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AS MULHERES E A GUERRA DO PARAGUAI Maria Aparecida Macedo Pascal

Resumo

A guerra do Paraguai foi sem dúvida o grande divisor de águas na História do Segundo Reinado. Analisada por diferentes correntes da historiografia, da tradicional à revisionista, teve mais recentemente, alguns de seus episódios divulgados e conhecidos do grande público. Nessa pesquisa, abordou-se o papel das mulheres no teatro da guerra. Para tanto, recorreu-se ao trabalho dos memorialistas no conflito: Dionísio Cerqueira, Sena Madureira, Taunay, o paraguaio Centurion Aquino e os controvertidos Max Von Versen e Thompson. A imprensa foi outro caminho pesquisado. Desde a Grande Imprensa, até jornais acadêmicos e chargistas. O objetivo foi recuperar essas trajetórias históricas e ver a Guerra do Paraguai sob um novo olhar, o do cidadão comum, que arrastado para esta barbárie, teve que lutar e conseguir sobreviver.

PALAVRAS CHAVE: mulheres, guerra, guerra do Paraguai.

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Tanto as tropas paraguaias como as brasileiras eram acompanhadas por um verdadeiro

exército de mulheres. Esposas, prostitutas, companheiras, mães, que se alimentavam das

sobras de seus companheiros, cozinhavam, lavavam, cuidavam dos feridos, abrigavam-se em

barracas, distribuíam solidariedade humana, sendo por vezes até maltratadas pelos maridos.

Combatiam e morriam esquecidas. As vivandeiras e andarilhas seguiam a tropa, vendendo

víveres e bebidas.

Não eram somente mulheres humildes de soldados e prostitutas; ainda que com menor

freqüência, havia também mães e esposas de oficiais. Muitos comandantes receberam suas

esposas em Assunção, após a queda da capital paraguaia.

O Duque de Caxias em carta ao Ministro da Guerra dizia ter dado passagem no Vapor

Arinos, para a Corte, à Joana Rita dos Impossíveis, mãe de dois soldados mortos em

campanha e solicitava que outra passagem lhe seja oferecida até o Piauí, sua província de

origem.

Em Tuiutí e Humaitá, milhares de pessoas se amontoavam no acampamento situado

numa estreita faixa de terra, em terreno alagadiço, sem condições de higiene, sob fogo de

artilharia inimiga, sujeitos à administração militar, muitas vezes corrupta. Assim viveram

estas mulheres por cinco anos.

No Paraguai, durante o conflito, as mulheres eram separadas em duas categorias as

destinadas e as residentas. As primeiras foram condenadas por serem parentes de réus

políticos ou acusados de traição. Eram forçadas a seguir as tropas no interior do país, sendo

submetidas a trabalhos forçados na agricultura (DOURADO, 2005, p.33).

A destinada mais famosa que a historiografia paraguaia registrou foi Pancha Garmendia, conhecida como “heroína del honor”, doncella Del Paraguay (...) Em torno de sua figura paira um misto de lenda e realidade, mas a maioria dos historiadores paraguaios tem opiniões semelhantes e a registra como uma vítima de Solano Lopes que a julgou como conspiradora e decretou sua morte por lanceamento.(DOURADO, 2005, p.34)

Segundo os historiadores, Pancha Garmendia foi musa inspiradora de poetas e teria

resistido ao assédio de Lopes. Considerada a mulher mais bonita do Paraguai na juventude, foi

encontrada na guerra, perdida, em meio a soldados fugitivos. Incorporada ao círculo de Lopes

foi posteriormente executada acusada de traição.

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As “residentas” acompanharam os homens durante toda a guerra. No final,

transformadas em soldadas, combatiam duramente e ainda atendiam feridos e recolhiam

mortos. Em muitas batalhas como Avaí e Acosta Nu, foram lanceadas e queimadas pelos

aliados, junto com os sobreviventes, muitos deles seus próprios filhos, “niños combatientes”.

Algumas chegaram a receber a patente de sargento e no final do conflito exerciam todas as

funções de um soldado: cavando trincheiras, cortando lenha, fabricando pólvora, abastecendo

o acampamento.

No lado brasileiro não precisavam combater, mas muitas delas pegaram em armas

substituindo companheiros mortos, e destacavam-se por sua valentia e admiração da tropa. O

Visconde de Taunay, Joaquim Pimentel, Max Von Versen, Dionísio Cerqueira, José B.

Bormann, todos registram sua presença; argentinas, brasileiras, paraguaias, chinas, índias,

negras, carregando crianças, sem registro de função, sob forte preconceito machista, que só

destacou entre elas, aquelas chamadas de “mulheres símbolos”, como Ana Nery e Mme.

Lynch.1

Contudo, sem sua participação, a luta teria sido ainda pior. Pela estrada, iam

acompanhando o exército, arrastando seus filhos e dores. Os argentinos ridicularizavam

paraguaios e brasileiros por este hábito, mas lamentavam não contar com o apoio e

solidariedade feminina.

Joaquim Pimentel fala com admiração de Florisbela, intrépida soldada do 29º Corpo

de Voluntários, que tomava a carabina do primeiro homem que caia e ocupava sua posição na

luta até o fim, quando então, ajudava no hospital cuidando dos que haviam caído em combate.

Florisbela era “transviada” conforme nos diz Pimentel, mulher da vida, sem família, sem

nome; dela só se sabia que nascera no Rio Grande do Sul. Era a temeridade em pessoa e a

abnegação ao extremo. Vê-la com ao lábios enegrecidos de pólvora pela ação de morder o

cartucho, era para os soldados um fator de entusiasmo,chamando-a de “ o anjo da vitória”. A

pátria a esqueceu.

Outra figura destacada é “Maria Curupaiti”, nome dado a Maria Francisca da

Conceição, natural de Pajeú das Flores, Pernambuco. Casada aos treze anos com um cabo de

esquadra do Corpo de Pantaneiros do Exército, converteu-se numa das mulheres mais

admiradas pela tropa. O marido fora destacado para o ataque ao forte de Curuzu. O

comandante, Conde de Porto Alegre, havia proibido que as mulheres seguissem esta 1 Após o alistamento de seus filhos na Guerra a viúva Ana Nery acompanhou-os ao Paraguai convertendo-se em enfermeira abnegada e querida da tropa. Elisa Alice Lynch, irlandesa, casou-se aos quinze anos e separou-se três anos depois. Uniu-se a Solano Lopes, tiveram cinco filhos, vivendo com o Marechal até sua morte em Cerro Corá.

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expedição. Maria estava decidida a acompanhar o marido de qualquer maneira. O embarque

seria de madrugada, a 1º de setembro de 1866. Maria cortou os cabelos, vestiu um uniforme

do esposo, arranjou um boné e insinuou-se nas fileiras por ocasião do embarque.

Entra na luta com o 1º Batalhão, cai o primeiro soldado, ela toma suas armas, cinturão,

cartucheira e avança com a artilharia. O chão cobre-se de mortos. Maria vê o marido cair ao

seu lado, engole as lágrimas e prossegue. Dentro da fortaleza, a luta é de baionetas. Maria

derruba vários soldados. Acaba a batalha, dá sepultura a seu marido. Avança contra Curupaiti,

sendo ferida. Só no hospital aparece a verdade (CERQUEIRA, 1948, p.10).

A admiração e o carinho do 42º Corpo de Voluntários da Pátria era enorme. Dão-lhe o

nome de Maria Curupaiti. Após a guerra, esta mulher admirável, viúva e doente, vivia no Rio

de Janeiro, à míngua, sem recursos.

No ataque paraguaio ao Forte Coimbra em 1864, cerca de setenta mulheres, a maioria

delas esposas de militares fabricaram 3500 balas de fuzil, rasgando pedaços de roupa para

adaptar as balas aos cartuchos com calibre maior( DOURADO, 2005, p.25).

Duas delas, mulheres simples do povo, Aninha Gargalha e Maria Fuzil tiveram seus nomes registrados, quando se aproveitando da escuridão da noite, desceram até o rio em busca de água para os defensores do forte (DOURADO, 2005, p.25).

Dionísio Cerqueira (1948, p.3) relata em “Reminiscências da Campanha do Paraguai”.

“Estas mulheres não tinham medo de coisa alguma. Iam às linhas avançadas mais perigosas, levar a comida aos maridos. Nas linhas mais encarniçadas de atiradores, via-se estas infelizes se aproximarem dos feridos, rasgarem suas saias em ataduras, para lhes estancarem o sangue, montá-los na garupa de seus cavalos e conduzi-los em meio à balas, para os hospitais. Algumas trocavam as amazonas por bombachas nos dias de combate e as pontas de suas lanças se salientavam nas laterais de seus regimentos.”

No alistamento dos Voluntários da Pátria, apresentou-se Jovita Alves Feitosa.

Impedida de alistar-se, cortou os cabelos e apresentou-se ao exército, sendo contudo

descoberta. Nos jornais da época alguns defendiam o papel de Jovita, outros a criticavam. A

guerra para muitos não era o espaço das mulheres que deveriam ficar no mundo privado.

O memorialista lembra que à noite, após o toque de silêncio, não era raro se ouvir um

vagido de criança que nascia. Na manhã seguinte o novo habitante já fazia sua primeira

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marcha, amarrado às costas de alguma china carinhosa ou da própria mãe que com a cabeça

envolvida num lenço vermelho, cavalgava um cavalo magro cuja sela era uma barraca

dobrada presa por uma guasca.

Neste trecho do livro, o autor de Reminiscências, refere-se a estes “filhos do

regimento” de forma inesquecível:

“Criavam-se fortes e livremente, cresciam nos acampamentos espertinhos e vestidos de soldadinhos com um gorro vermelho na cabeça e comendo a magra bóia que com eles e as mães repartiam. Os pais, brutais às vezes, eram quase sempre amorosos e bons (CERQUEIRA, 1948, P.99).

Taunay, em Retirada da Laguna registrou que as mulheres que seguiam a tropa não

tinham quaisquer direitos: remédios, alimentação, abrigo, muitas perecendo em virtude dessa

situação de carência total.

Como vítimas desta guerra brutal, os episódios que envolviam mulheres são inúmeros,

como este ocorrido em 31 de maio de 1869. A força comandada pelo Brigadeiro João Manuel

Mena Barreto, partiu para libertar Vila Rica, cidade paraguaia, onde a população morria de

fome, já na fase de total desorganização do exército lopista.

A coluna brasileira incendiou a Fundição de Ibicui e a fábrica de pólvora trazendo

4000 pessoas, refugiados, em completa inanição, nus, fato que constrangia especialmente as

mulheres, algumas da melhor sociedade. Soldados distribuíram entre elas camisas e camisões

e o estranho cortejo, seguiu sua marcha e destino. Fatos como este foram comuns, até o fim do

conflito.

Até a literatura destacou a presença das mulheres no conflito. Em “Escenas de la

Guerra Del Paraguay y los Caminhos de la Muerte” de Manuel Galvez, romance histórico que

se passa no plano argentino e paraguaio, o autor comentou o hábito dos brasileiros de levarem

suas mulheres e companheiras para a guerra, dizendo que argentinos e uruguaios riam-se de

seus aliados que se entorpeciam com seu exército feminino e uma multidão de carretas para

transportá-lo. Porém reconhecia que os brasileiros tinham quem os cuidassem na enfermidade

e compartilhasse com eles as dificuldades atrozes da marcha.

No Paraguai, já na fase final da luta, a situação das mulheres e crianças era muito pior

que a dos homens combatentes. Viviam praticamente como reféns, responsáveis pelos homens

em caso de deserção ou qualquer outro delito. A fome nestes dias era brutal. Os soldados

recebiam uma ração mínima. As mulheres nada recebiam. Cerca de cem mil mulheres e

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crianças morreram nos últimos seis meses do conflito. Estes fatos são lembrados por Max

Von Versen em sua obra “História da Guerra do Paraguai”.

As mulheres símbolos Ana Nery e Mme. Lynch, cada uma a sua maneira viveram e

participaram dos horrores da luta. Mme. Lynch, mulher de Solano Lopes sobre a qual recaiu o

intenso preconceito e moralismo da época, acompanhou o marido até a morte, perdendo no

último momento também o filho mais velho, “Panchito”, que caiu na defesa da mãe e irmãos.

Enterrou com suas mãos o filho e o marido, para então buscar o caminho do exílio.

Elisa Lynch converteu-se num mito, denominada na época “La Madama”. Sem dúvida

teve importante papel na vida social e política do Paraguai. Suas origens, segundo a própria

Elisa Lynch, era a Ilha irlandesa de Corck, nascendo no seio de uma família de classe média.

Casou-se aos 15 anos com um militar francês, viveu na Argélia, naquela época, colônia

francesa. Separou-se do marido, conhecendo Solano Lopes em Paris. Em 1855, nascia seu

primeiro filho com Lopes, em Buenos Aires. Mudando para Assunção, tiveram mais quatro

filhos, mas mantinham casas separadas.

A chegada de uma elegante européia, trazida de um continente distante pelo filho do presidente, conhecido pelas várias amantes e filhos ilegítimos, provocou um escândalo e despertou a curiosidade de todos os paraguaios.(Dourado, 2005, p.43)

Sua influência na política paraguaia é sempre lembrada. A elite paraguaia e sobretudo

as mulheres desse segmento social demonstravam um forte sentimento de rejeição à Elisa

Lynch. Ditando a moda, inovando costumes, admirada por diplomatas e estrangeiros, atraia a

antipatia social. Após o conflito, foi acusada pelo governo provisório da posse ilegal de bens

particulares e do Estado.Defendeu-se das acusações:

Nada tengo ni poseo ajeno y solo mi posicion de extrangera, de prisionera y desamparada, basta para que muchos quieram aprovecharse. (DOURADO, 2005, P.47)

Durante a recente ditadura de Stroessner (1954-1989), a figura de Lynch sofreu uma

reabilitação histórica, lamentavelmente, desta vez, servindo aos interesses da ditadura

paraguaia que se utilizou do mito, segundo suas necessidades imediatas.

Ainda no Paraguai, irmãs e mãe de Solano Lopes acusadas de tentar envenená-lo,

viveram dias terríveis, quando da descoberta da conspiração contra o presidente. Prisioneiras,

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tiveram melhor sorte, pois a vida lhes foi poupada, outras foram executadas e obrigadas a

assistir o lanceamento de seus filhos , antes de sua execução.

Juliana Insfran, também foi supliciada em virtude de seu marido ser acusado de

traição.

Dona Juliana Insfran de Martinez. Todos los acusados en el processo de conspiración en la misma, menos doña Juliana Insfran de Martinez. Recuerda el coronel Aveiro: Después que el ejército se trasladó a Ita Ybaté el Mariscal dijo un dia al darle cuenta de las declaraciones de nuestro reos “y bien, Juliana no va hablar.”(CARDOSO, 1972, p.207)

Terminou por ser condenada junto a outros acusados de traição.

Son fusilados el o bispo Berges, Benigno Lopes, Barrios, Alen, Juliana Isfran y otros.(CARDOSO, 1972, p.129)

No Paraguai a participação das mulheres na Guerra foi destacada e registrada pelo

governo. Entre as destinadas e residentas, muitas vezes ocorreram momentos de solidariedade.

Cabia a elas todo o trabalho agrícola, sendo contudo as últimas a terem direito à alimentação

(DOURADO, 2005, p.36). A iconografia no Paraguai também registrou a presença feminina

na luta.

Certos episódios revelam a vida nos acampamentos, fora da linha de fogo, nos poucos

momentos de desconcentração da tropa, enriquecendo o folclore da guerra. Conta-se que o

General Osório, muito querido pelos soldados, era bastante bonachão com as mulheres que

acompanhavam oficiais e praças.

Em Tuiuti, Osório adoeceu, sentindo um formigamento e dormência nas pernas. O

acampamento era enorme, daí usar uma pequena carruagem para circular pelo mesmo. Certo

dia, emprestou a carruagem a companheira do Tenente Andrade Neves e recomendou-lhe que

fosse dar um passeio longe dos soldados. A moça entusiasmou-se e levou a carruagem pelos

caminhos do comandante. Muito estimado pelos soldados, a guarda de honra assim que

avistou seu carro, armou-se para o toque em sua honra. Qual a surpresa, quando desce da

mesma, a mocinha, que fazendo coquetes acenos passou a tropa em revista, diante da

espantada soldadesca.

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O comandante da guarda de honra, sem humor, foi se queixar a Caxias, dizendo que

Osório emprestava a carruagem a prostitutas. Caxias então proibiu qualquer homenagem a

não ser ao Comando em Chefe, ou seja: ele próprio.

Osório se entendia bem com as mulheres que sempre iam procurá-lo por diversos

motivos. Quase sempre para rogar-lhe proteção, apoio nas situações difíceis e a todas Osório

recebia, em tom paternal, soltando piadas.

Quando Assunção foi ocupada pelos aliados, a população paraguaia fugiu. Lentamente

seus habitantes foram retornando.Primeiro as mulheres idosas, para explorar o território e logo

apareciam os outros. Haviam deixado seus bens enterrados. Assim que entravam pelas casas

que agora eram ocupadas pelos oficiais pediam para levantar um tijolo ou cavar um buraco, de

onde saiam onças e patacões.

Dionísio Cerqueira comenta que em função deste hábito, quantos tijolos e buracos não

foram abertos pelos novos moradores e sem resultado.

Se um gringo de realejo ou qualquer visitante tocava uma “habanera”, todas

levantavam-se e em verdadeiro delírio punham-se a dançar. Nossos soldados alegremente

formavam os pares apreciando o ritmo. Pelos caminhos, durante a marcha encontravam

mulheres negras e macilentas, com traços de beleza já apagados, cobertas de andrajos, anéis

de ouro e correntes, implorando com as mãos descarnadas, um pouco de farinha, um pedaço

de carne para não morrer de fome. Meninos nus, assustados, amarelos, barrigudos, com as

costelinhas de fora, observavam a passagem do inimigo sem nada entender.

Na Batalha de Acosta Nu, estas crianças, “ninõs combatientes”, cerca de três mil e

quinhentos, foram lançadas contra as tropas brasileiras, para que Solano Lopes escapasse ao

cerco do nosso exército, comandado pelo Conde d’Eu. Toda a crueldade da Guerra está

presente neste episódio, onde nem os paraguaios hesitaram em usar crianças, nem os

brasileiros em eliminá-los.

Terminada a guerra, as residentas tiveram enorme papel na reconstrução nacional do

Paraguai, já que a população masculina do país fora em grande parte dizimada na luta. Muitas

emigraram para o sul de Mato Grosso, província quase despovoada, onde eram raras as

mulheres.

No Brasil as viúvas de soldados enfrentaram inacreditável burocracia para reivindicar

a pensão que tinham direito. As esposas de oficiais eram tratadas com maior boa vontade. Em

1893, Floriano Peixoto determinou que as famílias de soldados mortos ou feridos recebessem

o soldo do posto que ocupavam na guerra (DOURADO, 2005, p.112).

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O Paraguai sofreu uma destruição sem precedentes, abandonando seu modelo

econômico, tornando-se absolutamente dependente do capitalismo inglês, perdendo também

75% da população total. A Guerra tirou desse país a oportunidade de seguir seu próprio

caminho e destino. No Brasil, a situação social não melhorou no pós guerra: cresceu a

escravidão, os soldados negros que voltaram do conflito embora livres, continuavam

marginalizados e as dívidas de guerra comprometeram a economia imperial.

Os jovens oficiais de classe média que ascenderam com a guerra, fizeram forte

oposição à escravidão e à monarquia, terminando por derrubá-la. A presença dos militares, na

História política do país, a partir da Guerra do Paraguai, foi constante. Em todos estes fatos

esta pesquisa buscou dar visibilidade às mulheres envolvidas no longo conflito, discutindo o

papel desses sujeitos históricos esquecidos pela História Oficial.

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