpus denegado. (HC 126292, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno,

julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016).

Ora, o art. 5º, da CF é claro ao afirmar: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória”. Não há como relativizar um dispositivo tão expresso. O trânsito em

julgado exige o julgamento de todos os recursos defensivos e, só depois disso, é possível falar em certeza da

coisa julgada, não uma “certeza provisória” como equivocadamente afirmou o senador Ricardo Ferraço.

Page 6: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Não é outro o entendimento de Aury Lopes Jr, ao afirmar: “O STF é o guardião da

Constituição, não seu dono e tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas.

Há que se ter consciência disso, principalmente em tempos de decisionismo (sigo com Streck) e ampliação

dos espaços impróprios da discricionariedade judicial. O STF não pode “criar” um novo conceito de trânsito

em julgado, numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação. Esse é um exemplo claro

e inequívoco do que é dizer-qualquer-coisa-sobre-qualquer-coisa, de forma autoritária e antidemocrática2”.

No mesmo sentido Lênio Streck: “Entretanto, o STF errou. Reescreveu a Constituição e

aniquilou garantia fundamental. Gostando ou não, essa é a Constituição que temos. E todos sabem de meu

elevado grau de ortodoxia quando se trata da Constituição. Até de originalista já fui chamado3”.

Assim, fica evidente o erro cometido pelo STF na interpretação constitucional do princípio da

presunção da inocência. Bem por isso, definimos como a primeira miséria do processo penal atual.

3. A segunda miséria do processo penal brasileiro: o fim do Habeas Corpus substitutivo nos Tribunais

Superiores.

Como se sabe, em primeira instância, caberá recurso em sentido estrito da decisão que

conceder ou negar a ordem de habeas corpus, conforme art. 581, X, do Código de Processo Penal. Caberá

ainda a remessa obrigatória ao Tribunal no caso descrito no art. 574 do mesmo Diploma Legal: “Os recursos

serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos de ofício pelo juiz: I –

Da sentença que conceder habeas corpus”.

Na prática, entretanto, os advogados não ingressam com recurso em sentido estrito da decisão

que denega o habeas corpus apresentado na 1ª. instância. É extremamente comum, pela celeridade do rito, a

interposição de novo habeas corpus substitutivo do recurso em sentido estrito.

Esse pensamento, durante anos, foi utilizado pelos advogados e ampliado para instâncias

superiores. Assim, denegado o habeas corpus no Tribunal de Justiça, por exemplo, os advogados

2 LOPES JR, Aury. Fim da presunção de inocência pelo STF é nosso 7 a 1 jurídico. Disponível em

http://www.conjur.com.br/2016-mar-04/limite-penal-fim-presuncao-inocencia-stf-nosso-juridico, acesso em 07 de julho de 2016. 3 STRECK, Lênio Luiz. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional. Disponível em

http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-julgado, acesso em 07 de julho de 2016.

Page 7: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

ingressavam com novo writ perante o STJ e, se denegado neste Tribunal Superior, ingressavam com outro

perante o STF, sendo plenamente aceito pelos referidos Tribunais o chamado habeas corpus substitutivo.

Sabe-se, entretanto, que conforme art. 102, II, a, e art. 105, II, a, da Constituição Federal,

caberá recurso ordinário, respectivamente para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça da

decisão que denegar habeas corpus. O que não acontece na prática em virtude da celeridade do writ.

Contrariando esse entendimento, o STF, em julgamento realizado em agosto de 2012, deu

nova quinada em sua jurisprudência para admitir apenas o recurso em habeas corpus como medida

impugnatória das decisões que julgam improcedentes os habeas corpus nas instâncias inferiores4.

O STJ também vem entendendo pela impossibilidade de Habeas Corpus substitutivo de

Recurso Ordinário. Vejamos: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.

DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO.

MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM ASUPREMA

CORTE. POSSE ILEGAL DE ARMA. ALEGAÇÃO EXCESSO DE PRAZO NÃOANALISADA NA

ORIGEM. TESE DE NULIDADE DA DECISÃO QUE INDEFERIU ALIBERDADE PROVISÓRIA.

PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELA SENTENÇACONDENATÓRIA SUPERVENIENTE.

SUBSTITUIÇÃO DO TÍTULO PRISIONAL, QUEDEVE SER ANALISADO PRIMEIRAMENTE PELO

TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DEILEGALIDADE FLAGRANTE QUE, EVENTUALMENTE,

PUDESSE ENSEJAR ACONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO

CONHECIDO. (STJ - HC: 210256 CE 2011/0140214-4, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de

Julgamento: 13/11/2012, T5 - QUINTA TURMA).

Como se vê pela ementa acima descrita, o habeas corpus vem sofrendo sérias restrições em

sua impetração, admitindo-se apenas o recurso ordinário em habeas corpus, com prazo determinado e

tramitação morosa. Na prática, o recurso em habeas corpus é apresentado perante o Tribunal a quo, que faz o

4 Vejamos na íntegra a notícia disponível no site do STF sobre o tema: “A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF)

reformou seu entendimento para não mais admitir habeas corpus que tenham por objetivo substituir o Recurso Ordinário em

Habeas Corpus (RHC). Segundo o entendimento da Turma, para se questionar uma decisão que denega pedido de HC, em

instância anterior, o instrumento adequado é o RHC e não o habeas corpus. A mudança ocorreu durante o julgamento do Habeas

Corpus (HC) 109956, quando, por maioria de votos, a Turma, acompanhando o voto do relator do processo, ministro Marco

Aurélio, considerou inadequado o pedido de habeas corpus de um homem denunciado pela prática de crime de homicídio

qualificado, ocorrido na cidade de Castro, no Paraná. A Turma também entendeu que as circunstâncias do caso concreto

não viabilizavam a concessão da ordem de ofício. O réu pretendia obter a produção de novas provas e já havia feito o pedido de

habeas corpus no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em ambas as instâncias o pedido

foi rejeitado. Contra a negativa, a defesa impetrou habeas corpus no STF, em vez de apresentar um RHC. Segundo o ministro

Marco Aurélio, relator, há alguns anos o Tribunal passou a aceitar os habeas corpus substitutivos de recurso ordinário

constitucional, mas quando não havia a sobrecarga de processos que há hoje. A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do

ministro-relator no que chamou de ‘guinada de jurisprudência’, por considerar o habeas, em substituição ao RHC, um meio

processual inadequado. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Luiz Fux também votaram no sentido do novo

entendimento.. (disponível em http://www.stf.jus.br, acesso em 05.09.2013).

Page 8: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

primeiro juízo de admissibilidade. Ainda é levado para o setor de digitalização, para ser enviado

eletronicamente para o STJ, numa demora de aproximadamente 90 dias.

Sensibilizado com a morosidade na tramitação do recurso ordinário, o Ministro Marco

Aurélio assim assevera em novo julgado: “Sensibiliza a comunidade jurídica e acadêmica a circunstância de

o recurso ordinário seguir parâmetros instrumentais que implicam a demora na submissão ao órgão

competente para julgá-lo. Isso acontece especialmente nos Tribunais de Justiça e Federais, onde se aponta

que, a rigor, um recurso ordinário em habeas corpus tramita durante cerca de três a quatro meses até chegar

ao Colegiado, enquanto o cidadão permanece preso, cabendo notar que, revertido o quadro, a liberdade, ante

a ordem natural das coisas, cuja força é inafastável, não lhe será devolvida. O habeas corpus, ao contrário,

tem tramitação célere, em razão de previsão nos regimentos em geral. Daí evoluir para, presente a premissa

segundo a qual a virtude está no meio-termo, adotar a óptica de admitir a impetração toda vez que a

liberdade de ir e vir, e não somente questões ligadas ao processo-crime, à instrução deste, esteja em jogo na

via direta, quer porquanto expedido mandado de prisão, quer porque já foi cumprido, encontrando-se o

paciente sob custódia5.”

As decisão que buscam restringir o uso do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário

fundamentam-se no excesso de trabalho, em virtude de poder ser o habeas corpus impetrado a qualquer

tempo. O que se vê é uma tentativa de usar o recurso ordinário como forma de reduzir a quantidade de ações

constitucionais penais. Fica a impressão de que os tribunais superiores buscam causas impeditivas de acesso

à justiça, como forma de reduzir o número de processos, sendo verdadeiro obstáculo ao julgamento de

mérito dos pedidos de habeas corpus.

Assim se fez nas súmulas e jurisprudências impeditivas de recursos, com claro propósito de

reduzir o número de recursos, ferindo de morte o acesso à justiça. A quantidade de habeas corpus não é

motivo para impedir o seu uso irrestrito nos tribunais superiores. Deve o judiciário aparelhar-se melhor, na

busca do julgamento em tempo razoável, e não buscar subterfúgios, com decisões inconstitucionais, para

impedir o acesso aos tribunais, e consequentemente o acesso à justiça.

Tal decisão fere visivelmente o texto constitucional. O habeas corpus não pode ser limitado

em nenhuma hipótese. É uma garantia do cidadão contra os desmandos das autoridades públicas. Qualquer

restrição, até mesmo em sua forma, é uma ofensa direta à liberdade de locomoção na expressão de Ruy

Barbosa: “Dê-se ao ofendido o arbítrio de procurar, quando possa, o Tribunal menos frágil, mas não lhe

retire o de valer-se dos outros quando aquele, pela distância ou por qualquer obstáculo, não estiver ao seu

alcance”.

5 Trecho voto do Min. Marco Aurelio, em maio de 2013 HC 110328 /RS.

Page 9: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

4. A terceira miséria do processo penal brasileiro – A tentativa de acabar com a sustentação oral em

habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

No ponto mais alto da escala está o juiz. Não existe oficio algum mais alto do que o seu e nem uma

dignidade imponente. Carnellutti.

Recentemente a comunidade jurídica nacional ficou estarrecida com a determinação do

Presidente da Primeira Câmara Criminal do TJRS que determinou o fim sustentação oral em sede de habeas

corpus, em virtude de ausência de previsão no RITJRS, in verbis: “O Presidente da Primeira Câmara

Criminal do TJRS, no uso de suas atribuições, considerando o disposto no art. 14 do art. 177 do RITJRS

afirma que será admitida a sustentação oral somente nas hipóteses expressamente previstas no CPC e no

CPP e que os arts. 610-613 apenas prevê a hipótese para apelação e RESE, determino que a partir de 23 de

março de 2016, só serão permitidas sustentações orais em RESE e Apelação”.

Como se vê, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que tem uma história de

respeito às garantias do processo penal foi levado pela “onda antigarantista” na qual está mergulhado o

processo penal atual e, por intermédio do Presidente da 1ª. Câmara Criminal, achou por bem reduzir mais

uma garantia do réu e prerrogativa do seu defensor, no caso, impedir a sustentação oral em sede de habeas

corpus.

Tal atitude revela afronta direta ao princípio da ampla defesa justamente no momento mais

importante do julgamento que é a sustentação das razões orais da impetração pela defesa, onde o advogado

pode esclarecer fato relevante, explicar questão fática incorretamente apreciada pelo Tribunal ou chamar

atenção dos julgadores para aspectos jurídicos, que podem mudar a decisão e, consequentemente, mudar o

status libertatis do Paciente, além de configurar grave violação das prerrogativas dos advogados.

Bem por isso, a restrição foi revogada após a intervenção da OAB/RS, conforme notícia

disponível na rede mundial de computadores: “A restrição de sustentação oral de advogados em julgamentos

em Habeas Corpus na 1ª Câmara Criminal do TJRS foi revogada em sessão do Órgão Especial da Corte

nesta terça-feira. O novo entendimento foi em decorrência do requerimento da OAB/RS e causou a alteração

do regimento interno para autorizar o procedimento. Desde o dia 4 de abril, a OAB/RS já vem tratando do

tema. Na data, o presidente da Ordem gaúcha, Ricardo Breier, enviou ofício ao presidente do TJRS,

Page 10: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, questionando a medida. Posteriormente, também os presidentes

reuniram-se na Ordem gaúcha para viabilizar uma solução em favor das prerrogativas da advocacia. Em

decorrência da intervenção da seccional gaúcha, o Tribunal de Justiça garantiu aos advogados a sustentação

oral em Habeas Corpus durante 10 minutos, revogando comunicado da 1ª Câmara Criminal. De acordo com

Breier, o entendimento do Órgão Especial do TJRS demonstra a importância do respeito às prerrogativas da

advocacia. ‘A decisão legitima a imprescindibilidade da advocacia como defensora dos direitos dos

cidadãos, por isso, é fundamental que o advogado tenha o direito a fala. Essa decisão anterior configurava

uma afronta à Constituição e ao pleno exercício profissional. Seguiremos atuando fortemente na defesa das

nossas prerrogativas”, afirmou o dirigente6’ ”.

Como se vê, a medida foi revogada depois da intervenção da OAB/RS, mas a simples

tentativa de violar este direito já configura um ato preocupante. A sua realização, ainda que

temporariamente, é a prova inequívoca de que estamos voltando ao processo penal antigarantista, onde nem

mesmo o direito de ser ouvido está garantido. Tempos difíceis para o processo penal...

5. A quarta miséria do processo penal brasileiro: o uso indevido das interceptações telefônicas.

Aqui destacamos duas misérias que viraram rotina no que tange às interceptações telefônicas:

a repetição indeterminada da medida e a divulgação indiscriminada dos conteúdos sigilosos para a imprensa

nacional.

Sabe-se que o art. 5º., da Lei 9296/96 define o prazo de 15 dias prorrogáveis por mais 15 por

uma única vez, in verbis: “a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma

de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma

vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

A lei é clara. Não há espaço para uma interpretação ampliativa neste caso. Fica

evidenciado que o prazo é de 15 dias, prorrogável por uma única vez, desde que seja imprescindível para

a obtenção da prova.

Entretanto o STF tem decidido que o prazo pode ser prorrogado indefinidamente quando o

fato for complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Vejamos: “EMENTA Habeas corpus.

6 Disponível em http://jornal-ordem-rs.jusbrasil.com.br/noticias/339511186/oab-rs-conquista-fim-da-restricao-de-sustentacao-oral-

no-tjrs, acesso em 07 de julho de 2016.

Page 11: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão,

peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação

telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se

prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a

intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão

proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada

falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não

submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes.

Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser

possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva,

especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS,

Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da

interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze)

dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da

organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca

da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos

sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem,

não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que

autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96,

art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do

paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma

originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que

não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (HC 106129, Relator(a):

Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/03/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061

DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012)”.

Fica a pergunta: O que é um fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua ?

Trata-se de um conceito extremamente abstrato, a ensejar o perigo de que as interceptações indeterminadas

virem regra do sistema jurídico, em detrimento da garantia de uma investigação com prazo determinado.

Tal conceito, pela sua abstração, pode gerar interpretações equivocadas, e um caso simples,

vir a ser tratado como se complexo fosse, simplesmente porque a autoridade policial ainda não obteve a

prova desejada a ensejar a culpabilidade do investigado, na análise das interceptações telefônicas. Nesta

linha de pensamento, sempre seria possível prorrogar um pouco mais a interceptação para obter a tão

Page 12: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

almejada prova da condenação. Tudo pode se tronar complexo para a obtenção desta prova. Até uma

investigação pode se tornar eterna... Para este processo penal tudo vale, tudo pode...

Vale até determinar a interceptação telefônica e, mesmo fora do prazo, e sem mais o amparo

da ordem judicial, continuar utilizando a prova e divulgá-la na imprensa nacional.

Foi o que aconteceu recentemente em interceptação telefônica divulgada pelo juiz Sérgio

Moro, sendo objeto de crítica contundente do Prof. Lênio Streck: “E o que dizer após o mico que o juiz

Sérgio Moro pagou ao Supremo Tribunal Federal, pedindo calorosas desculpas em longas 30 páginas?

Quando entrei no MP vi uma cena bizarra: um promotor havia pedido, equivocadamente, o

arquivamento de um caso escabroso. Fê-lo em 65 páginas. Ao que o velho procurador lhe disse: quem

arquiva em 65 páginas, denuncia em folha e meia. Serve para Moro. Muita desculpa. Muito drible.

Muito malabarismo verbal. Depois ele se irrita quando os réus não contam toda a verdade. Viu como é,

doutor? Por vezes, é difícil explicar o inexplicável. Além disso, Moro criou uma nova espécie de

extinção de punibilidade: por pedido de desculpas. Por exemplo, a violação da Lei 9.296, mais o artigo

325 do CP foram considerados como um mero descuido. Ele não imaginou que, mesmo sendo fruto de

um “erro” na obtenção das escutas (mormente de Dilma e Lula), isso poderia ter repercussões na vida

política. Verbis: “compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou

mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a

intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/3, provocar tais efeitos e, por eles, solicito

desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”. O STF poderia conceder o

prêmio Poliana à Moro. E a reforma do Código Penal pode acrescentar novas hipóteses de extinção da

punibilidade: o pedido de desculpas. Mas tem um problema. Devem ser diretas. Sinceras. Como as

delações, matéria da qual Moro entende bem demais. Bem, que lê tanta notícia, mesmo?7”.

No caso em tela, o juiz Sérgio Moro obteve acesso à interceptação telefônica envolvendo

conversa da Presidente Dilma Rousseff que possuía, à época, foro privilegiado. Bem por isso, deveria o

magistrado enviar o conteúdo sigiloso das conversas para o STF, foro competente para analisá-la e não

divulgar o material para a imprensa nacional. Em assim agindo, tornou a prova ilícita, imprestável para ser

utilizada no processo penal.

7 http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/senso-incomum-moro-criou-tipo-extincao-punibilidade-pedido-desculpas

Page 13: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

6. A quinta miséria do processo penal brasileiro: a utilização da prisão preventiva para obter delação

premiada.

“À solenidade, para não dizer à majestade, dos homens de toga contrapõe-se o homem no cárcere. Não

esquecerei nunca a impressão, que deste tive a primeira vez na qual, ainda adolescente, ingressei na Corte

de uma seção penal no tribunal de Turim. Aqueles, dir-se-ia, sobre o nível do homem; este, em baixo, preso

na cela, como um animal perigoso. Sozinho, pequeno, apesar de sua elevada estatura; perdido, ainda que

procurasse ser desembaraçado; pobre, miserável, necessitado...” (CARNELUTTI, 2009, p. 23).

É exata a definição de Carnelutti sobre o “homem da jaula”. Efetivamente, na expressão do

autor, o homem da jaula é um necessitado. Nas condições das prisões brasileiras, ainda mais. Necessita de

tudo. De alimentação adequada e estabelecimentos condignos à assistência médica e jurídica. Os homens da

jaula, nestes aspectos, não podem ser comparados aos homens livres. É obvio que eles não se encontram nas

mesmas condições psíquicas e físicas de um homem que se encontra em plena capacidade ambulatorial.

O sucateamento do cárcere, o seu empobrecimento e empodrecimento, parecem que estão na

ordem do dia. A prisão, quanto mais fétida, quanto mais desumana e vil, mais tende a agradar a massa

populacional, sedenta pelo espetáculo do delito e de sua punição, isso com o aval de algumas autoridades,

que quase nada fazem para mudar este estado.

Na visão estrábica dos defensores do quanto pior melhor, a prisão deve ter um cenário

horrível para gerar no preso aversões psíquicas e físicas. Ela deve ter uma visão infernal para gerar no

espírito do encarcerado uma vontade desesperada de sair dali, de livrar-se do suplício, isso a qualquer custo e

de qualquer forma. Por isso, a prisão perde sua duração razoável, pois quanto mais demorar o cárcere,

quanto maior for o período de prisão preventiva, para eles, melhor e mais rápida será a obtenção da delação

premiada, isso com o aval de promotores, juízes e, até mesmo, dos Tribunais Superiores.

Para os defensores de um processo penal desumano e antigarantista, quanto mais demorada

for a prisão, quanto mais desumana, quanto mais apodrecida e fétida, quanto pior for a alimentação e suas

instalações, mais desespero gerará no encarcerado e, consequentemente, mais rápida será a delação e a

solução do processo penal, a qualquer custo.

Page 14: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Na expressão de Bruno Espiñeira Lemos8: “Diga-se mais. Nenhum acordo de delação pode

ser considerado válido diante de alguém que se encontra preso (não é necessário dizer o que isso significa

enquanto liberdade volitiva e vontade livre, em tais circunstâncias) com o propósito específico de estímulo

para facilitar a confissão ou estímulo para cooperação com as autoridades de investigação, ambos

fundamentos inidôneos e ilegais para a manutenção de prisões preventivas”.

Trata-se de verdadeira tortura para obter a prova. Um retorno ao período medieval, na

expressão de Aury Lopes Jr: “o episódio é mais um exemplo da degeneração das prisões cautelares, que

vêm sendo usadas como um meio de constrangimento situacional para obtenção de confissões ou

delações premiadas, que posteriormente serão usadas como provas. Ou seja, uma releitura do modelo

medieval, em que se prendia para torturar, com a tortura se obtinha a confissão, e, posteriormente usava-

se a confissão como a rainha das provas9".

Para Geraldo Prado: “No lugar de defender a ordem constitucional, que presume inocente

o acusado e o protege contra iniciativas que visam constranger a produzir confissões — que podem não

corresponder à verdade, como está provado na boa literatura — o MPF prega o emprego da prisão

provisória como método destinado a burlar a garantia que tem o dever de resguardar. Iniciativas do

gênero desacreditam o processo penal e, ao contrário do que postula o MPF, podem levar ao

comprometimento da própria investigação10".

Na expressão de Gustavo Badaró: “As delações de investigados presos são um terrível

retrocesso. Devem ser consideradas inválidas, por não atenderem ao requisito do caput do art. 4º da Lei nº

12.850/2013, que exige a voluntariedade da colaboração. E se um investigado preso desejar fazer a delação e

o Ministério Público assim considerar que tal colaboração poderá ser efetiva? Que este dê o primeiro passo,

postulando a soltura do investigado que se dispõe a ser colaborador. Solto, terá a liberdade que lhe dará a

voluntariedade para aceitar ou não a delação. A lógica não pode ser “prender para delatar”, mas no caso de

investigados presos, soltar para voluntariamente delatar! Se nada for feito, sem a genialidade de Sobral

Pinto, no futuro nos restará postular a anulação dos contratos de delações premiadas de investigados presos,

invocando como fundamento o Código Civil, que em seu artigo 171, inciso II, ao tratar da invalidade dos

8 Lemos, Bruno Espiñeira. Delação premiada e prisão preventiva (não estamos em Berlim). Disponível em

http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/delacao-premiada-e-prisao-preventiva-nao-estamos-em-berlim/, acesso em 23 de julho

de 2016. 9 Notícia disponível em http://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-prisao-preventiva-lava-jato, acesso

em 23 de julho de 2016. 10

Notícia disponível em http://www.conjur.com.br/2014-nov-28/professores-criticam-parecer-prisao-preventiva-lava-jato, acesso

em 23 de julho de 2016.

Page 15: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

negócios jurídicos, considera anulável negócios jurídicos celebrados mediante ‘coação’ ou em ‘estado e

perigo’!11

”.

Nestas condições, o encarcerado não tem condições psíquicas e físicas de fazer delação

premiada. Tudo o que disser, ou quase tudo, será consequência do desespero de sair do cárcere. Para o preso

só restará uma possibilidade: a delação. Só assim alcançará a liberdade, que deveria ser a regra do sistema

processual garantista. A prisão de exceção, passou a ser a regra. A delação, o caminho necessário para a

obtenção da liberdade.

Que miséria do processo penal atual!

7 - A sexta miséria do processo penal brasileiro: o grampeamento telefônico ilegal de escritórios de

advocacia.

“O Ministério Público está ao seu lado; insto constitui um erro, que com uma maior conscientização em

torno da mecânica do processo terminará por ser retificado” (CARNELUTTI, 2009, p. 38).

Vejamos a notícia disponível no CONJUR: “O juiz federal Sergio Moro não quebrou o sigilo

telefônico apenas de Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também

do telefone central da sede do escritório dele, o Teixeira, Martins e Advogados, que fica em São Paulo. Com

isso, conversas de todos os 25 advogados da banca com pelo menos 300 clientes foram grampeadas, além de

telefonemas de empregados e estagiários da banca. A interceptação do número foi conseguida com uma

dissimulação do Ministério Público Federal. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados a Lula, os

procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da Lils

Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do ex-presidente. E Moro autorizou essa escuta por

entender que ela poderia ‘melhor esclarecer a relação do ex-Presidente com as empreiteiras [Odebrecht e

OAS] e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios custeados pelas empreiteiras em

relação aos dois imóveis [o triplex no Guarujá (SP) e o sítio em Atibaia (SP)]12

’ ”.

11

Badaró. Gustavo. Quem está preso pode delatar?. Disponível em http://jota.uol.com.br/quem-esta-preso-pode-delatar, acesso em

03 de agosto de 2016. 12

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/25-advogados-escritorio-defende-lula-foram-grampeados, acesso em 23

de julho de 2016.

Page 16: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Vejamos também a resposta da força-tarefa: “Procurados pela ConJur, os membros da força-

tarefa da operação “lava jato” afirmaram que o telefone do Teixeira, Martins foi incluído no pedido por

constar no site "FoneEmpresas" como sendo da Lelis. Além disso, os membros do MPF ressaltam que Moro

autorizou a interceptação. Uma busca pelo número de telefone no Google, no entanto, já traz em seus

primeiros resultados o escritório de advocacia. Os procuradores também argumentam que não juntaram

transcrições das escutas do telefone central do escritório nos autos do processo — constando no relatório os

registros das ligações envolvendo o número”.

O CONJUR noticia um fato que deixou a comunidade jurídica estarrecida. Os 25 advogados

de um escritório de advocacia e pelo menos 300 clientes foram interceptados por ordem do juiz Sérgio

Moro. Na notícia, há ainda um fato ainda mais estarrecedor: “a interceptação do número foi conseguida com

uma dissimulação do Ministério Público Federal. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados a Lula,

os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da Lils

Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do ex-presidente13

”.

O fato foi esclarecido em nota oficial pelo MPF: “Lamentando a não observância das boas

práticas jornalísticas pelo site Consultor Jurídico, que não analisou minimamente os autos de interceptações

telefônicas objeto da 24ª fase da Operação Lava Jato, falha essa que resultou na distorção dos fatos

apresentados na matéria Todos os 25 advogados de escritório que defende Lula foram grampeados,

publicada no site, a força-tarefa Lava Jato vem esclarecer: (1) Conforme consta na petição, o telefone foi

obtido por fonte aberta na internet, como vinculado à LILS PALESTRAS, cuja quebra foi deferida pelo

juízo. (2) Nos relatórios juntados aos autos, não constam transcrições de diálogos do referido número como

alvo. (3) No entanto, constam no relatório ligações em que telefones de alvos mantiveram conversas com

terceiros que utilizaram o referido número. (4) Quanto ao referido escritório, cumpre rememorar ainda o

quanto posto pelo Juízo na decisão proferida nos autos da interceptação, o que revela que Roberto Teixeira é

investigado: 'Rigorosamente, ele não consta no processo da busca e apreensão 5006617-29.2016.4.04.7000

entre os defensores cadastrados no processo do ex-Presidente. Além disso, como fundamentado na decisão

de 24/02/2016 na busca e apreensão (evento 4), há indícios do envolvimento direto de Roberto Teixeira na

aquisição do Sítio em Atibaia do ex-Presidente, com aparente utilização de pessoas interpostas. Então ele é

investigado e não propriamente advogado. Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é

objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação'. (5) Além de tudo isso, no

evento 42 dos autos 5006205-98.2016.4.04.7000, Roberto Teixeira se tornou alvo da medida tendo sido

diretamente interceptado e investigado em razão da existência de evidências de seu provável envolvimento

em crime, o que torna a reclamação inócua. Diante das explicações acima, todas evidentes nos autos da

13

Idem.

Page 17: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

medida mencionada, a referida notícia insere-se na estratégia de confundir a opinião pública, criando

factoides sem qualquer fundamento”.

Em seu esclarecimento, o MPF afirma, em síntese, que o número de telefone foi obtido na

internet, no site da “fone empresas” e que constava em nome da empresa LILS PALESTRAS, cuja quebra

foi deferida pelo juízo e que “há indícios do envolvimento direto de Roberto Teixeira na aquisição do Sítio

em Atibaia do ex-Presidente, com aparente utilização de pessoas interpostas. Então ele é investigado e não

propriamente advogado”.

De uma forma ou de outra, o fato envolve violações das prerrogativas dos advogados.

Inicialmente, custa acreditar que o MPF, dispondo de tantos bancos de dados para obter o telefone correto da

LILS PALESTRAS, empresa investigada, teria se valido de um numero que consta na internet, sem ter o

cuidado de averiguar se aquele número que se encontrava no site “fone empresas” realmente era da empresa

investigada e não do escritório de advocacia. Um equívoco lamentável, já que o próprio MPF diz que foi

levado a erro pelo site supramencionado.

O segundo argumento, entra em contradição com o primeiro. Ora, se o objetivo era investigar

o escritório de advocacia, já que na visão do MPF “um dos advogados era investigado”, por que não foi

requerida a quebra em nome do próprio advogado e sim em nome da LILS PALESTRAS ? O MPF deveria

pedir a quebra diretamente do advogado e não em nome da LILS PALESTRAS ...

Ademais, o fato de uma dos investigados ser advogado, autoriza a interceptação das conversas

dos outros 25 advogados do escritório e dos 300 clientes não investigados? Já que o MPF não fez a

interceptação intencionalmente, já que foi um equívoco ocorrido na fonte confiável da internet, por que

continuou a ouvir conversa de todos os advogados por todo o prazo da interceptação ? Por que não pediu o

desligamento do grampo, já que houve um equívoco?

Veja que: “A operadora de telefonia que executou a ordem para interceptar o ramal central

do escritório de advocacia Teixeira, Martins e Advogados já havia informado duas vezes ao juiz federal

Sergio Fernando Moro que o número grampeado pertencia à banca, que conta com 25 advogados.

Apesar disso, em ofício enviado ao Supremo Tribunal Federal nesta semana, Moro afirmou desconhecer

o grampo determinado por ele na operação lava jato14”.

Em resposta, os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins afirmaram:

“Tomamos conhecimento na data de ontem (16/03/2016) de que o Juiz Federal Sérgio Moro, acolhendo

14

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/operadora-informou-juiz-sergio-moro-grampo-escritorio, aceso em 23 de

julho de 2016.

Page 18: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

pedido de Procuradores da República da Força Tarefa Lava Jato, autorizou nos autos do Processo nº

98.2016.4.04.7000/PR, a realização de interceptação do telefone celular do advogado Roberto Teixeira. O

advogado Roberto Teixeira funciona naquele processo e em outros procedimentos a ele relacionados como

advogado do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fato público e notório e comprovado por meio de

procuração juntada aos autos e pelo acompanhamento pessoal de atos processuais. Isso significa que a

intenção do juiz e dos membros do Ministério Púbico foi a de monitorar os atos e a estratégia de defesa do

ex-Presidente, configurando um grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das

comunicações telefônicas e da ampla defesa e, ainda, clara afronta à inviolabilidade telefônica garantia pelo

artigo 7º, inciso II, do Estatuto do Advogado (Lei nº 8.906/1994). Cite-se, como exemplo disso, a conversa

telefônica mantida entre o advogado Roberto Teixeira e o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no

momento em que este último foi surpreendido, no dia 04/03/2016, pela arbitrária condução coercitiva

determinada pelo próprio Juiz Federal Sérgio Moro. Toda a conversa mantida entre advogado e cliente e a

estratégia de defesa transmitida naquela oportunidade estava sendo monitorada e acompanhada por Moro e

pela Polícia Federal, responsável pela condução do depoimento. A justificativa do juiz Moro lançada no

processo para grampear o advogado foi a seguinte: “O advogado Roberto Teixeira, pessoa notoriamente

próxima a Luis (sic) Inácio Lula da Silva, representou Jonas Suassuna e Fernando Bittar na aquisição do

sítio de Atibaia, inclusive minutando as escrituras e recolhendo as assinaturas no escritório de advocacia

dele”. Essa afirmação é a maior prova de que Roberto Teixeira foi interceptado por exercer atos privativos

da advocacia — o assessoramento jurídico de clientes na aquisição de propriedade imobiliária — e não pela

suspeita da prática de qualquer crime. Moro foi além. Afora esse grampo ostensivo no celular de Roberto

Teixeira, também foi determinada a interceptação do telefone central do escritório Teixeira, Martins e

Advogados, gravando conversas dos advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins e de outros

membros que igualmente participam da defesa do ex-Presidente Lula e de seus familiares — inclusive no

processo sob a presidência do Juiz Moro. O grampo do telefone central do escritório foi feito de forma

dissimulada, pois o juiz incluiu o número correspondente no rol de telefones que supostamente seriam da

empresa LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda., que tem como acionista o ex-Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva. A estratégia do juiz Sérgio Moro e dos membros da Força Tarefa Lava Jato resultou no

monitoramento telefônico ilegal de 25 advogados que integram o escritório Teixeira, Martins & Advogados,

fato sucedido com a também ilegal divulgação das conversas gravadas nos autos do processo, juntamente

com a divulgação de outras interceptações ilegais. Não é a primeira vez que o Juiz Moro protagoniza um ato

de arbitrariedade contra advogados constituídos para assistir partes de processos por ele presididos. Por

exemplo, no julgamento do HC 95.518/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, há registros de que o juiz Moro

monitorou ilegalmente advogados e por isso foi seriamente advertido pelos Ministros daquela Corte em

28.05.2013. O Juiz Sérgio Moro se utiliza do Direito penal do inimigo, privando a parte do “fair trail”, ou

Page 19: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

seja, do julgamento justo. Não existe a imprescindível equidistância das partes e tampouco o respeito à

defesa e ao trabalho dos advogados. Atenta contra o devido processo legal e a todas as garantias a ele

inerentes o fato de Moro haver se tornado juiz de um só caso, conforme resoluções emitidas pelo Tribunal

Regional Federal da 4ª. Região e atuar com pretensa jurisdição universal, atropelando até mesmo o sagrado

direito de defesa. Além das medidas correcionais e judiciais cabíveis, o assunto será levado à Ordem dos

Advogados do Brasil para que, na condição de representante da sociedade civil, possa também intervir e se

posicionar em relação a esse grave atentado ao Estado Democrático de Direito15

”.

Assim se manifestou a OAB: “O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

classificou como inadmissível a violação da comunicação entre advogado e cliente e ressaltou que o combate

à corrupção não pode ferir a Constituição. Reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico (AQUI)

revelou nesta quinta-feira (17/3) que o juiz Sergio Moro autorizou o grampo de 25 advogados do escritório

que atende ex-presidente Lula. A banca Teixeira, Martins e Advogados teve seu telefone central interceptado

e conversas dos advogados com mais de 300 clientes foram violadas. “É inadmissível no Estado

Democrático de Direito a violação das ligações telefônicas entre advogados e clientes”, afirmou ainda na

quinta à noite o presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia. Ele destaca que a gravação de

advogados e clientes, mesmo com autorização judicial, sem que os profissionais estejam sendo investigados,

fere prerrogativa garantida pela Lei 8.906 de 1994, o Estatuto da Advocacia. A Ordem quer combater a

impunidade e a corrupção. Defendemos a celeridade processual e o levantamento de sigilo destes processos

em nome de um princípio maior, que é o da informação, mas não podemos permitir que isso seja feito

ferindo a Constituição Federal”, ressaltou Lamachia16

”.

Conversas sigilosas entre clientes e advogados foram realizadas por pessoas não investigadas

e interceptadas pela polícia, estratégias de defesa foram devassadas, aspectos processuais e discussões

jurídicas, com certeza, chegaram ao conhecimento da polícia, gerando grande prejuízo para a advocacia e

para seus clientes. Com isso, percebe-se que a interceptação telefônica dos escritórios de advocacia está

sendo feita sem o devido cuidado. Fica claro que vivemos um cenário de grave atentado às garantias da

inviolabilidade das comunicações telefônicas entre clientes e advogados e da ampla defesa, com ofensa

direta ao Estatuto da Advocacia.

Mais uma miséria do processo penal atual...

15

Disponível em http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2016/03/moro-fez-grampo-ilegal-de-escritorio-de-

advocacia-diz-defesa-de-lula.html, acesso em 23 de julho de 2016. 16

Disponível em http://racismoambiental.net.br/?p=203657, acesso em 23 de julho de 2016.

Page 20: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

8. A sétima miséria do processo penal brasileiro: a condução coercitiva de investigado e o direito de

não constituir prova contra si mesmo.

O princípio do “nemo tenetur se detegere” reflete a expressão “ninguém é obrigado a

constituir prova contra si mesmo”. Este princípio, que foi fortalecido na Convenção Americana sobre

Direitos Humanos como um direito fundamental do ser humano, restou descrito no artigo 8º, § 2º, alínea "g",

in verbis: “Garantias judiciais: G) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se

culpada”.

Para Paulo Queiroz: “Quanto às suas implicações penais e processuais penais, há um certo

consenso no sentido de que o princípio compreende: 1) o direito ao silêncio, preso ou solto o investigado

(CF, art. 5°, LXIII; CPP, art. 186), podendo, inclusive, responder a certas perguntas e não responder a outras,

silêncio que não pode ser interpretado em seu desfavor; 2) a necessidade de ser previamente informado dessa

garantia; 3) privilégio de não prestar juramento ou compromisso de dizer a verdade; 4) o direito de se recusar

a entregar documentos e de praticar qualquer comportamento ativo que o incrimine (fornecer material

grafotécnico etc.); 5) a recusa de participar de reconhecimento, acareação ou reprodução simulada dos fatos;

6) o direito de ser dispensado do interrogatório (CPP, art. 457, §2°, final); 7) a vedação de perguntas

capciosas, em tom de ameaça ou de elogio que induzam o indivíduo à confissão ou delação; 8) a irrelevância

da mentira para fins de individualização da pena1; 9) o direito de não se submeter ao teste de alcoolemia; 10)

a possibilidade de invocação do princípio perante qualquer juízo ou autoridade pública, cível ou criminal,

policial ou parlamentar; 11) a não caracterização dos delitos de falso testemunho, desobediência ou desacato,

quando no exercício estrito do privilégio; 12) a disponibilidade da garantia pelo colaborador na forma da Lei

n° 12.850/2013, art. 4°, §14°; 13) a ilegalidade de toda prisão fundada na recusa de colaborar com a

investigação; 14) aplicabilidade à pessoa jurídica17

”.

É exatamente o ponto “6) o direito de ser dispensado do interrogatório (CPP, art. 457, §2°,

final)” que nos interessa neste item, ou seja, a premissa de que o direito de não comparecer ao interrogatório

é um reflexo direto do direito de não constituir prova contra si mesmo.

Trata-se de um princípio que se relaciona diretamente com a ampla defesa, especificamente

no que tange ao direito à autodefesa. O réu, em seu de direito de autodefender-se pode ter conduta negativa

ou positiva. Pode agir positivamente para responder as perguntas da autoridade, se assim for conveniente à

sua autodefesa e dizer a verdade, ou não. Pode ainda não responder as perguntas de forma verdadeira, e disso

17

Queiroz, Paulo. Nemo tenetur. Disponível em http://www.pauloqueiroz.net/nemo-tenetur/ acesso em 26 de julho de 2016.

Page 21: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

nenhuma consequência poderá advir, principalmente no tocante à presunção de culpa. Pode ainda deixar de

responder as perguntas da autoridade, valendo-se do direito ao silêncio, que também é reflexo do princípio

do “nemo tenetur se detegere”.

O que importa aqui é garantir ao réu o direito de não se prejudicar com seu próprio

depoimento, ou seja, é o direito de autopreservação que se impõe aqui. O réu não é obrigado a constituir

qualquer meio de prova que possa colocar em risco sua liberdade ambulatorial. A autopreservação é o que se

protege com esta garantia fundamental.

Em descompasso com esta garantia, assevera o artigo 260 do CPP: “Se o acusado não atender

à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser

realizado, a autoridade poderá mandar conduzí-lo à sua presença”.

Veja que tal dispositivo se já não se adéqua aos princípios constitucionais, também não mais

encontra amparo pela nova redação do art. 457 do CPP: “O julgamento não será adiado pelo não

comparecimento do acusado solto ... que tiver sido regularmente intimado. §2º.: Se o acusado preso não for

conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver

pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele ou seu defensor”.

O que se extrai deste dispositivo é que o réu pode deixar de comparecer ao julgamento do

Tribunal do Júri e, consequente, deixar de exercer sua autodefesa, se isso for necessário para sua melhor

estratégia defensiva. Ora, se é um direito fundamental a impossibilidade de submeter o acusado a qualquer

procedimento que possa resultar em uma prova prejudicial; se é uma garantia o direito de permanecer em

silêncio, o que justifica a determinação para o acusado comparecer à autoridade já que ele pode comparecer

e não dizer nada ?

As misérias, entretanto, não param por aí. Em julgamento no HC 107644/SP, o STF decidiu

que a condução coercitiva pode ser determinada pela autoridade policial sem ordem judicial, como um

reflexo direto do art. 6º., do CPP. Com isso, a condução coercitiva passa a ser um ato discricionário da

autoridade policial, sem o controle do judiciário. Vejamos mais um julgamento inconstitucional do próprio

STF: “HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO

INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE.

INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP.

DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA.

DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES

IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A

Page 22: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE.

OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE

ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS

IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE

DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E

CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição

Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de

carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais . II – O art. 6º do Código de

Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade

policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III

– Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do

CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a

condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucio nais

dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes

implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e e incorporada ao nosso ordenamento

jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá

poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer

as funções de polícia judiciária. V – A custódia do paciente ocorreu por decisão judicial

fundamentada, depois de ele confessar o crime e de ser interrogado pela autoridade policial, não

havendo, assim, qualquer ofensa à clausula constitucional da reserva de jurisdição que deve estar

presente nas hipóteses dos incisos LXI e LXII do art. 5º da Constituição Federal. VI – O uso de

algemas foi devidamente justificado pelas circunstâncias que envolveram o caso, diante da

possibilidade de o paciente atentar contra a própria integridade física ou de terceiros. […]. (STF, HC

107644/SP, relator min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, publicado

em 18-10-2011)”.

Destaque-se o trecho: “III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da

autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à

elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos,

resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos”.

É incompreensível a decisão do STF. Ao final do texto no III exige que a autoridade

policial resguarde as garantias constitucionais, mas ele mesmo, o STF, em sua decisão, viola um

direito fundamental, no momento em que possibilita à autoridade policial determinar condução

Page 23: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

coercitiva de investigado, de forma discricionária e sem fundamentação, sem considerar o direito de

ser dispensado do interrogatório, corolário do direito de não constituir prova contra si mesmo.

Tempos difíceis do processo atual...

O réu deve deixar seus afazeres para ir ao fórum ou à delegacia “dizer que nada tem a dizer” ?

Na expressão de Adauto Suannes: “o réu que, por força da Constituição Federal, tem o direito de ficar

calado, deve deixar seus afazeres habituais (com perda do dia de serviço, por exemplo), para ir ao fórum

dizer que nada tem a dizer, mesmo tendo defensor constituído, que o represente no processo e que, portanto,

pode falar por ele. Positivamente, é muito amor a nossa lusitana herança burocratizante18.”

Ressalte-se aqui que o fato do acusado ser intimado para o seu interrogatório e entendendo

este ato como um meio de autodefesa, o seu não comparecimento é também, em alguns casos, uma forma

defesa indireta e não um ato desrespeitoso ou uma desobediência à ordem judicial. Juízes, delegados e

promotores precisam entender o interrogatório como um meio de defesa, amparado pelo princípio do nemo

tenetur se detegere. Logo, determinar a condução coercitiva de investigado ou acusado, considerando que

ele tem o direito de permanecer calado, é uma violação à referida garantia fundamental e, consequentemente,

sua violação é mais uma miséria do processo penal atual.

9. A oitava miséria do processo penal brasileiro: o teste de integridade, as medidas anticorrupção e a

possibilidade de utilização do flagrante forjado.

O MPF lançou campanha nacional com o intuito de buscar assinaturas para a propositura de

um anteprojeto de lei de iniciativa popular intitulado as "10 medidas contra a corrupção" com o intuito de

modificar a legislação brasileira no que tange ao combate à corrupção.

Louvável seria a iniciativa do MPF se não fosse o conteúdo antigarantista e inconstitucional

de alguns de seus dispositivos. Dentre eles, destaca-se a possibilidade de utilização do flagrante forjado, ou

seja, a prática de “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou o empregado, com o

objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para combater crimes contra a administração pública”.

18

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2ª.ed. São Paulo: RT, 2004, p. 335.

Page 24: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

É o que a doutrina chama de “teste de integridade” e consiste na “possibilidade de órgãos

públicos, por suas corregedorias, controladorias, ouvidorias, com a ciência do Ministério Público, submeter

seus agentes, de modo aleatório ou dirigido, à simulação de situações que envolvem questões morais e de

predisposição à prática de infrações contra Administração Pública, para fins disciplinares e para instrução de

ações cíveis, de improbidade administrativa e, ainda, persecução penal. O Anteprojeto, prevê, também, a

possibilidade de gravação do teste e a aplicação, no que couber, das normas da Lei Anticorrupção19

”.

Vejamos ainda: “A primeira proposta do MPF propõe que o Brasil passe a usar o flagrante

forjado. Nas palavras exatas: simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado,

com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração

Pública. Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor de Direito Processual Penal, a proposta soa

‘absurda’, é ‘imoral’, ‘inconstitucional e ilegal’. Ele ressalta que o Estado Moderno se fundou na presunção

de que o cidadão é honesto e inocente até que se prove o contrário. Segundo ele, um país que aprove o flagra

forjado está indo ‘no caminho da barbárie’, conforme escreveu em seu artigo. O tema foi também abordado

pelo juiz federal Flavio Antônio da Cruz: ‘Ao empregar o aludido teste, o Estado acaba por deitar por terra

um compromisso importantíssimo das democracias liberais: a crença de que o sistema de Justiça criminal

está destinado a garantir que nenhum inocente seja punido. A culpa deve ser aferida pela efetiva prática de

uma conduta objetiva e subjetivamente típica, ilícita e culpável, apurada sob devido processo’20

”.

Como se vê, pretende o referido anteprojeto a utilização de simulação de situações, sem o

conhecimento do agente, com o objetivo de testar sua conduta moral. Trata-se da utilização de estratagema

pelo próprio Estado com o intuito de simular situações que possam conduzir o funcionário público ao delito.

Ou, na expressão do anteprojeto, simular situações que possam comprovar a integridade dele.

Caso o referido anteprojeto seja aprovado, o Estado poderá se utilizar de situações que levem

o agente ao delito como a forjar ou preparar a cena do crime, num gesto que nos faz lembrar a figura do

algoz que prepara a sua ratoeira com a isca mais suculenta, pronta para disparar e capturar o roedor menos

avisado. É trama realizada pelo próprio Estado, com a ajuda dos seus agentes e equipamentos, e tem por

objetivo levar o funcionário público para uma verdadeira “cilada administrativa”.

E o pior de tudo é que as pessoas (em sua maioria) assinaram o anteprojeto sem saber o seu

conteúdo. Foram levadas pela “onda punitivista” como se estivessem “combatendo a corrupção” sem saber o

19

ZANELLATO, Vilvana Damiani. Teste de Integridade: 1ª Medida contra a Corrupção. Disponível em

http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/teste-de-integridade-1a-medida-contra-a-corrupcao/, acesso em 27 de julho de 2016. 20

Notícia extraída do site CONJUR disponível em http://www.conjur.com.br/2015-dez-09/grandes-criminalistas-criticam-

medidas-anticorrupcao-mpf acesso em 27 de julho de 2016.

Page 25: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

que estão assinando e as repercussões desses conteúdos inconstitucionais, como bem asseverou Rubens

Casara: "Pense-se, por exemplo, no paradoxo que seria uma campanha, paga com dinheiro público, com o

objetivo de recolher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa 'popular', na qual se pede para 'quem for

contra a corrupção' assinar o documento, isso sem que os signatários sejam informados do conteúdo do

projeto, das repercussões constitucionais, sociais ou mesmo econômicas das medidas propostas e, em

especial, dos reflexos do projeto no campo das liberdades públicas21

".

Mais um ataque às garantias constitucionais, mais uma miséria do processo penal atual.

10. A nona miséria do processo penal brasileiro: as medidas anticorrupção, a tentativa de inversão do

ônus da prova e a possibilidade de utilização da prisão preventiva para obrigar o réu a devolver o

produto do crime.

As medidas anticorrupção ainda conseguem violar mais garantias do processo penal. Trata-se

de verdadeiro retrocesso ao sistema processual penal constitucional, com afrontas diretas aos direitos

fundamentais. Pela leitura do texto, extrai-se que a prisão preventiva pode ser utilizada para obrigar o réu a

devolver o produto do crime.

Vale a transcrição da notícia do site CONJUR: “Um outro item proposto pelo Ministério

Público Federal prevê a prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado. Para o

criminalista Marcelo Leonardo a medida é um contra-senso. “É absurdo propor no país cuja constituição

proíbe a prisão por dívida, uma proposta de prisão preventiva a obrigar pessoas a supostamente devolver

dinheiro”, afirma. ... ‘O que querem na verdade fazer é uma presunção de que se você não encontrar os

valores supostamente desviados, justificaria a prisão preventiva. Isso fere profundamente qualquer parâmetro

de presunção de inocência’, afirma. Na opinião de Lúcio Delfino, a proposta da prisão preventiva fere a

Constituição. ‘Se ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, como reza nossa

Constituição Federal, como admitir a validade de prisões com fins de evitar dissipação do dinheiro

desviado?’, questiona. Para ele, não há devido processo quando o acusado é tratado como se culpado

fosse22

”.

21

Disponível em http://www.justificando.com/2015/12/10/especialistas-de-peso-condenam-medidas-contra-a-corrupcao-

propostas-pelo-mpf/, acesso em 28 de julho de 2016. 22

Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/ministros-advogados-apontam-inconsistencias-propostas-mpf, acesso em

03 de agosto de 2016.

Page 26: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Para Lenio Streck: “O MPF quer que seja possível decretar prisão preventiva para ‘permitir a

identificação do produto e proveito do crime’ ou ‘assegurar sua devolução’ ou ‘evitar utilização para fuga ou

defesa’. Será que entendi? O cidadão pode ser preso como forma de pressão para que devolva o dinheiro? A

prisão como forma de coação? Claro, seguem a linha da prisão para celebrar ‘delação’. Adverte o MPF que

‘não se trata de prisão por dívida’! Claro que não. Afinal, se permitem a ironia, sequer uma dívida foi

constituída ainda! Sequer um julgamento ocorreu! Chamando as coisas pelo nome: É uma prisão como

constrangimento, coação, simplesmente para que o acusado entregue o dinheiro23

”.

O que propõe o MPF por meio de iniciativa popular é exatamente o que apontou Lenio Streck.

É a utilização da prisão preventiva para coagir o preso a devolver o produto ou proveito do crime. O

indivíduo só receberá a liberdade se devolver o dinheiro ilícito. Isso sem que haja julgamento de mérito

sobre a causa. É a antecipação de um dos efeitos da sentença condenatória, sem que ela nem mesmo exista. É

o desvirtuamento da prisão preventiva numa tentativa de extorquir o preso para que devolva o dinheiro, ou

devolve ou permanece preso, como se os requisitos da prisão preventiva não importassem para ele, mas

apenas a devolução do dinheiro e, com isso, confesse o crime. É uma confissão à moda medieval, com

tortura psicológica e restrição da liberdade.

Ora, a partir do momento que o preso devolve o dinheiro ele se alia diretamente ao fato.

Trata-se sim de uma confissão da ação principal ou da secundária, se ele não corrompeu ou foi corrompido,

recebeu o dinheiro ilegal. Logo, terá de confessar e entregar o dinheiro desviado. O que vemos aqui é uma

extorsão para obtenção de confissão e devolução do dinheiro, como única forma de obtenção da liberdade.

Isso já vem sendo feito em sede de delação premiada, o que querem é ampliar a utilização da

“extorsão”, agora para obtenção de devolução de valores supostamente desviados, já que não houve trânsito

em julgado ainda. É o processo penal do “vale tudo”. Tudo vale para condenar e obter resultados favoráveis

à acusação... até mesmo prender para receber o produto/proveito do delito, antes mesmo do resultado final

do mérito da ação penal.

Mas não é só isso. Tem mais...

O MPF em seu anteprojeto busca a inversão do ônus da prova e quer punir criminalmente

servidores públicos que enriqueceram de forma não compatível com os ganhos do cargo e não conseguirem

provar que o dinheiro veio de meio lícito. Como se vê, não é mais a acusação que deve provar que o dinheiro

é ilícito, mas sim o réu que deve provar que a origem do dinheiro é lícita.

23

STRECK, Lenio Luiz. O PACOTE ANTICORRUPÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O FATOR MINORITY REPORT.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-03/senso-incomum-pacote-anticorrupcao-mpf-fator-minority-report, acesso

em 03 de agosto de 2016.

Page 27: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

Inverteram-se os papeis...

Ainda na expressão de Lenio Streck: “Sugere o MPF o crime de ‘enriquecimento ilícito’, no

qual o agente é culpado caso não consiga explicar o aumento de seu patrimônio. Nítida inversão do ônus da

prova. Segundo o MPF, isso não seria inversão, mas ‘escolher a única explicação para a discrepância’, com

‘base na experiência’. Nessa mesma linha, é proposto o chamado ‘confisco alargado’, onde diante da

condenação por determinados crimes a diferença entre o patrimônio existente e aquele cuja origem foi

demonstrada é perdido. Trata-se, como o próprio MPF reconhece na justificativa, de uma ‘presunção

razoável’ da ilicitude (sic). Sim, vocês leram corretamente: Presunção Razoável da Ilicitude! Não sei o que é

pior: condenar com base na inversão do ônus da prova ou partindo de uma presunção?24

”.

O MPF pugna por meio do seu anteprojeto que o réu deve demonstrar que é honesto, ou seja,

o réu deve provar que é um homem de bem, que os seus ganhos são lícitos e que é inocente. A acusação não

quer mais o encargo de provar a culpabilidade do réu.

Não se respeita mais a Constituição, não importa mais a Convenção Americana de Direitos

Humanos, o princípio da presunção de inocência. Nada vale. Somos considerados culpados, até que

comprovemos a nossa inocência.

Não é este “Estado de Exceção” que nós queremos...

11. A décima miséria do processo penal brasileiro: o perigo do processo penal “fast-food”.

Recentemente, a imprensa nacional noticiou o caso de uma condenação criminal em apenas três

dias. Vejamos a notícia: “O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), por meio da Promotoria de

Justiça de Xapuri, ofereceu denúncia contra acusado de crime de roubo, ainda em audiência de custódia,

possibilitando a instrução do processo e condenação do réu no mesmo dia. No caso concreto, o réu foi preso

no dia em flagrante pela polícia após a prática de crime de roubo de um aparelho celular. No inquérito

policial, confessou o crime, bem como, foram apreendidas, em seu poder, o telefone da vítima e a arma

branca utilizada para a prática do delito. Apresentado em audiência de custódia, seu flagrante foi

devidamente homologado e a prisão convertida em preventiva. Na mesma ocasião, já foi oferecida denúncia

24

STRECK, Lenio Luiz. O PACOTE ANTICORRUPÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O FATOR MINORITY REPORT.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-03/senso-incomum-pacote-anticorrupcao-mpf-fator-minority-report, acesso

em 03 de agosto de 2016.

Page 28: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

que, devidamente recebida pelo magistrado, Luis Gustavo Alcalde Pinto, abriu vista ao advogado do réu, que

já ofereceu também em audiência a defesa preliminar. Designada a instrução processual para o mesmo dia,

restou ao réu condenado a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial semiaberto25

”.

Como se pode perceber, o réu foi condenado em apenas três dias. Pode-se afirmar que a

preocupação com a morosidade processual é superior à inquietude por uma possível justiça carente de

qualidade. Talvez porque a análise da qualidade da prestação jurisdicional exige um estudo mais complexo,

enquanto que a análise da morosidade processual exige um critério mais objetivo26

.

Daí a necessidade de se analisar o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas e

como isso pode influenciar, decididamente, na impossibilidade de acesso à justiça. Por dilações indevidas,

pode-se entender ser um conceito jurídico indeterminado que não se identifica somente com o mero

transcurso do tempo dos prazos processuais. Tal conceito exige uma análise do conteúdo concreto em cada

caso, atendendo a critérios objetivos congruentes com seu enunciado genérico27

.

Os juízes estão obrigados a garantir este direito, mesmo quando essa dilação se deva à carência

ou falta de estrutura da própria organização judicial. Não é possível restringir-se o alcance e o conteúdo

deste direito mesmo na hipótese de má administração do dinheiro público o que resulta na carência de

estrutura da própria administração pública, ao contrário, exige-se dos juízes o cumprimento de sua função

jurisdicional, garantindo a liberdade, a justiça e a segurança com a celeridade que permita a duração razoável

do processo28

.

Essa lentidão dos processos tanto pode ser causada por ações ou por omissões. A omissão faz

com que o magistrado deixe de realizar atos necessários ao bom andamento da causa, gerando morosidade

processual. De outro lado, ações indevidas como a suspensão de uma audiência indevidamente, ou a

admissão de uma prova desnecessária, podem ter caráter eminentemente protelatório29

.

A duração de um processo pode estar relacionada com a complexidade da causa ou com a

conduta pessoal das partes, que geram demoras desnecessárias, carentes de uma finalidade defensiva

25

Disponível em http://www.delegados.com.br/noticias/promotor-oferece-denuncia-em-audiencia-de-custodia-e-obtem-

condenacao-de-reu-em-apenas-3-dias#sthash.lBurUAnr.dpuf, aceso em 03 de agosto de 2016. 26

QUIRÓS, Joaquím García Bernaldo de. El derecho fundamental a um proceso sin dilaciones indebidas. Derechos procesales

fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p.414. 27

QUIRÓS, Joaquím García Bernaldo de. El derecho fundamental a um proceso sin dilaciones indebidas. Derechos procesales

fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p. 416. 28

QUIRÓS, Joaquím García Bernaldo de. El derecho fundamental a um proceso sin dilaciones indebidas. Derechos procesales

fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p.419. 29

QUIRÓS, Joaquím García Bernaldo de. El derecho fundamental a um proceso sin dilaciones indebidas. Derechos procesales

fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p. 428.

Page 29: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

plausível. Dessa forma, surgem no processo o que Zapater chamou de tempos mortos, ou seja, períodos de

tempo gastos sem efetividade para o processo30

.

Mas repita-se: não é uma celeridade a qualquer custo e de qualquer forma31

. A celeridade no

processo penal deve ser uma celeridade garantista, um verdadeiro equilíbrio entre os direitos fundamentais e

a morosidade que acaba por ser verdadeira hipótese de negação da tutela jurisdicional32

.

A morosidade do processo penal é flagrante quando estamos diante de um caso de réu preso.

Sem dúvida a prisão extemporânea ou exagerada é uma ilegalidade manifesta. Quanto mais tempo demora o

processo, mais tempo permanece o réu encarcerado, sem uma conclusão definitiva do mérito da causa.

Entretanto, a dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o réu estiver solto, pois o

processo penal, em si mesmo, já é um estigma de angústia33

.

A prisão só deve prevalecer enquanto cumpre a sua função cautelar, por isso a prisão somente

deverá ter duração tanto subsistam os motivos que a ocasionaram, devendo ser posto imediatamente em

liberdade o preso quando desaparecidos os pressupostos que concorreram para adotá-la ou quando se declare

sua inocência. A gravidade desta medida cautelar tem gerado uma necessária consciência de proteção do

direito da liberdade, daí a necessidade de fixar limites máximos para sua duração34

.

Para que seja garantido o acesso à justiça exige-se a necessidade de um processo eficaz. Para

alcançá-lo exige-se a apreciação da causa por juiz competente, uma resposta jurisdicional rápida e uma

30

ZAPATER, Enrique Bacigalupo. La noción de um proceso penal com todas las garantias. Derechos procesales fundamentales.

Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p. 509. 31

Para CANOTILHO: “Note-se que a exigência de um direito sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial em tempo

adequado, não significa necessariamente justiça acelerada. A aceleração da proteção jurídica que se traduza em diminuição de

garantias processuais e materiais (prazo de recurso, supressão de instâncias). Noutros casos, a existência de processos céleres,

expeditos e eficazes – de especial importância do direito penal mas extensiva a outros domínios- é condição indispensável de uma

proteção jurídica adequada (exemplo: prazos em casos de habeas corpus, apreciação da prisão preventiva dentro do prazo de 48

horas, suspensão da eficácia de actos administrativos, procedimentos cautelares)”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito

constitucional. 6ª. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993, p.652/653). 32

Veja a expressão de AURY LOPES JR: “Já advertimos do grave problema que constitui o atropelo das garantias fundamentais

pelas equivocadas políticas de aceleração do tempo do direito. Agora, interessa-nos o difícil equilíbrio entre os dois extremos: de

um lado, o processo demasiadamente expedito, em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais, e, de outro, aquele que

se arrasta, equiparando-se à negação da (tutela da) justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo

penal”. (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volumeI, 5ª. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 144). 33

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volumeI, 5ª. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumem Juris, 2010, p. 145. 34

VILAR, Silvia Barona. Garantías y derechos de los detenidos. Derechos procesales fundamentales. Madri: Manuales de

formación continuada, n. 22, 2004, p. 91.

Page 30: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

decisão devidamente fundamentada. Além disso, deve ser reconhecida a possibilidade de um processo em

útil, pois justiça tardia equivale à denegação de acesso à justiça35

.

A experiência histórica revela que em uma sociedade autoritária as garantias fundamentais são

reduzidas, enquanto que nas sociedades livres, as garantias fundamentais são preservadas. Por outro lado,

poder-se-ia dizer que uma maior proteção do não culpável só aumenta a possibilidade de absolver-se um

culpável. Tal fato não corresponde à realidade. Neste esquema de protótipos ideais, pode-se dizer que os

regimes autoritários, se caracterizam por um nível de baixa proteção do não culpável, com grande risco de se

condenar um inocente36

.

O julgamento das causas penais, de forma célere demais, nem sempre reflete o valor justiça. A

questão do julgamento justo exige a análise de questões extra temporais. Para que haja um julgamento justo,

o magistrado deve analisar o processo em seu aspecto formal e substancial.

Inicialmente, deve analisar se foi respeitado o aspecto formal do procedimento, ou se ocorreram

nulidades durante o curso processual. Deve analisar se foi respeitado o devido processo legal e todas as

garantias do acusado, como por exemplo, se houve ampla defesa, se o réu foi acompanhado de advogado de

sua confiança ou se foi julgado por um juiz competente.

Em seu aspecto substancial, deve o magistrado analisar o mérito da causa, decidindo as questões

de fundo com a apreciação livre das provas para chegar a uma decisão condenatória ou absolutória. Tal

decisão deve ser realizada com o devido cuidado, numa análise minuciosa de todos os fatos que circundam o

caso penal.

Para essa análise minuciosa, o tempo, muitas vezes, é necessário. A instrução processual pode

demorar e essa demora, é necessária para a conclusão justa do processo criminal. Não se pode buscar uma

celeridade a qualquer custo. Qualquer forma de violação aos direitos fundamentais do réu é arbítrio e

autoritarismo, inadmissíveis no processo penal.

No caso do Acre, não consigo acreditar que réu teve defesa ampla, já que a confissão foi

utilizada como uma prova absoluta. Por isso, a necessidade de um cuidado maior com o tempo no processo

penal. O processo penal “fast-food’ é antigarantista e, bem por isso, pode-se concluir que deve haver um

35

“A proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz. Neste sentido, ela engloba a exigência de

uma apreciação, pelo juiz, da matéria de facto e de direito, objecto do litígio ou da pretensão do particular, e a respectiva resposta

plasmada numa decisão judicial vinculativa”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª. ed. rev. Coimbra:

Almedina, 1993, p.652). 36

ZAPATER, Enrique Bacigalupo. La noción de um proceso penal com todas las garantias. Derechos procesales fundamentales.

Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004, p. 471.

Page 31: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

equilíbrio entre a dilação indevida e a celeridade antigarantista. Preferíveis as palavras de Carnelutti, tão

atuais: “A semente da verdade necessita, às vezes, de anos, ou mesmo de séculos, para tornar-se espiga... O

processo dura; não se pode fazer tudo de uma única vez. É imprescindível ter-se paciência. Semeia-se, como

o faz o camponês e é preciso esperar para colher-se... O Slogan da justiça rápida e segura, que anda na boca

dos políticos inexperientes, contém, lamentavelmente, uma contradição in adjesto: se a justiça é segura, não

é rápida; se é rápida, não é segura37

”.

12. Conclusão.

As misérias do processo penal continuam nos nossos dias, aqui reveladas em graves violações

aos direitos e garantias processuais penais. O discurso de impunidade que surge das ruas ganha força e serve

para rasgar a constituição, criando um processo penal cuja punição é buscada a qualquer custo e de qualquer

forma. Direitos não importam mais, garantias são relativizadas e o arbítrio virou a regra do sistema

processual de hoje.

Vale tudo no combate ao crime ? As regras do jogo não servem pra nada ? O discurso

punitivista extraído das ruas só revelará sua ignomínia quando o próximo acusado for um de nós,

principalmente numa acusação injusta e desmedida. Aí sim, saberemos que o processo penal é muito mais do

que um conjunto de regras de procedimento, que é, em verdade, um conjunto de garantias que jamais podem

ser violadas sob pena de retornarmos ao modelo inquisitivo, característico de governos autoritários e

ditatoriais.

Depois de tantas violações às garantias do processo penal, o indivíduo é condenado e vai

preso, sem o respeito às regras do jogo e cumpre sua pena... O processo garantista já é um martírio, um

processo fascista, ainda mais... Depois de cumprir a pena, o réu pensará que tudo terminou ... o que não é

verdade na expressão de Carnelutti: “As pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, não

é verdade; as pessoas creem que a pena termina com a saída do cárcere e não é verdade. As pessoas creem

que o cárcere perpétuo seja a única pena para toda a vida; e não é verdade. A pena não termina nunca. Quem

em pecado está perdido, Cristo perdoa, mas os homens não”.

37

CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958, p. 158.

Page 32: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

13. Referências.

BADARÓ. Gustavo. Quem está preso pode delatar?. Disponível em http://jota.uol.com.br/quem-esta-preso-

pode-delatar, acesso em 03 de agosto de 2016.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993

CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.

- As misérias do processo penal. 3ª. ed. CL Edijur – Leme/SP, 2015.

LEMOS, Bruno Espiñeira. Delação premiada e prisão preventiva (não estamos em Berlim). Disponível em

http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/delacao-premiada-e-prisao-preventiva-nao-estamos-em-berlim/,

acesso em 23 de julho de 2016.

LOPES JR, Aury. Fim da presunção de inocência pelo STF é nosso 7 a 1 jurídico. Disponível em

http://www.conjur.com.br/2016-mar-04/limite-penal-fim-presuncao-inocencia-stf-nosso-juridico, acesso em

07 de julho de 2016.

- Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volumeI, 5ª. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Lumem Juris, 2010.

PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. Trad. Roberto Leal Ferreira. São

Paulo: Editora da Universidade Paulista, 1996.

QUEIROZ, Paulo. Nemo tenetur. Disponível em http://www.pauloqueiroz.net/nemo-tenetur/ acesso em 26

de julho de 2016.

QUIRÓS, Joaquím García Bernaldo de. El derecho fundamental a um proceso sin dilaciones indebidas.

Derechos procesales fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004.

Page 33: AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL - advfp.com.br · AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL ATUAL Por Fabiano Pimentel – Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal

STRECK, Lênio Luiz. Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-julgado,

acesso em 07 de julho de 2016.

- O PACOTE ANTICORRUPÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O FATOR MINORITY REPORT.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-03/senso-incomum-pacote-anticorrupcao-mpf-fator-

minority-report, acesso em 03 de agosto de 2016.

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2ª.ed. São Paulo: RT, 2004.

VILAR, Silvia Barona. Garantías y derechos de los detenidos. Derechos procesales fundamentales. Madri:

Manuales de formación continuada, n. 22, 2004.

ZANELLATO, Vilvana Damiani. Teste de Integridade: 1ª Medida contra a Corrupção. Disponível em

http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/teste-de-integridade-1a-medida-contra-a-corrupcao/, acesso em

27 de julho de 2016.

ZAPATER, Enrique Bacigalupo. La noción de um proceso penal com todas las garantias. Derechos

procesales fundamentales. Madri: Manuales de formación continuada, n. 22, 2004.