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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
AS MUDANÇAS ESTRUTURAIS DA INDÚSTRIA MUNDIAL DO CARVÃO:
1990-2007
FELIPE ROSSETTI HECK matrícula nº 104042958
ORIENTADOR: Helder Queiroz Pinto Jr.
SETEMBRO 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
AS MUDANÇAS ESTRUTURAIS DA INDÚSTRIA MUNDIAL DO CARVÃO:
1990-2007
________________________________________ FELIPE ROSSETTI HECK
matrícula nº 104042958
ORIENTADOR: Helder Queiroz Pinto Jr.
SETEMBRO 2008
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A Aline, pela paciência e amor incondicional, mesmo nos momentos mais difíceis desta jornada. Aos meus pais, que me ensinaram que o maior bem que um homem pode adquirir é o conhecimento.
5
AGRADECIMENTOS
Esta monografia foi desenvolvida no âmbito do Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, o qual visa incentivar a formação de mão-de-obra especializada, em resposta à expansão da indústria do petróleo e do gás natural. Portanto, agradeço inicialmente à ANP pela oportunidade que me foi oferecida, e a todos os professores e funcionários do PRH-21.
Agradeço ao Prof. Helder Queiroz Pinto Jr. pela excelente orientação, e por todos os ensinamentos transmitidos não apenas nas disciplinas que tive a oportunidade de ser seu aluno, mas em todo o período que pudemos trabalhar em conjunto.
Agradeço ao Instituto de Economia da UFRJ e a todos os seus docentes, pelo curso de excelente qualidade oferecido aos seus alunos.
Por fim, agradeço à minha família e aos meus amigos, por todo o apoio e incentivo que foi me dado não só nesta etapa, mas durante toda a minha vida.
6
RESUMO A elevação dos preços internacionais dos hidrocarbonetos, principalmente do petróleo, tem levado países a buscar diversas fontes alternativas para o suprimento de energia. Neste contexto, desde o ano 2000, a demanda mundial por carvão mineral tem crescido de forma ininterrupta, principalmente nos países asiáticos emergentes, sendo notada uma aceleração deste crescimento nos anos mais recentes.
Tendo isso em vista, este trabalho procurou analisar os principais vetores do crescimento recente da demanda, bem como a sustentabilidade desse crescimento frente aos problemas ambientais decorrentes do consumo de carvão mineral no mundo.
Os resultados obtidos mostram que, não obstante os problemas relativos às mudanças climáticas, o carvão mineral continuará sendo um importante recurso para a segurança do abastecimento energético, principalmente no que concerne à geração de eletricidade. Apesar das externalidades negativas geradas pela sua utilização, diversas tecnologias têm surgido com o objetivo de melhorar a eficiência e reduzir tais externalidades. Dadas as abundantes reservas mundiais, a sustentabilidade do aumento da demanda por carvão dependerá do grau de desenvolvimento de tecnologias “clean coal” e da evolução futura da concorrência inter-energética.
7
ÍNDICE INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
CAPÍTULO I: A ECONOMIA DE UM RECURSO NATURAL EXAURÍVEL..............12
I.1 - Conceito e Classificação de Recursos Naturais .......................................12
I.1.1 – Conceito de recursos naturais ..............................................................................12
I.1.2 – Classificação dos recursos naturais......................................................................12
I.1.3 – Recursos naturais não-renováveis: recursos e reservas .......................................13
I.2 – Teoria da Extração Ótima de um Recurso Não Renovável......................15
I.2.1 – O ritmo de extração..............................................................................................15
I.2.2 – A Regra de Hotelling ...........................................................................................16
I.3 –O Indicador Reservas/Produção.................................................................18
I.3.1 – Reservas de Carvão Mineral ................................................................................18
I.3.2 - Produção de Carvão Mineral ................................................................................20
I.3.3 – O Indicador R/P ...................................................................................................22
CAPÍTULO II: PANORAMA INTERNACIONAL DA INDÚSTRIA DO CARVÃO......25
II.1 – O Papel do Carvão na Geração Elétrica ...................................................25
II.1.1 – Geração elétrica na Ásia .....................................................................................25
II.1.2 – Geração elétrica na União Européia ...................................................................26
II.I.3 – Geração elétrica nos EUA...................................................................................27
II.2 – Panorama internacional e geopolítica do carvão....................................28
II.2.1 - A evolução do consumo mundial ........................................................................28
II.2.2 – O papel da Ásia ..................................................................................................30
II.2.3 – O papel dos EUA................................................................................................30
II.2.4 – O papel da Rússia ...............................................................................................31
II.2.5 – O comércio internacional....................................................................................32
II.2.6 – A evolução dos preços........................................................................................34
II.3 – Projeções de Demanda de Carvão............................................................35
II.3.1 – Cenário da AIE ...................................................................................................35
II.3.2 – O cenário da Comissão Européia........................................................................39
II.3.3 – Os desafios do carvão mineral............................................................................40
8
CAPÍTULO III - AS POSSIBILIDADES DE UM CARVÃO MAIS LIMPO .................43
III.1 – O Problema Ambiental..............................................................................43
III.1.1 – As emissões de carbono ....................................................................................43
III.2 – O Conceito de “clean coal”: Internalizando as Externalidades ............45
III.2.1 – O conceito .........................................................................................................45
III.2.2 – As tecnologias para o aumento da eficiência da geração a carvão....................46
III.2.3 – Captura e estocagem de carbono.......................................................................48
III.2.4 – Usos alternativos do carvão: o CTL..................................................................49
CONCLUSÃO ...........................................................................................................51
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................53
ANEXO I – EVOLUÇÃO DA DEMANDA DOS 25 MAIORES CONSUMIDORES DE CARVÃO MINERAL .................................................................................................55
9
ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS Figura 1.1 – Caixa de MacKelvey............................................................................................15
Figura 3.1 – Os três estágios do “Clean Coal” ........................................................................45
Gráfico 1.1 – Reservas de Carvão Mineral – Distribuição Mundial - 2007.............................19
Gráfico 1.2 – Reservas Mundiais de Carvão Mineral – 2007 ..................................................19
Gráfico 1.3 - Produção Mundial de Carvão Mineral ................................................................20
Gráfico 1.4 – Produção Mundial de Carvão – Participação Regional......................................21
Gráfico 2.1 – Participação do carvão na Geração Elétrica na EU em 2005 .............................26
Gráfico 2.2 - Custo de Geração (€c/kWh) em 2005.................................................................27
Gráfico 2.3: Geração de Eletricidade por fonte nos EUA em 2006 .........................................27
Gráfico 2.4 - Consumo mundial de carvão entre 1990 e 2007.................................................29
Gráfico 2.5 - Distribuição do consumo mundial de carvão por regiões ...................................29
Gráfico 2.6 – Comércio Internacional de Carvão: Cenário AIE ..............................................34
Gráfico 2.7 – Evolução dos Preços do Carvão .........................................................................35
Gráfico 2.8 – Incremento esperado da geração mundial por fonte: projeção AIE ...................38
Gráfico 2.9 - Incremento na Geração Elétrica a Carvão entre 2004-2030: Cenário AIE.........38
Gráfico 2.10 – Demanda Mundial de Energia Primária: Cenário WETO................................39
Gráfico 2.11 – Geração Mundial de Eletricidade: Cenário da Comissão Européia .................40
Gráfico 3.1 – Mudanças na Distribuição das Emissões de CO2 do Consumo de Combustíveis
Fósseis ......................................................................................................................................44
Tabela 1.1 – O indicador R/P para o carvão mineral em 2007: mundial e por continentes .....23
Tabela 1.2 – O indicador R/P para o carvão mineral em 2007: cinco maiores produtores ......24
Tabela 2.1 - Evolução da Participação do Carvão na Geração Elétrica da Ásia – em %.........25
Tabela 2.2 – Exportadores e Importadores de Carvão em 2006...............................................33
Tabela 2.3 - Demanda Mundial de Carvão (Milhões de Toneladas) – Cenário AIE ...............37
Tabela 3.1 – Tecnologias de aumento da eficiência das usinas a carvão .................................48
Tabela 3.2 – Usinas de geração elétrica planejadas para a Europa ..........................................49
10
INTRODUÇÃO
Com os consecutivos recordes dos preços do petróleo registrados recentemente, e
concomitante aumento dos preços do gás natural, novas e antigas fontes de energia têm se
tornado mais vantajosas economicamente.
Por um lado, energias renováveis e em processo de desenvolvimento, como as
energias solar, eólica, de biocombustíveis e uma variedade de resíduos orgânicos. Tais
tecnologias apresentam a vantagem de, além serem renováveis, apresentarem baixo índice de
emissões de CO2, uma importante vantagem para o combate às mudanças climáticas.
Entretanto, existem desvantagens: no caso da energia eólica, incertezas relacionadas à não-
estocabilidade do combustível; os biocumbustíveis têm gerado discussões mundiais
relacionadas com a concorrência entre a produção desse energético e a produção de alimentos;
a produção de energia através de resíduos orgânicos ainda se encontra em fase de
desenvolvimento.
Visando atender a um dos principais objetivos de política energética, a segurança do
abastecimento, governos têm se voltado para duas fontes já desenvolvidas e em processo de
atualização: carvão e energia nuclear.
A energia nuclear apresenta algumas vantagens como a baixa emissão de carbono no
processo como um todo, a disponibilidade de combustível proveniente de regiões com relativa
estabilidade política e o desenvolvimento tecnológico que tem tornado os reatores mais
baratos e seguros de operar. Ao mesmo tempo, usinas nucleares apresentam um custo variável
muito baixo, fazendo com que seus custos totais de geração elétrica sejam relativamente
insensíveis a aumentos futuros nos preços do combustível, mais especificamente, o urânio.
Entretanto, tais usinas ainda apresentam elevado custo fixo e longo tempo de construção,
quando se considera, também, o período relativo à obtenção de licenças. Nesse sentido,
governos têm atuado de forma a reduzir as barreiras regulatórias para essa fonte de energia e,
possibilitando assim, um maior interesse no investimento nesse tipo de planta por parte das
empresas privadas.
Em outra vertente encontra-se o carvão, um energético que havia entrado em processo
de regressão do seu consumo, e considerado um vilão no combate ao aquecimento global.
Apesar desses problemas, dados apontam para o aumento da demanda de carvão e para a
11
manutenção deste mineral como um importante recurso para a matriz energética mundial,
principalmente no que concerne à geração de energia elétrica.
A grande questão que se coloca são os fatores que explicam o recrudescimento da
demanda mundial de carvão a partir do início do século XXI, uma vez que o consumo deste
mineral, segundo expectativas, estava fadado a um franco processo de regressão com a
entrada de um novo século. Conforme destacou Martin-Amouroux (2008), “comment, de
grand perdant de l`histoire énergétique du XX siècle, le charbon est-il revenu sur le devant de
la scène ?” (p.13). A resposta desta questão passa, necessariamente, pela análise da
importância representada pelo carvão na geração de energia elétrica no mundo.
Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os traços marcantes das
estruturas de oferta e demanda de carvão no mundo, bem como os principais vetores do
crescimento do consumo entre 1990 e 2007 . Dessa forma, será possível avaliar a
sustentabilidade do crescimento da demanda por carvão, tendo em vista o volume de reservas
e os problemas ambientais relativos ao consumo desse energético . A hipótese que guiará esse
trabalho é a de que, não obstante as crescentes discussões que envolvem as mudanças
climáticas, o carvão mineral continuará tendo um importante papel enquanto recurso para a
matriz energética mundial.
Para tal objetivo, esta monografia será composta de três capítulos. No primeiro, será
feita uma revisão sobre os aspectos teóricos da Economia dos Recursos Naturais Exauríveis.
No segundo capítulo será feita uma análise do panorama internacional da indústria de carvão.
Nesse capítulo também serão examinadas as principais projeções de oferta e demanda desse
mineral. Por fim, o capítulo três avaliará, após uma breve contextualização sobre os
problemas ambientais, as possibilidades e custos de um carvão mais limpo, através de
tecnologias chamadas de “Clean Coal Technologies”.
12
CAPÍTULO I: A ECONOMIA DE UM RECURSO NATURAL EXAURÍVEL
Neste capítulo serão analisadas as principais questões relativas à economia dos
recursos naturais, mais especificamente para o caso dos recursos esgotáveis. Em seguida, será
apresentada a teoria da extração ótima dos recursos não renováveis, assim como a “Regra de
Hotelling”. Por fim, será feita a introdução de um indicador para avaliação da durabilidade
esperada das reservas, o indicador Reservas/Produção, através da exemplificação para o caso
do carvão mineral.
I.1 - Conceito e Classificação de Recursos Naturais
I.1.1 – Conceito de recursos naturais Os recursos naturais já exerciam um papel central na análise econômica na segunda
metade do século XVIII, com as teses fisiocráticas sobre a origem agrária do excedente.
Entretanto, a importância desses recursos foi diluída ao longo do tempo. Somente nos anos
1970 foram reintroduzidos na análise econômica, através de trabalhos isolados feitos em anos
anteriores, como o famoso artigo de 1931 de Hotelling sobre as regras para “uso ótimo de
recursos naturais esgotáveis”.
Esse tipo de recurso representa um tipo especial de capital: o capital natural, capaz de
prover um fluxo de bens e serviços que garantem a manutenção e melhora da qualidade de
vida das sociedades humanas. Segundo Silva (2003), a economia dos recursos naturais é
interpretada como um “campo da teoria econômica que emerge das análises neoclássicas a
respeito da utilização das terras agrícolas, dos minerais, dos peixes, dos recursos florestais
madeireiros e os não-reprodutíveis” (p.34).
Dessa forma, a microeconomia neoclássica fornece as ferramentas necessárias ao
estudo do “uso ótimo” de tais recursos.
I.1.2 – Classificação dos recursos naturais O principal critério para a classificação dos recursos naturais tem sido a capacidade de
recomposição de um recurso quando considerado um horizonte de tempo humano. Assim, os
recursos podem ser classificados em renováveis (reprodutíveis) ou não-renováveis
(exauríveis). Dentre os renováveis podem-se destacar as florestas, a água, o solo, etc. Dentre
13
os não-renováveis se encontram os recursos minerais, que podem ser divididos em metálicos
(ferro, chumbo, etc.) ou energéticos (hidrocarbonetos e o carvão mineral). Apesar desta
classificação, é necessário considerar-se a possibilidade de que um recurso renovável possa
ser exaurido, como é o caso da exploração predatória dos solos, florestas e mananciais de
água. Uma classificação mais concreta para a diferenciação entre recursos reprodutíveis e
exauríveis é apresentada por Brown et al. (1994):
Um recurso que é extraído mais rápido do que é reabastecido por processos naturais é um recurso não-renovável. Um recurso que é reposto tão rápido quanto é extraído é certamente um recurso renovável. (p. 74).
Dessa forma, a avaliação da reprodutibilidade de um recurso natural passa pela análise
e comparação entre a taxa de recomposição natural e a taxa de extração. Uma vez que a taxa
de recomposição se mantém superior à taxa de extração, certamente o recurso natural poderá
ser considerado como reprodutível. No caso dos recursos não-renováveis por definição, como
o caso dos combustíveis fósseis, a taxa de recomposição é considerada nula.
I.1.3 – Recursos naturais não-renováveis: recursos e reservas Considerando que os recursos minerais foram formados por processos que se
estenderam por milhões de anos, o estoque desses recursos deve ser visto como estático e
finito. Dessa forma, existe na natureza um número finito de jazidas de recursos minerais.
Entretanto é importante frisar que nem todos os depósitos de minerais são viáveis econômica
e tecnologicamente. Considerando uma dada tecnologia para um dado instante de tempo, os
recursos naturais exauríveis podem ser classificados em três tipos, de acordo com o grau de
conhecimento que se tem sobre o depósito e com os custos relativos à sua extração: recursos
hipotéticos, recursos e reservas.
Os recursos hipotéticos são representados por recursos conhecidos ou desconhecidos,
mas que sejam passíveis de existência na crosta terrestre em algum grau. Já os recursos são de
existência conhecida, porém não possuem um nível de detalhamento que permita a avaliação
dos critérios tecnológicos e econômicos de sua extração. As reservas podem ser definidas
como o volume de um recurso exaurível, cuja existência foi delimitada fisicamente, e que é
passível de ser extraído de uma jazida através da utilização de tecnologia conhecida e de
forma economicamente viável. O conceito de reservas pode ainda ser desmembrado em
diferentes tipos de reservas, de acordo com o grau de certeza de sua existência. Para o caso
particular do petróleo, as reservas são divididas em provadas, prováveis e possíveis. As
14
reservas provadas são definidas como o volume de óleo que pode ser extraído de uma jazida
com elevado grau de certeza1, tratando-se de reservas já comprovadas através da perfuração
de poços. As reservas prováveis são aquelas recuperáveis com um grau de certeza menor2. Já
as reservas possíveis são representadas pelos volumes que se estima produzir em campos
cujos trabalhos de prospecção ainda não foram encerrados, possuindo um grau de certeza
ainda menor.
A classificação recursos/reservas implica que, tanto as descobertas de jazidas como o
desenvolvimento de novas tecnologias que reduzam os custos de extração, gerem um aumento
na quantidade de reservas de determinado mineral. Ao mesmo tempo, uma elevação no preço
de mercado desse mineral pode tornar lucrativa a exploração de determinados recursos,
convertendo-os em reservas. Como exemplo, pode-se citar o desenvolvimento da exploração e
produção de petróleo em águas ultraprofundas, cuja tecnologia tem se tornado cada vez mais
viável economicamente, dados os elevados preços do óleo. É importante destacar que não
existe um critério pré-determinado e único para a determinação de reservas, variando muito
de acordo com os interesses das empresas e dos governos. Dessa forma, os números relativos
às reservas devem ser utilizados com muito cuidado, dado que o verdadeiro volume de um
recurso exaurível que pode ser aproveitado de um campo só será obtido no final do ciclo de
exploração do mesmo.
As reservas, recursos e recursos hipotéticos podem ser representados através da Caixa
de MacKelvey. A base e o topo da caixa representam os critérios técnicos, de acordo com o
conhecimento do subsolo. Nas laterais é apresentado o critério econômico, dado pela relação
entre preço do minério e custo de extração. No canto superior esquerdo encontram-se as
reservas, uma interseção entre os recursos conhecidos e econômicos, ou seja, cuja relação
preço/custo é superior a um. No canto inferior esquerdo estão os recursos condicionais, cuja
existência é conhecida, porém subeconômica. No lado direito estão os recursos hipotéticos
que, independente de econômicos ou não, ainda são desconhecidos.
1 Conhecidas como reservas P90, ou seja, com 90% de probabilidade de ocorrência. 2 Conhecidas como reservas P50, ou seja, com 50% de probabilidade de ocorrência.
15
Figura 1.1 – Caixa de MacKelvey
FONTE: SILVA (2003)
I.2 – Teoria da Extração Ótima de um Recurso Não Renovável
I.2.1 – O ritmo de extração
Para que se possa fazer uma análise do ritmo de extração dos recursos exauríveis, faz-
se necessária a introdução da dimensão temporal. Segundo Silva (2003), “decisões
intertemporais implicam opções feitas no presente, mas que apresentam conseqüência no
futuro” (p.37). Dessa forma, um ritmo de extração mais acelerado revela uma preferência
pelo consumo presente das reservas, em detrimento do futuro. Ao mesmo tempo, um “custo
de uso” deverá ser pago às gerações futuras como forma de compensação pela exaustão do
recurso. Esse “custo de uso” representa a base teórica para a cobrança dos royalties sobre a
produção.
As variáveis que influenciarão as decisões intertemporais serão a taxa de desconto (δ),
que representa as condições pelas quais o dinheiro ou determinados bens podem ser trocados,
no presente, por dinheiro ou bens no futuro, e o valor presente líquido de custos (VPL), que
corresponde o fluxo de renda futuro descontado para o presente através da taxa de desconto.
Dessa forma, o VPL será dado por:
VPL = VF/(1+δ) + VF/(1+ δ)2 + VF/(1+ δ)3 + VF/(1+ δ)n
16
Um aumento da taxa de desconto fará com que o valor presente líquido das reservas
diminua. A perda de valor desses ativos estimulará a aceleração do ritmo de extração por
parte dos produtores, em busca de uma monetizarão mais rápida das reservas. Por outro lado,
uma queda da taxa de desconto tornará o valor presente líquido maior, o que significará uma
valorização dos ativos “em mãos”. Neste caso, haverá um estímulo à redução do ritmo de
extração. É através de sua influência sobre as taxas de juros, considerada uma proxy da taxa
de desconto, que as políticas monetárias governamentais influenciam o ritmo de extração de
recursos exauríveis. Uma política monetária restritiva, que acarrete uma elevação da taxa de
juros, tende a acelerar a velocidade de extração. Uma política expansionista estimula a
desaceleração da extração.
A análise do ritmo de extração exige, ao mesmo tempo, uma avaliação de custos.
Considerando uma análise microeconômica de concorrência perfeita, a eficiência econômica
será obtida quando o preço do produto final se igualar aos custos marginais de produção. Se o
preço for superior ao custo marginal, o produtor ficará estimulado a aumentar sua produção,
uma vez que obterá lucro através da produção de unidades adicionais. Se o preço estiver
abaixo do custo marginal, o produtor reduzirá sua produção até que o custo marginal se iguale
ao preço, alcançando assim a eficiência econômica.
I.2.2 – A Regra de Hotelling
Em seu artigo de 1931, denominado The Economics of Exhaustible Resources,
Hotelling procurou analisar de forma econômica a trajetória “ótima” de exploração de
recursos exauríveis. O modelo apresenta os seguintes pressupostos:
• O detentor da reserva é um proprietário privado atuando em concorrência perfeita.
• A procura acumulada que esgota o estoque do recurso é decrescente em relação ao
preço do recurso que, por sua vez, se esgota na data t.
• O volume inicial da reserva é conhecido.
• O custo marginal é nulo ou constante.
• A informação é perfeita ao longo de toda a extração.
• A taxa de preferência do produtor (taxa de atualização ou de desconto) é constante e
igual à taxa de juros (δ).
17
Os resultados apresentados por Hotelling indicam que a exploração eficiente de uma
jazida ocorre de modo ótimo quando o preço líquido do minério evolui ao mesmo ritmo da
taxa de desconto. Dessa forma, pode-se concluir que o investimento em estoque, reservas
nesse caso, deve ser tão atraente quanto o investimento em outros ativos. Os ganhos de capital
devem ser iguais ao custo de oportunidade, ou seja, os ganhos que outra aplicação
proporcionaria ao produtor. Assim, o proprietário de uma jazida somente estará estimulado a
conservá-la se o seu valor crescer à taxa igual ou superior à taxa de desconto. Caso contrário,
haverá uma preferência intertemporal pelo presente que acarretará uma aceleração no ritmo de
exploração. Uma segunda implicação do modelo de Hotelling é a existência do fenômeno de
esgotamento da reserva, que se reflete na escassez da oferta ao longo do tempo, resultando na
elevação dos preços do recurso e na conseqüente redução da procura. No ponto em que o
recurso se esgota, o preço será máximo e a procura cessará totalmente.
A análise de Hotelling demonstra que o ritmo de utilização dos recursos é uma
variável depende do valor econômico dos mesmos. Em uma economia de mercado, o preço é
o instrumento sinalizador da escassez relativa do recurso. Dessa forma, a taxa de extração será
tanto menor quanto maior for o valor do recurso em estoque. Dentre os fatores que
contribuem para a valorização do recurso, e consequentemente para sua extração mais lenta,
estão a elevação da demanda, o esgotamento de fontes alternativas e a descoberta de novos
usos para o recurso. Ao mesmo tempo, a taxa de utilização de um recurso não-renovável será
diretamente proporcional à taxa de desconto. Uma elevação da taxa de juros fará com que os
investimentos tendam à queda, o que inclui o investimento em estoques. Assim, será
acelerado o ritmo de extração. Ao mesmo tempo, taxas de juros elevadas indicam forte
valorização do consumo presente pela sociedade, condição em que a maximização do
beneficio social requer maior taxa de extração.
A primeira crítica ao Modelo Hotelling ressalta a existência de mercados imperfeitos,
tais como monopólios, e a presença de externalidades. No mercado de minerais, a presença de
grandes empresas monopolistas é mais uma regra do que uma exceção. A presença de
externalidades também é um importante fator a ser considerado, uma vez que apenas uma
parcela dos custos de produção é efetivamente paga por quem extrai, principalmente no que
concerne à propriedade de uso comum. Outra crítica a ser destacada decorre do fato de que o
desconhecimento da demanda futura leva à adoção da hipótese de que ela será igual à
presente, conduta essa que desconsidera totalmente os valores das gerações futuras. Ao
mesmo tempo, as profundas discrepâncias entre as taxas de desconto social e de mercado
18
comprometem a possibilidade de alocação dos recursos de forma a otimizar o bem-estar
social.
I.3 –O Indicador Reservas/Produção Nesta seção, será apresentado um critério para avaliação da expectativa de duração das
reservas, o indicador Reservas/Produção. Entretanto, inicialmente será feita uma análise dos
dois componentes desse indicador para o caso do carvão mineral, uma vez que este se
apresenta como objeto de estudo deste trabalho. Posteriormente, esses componentes serão
utilizados para exemplificar a utilização do indicador.
I.3.1 – Reservas de Carvão Mineral
Assim como todos os combustíveis fósseis, o carvão mineral é formado por uma
complexa e variada mistura de componentes orgânicos sólidos e fossilizados ao longo de
milhões de anos. A qualidade desse recurso mineral é representada pela quantidade de
carbono contida em sua estrutura. Dessa forma, o carvão mineral é dividido em classificações,
de acordo com esse critério, de forma a determinar sua qualidade: a turfa, um dos primeiros
estágios do carvão, possui cerca de 45% de conteúdo carbonífero; em um estágio seguinte, o
lignito possui de 60% a 75% de carbono; o carvão betuminoso, o mais utilizado como fonte
combustível, contém de 75% a 85% de carbono; por fim, o antracito se apresenta como o tipo
de carvão mineral mais puro e de melhor qualidade, com mais de 90% de conteúdo
carbonífero em sua estrutura. Ao mesmo tempo, as reservas variam quanto à sua localização e
custos de extração: reservas mais próximas à superfície apresentam um custo de extração mais
baixo relativamente às reservas mais profundas.
Segundo dados da British Petroleum3, as reservas mundiais de carvão mineral foram
estimadas ao final de 2007 em 847.488 milhões de toneladas. Existem reservas em todos os
continentes, entretanto há uma concentração maior na Europa e Eurásia, América do Norte,
Ásia e Oceania.
Em 2007, Europa e Eurásia possuíam 32,1% das reservas mundiais de carvão mineral,
com um total estimado de 272.246 milhões de toneladas, sendo 37,5% dos tipos antracito e
betuminoso. Ao mesmo tempo, Ásia e Oceania possuíam 30,4% das reservas mundiais de
carvão mineral, com um total de 257.465 milhões de toneladas, sendo cerca de 60% de carvão
antracito e betuminoso. Já a América do Norte era responsável por 29,6% dessas reservas, 3 BP Statistical Review of World Energy June 2008
19
com um total de 250.510 milhões de toneladas, sendo 46% de antracito e betuminoso.. O
gráfico I.1 apresenta a distribuição das reservas de carvão mineral no mundo para o ano de
2007.
Gráfico 1.1 – Reservas de Carvão Mineral – Distribuição Mundial - 2007
O volume de reservas estimado para cada região considerada, bem como a
participação dos diferentes tipos de carvão, é apresentado no Gráfico I.2. Destaca-se o fato de
o Oriente Médio, apresar da abundância em petróleo, possuir apenas 0,2% das reservas
mundiais de carvão, com um total de 1.386 milhões de toneladas. Dessa forma, políticas
energéticas voltadas para o carvão mineral tendem a diminuir a dependência energética do
mundo em relação aos países dessa região.
Gráfico 1.2 – Reservas Mundiais de Carvão Mineral – 2007
20
Ao todo, 74 países possuem reservas de carvão mineral. Entretanto, é possível notar
uma relativa concentração dessas reservas. As cinco maiores se encontram nos Estados
Unidos (242.721 milhões de toneladas), Rússia (157.010 milhões de toneladas), China
(114.500 milhões de toneladas), Austrália (76.600 milhões de toneladas) e Índia (56.498
milhões de toneladas). Juntos, esses cinco países são detentores de 76,4% das reservas
mundiais de carvão mineral.
I.3.2 - Produção de Carvão Mineral Nas últimas duas décadas, a indústria mundial de produção de carvão mineral tem
passado por importantes mudanças estruturais. Segundo dados da British Petroleum4, a
produção mundial de carvão aumentou de 4.718 milhões de toneladas em 1990 para 6.395
milhões de toneladas em 2007, o que corresponde a um crescimento de 35,5% para o período
e uma taxa média de crescimento anual de 1,8%. Entretanto, é possível notar um aumento
contínuo da produção após o ano 2000, e uma aceleração nesse aumento após o ano de 2002.
Entre os anos de 2002 e 2007, a produção mundial cresceu com uma taxa média anual de
5,7%.
Gráfico 1.3 - Produção Mundial de Carvão Mineral
Até 1985, o continente europeu era o maior produtor mundial deste mineral, seguido
pelo conjunto Ásia e Oceania e pela América do Norte. A partir de então, sua produção tem
declinado. Entre 1990 e 2007, ocorreu um decréscimo de 35% da produção conjunta da
4 BP Statistical Review of World Energy June 2008
21
Europa e Eurásia. Ao mesmo tempo, o conjunto Ásia e Oceania apresentou um crescimento
da produção superior a 127% para o mesmo período, com uma taxa média de crescimento de
quase 5% ao ano. Entre 2002 e 2007, essa taxa se acelerou para 9,6% a.a. A América do Norte
apresentou um crescimento na produção de apenas 11% entre 1990 e 2007.
Dessa forma, ocorreram grandes mudanças na distribuição regional da produção
mundial: em 1990, Europa e Eurásia ainda eram responsáveis por 39,6% do carvão produzido
no mundo, enquanto o conjunto Ásia e Oceania era responsável por 34,5% e a América do
Norte por cerca de 20%. Em 2007, a participação da Ásia e Oceania tinha atingido 57,9% do
total produzido, em detrimento da produção da Europa e Eurásia, que atingiu o patamar de
19%. O Gráfico I.4 apresenta mais claramente a mudança questão:
Gráfico 1.4 – Produção Mundial de Carvão – Participação Regional
No que tange aos países, os cinco maiores produtores em 1990 eram China, EUA,
URSS, Alemanha Oriental e Índia. Em 2007, China e EUA se mantiveram como os dois
maiores produtores, seguidos por Índia, Austrália e Rússia. Entre 1990 e 2007, a produção
chinesa apresentou um salto de 135%, enquanto a americana aumentou apenas 11%. Índia e
Austrália também apresentam um crescimento significativo na produção, com um aumento de
114% e 87% respectivamente entre os anos analisados. Ao mesmo tempo, observa-se um
aumento na concentração na estrutura produtiva: o CR55 para a produção de carvão aumentou
de 68% em 1990 para 74% em 2007.
De forma resumida, pode-se destacar três importantes mudanças na indústria mundial
de produção de carvão mineral: primeiro, o aumento significativo da produção do conjunto
5 O CR5 representa uma razão de concentração de ordem cinco. Trata-se de um índice positivo que fornece a parcela de mercado dos cinco maiores produtores da indústria. De maneira mais geral, para os k maiores produtores da indústria, o CR(k) = ∑ Sk, onde Sk representa a parcela de mercado de cada produtor. Quanto maior for o valor do índice, maior será o poder de mercado dos k maiores produtores.
22
Ásia e Oceania, em função principalmente das altas taxas de crescimento da produção chinesa
somadas à elevação nas produções de Índia e Austrália. Segundo, tal crescimento se deu em
detrimento da produção européia. A queda da produção desse continente pode ser explicada,
em parte, pela busca de uma maior eficiência energética por parte dos governos e, mais
recentemente, pela tentativa de redução nas emissões de carbono. Terceiro, observa-se uma
elevação da concentração na estrutura produtiva do carvão, principalmente em função do
“efeito China”. Em 2007 o país já produzia 40% de todo o carvão mundial.
I.3.3 – O Indicador R/P Os volumes de recursos e reservas, assim como a capacidade de produção, dependem
ainda de uma série de variáveis. Segundo Pinto Jr. et al (2007), pode-se destacar: (i) o
desenvolvimento tecnológico na exploração prospectiva; (ii) a evolução dos preços do
mineral; (iii) a evolução da demanda; (iv) a evolução das taxas de juros. Os recursos e
reservas delimitam a produção em um prazo mais longo. Já no curto e médio prazos, o ritmo
de produção é limitado pela “capacidade de produção disponível sustentável” (Pinto Jr. et al,
2007. p.52). Esse limite pode ser medido através de um indicador conhecido como R/P, o qual
relaciona a disponibilidade de reservas com o ritmo de produção em um dado instante no
tempo. Dessa forma, esse indicador estabelece a duração esperada das reservas, em anos, dado
o ritmo de extração. Entretanto, deve-se destacar o fato desse indicador não considerar a
dinâmica de novas descobertas, a qual é fundamental para a elaboração das estratégias de
longo prazo dos produtores. Essa dinâmica pode ser incorporada através da relação:
R (t + 1) = R (t) + D (t) – P (t) (1)
onde :
R (t + 1): volume de reservas provadas no ano t + 1.
R (t): volume de reservas provadas no ano t.
D (t): volume de descobertas no ano t.
P (t): produção no ano t.
A manutenção de determinado nível do indicador R/P depende ainda do
comportamento da demanda. Definido r como a relação reservas/produção e considerando o
crescimento da demanda igual ao da produção e igual a n, o indicador r será dado por:
r = R(t) / P(t)
23
substituindo em (1), obtém-se:
D(t) = r P(t + 1) – r P(t) + P(t) = P(t) [r (1 + n) – r + 1]
ou
D(t) = P(t) [1 + rn]
Através dessa expressão é possível concluir que o ritmo de descobertas é uma função
da produção anual, do R/P e da taxa de crescimento da demanda.
Considerando o caso do carvão mineral, o indicador R/P mundial encontrava-se no
patamar de 133 anos no ano de 2007. América do Norte, Europa e Eurásia apresentaram um
patamar de 224 anos. Ao mesmo tempo, Ásia e Oceania possuíam um R/P de “apenas” 70
anos. A tabela I.1 apresenta resumidamente os níveis do indicador para os continentes e para o
mundo.
Tabela 1.1 – O indicador R/P para o carvão mineral em 2007: mundial e por continentes
Com relação aos cinco maiores produtores de carvão, Rússia e Estados Unidos
possuíam os maiores níveis de R/P em 2007, com 500 e 234 anos respectivamente. Tais níveis
demonstram que o carvão mineral se apresenta como um importante recurso esses países. No
caso americano, os elevados preços do petróleo e do gás tornam o carvão mais atrativo
enquanto fonte de energia, principalmente no que tange à redução da dependência energética.
No caso da Rússia, a utilização de carvão mineral possibilita maiores saldos exportáveis de
gás natural Ao mesmo tempo, nota-se uma relativa superexploração das reservas chinesas,
cujo indicador R/P se encontrava no patamar de apenas 45 anos em 2007. Os níveis do
indicador para os cinco maiores produtores de carvão mineral são apresentados na tabela I.2.
25
CAPÍTULO II: PANORAMA INTERNACIONAL DA INDÚSTRIA DO CARVÃO Este capítulo analisará inicialmente o papel do carvão mineral enquanto insumo para a
geração de eletricidade no mundo. Posteriormente, serão avaliados os traços marcantes da
estrutura de demanda de carvão, assim como os principais vetores e características do
crescimento recente do consumo. Por fim, serão apresentadas as principais projeções para a
demanda de carvão e os desafios futuros ao aumento de sua utilização.
II.1 – O Papel do Carvão na Geração Elétrica
II.1.1 – Geração elétrica na Ásia
O carvão se apresenta como um recurso de extrema importância para a geração elétrica
mundial. No caso dos países asiáticos, historicamente os governos têm optado pelo
desenvolvimento da geração a carvão. Dada a abundancia desse mineral na região, o não
aproveitamento desses recursos iria de encontro aos objetivos de segurança no abastecimento
e redução da vulnerabilidade externa. A Tabela 2.1 apresenta a evolução da estrutura de
geração elétrica a carvão nos principais países asiáticos. Destaca-se o fato de China e Índia
terem aumentado significativamente a parcela de eletricidade gerada a carvão. Além disso,
economias que não possuíam termelétricas a carvão nos anos 1970, passaram a depender
deste insumo para a geração de eletricidade. No caso da Indonésia, a participação do carvão
no parque de geração saltou de zero para mais de 40% em um período de duas décadas.
Tabela 2.1 - Evolução da Participação do Carvão na Geração Elétrica da Ásia – em %
26
II.1.2 – Geração elétrica na União Européia
Nos últimos 10 anos, o consumo de eletricidade na União Européia aumentou em
média 1,8% ao ano, com um maior crescimento na Espanha (taxa média de 5,5%), Grécia
(4,4%), Itália (2,8%), Romênia (2,6%) e França (2,2%) 6. Neste continente , o carvão ainda
exerce um papel importante, respondendo por 25%7 da capacidade instalada e quase um terço
da geração de eletricidade. O Gráfico 2.1 apresenta a participação do carvão na geração
elétrica nos países da União Européia. Pode-se observar que alguns são extremamente
dependentes desse tipo de geração, como o caso da Polônia (cerca de 90% da geração elétrica
a carvão). Outros apresentam uma dependência moderada, como Grécia (com cerca de 60%) e
Alemanha (quase 50%).
Gráfico 2.1 – Participação do carvão na Geração Elétrica na EU em 2005
FONTE: K. Kavouridis, N. Koukouzas (2008)
A geração termelétrica a carvão tem se tornado cada vez mais competitiva e viável
economicamente frente à geração através de termelétricas a gás, óleo combustível ou diesel. O
Gráfico 2.2 apresenta uma comparação da média dos custos geração termelétrica para os
países da União Européia. Observa-se que já em 2005, quando os preços do petróleo e do gás
natural se encontravam muito aquém dos patamares atuais, a geração a carvão já se
apresentava de forma bastante competitiva.
6 K. Kavouridis, N. Koukouzas (2008) 7 K. Kavouridis, N. Koukouzas (2008)
27
Gráfico 2.2 - Custo de Geração (€c/kWh) em 2005
FONTE: K. Kavouridis, N. Koukouzas (2008)
II.I.3 – Geração elétrica nos EUA
Nos Estados Unidos, o consumo de eletricidade cresceu 18%8 entre 1996 e 2006. Já a
geração termelétrica a carvão cresceu 16%9, o que representou uma queda de 51% para 49%
na participação do carvão na matriz de geração elétrica do país. Essa queda pode ser
considerada inexpressiva quando consideramos um período de 10 anos, mostrando que o
carvão continua a ser um importante insumo para a geração de eletricidade no país. O Gráfico
2.3 apresenta a composição da matriz de geração elétrica dos EUA.
Gráfico 2.3: Geração de Eletricidade por fonte nos EUA em 2006
8 EIA/DOE 9 EIA/DOE
28
Embora muitos países tenham se esforçado no sentido de reduzir a participação da
geração elétrica a carvão no mix elétrico, esta ainda responde por uma significativa parcela da
eletricidade gerada não só em países desenvolvidos, mas em países em desenvolvimento que
têm apresentado elevada taxa de crescimento do PIB, como China e Índia.
II.2 – Panorama internacional e geopolítica do carvão
II.2.1 - A evolução do consumo mundial
Uma análise da evolução do consumo de carvão mineral revela um forte crescimento
da demanda nos últimos anos. Destacam-se duas características desse crescimento: um
primeiro vetor aponta para um foco setorial, ou seja, a maior parte do aumento do consumo
tem sido para a geração de eletricidade. Um segundo vetor aponta para um foco geográfico.
Excetuando-se a Europa Ocidental, o consumo cresce em todas as regiões do mundo.
Entretanto, nota-se um aumento maior na Ásia, mais especificamente na China.
Segundo dados da British Petroleum10, entre 1990 e 2007 o consumo mundial de
carvão mineral aumentou de 2229 milhões de tep11 para 3177 milhões de tep, o que
corresponde a um crescimento de 42,5% e uma taxa média de 2,1% ao ano . Entretanto,
destacam-se duas regiões: Europa e Eurásia apresentaram um decréscimo de 32,1% no
consumo; já o conjunto Ásia e Oceania apresentou um aumento de 127,9% na demanda por
carvão, o que corresponde a uma taxa média de crescimento de quase 5% ao ano. O gráfico
2.4 apresenta o crescimento do consumo desse mineral.
10 BP Statistical Review of World Energy June 2008 11 Toneladas equivalentes de petróleo
29
Gráfico 2.4 - Consumo mundial de carvão entre 1990 e 2007
O aumento do consumo da Ásia e Oceania, em detrimento do consumo europeu, tem
acarretado importantes mudanças na distribuição geográfica do consumo de carvão ao redor
do mundo. Enquanto a participação do conjunto Europa e Eurásia no consumo decresceu de
35% para 17% no período de 1990 a 2007, a participação asiática no consumo mundial
apresentou um incremento de 20,6%, saltando de 37% para quase 60%. Em 1950, esse
continente era responsável por apenas 8,5% do consumo mundial de carvão mineral.
Gráfico 2.5 - Distribuição do consumo mundial de carvão por regiões
Desde o ano 2000, a demanda de carvão mineral tem crescido de forma ininterrupta.
Os principais vetores desse aumento recente tem sido a queda da competitividade dos
hidrocarbonetos e o aumento da concentração da estrutura de consumo. Em 1990, os quatro
30
maiores consumidores eram China, Estados Unidos, Rússia e Alemanha. Juntos, esses quatro
países eram responsáveis por 59% da demanda mundial. Em 2007, China e Estados Unidos
continuavam como os dois maiores consumidores, seguidos por Índia e Japão. Juntos, esses
países passaram a ser responsáveis por 70% do consumo mundial. Dentre os principais países
da indústria carbonífera mundial, destacam-se os papéis de China, Índia, Estados Unidos e
Rússia. Os dados relativos à evolução da demanda dos 25 maiores consumidores de carvão
mineral são apresentados no Anexo 1 deste trabalho.
II.2.2 – O papel da Ásia A entrada dos países asiáticos na “arena do carvão” tem sido determinante para as
mudanças estruturais citadas. A elevação da demanda mundial tem sido marcada por uma
aceleração: entre 1990 e 2007, a taxa média de crescimento do consumo foi de 2,11% a.a.
Entre 2000 e 2007, ocorreu uma aceleração dessa taxa, com especial destaque para países
emergentes como China e Índia. Entre 1990 e 2007, o consumo chinês cresceu quase 150%,
com uma taxa média de 5,47% a.a. Após o ano 2000, o consumo desse país passou a crescer
com taxas superiores a 10% a.a. Já a Índia, apresentou uma elevação de 117% no seu
consumo no período, o que corresponde a uma taxa média de 4,69% a.a. Após o ano 2000, o
consumo deste país sofreu uma aceleração, apresentando uma taxa de crescimento média de
5,37% a.a.
O crescimento da demanda de carvão mineral em todo o mundo ocorreu de maneira
concomitante ao crescimento econômico de China e Índia, sendo esperado que essa tendência
tenha continuidade . O principal vetor da aceleração do aumento do consumo nestes países
tem sido a geração de eletricidade. Isto porque a busca pela redução da dependência
energética em um continente mais rico em carvão de que em hidrocarbonetos levou ao
desenvolvimento e aceleração da geração elétrica a carvão. Um bom exemplo é apresentado
pela Agência Internacional de Energia: no ano de 2007, a China iniciou a operação de 55
novas centrais termelétricas a carvão, o que corresponde a uma média aproximada de uma
central nova a cada semana.
II.2.3 – O papel dos EUA Nos Estados Unidos, país que possui as maiores reservas mundiais, o carvão mineral
tem sido de extrema importância para a redução da dependência em relação ao petróleo
proveniente de regiões com relativa instabilidade geopolítica. O consumo de carvão começou
a crescer novamente nos anos 1960, com o medo da dependência em relação ao petróleo e
31
com os investimentos de empresas petrolíferas na indústria do carvão. Após os dois choques
do petróleo, a crise nuclear e a triplicação dos preços do gás natural, a geração termelétrica a
carvão no país superou os 50% da geração total. Ao mesmo tempo, o preço do carvão caiu,
em função da entrada em operação de novas minas no Oeste dos EUA.
Entre 1990 e 2007, a demanda do país elevou-se em 18,75%12. Entretanto, a taxa de
crescimento ainda se encontra abaixo da mundial: enquanto o consumo no mundo cresceu, em
média, 4,47% a.a entre 2000 e 2007, o consumo americano elevou-se com uma taxa média de
apenas 0,12% a.a. Apesar do baixo crescimento da demanda, o carvão mineral pode se tornar
a base do futuro da geração de eletricidade no país. Os principais combustíveis “concorrentes”
ainda enfrentam desafios: os gás natural tem se tornado cada vez mais escasso, enquanto a
contribuição potencial das importações de gás natural liquefeito ainda é incerta. Ao mesmo
tempo, o aumento da geração nuclear ainda é hipotético. Já o carvão mineral se apresenta
como a única fonte primária abundante e barata, já que o país possui mais de 32% das
reservas mundiais de antracito. As projeções apontam para um aumento na produção do país
de 1Gt em 2005 para 1,5 -2 Gt em 2030.
Os principais argumentos do forte “lobby” da indústria carbonífera americana, citados
no Fórum Mundial de Regulação de Energia (2006), apontam para os limites e dificuldades
enfrentados pelo gás natural. Segundo os produtores:
• O gás natural está, cada vez mais, estabelecendo o preço marginal da eletricidade.
• Desde 2000, 90% das novas plantas de geração são movidas a gás natural.
• Segundo projeções do Departamento de Energia dos EUA, 56% da capacidade nova
dos próximos 15 anos utilizarão gás natural.
• Os preços e o abastecimento de gás são altamente voláteis e imprevisíveis. Todas as
previsões otimistas para o gás natural estariam falhando consistentemente.
• Por fim, projeções otimistas estariam encorajando a construção de mais usinas
termelétricas a gás.
II.2.4 – O papel da Rússia Entre 1990 e 2007, consumo de carvão mineral na Rússia apresentou um declínio de
quase 50%. Entretanto, o carvão tem tido um papel cada vez mais importante enquanto
produto de exportação do país. Após 1990, a indústria carbonífera russa passou por uma
12 BP Statistical Review of World Energy June 2008
32
reestruturação, o que incluiu privatizações. A entrada de novos capitais, provenientes
principalmente do setor metalúrgico e dos bancos, possibilitou o aumento da produtividade e
a abertura de novas minas. Ao todo, o país possui 10 grandes companhias, cada uma
produzindo de 20 a 90 milhões de toneladas por ano.
O governo russo tem realizado políticas no sentido de substituir a geração termelétrica
a carvão pela geração a gás, visando principalmente desenvolver as exportações. O país,
detentor da segunda maior reserva de carvão do mundo e de um indicador R/P de 500 anos,
planeja elevar sua produção. Em 2007, a Rússia produziu apenas 5% do carvão mundial,
enquanto a China foi responsável por 40%. As expectativas são de que a produção russa possa
atingir pelo menos 450 milhões de toneladas em 2030. Em 2005, cerca de 300 milhões de
toneladas foram retirados das minas. Desses, cerca de 100 milhões foram exportados. Dada a
quantidade de reservas e a crescente demanda asiática, principalmente a chinesa, o carvão
apresenta um enorme potencial para se tornar um produto de exportação de extrema
importância para o país.
II.2.5 – O comércio internacional No mundo todo, os mercados de carvão mineral têm experimentado um crescente
dinamismo. Segundo dados da Agência Internacional de Energia13, entre 1973 e 2005 o
comércio mundial de carvão aumentou de 139,99 Mtoe para 521,12 Mtoe. Isso representa um
aumento de 272% para o período e uma taxa média de crescimento anual de 4,2%. Dentre os
principais importadores, destacam-se: no pacífico, Japão, Coréia Taiwan e Índia; no atlântico:
Alemanha, Reino Unido e Itália. Os principais países exportadores são Austrália, Indonésia,
África do Sul, Rússia e Colômbia.
13 Key World Energy Statistics 2007
33
Tabela 2.2 – Exportadores e Importadores de Carvão em 2006
Segundo as estimativas da AIE14, o comércio mundial de carvão antracito deverá
crescer a uma taxa média anual de 1,8% entre 2004 e 2030. Entretanto, a maior parte do
carvão continuará a ser consumida na região em que foi produzida. A participação do
comércio internacional no consumo mundial de antracito deverá permanecer constante no
período, e em torno de 13%. O comércio de carvão lignito e de turfa permanecerá desprezível.
O comércio mundial de carvão vapor deverá crescer muito mais rapidamente que o de coque,
em decorrência principalmente do aumento da demanda por esse tipo de carvão. Como
conseqüência, a participação do carvão vapor no comércio internacional deve aumentar de
71% em 2004 para 76% em 2030.
Os padrões de comércio mundial de carvão vapor devem mudar significativamente. O
mercado do atlântico continuará sendo atendido pela África do Sul, Colômbia e Rússia.
Entretanto, os Estados Unidos deverão se tornar importador líquido. Na União Européia, a
produção deverá cair mais rapidamente que a demanda, fazendo com que as importações
aumentem. No mercado do pacífico, a Índia deverá se unir ao Japão, Coréia e Taiwan como
um grande importador líquido, em decorrência principalmente do crescimento do setor
elétrico no país. Já a China poderá continuar como um exportador líquido, mas perderá
14 World Energy Outlook 2006
34
participação no comércio internacional na medida em que as suas exportações forem
desviadas para o mercado doméstico.
O comércio internacional de coque continuará a ser dominado por quatro grandes
exportadores: Austrália, Estados Unidos, Canadá e Rússia. A participação australiana deverá
aumentar de 63% em 2004 para 67%, aumentando a importância do país como maior
exportador mundial deste tipo de carvão.
Gráfico 2.6 – Comércio Internacional de Carvão: Cenário AIE
II.2.6 – A evolução dos preços
A análise da competitividade do carvão mineral em relação a outros combustíveis
passa pela avaliação do impacto que os aumentos da demanda e do comércio internacional
tiveram sobre os preços deste mineral. Segundo dados da BP15, os preços do carvão
apresentaram um significativo aumento entre os anos 1991 e 2007. O preço de referência do
Noroeste da Europa apresentou um aumento de 102,3% no período. No mesmo período, o
preço spot da região central dos Estados Unidos apresentou um aumento de 76,2%. Já os
preços do carvão importado pelo Japão, somados os custos com seguros e fretes, apresentaram
aumentos menos expressivos. No caso do coque, o aumento foi de 46%. Já o preço do carvão
vapor elevou-se em 38,9%.
15 Statistical Review of World Energy 2008
35
Gráfico 2.7 – Evolução dos Preços do Carvão
Uma análise mais detalhada revela que a elevação dos preços coincidiu com a
aceleração da demanda. Considerando um período mais recente - entre 2003 e 2007 - o preço
do carvão no mercado europeu aumentou 103,7%. Já o preço do mercado americano
apresentou um crescimento mais suave, de 32%. No Japão, os preços do coque e do carvão
vapor aumentaram 112,3% e 101,1% respectivamente.
Embora alguns preços apresentem uma tendência à queda, como no caso dos EUA,
não se sabe ao certo qual serão os impactos do aumento da demanda e do comércio mundial
sobre os custos de utilização do carvão mineral enquanto recurso energético. Tais custos
dependerão ainda de muitos fatores, como os investimentos em capacidade produtiva, os
aumentos nos custos de mineração decorrentes dos aumentos nos preços do petróleo, os
limites do crescimento econômico do continente asiático, dentre outros.
II.3 – Projeções de Demanda de Carvão As projeções para a demanda mundial de carvão serão avaliadas através da análise de
dois dos principais cenários: primeiro, o cenário publicado pela Agência Internacional de
Energia no âmbito do World Energy Outlook; segundo, o cenário de referência da Comissão
Européia, publicado no âmbito do World Energy Technology Outlook.
II.3.1 – Cenário da AIE
Segundo o cenário de Referência da Agência Internacional de Energia, o consumo de
carvão deverá crescer a uma taxa média anual de 1.8% entre 2004 e 2030, enquanto a
participação do carvão no mix energético global deve permanecer razoavelmente constante,
36
em torno de ¼. Espera-se que o consumo deste mineral cresça 32% até 2015, e 59% até 2030.
Entretanto, segundo a agência, o crescimento da demanda continuará sensível a diversos
fatores. Dentre estes, destacam-se os desenvolvimentos das tecnologias “clean coal”, as
políticas governamentais relacionadas à diversificação energética, as mudanças climáticas e
poluição local, e os preços relativos dos combustíveis alternativos.
As projeções de demanda variam significativamente entre as regiões. A maior parte do
crescimento será em decorrência do aumento do consumo nos países asiáticos em
desenvolvimento, principalmente China e Índia. Espera-se que estes dois países sejam
responsáveis por mais de ¾ do aumento da utilização de carvão mineral. Já nos países da
OCDE, a elevação da demanda por carvão deverá ocorrer de forma muito mais lenta, em
decorrência principalmente dos Emissions Trading Schemes implementados na União
Européia a partir de 2005. Estes acordos envolvem metas de emissões de gases causadores do
efeito estufa, e devem contribuir para a redução do consumo de carvão nos países da região.
As projeções de crescimento da demanda de carvão mineral para as diferentes regiões são
apresentadas na Tabela 2.3. As economias em desenvolvimento serão as grandes responsáveis
pelo aumento do consumo de carvão. Entre 2004 e 2030, espera-se que a demanda desses
países cresça em média 2,8% a.a, enquanto a demanda dos países desenvolvidos deverá
crescer apenas 0,6% a.a no mesmo período. No mundo todo, a demanda deverá crescer a uma
taxa média de 1,8% a.a.
37
Tabela 2.3 - Demanda Mundial de Carvão (Milhões de Toneladas) – Cenário AIE
O principal vetor do crescimento esperado da demanda é a utilização do carvão para a
geração de eletricidade. Ainda no âmbito do cenário da AIE, a demanda mundial de
eletricidade em 2030 deve ser o dobro da registrada em 2004. Isso corresponde a uma tava
média de crescimento de 2,6% ao ano. Dentre os principais países que serão responsáveis pelo
aumento do consumo de eletricidade, destacam-se a China e a Índia.
38
Gráfico 2.8 – Incremento esperado da geração mundial por fonte: projeção AIE
Devido a esse crescimento da demanda por energia elétrica e aos elevados preços do
gás natural, a participação do carvão mineral na geração elétrica deverá aumentar. As plantas
de geração elétrica a carvão mineral foram responsáveis pela produção de 6.917 TWh em
200416, o que corresponde a 40% de toda a eletricidade gerada no mundo. Segundo as
projeções da AIE, a geração a carvão deve elevar-se para 14.702 TWh em 2030. China e Índia
deverão ser responsáveis por 70% desse incremento.
Gráfico 2.9 - Incremento na Geração Elétrica a Carvão entre 2004-2030: Cenário AIE
Quando considerada como um todo, a economia asiática deverá ser responsável por
mais de ¾ do aumento da geração de eletricidade a carvão até 2030. Ao mesmo tempo,
16 World Energy Outlook 2006
39
segundo o cenário de referência da AIE, as emissões de CO2 devem aumentar e 2/3 entre 2004
e 2030, sendo a China e a Índia as responsáveis por 60% desse aumento.
Apesar das grandes externalidades negativas decorrentes do seu consumo,
principalmente no que concerne às mudanças climáticas, a geração termoelétrica a carvão tem
apresentado avanços tecnológicos. Novas usinas já conseguem um grau de eficiência de 46%,
frente aos 42% do final dos anos 199017. Essa eficiência deve aumentar ainda mais. Muitas
das novas usinas já utilizarão novas tecnologias, como a Gaseificação Integrada a Ciclos
Combinados (IGCC), que deverá se tornar cada vez mais competitiva após 2015,
possibilitando um aumento da eficiência média para 51% em 2030.
II.3.2 – O cenário da Comissão Européia Segundo o cenário de referência da Comissão Européia18, o consumo mundial de
carvão mineral deverá aumentar de 2,4 Gtoe em 2001, para quase 6 Gtoe em 2050, enquanto
sua participação no mix energético mundial deve permanecer razoavelmente constante e em
torno de 25%. Segundo a CE, esse amento reflete a relativa abundância de carvão e a
conseqüente vantagem de preços no longo prazo. Entretanto, o órgão alerta para os impactos
ambientais desse energético, os quais podem ser razoavelmente limitados pelas tecnologias de
captura e estocagem de carbono.
Gráfico 2.10 – Demanda Mundial de Energia Primária: Cenário WETO
Ainda no âmbito deste cenário, a geração de eletricidade no mundo deverá atingir
60.000 TWh/ano em 2050, cerca de quatro vezes o valor registrado em 2001. A participação
da geração térmica deve aumentar até 2020 devido à incapacidade de outras fontes suprirem a
17 World Energy Outlook 2006 18 World Energy Technology Outlook (WETO)
40
demanda. Já a geração de eletricidade através do carvão deve atingir 12.000 TWh/ano em
2030 e 19.000 TWh/ano em 2050. Segundo esse cenário, em 2050 o carvão ainda será
responsável por mais de 30% da eletricidade gerada no mundo, embora sua participação
apresente uma tendência de queda. Entretanto, estima-se que mais de 80% da geração baseada
em carvão será através de tecnologias mais avançadas.
Gráfico 2.11 – Geração Mundial de Eletricidade: Cenário da Comissão Européia
FONTE: World Energy Technology Outlook – European Commission
II.3.3 – Os desafios do carvão mineral A competitividade do carvão mineral está associada à concorrência inter-energética,
principalmente em relação ao gás natural e à energia nuclear. Os aumentos sucessivos nos
preços do gás têm estimulado o desenvolvimento de plantas de geração elétrica a carvão na
América do Norte, Europa Ocidental, Turquia, Japão, Chile, Brasil, dentre outros países.
Além disso, existem grandes reservas com custos marginais inferiores a US$50 por tonelada
na Austrália, África do Sul, Indonésia, Rússia, Colômbia e Venezuela.
Os custos de oferta são o principal determinante do incremento da produção e das
exportações de carvão. A avaliação destes custos é difícil, uma vez que eles variam muito
entre países e regiões, de acordo com características locais de geologia, tecnologia, infra-
estrutura e custos com mão de obra. O custo médio “free-on-board” de oferta do carvão
vapor, incluindo a produção, processamento, transporte terrestre e carregamento nos navios,
excluindo custos de capital e margens de lucro, varia de US$20 na Indonésia e Venezuela, a
US$50 nos Estados Unidos19. A maior parte do carvão exportado envolve custos de US$25 a
US$30 por tonelada.
19 World Energy Outlook 2006
41
Nas últimas décadas, a consolidação da industria mineradora tem ajudado a reduzir os
custos de produção em muitos países. Entretanto, muitos fatores irão influenciá-los,
determinando a atratividade dos novos investimentos na indústria carbonífera nas próximas
décadas. Segundo a AIE20, destacam-se os seguintes fatores:
• Preços da energia: o recente aumento nos preços da energia tem pressionado os custos
de produção do carvão. Os preços da eletricidade para a maquinaria e dos
combustíveis para os caminhões afetam diretamente os custos de mineração.
• Taxas de câmbio: a desvalorização do dólar deve aumentar os custos de produção, os
quais são geralmente precificados em moeda local, relativos às exportações,
precificadas em dólar.
• Taxação: mudanças nas políticas tributárias e de royalties e outros encargos podem ter
um impacto maior sobre a lucratividade dos projetos relacionados ao carvão.
• Geologia: o desenvolvimento de novos leitos em minas novas e em minas existentes
pode elevar os custos de operação e processamento, uma vez que esse
desenvolvimento ocorre no sentido de depósitos menos acessíveis.
• Necessidade de nova infra-estrutura de transporte: a maior parte dos portos de
exportação de carvão está operando no limite da capacidade. Os custos de construção
de novos portos são elevados, em torno de US$15 por tonelada de capacidade anual.
Nos EUA Rússia e China, o carvão é transportado por ferrovias frequentemente
inadequadas para os volumes transportados atualmente.
• Taxas de frete marítimo: a demanda chinesa está levando à utilização de mais de 90%
da capacidade de transporte marítimo. Isso tem acarretado a elevação do frete.
• Segurança: a segurança das minas de carvão permanece como o principal desafio
relacionado à oferta. Na China, mais de 6000 homens perdem suas vidas a cada ano
em acidentes, principalmente nas minas coletivas de vilas e municípios. Mesmo nos
países desenvolvidos, os acidentes ainda ocorrem ocasionalmente.
20 World Energy Outlook 2006
42
O futuro do carvão depende ainda das incertezas quanto ao seu impacto ambiental,
principalmente em função das crescentes discussões relacionadas às mudanças climáticas. As
políticas de combate a essas mudanças, associadas à precificação do CO2 via impostos ou
esquemas de comércio de emissões, podem elevar os custos marginais de geração de
eletricidade através do carvão. Dessa forma, a evolução da demanda desse mineral dependerá
da evolução de sua agenda tecnológica, principalmente no que concerne às tecnologias de
“clean coal” e outros aproveitamentos do carvão, como o “coal to liquids”.
43
CAPÍTULO III - AS POSSIBILIDADES DE UM CARVÃO MAIS LIMPO Este capítulo analisará, inicialmente, os problemas ambientais decorrentes da
utilização do carvão mineral enquanto insumo energético. Posteriormente, serão avaliadas as
principais tecnologias disponíveis e em desenvolvimento para a mitigação de tais problemas,
inseridas no contexto de “clean coal technologies”.
III.1 – O Problema Ambiental
Grande parte dos problemas da utilização do carvão mineral como energético
decorrem das externalidades negativas geradas por este mineral. Na geração de eletricidade, o
carvão é um grande emissor de óxidos de nitrogênio, dióxido de carbono, material particulado
e dióxido de enxofre, sendo este último o grande responsável pelo fenômeno conhecido como
“chuva ácida”. Dessa forma, a possibilidade do carvão ser um instrumento para a segurança
do suprimento de energia nos países esbarra em seus impactos ambientais, principalmente em
um contexto de crescente conscientização mundial sobre os problemas decorrentes das
mudanças climáticas e os riscos para a existência de diversas formas de vida.
III.1.1 – As emissões de carbono Considerado atualmente como o grande vilão do aquecimento global, o dióxido de
carbono tem sido alvo de diversos acordos visando reduzir emissões em todo o mundo.
Entretanto, tais acordos ainda não têm surtido um efeito mais significativo. Segundo dados do
Departamento de Energia dos Estados Unidos, entre 1990 e 2005 as emissões de CO2
decorrentes do consumo de combustíveis fósseis no mundo aumentaram de 21.394 milhões de
toneladas de CO2 para 28.192 milhões de toneladas de CO2, o que corresponde a um
crescimento de 32% para o período. Entretanto, não há uma uniformidade geográfica nesse
crescimento: enquanto a América do Norte aumentou suas emissões em 21% no período, Ásia
e Oceania passaram a emitir 100% mais CO2. Essa diferença acarretou uma mudança na
distribuição geográfica das emissões ao redor do mundo: em 1990, a América do Norte era
responsável por 28% das emissões, enquanto Ásia e Oceania respondiam por 24%. Em 2005,
a América do Norte passou a ser responsável por 25% das emissões decorrentes do consumo
de combustíveis fósseis, enquanto a participação da Ásia e Oceania saltou para 36%.
44
Gráfico 3.1 – Mudanças na Distribuição das Emissões de CO2 do Consumo de Combustíveis Fósseis
O aumento da participação asiática nas emissões mundiais de dióxido de carbono
ocorre de maneira concomitante ao desenvolvimento econômico de China e Índia. Entre 1990
e 2005, as emissões chinesas cresceram 137%21, enquanto as indianas aumentaram 102%.
Como conseqüência, a China, que era responsável por apenas 10% do dióxido de carbono
emitido no mundo22 em 1990, passou a ser responsável por 19% das emissões mundiais em
2005. Entretanto, neste último ano, os EUA ainda permaneciam como os maiores poluidores
mundiais, com uma participação relativamente estável nas emissões e em torno de 21-23%.
Não obstante a crescente utilização do carvão mineral para a geração de eletricidade,
principalmente nos países asiáticos, as emissões provenientes do uso do carvão cresceram
37% entre 1990 e 2005, enquanto as emissões decorrentes do uso do gás natural aumentaram
41%. A participação do carvão nas emissões globais se manteve relativamente constante e em
torno de 40% no período em análise, a mesma contribuição do petróleo. Entretanto, dados os
elevados preços dos hidrocarbonetos, a tendência é que a participação carbonífera se torne
majoritária.
Embora o aumento da utilização do carvão mineral não esteja pressionando
significativamente o aumento das emissões, o desenvolvimento de tecnologias para a redução
de seus impactos ambientais se torna cada vez mais importante na medida em que acordos de
redução de emissões começarem a ter um efeito mais significativo sobre a poluição global.
Dessa forma, o desenvolvimento da agenda tecnológica do carvão mineral é essencial para o
aumento de sua competitividade inter-energética.
21 EIA/DOE 22 São consideradas somente as emissões de carbono decorrentes do consumo de combustíveis fósseis e queima de gás natural.
45
III.2 – O Conceito de “clean coal”: Internalizando as Externalidades
III.2.1 – O conceito Com o aumento da conscientização mundial a respeito dos riscos representados pelas
mudanças climáticas no planeta, um dos principais desafios que o setor carbonífero mundial
terá que enfrentar está relacionado com os impactos ambientais decorrentes da utilização do
carvão para a geração de energia elétrica. Dessa forma, é importante analisar as possibilidades
e tecnologias disponíveis para tornar o carvão um energético mais limpo e ambientalmente
competitivo. Ao mesmo tempo, faz-se necessária uma análise dos custos do desenvolvimento
e adoção de tecnologias de carvão limpo, as chamadas tecnologias de “clean coal”.
O conceito de tecnologias de carvão limpo envolve um leque diversificado de
processos em diferentes fases de desenvolvimento e de diferentes custos de implementação.
Segundo K. Kavouridis e N. Koukouzas (2008), o conceito de “clean coal” envolve três
estágios que devem ser desenvolvidos de modo simultâneo. No primeiro estágio, estão as
plantas novas e modernizadas que permitem o aumento na eficiência e a redução das emissões
de dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e particulados das plantas de geração a carvão, de
acordo com a tecnologia disponível atualmente. A segunda fase do “clean coal” envolve
pesquisas que permitiriam o aumento da eficiência das plantas para níveis acima de 50%. A
terceira seria a inclusão de processos de captura e estocagem de dióxido de carbono, as
chamadas tecnologias CCS23.
Figura 3.1 – Os três estágios do “Clean Coal”
Com base no estado da arte da tecnologia atual, as expectativas de aumento da
eficiência das usinas termelétricas para níveis superiores a 50% até 2020 são totalmente
justificadas, em decorrência principalmente do desenvolvimento de materiais e componentes,
23 Sigla em inglês para “Carbon Capture and Storage”
46
e do aumento do controle no processo. Ao mesmo tempo, tecnologias de dessulfurização do
carvão após a sua gaseificação irão se tornar cada vez mais eficientes. Grande parte das
emissões de poluentes será reduzida através da substituição de plantas construídas nas
décadas de 1950 a 1970. Entretanto, os efeitos positivos das reduções das emissões de dióxido
de carbono serão graduais. Até que seja possível reduzir significativamente as emissões, é
necessário que os governos façam um balanço entre as necessidades de geração de
eletricidade e os objetivos de redução das emissões de gases estufa.
O terceiro estágio das tecnologias “clean coal”, no qual são desenvolvidos
mecanismos de captura e estocagem de carbono, tem como pré-requisito o desenvolvimento
de plantas de geração altamente eficientes. Independente das tecnologias utilizadas para o
aumento da eficiência das usinas termelétricas a carvão - as quais serão examinadas na
próxima seção - a captura de CO2 acarreta perdas de eficiência. Nos programas de pesquisa
internacionais, algumas tecnologias de separação e estocagem do CO2 já estão disponíveis.
Estima-se que tais tecnologias se tornem viáveis economicamente em 2020. Alguns
programas de pesquisa, como o EU Framework Programme VII, têm trabalhado no sentido de
criar um projeto para uma usina de geração com nível de emissões zero, as ‘‘Zero Emission
Fuel Power Plants’’ (ZEFPP).
Os governos do mundo todo enfrentam atualmente dois grandes desafios de política
energética: assegurar o suprimento e combater as mudanças climáticas. Dadas as abundantes
reservas mundiais de carvão mineral, este recurso é de extrema importância para o primeiro
desafio. Entretanto, quando considerados os seus impactos ambientais, somente as tecnologias
“clean coal” permitirão que o carvão mineral seja um instrumento útil aos dois desafios, de
forma simultânea. No âmbito da concorrência inter-energética, é necessário considerar,
também, os limites ao desenvolvimento destas tecnologias, assim como os custos adicionais
de sua implementação.
III.2.2 – As tecnologias para o aumento da eficiência da geração a carvão
Dentre as principais tecnologias de melhora da eficiência da geração elétrica a carvão,
considerada a segunda etapa das tecnologias de “clean coal”, pode-se destacar: i) remoção de
impurezas antes da combustão; ii) combustão pulverizada; iii) combustão em leito fluidizado;
iv) gaseificação integrada a ciclos combinados.
47
Remoção de impurezas antes da combustão
Tal processo consiste na retirada no enxofre através de processos químicos, físicos e
biológicos. Os processos físicos, já estabelecidos tecnologicamente, permitem a retirada de
10-30% do enxofre total e até 60% dos compostos minerais que causam as cinzas.
Combustão pulverizada
Consiste na pulverização do carvão em partículas, o que permite a obtenção de 99% de
eficiência na combustão. A eficiência de conversão da energia térmica em energia elétrica
pode chegar a 43%, no caso de plantas com ciclo a vapor supercrítico.
Combustão em leito fluidizado
Esse tipo de combustão permite a redução do enxofre em até 90% e do nitrogênio de
70-80% através do emprego de partículas calcárias e de temperaturas inferiores ao processo
de pulverização convencional.
Gaseificação integrada a ciclos combinados
A Gaseificação integrada a ciclos combinados (ou IGCC, pela sigla em inglês) se
apresenta atualmente como a mais promissora tecnologia para a melhoria da eficiência da
geração elétrica a carvão. O processo consiste na reação do carvão com um vapor de elevada
temperatura somando-se um oxidante, gerando um gás de médio poder calorífico. Esse gás
pode então, ser queimado em turbinas de geração elétrica de ciclo combinado. Como
conseqüência, obtém-se uma remoção de até 95% do enxofre e captura de 90% do nitrogênio.
Hengwei et al (2008) destaca a importância do IGCC para o desenvolvimento econômico
sustentável da China:
Because the Integrated Gasification Combined Cycle (IGCC) can supply electricity, liquid fuels, hydrogen and other chemicals if needed at low pollution level, and has the potential to make carbon capture and sequestration much easier and cheaper than traditional pulverized coal boiler power plants, it should be the strategic direction for China to meet the requirements of the energy and environmental challenges.(p.1)
A Tabela 3.1 apresenta uma síntese do estado da arte das tecnologias de combustão
eficiente do carvão.
48
Tabela 3.1 – Tecnologias de aumento da eficiência das usinas a carvão
Fonte: AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA – AIE. Energy technologies for the 21st Century. Paris, 1997. Disponível em: www.iea.org/techno/index.htm. (*) Pressão atmosférica (**) Circulação (vapores sub e supercríticos) (***) Pressurização (vapores sub e supercríticos)
III.2.3 – Captura e estocagem de carbono Para que se possa analisar a contribuição potencial do carvão para a segurança do
abastecimento energético em todo o mundo, é necessário avaliar as possibilidades de redução
das emissões de dióxido de carbono provenientes de sua utilização. Dessa forma, faz-se
necessária uma análise do status das tecnologias CCS (sigla em inglês para captura e
estocagem de carbono).
Diversas tecnologias CCS têm sido desenvolvidas em todo o mundo, principalmente
ligadas às indústrias do petróleo e do gás natural. As principais tecnologias disponíveis e
aplicáveis à indústria de geração de eletricidade são a pré-combustão, a pós-combustão e a
oxicombustão. A estocagem do CO2 pode ser realizada em campos de petróleo e gás
depletados, em aqüíferos e em minas profundas de carvão.
No caso da Europa, existe uma necessidade mais clara de aplicação de tais tecnologias,
principalmente em função dos acordos de redução de emissões. Estima-se que as tecnologias
CCS possam contribuir com 14% da redução nas emissões necessárias até 203024. Até 2050,
60% das emissões de carbono do setor elétrico do continente deverão ser capturadas, o que
implica que 90% das plantas termelétricas a carvão deverão ser equipadas com tecnologias
CCS. Espera-se que, após a implementação dessas tecnologias nos países desenvolvidos, haja
uma rápida adoção das mesmas nos países em desenvolvimento.
No âmbito dos acordos de redução das emissões de gases estufa, a Comissão Européia
está desenvolvendo uma estratégia de modernização das plantas de geração a carvão
24 K. Kavouridis, N. Koukouzas / Energy Policy 36 (2008) 693–703
49
existentes e de substituição de usinas ineficientes. Ao mesmo tempo, desenvolvimentos
tecnológicos tornarão a conversão energética mais eficiente, reduzindo os custos de captura e
estocagem. Na Europa, de 10 a 12 plantas de demonstração de larga escala deverão ser
construídas até 2015. Após 2020, espera-se que todas as novas plantas sejam construídas com
tecnologias CCS.
Tabela 3.2 – Usinas de geração elétrica planejadas para a Europa
A adoção das tecnologias de captura e estocagem de carbono representa um
importante passo para o aumento da competitividade ambiental do carvão. Entretanto, os
custos finais da adoção de tais tecnologias, bem como os impactos sobre os custos totais de
geração de eletricidade, ainda são incertos. Ao mesmo tempo, devem ser considerados os
riscos associados ao transporte do carbono através de gasodutos e à escolha dos sítios de
estocagem.
III.2.4 – Usos alternativos do carvão: o CTL Os elevados preços internacionais do petróleo têm estimulado o interesse em fontes de
suprimento alternativas para a produção de químicos e de combustível para o transporte.
Umas destas fontes alternativas é o “coal-to-liquids”, que pode ser dividido em duas
diferentes tecnologias: a primeira inclui a gaseificação do carvão combinada com um
processo de Fischer-Tropsch para a produção do líquido, de maneira similar à produção de
“gas-to-liquids”; a segundo tecnologia, ainda em fase prematura de desenvolvimento,
utilizara processos que permitem a liquefação direta do carvão.
A gaseificação do carvão é um processo largamente utilizado na produção de químicos
e fertilizantes, principalmente na China, onde cerca de 8000 plantas de gaseificação estão em
50
operação25. O país está construindo uma nova planta com capacidade de 60 kb/d e possui
projetos para quatro plantas adicionais. Na África do Sul, duas plantas de CTL já estão em
operação. A capacidade total deste país totaliza 150 kb/d e a produção resultante se divide em
80% de diesel sintético e 20% de nafta. Nos Estados Unidos, as companhias exploradoras de
carvão têm realizado estudos sobre a viabilidade econômica deste tipo de tecnologia.
As tecnologias CTL permitem um aumento do leque de possibilidades de utilização do
carvão mineral. Entretanto, ainda existem desvantagens: os processos utilizados na produção
do gás síntese a partir do carvão já estão desenvolvidos, mas o custo unitário de produção do
CTL ainda se mantém muito elevado quando comparado com os produtos refinados
convencionalmente. Além disso, os custos de capital das plantas CTL são muito altos: em
torno de $5 bilhões26 por uma unidade de 80 kb/d, enquanto uma planta de GTL do mesmo
porte apresenta um custo fixo inferior a $2 bilhões. Por fim, os processos para a produção de
CTL são extremamente intensivos em energia e resultam em sete a dez vezes mais emissões
de CO2 por unidade produzida do que as refinarias convencionais, quando não utilizadas
tecnologias de captura e estocagem de carbono.
Estudos indicam que o CTL seria competitivo apenas em lugares onde o carvão pode
ser entregue a um custo baixo. As plantas CTL teriam que ter acesso a reservas baratas e
próximas, com um volume superior a 500 milhões de toneladas. Segundo a Agência
Internacional de Energia27, com o preço do carvão-vapor no patamar de $20 por tonelada –
um valor muito aquém dos preços registrados em 200728 - o custo de produção dos
combustíveis sintéticos seria de cerca de $50 por barril, tornando o CTL competitivo com o
petróleo a um preço de $40 barril. Entretanto, a recente escalada dos preços internacionais do
petróleo tende a tornar as tecnologias CTL relativamente mais competitivas, competitividade
esta que dependerá ainda da evolução futura dos próprios preços do carvão.
25 Agência Internacional de Energia 26 WEO 2006 27 WEO 2006 28 A evolução dos preços do carvão é melhor analisada na seção II.2.6 deste trabalho.
51
CONCLUSÃO A elevação ininterrupta da demanda por carvão mineral após o ano 2000 revela que os
países voltaram a considerar este mineral como um importante recurso para o primeiro grande
objetivo de políticas energéticas - a segurança do abastecimento.
Foram notadas duas características principais deste aumento na utilização. Primeiro,
ocorreu uma mudança no foco geográfico da estrutura de demanda. Com um consumo
majoritário da Europa e Eurásia até o ano 1989, este continente passou a adotar políticas de
redução do consumo do mineral, sendo superado pelo conjunto Ásia e Oceania desde então.
Segundo, o aumento do consumo foi voltado para um foco setorial – a geração de eletricidade
– e ocorreu de maneira concomitante ao desenvolvimento econômico de China e Índia.
Os cenários analisados apontam para a continuidade do aumento na demanda e para
uma elevação no comercial internacional. Entretanto, foi notada uma elevação significativa
nos preços do carvão. Desta forma, o desenvolvimento da geração termelétrica a carvão estará
fortemente associado à concorrência inter-energética, e consequentemente, aos preços dos
outros insumos.
Dadas as abundantes reservas de carvão mineral, as quais estarão disponíveis de forma
competitiva por décadas, o carvão deverá continuar a ser um importante instrumento para a
matriz energética mundial, não obstante os problemas ambientais ocasionados pelo seu
consumo. É importante enfatizar que, mesmo com o desenvolvimento de novos usos, o papel
do carvão enquanto energético deverá continuar tendo como foco a geração de energia
elétrica.
Para que o carvão possa ser um instrumento para o segundo principal objetivo de
políticas energéticas – o combate às mudanças climáticas – é necessário que alguns esforços
indispensáveis sejam realizados por parte da indústria e governos. Primeiro, o
desenvolvimento tecnológico e o conseqüente aumento da eficiência, que permitirá uma
redução nas emissões por kWh de energia elétrica gerada, contribuindo para o combate ao
aquecimento global. O aumento na eficiência também é um pré-requisito para o
desenvolvimento das tecnologias de captura e estocagem de carbono. Segundo, devem ser
buscadas políticas que reduzam as barreiras ao desenvolvimento do carvão limpo, e que dêem
suporte aos investimentos em um prazo mais longo.
52
Em uma situação de elevação mundial dos preços do petróleo e do gás, o carvão volta
a ser uma importante opção energética para o mundo. O crescimento do consumo desse
mineral, liderado pelo continente asiático, esbarra no desenvolvimento de tecnologias que
possibilitem a redução das externalidades negativas associadas à sua utilização, visto que a
geração termelétrica a carvão terá que competir com fontes muito mais limpas, como é o caso
da geração nuclear. Através dos dados, cenários e tecnologias analisados, as evidências
apontam para a continuidade do carvão como um importante - porém não único - recurso para
uma matriz energética mundial cada vez mais diversificada.
53
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