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Revista Estudos Feministas ISSN: 0104-026X [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina Brasil Abu-Lughod, Lila As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus outros Revista Estudos Feministas, vol. 20, núm. 2, mayo-agosto, 2012, pp. 451-470 Universidade Federal de Santa Catarina Santa Catarina, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38123140006 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação

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Revista Estudos Feministas

ISSN: 0104-026X

[email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina

Brasil

Abu-Lughod, Lila

As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? reflexões antropológicas sobre o

relativismo cultural e seus outros

Revista Estudos Feministas, vol. 20, núm. 2, mayo-agosto, 2012, pp. 451-470

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38123140006

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As mulheres muçulmanasAs mulheres muçulmanasAs mulheres muçulmanasAs mulheres muçulmanasAs mulheres muçulmanasprecisam realmente de salvação?precisam realmente de salvação?precisam realmente de salvação?precisam realmente de salvação?precisam realmente de salvação?RRRRReflexões antropológicas sobre oeflexões antropológicas sobre oeflexões antropológicas sobre oeflexões antropológicas sobre oeflexões antropológicas sobre orelativismo cultural e seus Outrosrelativismo cultural e seus Outrosrelativismo cultural e seus Outrosrelativismo cultural e seus Outrosrelativismo cultural e seus Outros

RRRRResumoesumoesumoesumoesumo: Este artigo explora a ética da atual “Guerra ao Terrorismo”, perguntando se aantropologia, disciplina dedicada a entender a diferença cultural e a lidar com ela, pode nosfornecer apoio crítico para as justificações feitas sobre a intervenção no Afeganistão em termosde liberar ou salvar mulheres afegãs. Eu observo primeiramente os perigos da cultura dereificação, aparente nas tendências de afixar ícones culturais claros como as mulheresmuçulmanas sobre confusas dinâmicas históricas e políticas. Posteriormente, chamando atençãopara as ressonâncias entre discursos contemporâneos sobre igualdade, liberdade e direitoscom antigos discursos coloniais e retórica missionária sobre mulheres muçulmanas, euargumento que, em vez disso, nós precisamos desenvolver uma séria avaliação das diferençasentre as mulheres no mundo – como produtos de histórias diferentes, expressões de diferentescircunstâncias e manifestações de desejos distintamente estruturados. Além disso, eu argumentoque, em vez de buscar “salvar” outros (com a superioridade que isso implica e as violências queacarretaria), talvez fosse melhor pensarmos em termos de (1) trabalhar com elas nas situaçõesque reconhecemos como sempre sujeitas a transformações históricas e (2) considerar nossaspróprias e maiores responsabilidades para indicar as formas de injustiça global que sãopoderosas formadoras dos mundos nas quais elas se encontram. Eu desenvolvo muito dessesargumentos a respeito dos limites do “relativismo cultural” através de uma consideração daburca e dos vários significados dos véus no mundo muçulmano.Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: relativismo cultural; mulheres muçulmanas; guerra no Afeganistão; liberdade;injustiça global; colonialismo.

Copyright © 2012 by RevistaEstudos Feministas.1 Este artigo foi publicado pelaAmerican Anthropologist, v. 104,n. 3, p. 783-790, 2002. Traduçãode João Henrique Amorim, bacha-rel em Ciências Sociais, UnB([email protected]) e revi-são da tradução por Soraya

Lila Abu-LughodUniversidade de Columbia

PPPPPonto de vistaonto de vistaonto de vistaonto de vistaonto de vista

Qual é a ética da atual “Guerra ao Terrorismo”, umaguerra que se justifica por ter o sentido de liberar ou salvarmulheres afegãs?1 A antropologia possui algo a oferecerem nossa busca por uma posição viável a assumir emrelação a essa base lógica para a guerra?

Eu fui levada a questionar meu título em parte porcausa da forma com que eu pessoalmente experimentei a

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resposta à guerra americana no Afeganistão. Como muitoscolegas cujo trabalho focou-se em mulheres e gênero noOriente Médio, eu fui inundada com convites para falar –não apenas em programas de notícias, mas também paravários departamentos em faculdades e universidades,especialmente programas de estudos femininos. Por que issonão me agradou, uma estudiosa que devotou mais de 20anos de sua vida a esse assunto e que teve algumasconexões pessoais complicadas com sua identidade? Aquiestava uma oportunidade de espalhar a palavra, disseminarmeu conhecimento e corrigir más interpretações. A buscaurgente por conhecimento a respeito de nossas irmãs“mulheres de cobertura” (como o presidente George Bushtão maravilhosamente as chamou) é louvável quando vemde programas de estudo feminino nos quais “feminismotransnacional” está agora sendo levado a sério, tem certaintegridade.2

Meu desconforto me levou a refletir sobre o porquê,como feministas no ou do Ocidente, ou simplesmente comopessoas que possuem preocupações sobre a vida dasmulheres, nós precisamos estar atentos para essa respostaaos eventos e resultados do 11 de setembro de 2001. Eu queroapontar os campos minados – uma metáfora que é infelizmentemuito adequada para um país como o Afeganistão, com omaior número de minas per capita – dessa obsessão com osofrimento das mulheres muçulmanas. Eu espero mostraralgum caminho através delas utilizando conhecimentos daantropologia, a disciplina cuja incumbência tem sidoentender e gerenciar diferenças culturais. Ao mesmo tempo,eu quero permanecer crítica da cumplicidade daantropologia na reificação da diferença cultural.

Explicações culturais e a mobilizaçãoExplicações culturais e a mobilizaçãoExplicações culturais e a mobilizaçãoExplicações culturais e a mobilizaçãoExplicações culturais e a mobilizaçãodas mulheresdas mulheresdas mulheresdas mulheresdas mulheres

É mais fácil ver por que se deveria ser cético a respeitodo foco na “mulher muçulmana” se se começa com aresposta pública dos Estados Unidos. Eu analisarei duasmanifestações dessa resposta: algumas conversas que eutive com uma repórter do PBS News Hour, com Jim Lehrer, e odiscurso no rádio da primeira-dama, Laura Bush, dirigido ànação em 17 de novembro de 2001. O apresentador doprograma News Hour me contatou inicialmente em outubropara ver se eu desejaria dar algum segundo plano para umsegmento a respeito de mulheres e o Islã. Eu maliciosamenteperguntei se ela havia feito segmentos sobre as mulheresda Guatemala, da Irlanda, da Palestina ou da Bósniaquando o programa cobria guerras nessas regiões; mas eufinalmente concordei em olhar as questões que ela iria

Fleischer, professora do Departa-mento de Antropologia, UnB([email protected]).

2 Ver William SAFIRE, 2001.

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submeter aos participantes da mesa-redonda. As questõeseram desesperadoramente generalistas. As mulheresmuçulmanas acreditam em ‘x’? As mulheres muçulmanassão ‘y’? O Islã permite ‘z’ para as mulheres? Eu perguntei: sevocê fosse substituir por “cristãs” ou “judias” todos os lugaresonde aparece “muçulmanas”, essas questões fariamsentido? Eu não imaginei que ela fosse me ligar novamente.Mas ela ligou duas vezes, uma vez com uma ideia para umsegmento sobre o significado do Ramadã e outra vez sobremulheres muçulmanas na política. Uma foi em resposta aobombardeio e outra aos discursos de Laura Bush e CherieBlair, esposa do primeiro-ministro britânico.

O que é admirável sobre essas duas ideias paraprogramas de notícias é que havia um recurso consistenteao cultural, como se sabendo algo a respeito de mulheres edo Islã ou o significado de um ritual religioso fosse ajudar aentender o trágico ataque ao World Trade Center em NovaYork e ao Pentágono, ou como o Afeganistão veio a serdominado pelo Talibã, ou quais interesses moveram osEstados Unidos e outras intervenções na região durante osúltimos 25 anos, ou o que deve ter sido a história do apoioamericano a grupos conservadores com o fundamento deminar os soviéticos, ou porque as cavernas e as casamatasdas quais Bin Laden deveria forçosamente ser retirado “vivoou morto”, como o presidente Bush anunciou na televisão,foram pagas e construídas pela CIA.

Em outras palavras, a questão é por que saber sobrea “cultura” da região e particularmente suas crençasreligiosas e o tratamento dispensado às mulheres era maisurgente do que explorar a história e o desenvolvimento dosregimes repressivos na região e o papel dos Estados Unidosnessa história. Tal enquadramento cultural, me pareceu,obstava a exploração séria das raízes e da natureza dosofrimento humano nessa parte do mundo. Em vez deexplicações políticas e históricas, solicitavam-se dosespecialistas explicações culturais. Em vez de questões quetalvez levassem à exploração das interconexões globais,ofereceram-nos outras que serviam para artificialmentedividir o mundo em esferas separadas – recriando umageografia imaginária do Ocidente em oposição ao Oriente,nós em oposição aos muçulmanos, culturas nas quaisprimeiras-damas dão discursos em oposição a outras nasquais as mulheres andam contidas e silenciosas em burcas.

Mais premente para mim era por que as mulheresmuçulmanas em geral, e as afegãs em particular, eram tãocruciais para esse modo cultural de explicação, o qualignorava o complexo enredo no qual todos estamosenvolvidos, em alinhamentos algumas vezes surpreendentes.Por que esses símbolos femininos foram mobilizados nessa

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“Guerra contra o Terrorismo” de uma forma que eles nãoforam em outros conflitos? O discurso de rádio que LauraBush dirigiu à nação em 17 de novembro revela o trabalhopolítico que tal mobilização efetua. Por um lado, seudiscurso arruinou distinções importantes que deveriam tersido mantidas. Havia um constante deslizamento entre oTalibã e os terroristas, de forma que eles quase se tornaramuma única palavra – um tipo de identidade de monstrohifenizada: o talibã-e-os-terroristas. Depois havia oobscurecimento das bem separadas causas, noAfeganistão, da continuada desnutrição feminina, pobrezae saúde precária, e sua mais recente exclusão, sob o Talibã,do emprego, da educação e das alegrias de utilizar esmaltede unha. Por outro lado, seu discurso reforçava algumasdivisões abismais, primariamente entre os “povos civilizadospelo mundo” cujos corações se partiam pelas mulheres epelas crianças do Afeganistão e os talibãs-e-os-terroristas,os monstros culturais que querem, como mencionou, “imporseus mundos sobre o resto de nós”.

De forma mais esclarecedora, o discurso angariavamulheres para justificar o bombardeio americano e aintervenção no Afeganistão e para defender a “Guerra aoTerrorismo” do qual ela era supostamente uma parte. Comodisse Laura Bush,

Por causa de nossos recentes ganhos militares emboa parte do Afeganistão, as mulheres não mais estãoaprisionadas em suas casas. Elas podem ouvir músicae ensinar suas filhas sem medo de punição. A lutacontra o terrorismo é também uma luta pelos direitose dignidade das mulheres.3

Essas palavras têm ressonâncias assombrosas paraqualquer um que estudou história colonial. Muitos quetrabalharam com colonialismo britânico no sul asiáticonotaram o uso da questão feminina nas políticas coloniaisem que intervenção no sati (a prática de viúvas de seautoimolarem nas piras funerárias de seus maridos),casamento infantil e outras práticas foram usados parajustificar o domínio. Como Gayatri Chakravorty Spivak4

cinicamente colocou: homens brancos salvando mulheresmarrons de homens marrons. O registro histórico é cheio decasos similares, inclusive no Oriente Médio. Em Women andGender in Islam, o que Leila Ahmed5 chamou de “feminismocolonial” estava firmemente funcionando. Essa era umapreocupação seletiva a respeito da situação das mulheresegípcias que focava no véu como um signo de opressão,mas não dava qualquer apoio à educação feminina e eraprofessada em alta voz pelo mesmo inglês, Lord Cromer,que se opusera ao sufrágio feminino em seu país.

3 Laura Bush citada por U.S.GOVERNMENT, 2002.

4 Gayatri Chakravorty SPIVAK,1988.

5 Leila AHMED, 1992.

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A socióloga Marnia Lazreg6 ofereceu alguns exemplosvívidos de como o colonialismo francês angariou mulherespara sua causa na Argélia. Ela escreve:

Talvez o mais espetacular exemplo de apropriaçãocolonial das vozes femininas e o silenciamentodaquelas entre elas que tinham começado a tomarmulheres revolucionárias... como papéis modelo pornão vestir o véu, foi o evento de 16 de maio de 1958[apenas quatro anos antes de a Argélia finalmenteganhar sua independência da França depois de umlongo conflito sangrento e 130 anos de controlefrancês]. Naquele dia a demonstração foi organizadapor generais franceses sublevados em Argel paramostrar a determinação deles de manter a Argéliafrancesa. Para dar ao governo da França evidênciade que argelinos estavam de acordo com eles, osgenerais arranjaram alguns milhares de homensnativos, levados de ônibus das vilas próximas até olocal, junto com algumas mulheres das quais o véu foisolenemente retirado por mulheres francesas.Arrebanhar argelinos e trazê-los para demonstraçõesde lealdade à França não era em si um ato incomumdurante a era colonial. Mas retirar o véu de mulheresnuma tão bem coreografada cerimônia acrescentouao evento uma dimensão simbólica que dramatizavaa característica constante da ocupação argelina pelaFrança: sua obsessão com as mulheres.

Lazreg7 também dá exemplos memoráveis da formapela qual os franceses tinham anteriormente buscadotransformar mulheres e garotas árabes. Ela descreve cenasde cerimônias na Escola Muçulmana de Garotas, na Argélia,em 1851 e 1852. Na primeira cena, escrita por “uma damafrancesa da Argélia”, duas garotas árabes argelinasrecordam sua viagem para a França com palavras queincluíam o seguinte:

Oh! Protetora França! Oh! Hospitaleira França!...Nobre terra, onde me senti livreSob céus cristãos para rezar ao nosso Deus...Deus os abençoe pela felicidade que nos trazem!E você, mãe adotiva, que nos ensinouQue nós temos uma porção desse mundo,Nós a estimaremos para sempre!

Faz-se com que essas garotas invoquem a dádivade uma porção desse mundo, um mundo onde a liberdadereina sob os céus cristãos. Esse não é o mundo que o talibã-e-os-terroristas “gostariam de impor ao resto de nós”.

Tal como argumentei acima que precisamossuspeitar quando nítidos ícones culturais são afixados sobrenarrativas políticas e históricas mais desordenadas, também

6 Marnia LAZREG, 1994, p. 135.

7 LAZREG, 1994, p. 68-69.

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precisamos estar alerta quando Lord Cromer no Egito sobdomínio britânico, damas francesas na Argélia e Laura Bush,com todas as tropas militares detrás deles, clamam estarsalvando ou libertando mulheres muçulmanas.

PPPPPolítica do véuolítica do véuolítica do véuolítica do véuolítica do véu

Eu quero olhar agora mais de perto aquelas mulheresafegãs que Laura Bush afirmou estarem “regozijantes” porsua liberação pelos americanos. É necessária umadiscussão acerca do véu, ou da burca, porque isso é muitocentral para as preocupações contemporâneas sobre asmulheres muçulmanas. Isso lançará o palco para umadiscussão sobre como antropólogas, as feministas emparticular, discutem o problema da diferença em um mundoglobalizado. Na conclusão, retornarei à retórica de salvarmulheres muçulmanas e oferecerei uma alternativa.

É sabedoria popular comum que o sinal maissignificativo da opressão das mulheres afegãs sob o regimedo Talibã e dos terroristas é que elas são forçadas a vestir aburca. Os liberais às vezes confessam sua surpresa emrelação ao fato de que, apesar de o Afeganistão ter sidoliberado do Talibã, as mulheres parecem não estar jogandofora as suas burcas. Alguém que trabalhou em regiõesmuçulmanas deve perguntar por que isso é tãosurpreendente. Esperávamos que, uma vez “livres” do Talibã,elas iriam “retornar” a camisetas curtas e jeans, ou tirar apoeira de seus trajes Chanel? Precisamos ser mais sensíveissobre a vestimenta das mulheres cobertas, e, portanto, talvezhaja necessidade de apresentar alguns pontos básicos sobreo uso do véu.

Primeiro, é preciso lembrar que o Talibã não inventoua burca. É a forma de cobertura que as mulheres pashtunem determinada região usavam quando saíam. Os pashtunsão um dos diversos grupos étnicos no Afeganistão, e a burcaera uma das muitas formas de vestimenta no subcontinentee no Sudoeste da Ásia que se desenvolveram como umaconvenção para simbolizar a modéstia ou respeitabilidadeda mulher. A burca, como algumas outras formas de“cobertura”, marcou, em muitos pontos, a separaçãosimbólica entre as esferas masculina e feminina, como umaparte da associação geral de mulheres com família e casa,e não com o espaço público onde os estranhos se misturam.

Vinte anos atrás, a antropóloga Hanna Papanek,8

que trabalhou no Paquistão, descreveu a burca como uma“reclusão portátil”. Ela notou que muitos a viam como umainvenção libertadora, porque permitia às mulheres saíremde espaços segregados ainda observando os requisitosmorais básicos de separar e proteger as mulheres de homens

8 Hanna PAPANEK, 1982.

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com quem não se relacionavam. Desde que me depareicom sua frase “reclusão portátil”, pensei em “casas móveis”.Em todos os lugares, a utilização desse tipo de coberturasignifica pertencimento a uma comunidade particular eparticipação em um modo de vida moral no qual as famíliassão o centro da organização das comunidades e a casa éassociada com a santidade da mulher.

A questão óbvia que segue é esta: se fosse esse ocaso, por que as mulheres subitamente se tornariam nãomodestas? Por que elas subitamente jogariam fora a marcade sua respeitabilidade, marcas, quer burcas ou outrasformas de cobertura, que servem ao propósito de assegurarsua proteção na esfera pública do assédio de homensestranhos por sinalizar simbolicamente a todos que elasainda estavam no espaço inviolável de suas casas, aindaque se movendo no espaço público? Especialmentequando essas são formas de vestimenta que se tornaramtão convencionais que a maioria das mulheres dava poucaimportância ao seu significado.

Para desenhar algumas analogias, nenhuma delasperfeita, por que estamos surpresos pelo fato de as mulheresafegãs não jogarem fora suas burcas, quando sabemosperfeitamente que não seria apropriado usar shorts em umaópera? Na época em que estavam explodindo essasdiscussões sobre as burcas das mulheres afegãs, uma amigaminha foi repreendida por seu marido por sugerir que queriausar calças em um casamento chique: “Você sabe que nãose vestem calças em um casamento da alta sociedade”,ele lembrou. Os nova-iorquinos sabem que as belamentepenteadas mulheres hassídicas, que parecem tão na modaao lado de seus maridos de ternos e chapéus pretos, estãousando perucas. Isso ocorre porque a crença e os padrõesde propriedade da comunidade requerem que o cabeloseja coberto. Elas também alteram o modelo dos vestidospara incluir golas altas e mangas compridas. Como sabemperfeitamente bem os antropólogos, as pessoas vestem aforma de roupa apropriada para suas comunidades sociaise são guiadas por padrões sociais compartilhados, crençasreligiosas e ideias morais, a menos que transgridamdeliberadamente para defender uma opinião ou sejamincapazes de pagar por cobertura apropriada. Se pensamosque as mulheres dos EUA vivem em um mundo de escolhasem relação à roupa, tudo o que precisamos fazer é noslembrarmos da expressão “a tirania da moda”.

O que aconteceu no Afeganistão sob o regime doTalibã é que um estilo regional de cobertura ou de uso dovéu, associado a certa classe respeitável, mas não de elite,foi imposto a todos como “religiosamente” apropriado,apesar de ter havido previamente muitos estilos diferentes,

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populares ou tradicionais com diferentes grupos e classes –diferentes formas de marcar a propriedade da mulher ou,em tempos mais recentes, a virtude religiosa. Apesar de eunão ser uma especialista em Afeganistão, eu imagino quea maioria das mulheres deixadas no Afeganistão na épocaem que o Talibã tomou o controle foram as da zona rural ouas menos educadas, de famílias que não eram da elite, jáque foram as únicas que não puderam emigrar paraescapar da dureza e da violência que marcaram a históriarecente do Afeganistão. Se liberadas do uso forçado daburca, a maioria dessas mulheres escolheriam alguma outraforma de cobertura modesta da cabeça, como todosaqueles vivendo próximos que não estavam sob o Talibã –as suas contrapartes hindus rurais no Norte da Índia (quecobrem suas cabeças e usam véu sobre as faces napresença de desconhecidos) ou suas irmãs muçulmanasno Paquistão.

Mesmo o The New York Times veiculou um artigo sobreas mulheres afegãs refugiadas no Paquistão que tentoueducar os leitores sobre essa variedade local.9 O artigodescreve e ilustra tudo desde a agora icônica burca com osburacos bordados para os olhos, que uma mulher pashtunexplica como sendo a vestimenta própria para a suacomunidade, até os grandes lenços que elas chamam dechadors e o novo vestido modesto islâmico que as usuáriaschamam de hijab. Aquelas que usam o novo vestidoislâmico são caracteristicamente estudantes objetivandocarreiras profissionais, especialmente na medicina, tal comosuas contrapartes do Egito à Malásia. Alguém vestindo olenço longo era uma diretora de escola, a outra uma pobrevendedora de rua. Este é o comentário de uma jovemvendedora de rua: “Se eu usasse (a burca), os refugiadosme perseguiriam porque a burca é para as ‘boas mulheres’que ficam dentro de suas casas”.10 Aqui você pode ver ostatus local associado à burca – é para mulheres boas erespeitáveis de famílias fortes que não são forçadas a ganhara vida vendendo nas ruas.

O jornal britânico The Guardian publicou umaentrevista em janeiro de 2002 com a Dr.a Suheila Siddiqi,uma respeitada cirurgiã no Afeganistão que possui o graude vice-general no corpo médico Afegão.11 Uma mulher nacasa dos 60, ela vem de uma família de elite e, como suasirmãs, foi educada. Ao contrário da maioria das mulheresde sua classe, ela escolheu não ir para o exílio. Ela éapresentada no artigo como “A mulher que ficou de pé frenteao Talibã” porque ela se recusou a usar a burca. Ela fezdisso uma condição para retornar ao seu posto como chefede um grande hospital quando o regime Talibã veio implorarem 1996, apenas oito meses após despedi-la juntamente

9 Ruth FREMSON, 2001.

11 Suzanne GOLDENBERG, 2002.

10 Citada por FREMSON, 2001, p.14.

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com outras mulheres. Siddiqi é descrita como magra,glamorosa e confiante. Mas mais adiante no artigo se notaque seu bufante cabelo grisalho é coberto por um véu. É umlembrete de que, embora tenha se recusado a usar a burca,ela não teve questionamentos sobre a utilização do chadorou do lenço.

Finalmente, preciso levantar um ponto crucial arespeito do uso do véu. Não apenas há muitas formas decobertura, que têm elas mesmas significados diferentes nascomunidades nas quais são usadas, mas também o própriouso do véu não deve ser confundido e nem usado comopadrão para a falta de agência. Como argumentei emminha etnografia de uma comunidade beduína no Egitono fim dos anos 1970 e nos anos 1980 (1986), puxar o capuznegro sobre a face diante de homens mais velhos erespeitados é considerado um ato voluntário por parte dasmulheres que estão profundamente comprometidas com ocomportamento moral e que têm um senso de honra atadoà família. Uma das formas de mostrarem sua posição é cobrirsuas faces em certos contextos. Elas decidem diante de quemé apropriado usar o véu.

Para usar um caso muito diferente, o vestido modestoislâmico atual que muitas mulheres educadas têm usadopelo mundo muçulmano desde a metade da década de1970 agora marca publicamente a devoção e pode servisto como sinal de sofisticação urbana educada, umaespécie de modernidade.12 Como Saba Mahmood13 mostroutão brilhantemente em sua etnografia das mulheres nomovimento das mesquitas no Egito, essa nova forma devestido também é percebida por muitas das mulheres quea adotam como parte de uma forma corporal de cultivar avirtude, o advento de seu desejo professo de estarempróximas a Deus.

Dois pontos emergem dessa discussão básica dossignificados do uso do véu no mundo muçulmanocontemporâneo. Primeiro, precisamos trabalhar contra ainterpretação reducionista do véu como a quinta-essênciados sinais da falta de liberdade das mulheres, mesmo quenos oponhamos à imposição estatal dessa forma, como noIrã ou com o Talibã (é preciso lembrar que os estados emmodernização como a Turquia e Irã tinham, no início doséculo, banido o uso do véu e requerido aos homens, excetoaos clérigos religiosos, que adotassem a vestimentaocidental). O que significa a liberdade se aceitarmos apremissa fundamental de que os humanos são seres sociais,sempre criados em certos contextos sociais e históricos epertencentes a comunidades particulares que dão forma aseus desejos e entendimentos do mundo? Não é uma grandeviolação aos entendimentos próprios das mulheres do que

12 e.g., Lila ABU-LUGHOD, 1995 e1998; Suzanne BRENNER, 1996;Fadwa EL GUINDI, 1999; ArleneMACLEOD, 1991; e Aihwa ONG,1990.13 Saba MAHMOOD, 2001.

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elas estão fazendo simplesmente denunciar a burca comouma imposição medieval? Segundo, devemos tomarcuidado para não reduzir as diversas situações e atitudesde milhões de mulheres muçulmanas para uma única peçade roupa. Talvez seja hora de desistir da obsessãoamericana com o véu e focar em questões mais sérias comas quais as feministas e outras deveriam de fato estarpreocupadas.

Por último, o significante problema político-ético quea burca levanta é como lidar com os “outros” culturais. Comodevemos lidar com a diferença sem aceitar a passividadeassumida pelo relativismo cultural pelo qual os antropólogossão famosos – um relativismo que diz que é a cultura deles eque não é da minha conta julgar ou interferir, apenas tentarentender. O relativismo cultural é certamente uma melhoraem relação ao etnocentrismo e ao racismo, ao imperialismocultural e à imperiosidade intrínseca a ele; o problema éque é muito tarde para interferir. As formas de vidas queencontramos ao redor do mundo já são produtos de longashistórias de interações.

Eu quero explorar as questões da mulher e dorelativismo cultural e os problemas da “diferença” a partir detrês ângulos. Primeiro, eu quero considerar o que antropólogasfeministas (aquelas presas àquela relação inconveniente,como Strathern14 afirmou) farão em relação às aliançaspolíticas estranhas. Eu costumava me sentir dividida quandorecebia por e-mail as petições que circularam ao longo dosúltimos anos em defesa das mulheres afegãs sob o regime doTalibã. Eu não era a favor do dogmatismo do Talibã. Eu nãoapoio a opressão das mulheres. Mas a proveniência dacampanha me preocupava. Eu não costumo me ver nacompanhia política de celebridades de Hollywood.15 Eununca tinha recebido uma petição de tais mulheresdefendendo o direito das mulheres palestinas à segurançacontra os bombardeios israelenses ou perseguição diária nospontos de fiscalização das estradas, pedindo aos EstadosUnidos que reconsiderassem seu apoio a governos que asexpropriaram, as privaram do trabalho e dos direitos decidadãs, e lhes negaram as mais básicas liberdades. Talvezalgumas dessas mesmas pessoas possam estar assinandopetições para salvar as mulheres africanas da mutilaçãogenital ou mulheres indianas da morte pelo dote. Entretanto,eu não acho que seria igualmente fácil mobilizar tantasdessas mulheres americanas e europeias se não fosse umcaso de homens muçulmanos oprimindo mulheresmuçulmanas – mulheres em relação às quais elas podemsentir pena e se sentir soberbamente superiores. A diva datelevisão Oprah Winfrey receberia em seu programa a Womenin Black, o grupo pacifista de mulheres de Israel, como fez

14 Marilyn STRATHERN, 1987.

15 Ver Charles HIRSCKIND e SabaMAHMOOD, 2002.

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com a Associação Revolucionária das Mulheres doAfeganistão (Rawa), que também recebeu o prêmio de Mulherdo Ano da revista Glamour Magazine? O que faremos dos“Reality Tours” pós-Talibã, como o que foi divulgado na internetpela Global Exchange para março de 2002 sob o título:“Coragem e tenacidade: a delegação de uma mulher parao Afeganistão”? A razão para o tour de US$ 1.400,00 é que,“com a remoção do governo Talibã, as mulheres afegãs, pelaprimeira vez desde a última década, têm a oportunidade dereclamar seus direitos humanos básicos e estabelecer seupapel como cidadãs iguais por participar na reconstruçãoda nação”. O objetivo do tour, celebrar a SemanaInternacional da Mulher, é “desenvolver a percepção dosproblemas e questões que as mulheres afegãs estãoenfrentando, bem como testemunhar a mudança dascondições políticas, econômicas e sociais que criaram novasoportunidades para as mulheres do Afeganistão”.16

Ser crítico em relação a tal celebração dos direitosdas mulheres no Afeganistão não é julgar quaisquerorganizações femininas locais, como a Rawa, cujos membrostêm trabalhado corajosamente desde 1977 por umAfeganistão democrático e secular no qual os direitoshumanos das mulheres sejam respeitados, contra regimesapoiados por soviéticos ou conservadores americanos,sauditas ou paquistaneses. Sua documentação do abusoe seu trabalho por clínicas e escolas têm sido enormementeimportantes.

Também não é culpar as campanhas que expuseramas terríveis condições sob as quais o Talibã colocou asmulheres. A campanha Feminist Majority ajudou a pôr fimao acordo secreto sobre o duto de petróleo entre o Talibã ea multinacional americana Unocal, que seguia contandocom o apoio da administração americana. As campanhasfeministas ocidentais não devem ser confundidas com ashipocrisias do novo feminismo colonial de um presidenterepublicano que não foi eleito por sua posição em questõesfeministas ou de administrações que minimizaram o terrívelregistro de violações de mulheres pelos aliados dos EUA naAliança do Norte, como documentado pela Human RightsWatch e pela Anistia Internacional, entre outras. Estupros eataques eram generalizados no período de lutas internasque devastaram o Afeganistão antes de o Talibã vir pararestaurar a ordem.

É, entretanto, sugerir que precisamos olhar de perto oque nós estamos apoiando (e o que não estamos) e pensarcuidadosamente sobre o porquê. Como deveríamos lidarcom a complicada política e ética de nos vermos em acordocom aqueles de quem normalmente discordamos? Eu nãosei como muitas feministas que se sentiram bem ao salvar

16 GLOBAL EXCHANGE, 2002.

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mulheres afegãs do Talibã também estão pedindo por umaredistribuição global da riqueza ou contemplando sacrificarseu próprio consumo radicalmente para que mulheresafricanas ou afegãs possam ter alguma chance de possuiro que eu acredito que deveria ser um direito humanouniversal – o direito a estar livre da violência estrutural, dadesigualdade global e da devastação da guerra; os direitosdiários de ter algo para comer, ter casas onde suas famíliaspossam viver e prosperar, ter meios de subsistência decentespara que seus filhos possam crescer e ter a força e segurançapara trabalhar, dentro de suas comunidades e comquaisquer alianças que desejem, e viver uma boa vida, oque pode muito bem incluir mudar a forma como essascomunidades estão organizadas.

A suspeita acerca dos aliados é apenas o primeiropasso; não vai nos dar uma forma de pensar maispositivamente sobre o que fazer ou como se posicionar. Paratanto, nós precisamos nos confrontar com duas questõesmaiores. A primeira é a aceitação da possibilidade dadiferença. Nós só podemos libertar as mulheres afegãs paraserem como nós ou será que devemos reconhecer que,mesmo após a “liberação” em relação ao Talibã, elaspossam querer coisas diferentes daquelas que desejaríamospara elas? O que fazer em relação a isso? Segundo, nósprecisamos ser vigilantes em torno da retórica de salvarpessoas por conta do que isso implica nossas atitudes.

Novamente, quando eu falo em aceitar a diferença,eu não estou supondo que deveríamos nos resignar a serrelativistas culturais que respeitam o que quer que aconteçaem outros lugares como sendo “apenas a cultura deles”. Eujá discuti os perigos das explicações “culturais”; as culturas“deles” fazem tanto parte da história e de um mundointerconectado quanto a nossa faz. O que advogo é otrabalho duro envolvido em reconhecer e respeitar asdiferenças – precisamente como produtos de diferenteshistórias, como expressões de diferentes circunstâncias ecomo manifestações de desejos diferentemente estruturados.Nós podemos querer a justiça para as mulheres, maspodemos aceitar que pode haver ideias diferentes sobre ajustiça e que mulheres diferentes podem querer, ou escolher,futuros diferentes daqueles que vislumbramos como sendomelhores?17 Nós precisamos considerar que eles possam sertrazidos para a individualidade, por assim dizer, em umalinguagem diferente.

Relatórios da Conferência de Paz de Bonn, realizadano fim de novembro para discutir a reconstrução doAfeganistão, revelaram diferenças significativas entre aspoucas mulheres feministas e as ativistas afegãs presentes. Aposição da Rawa foi no sentido de rejeitar qualquer

17 Ver ONG, 1988.

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aproximação conciliatória à governança islâmica. De acordocom um relatório que li, a maioria das mulheres ativistas,especialmente aquelas localizadas no Afeganistão queestavam a par das realidades no campo, concordaram queo Islã teria que ser o ponto de partida para a reforma. FátimaGailani, uma conselheira das delegações nos EUA, teria dito:“Se eu for ao Afeganistão hoje e pedir votos às mulheres pelapromessa de trazer-lhes secularismo, elas me dirão para irpara o inferno”. Em vez disso, de acordo com o relatório, amaior parte dessas mulheres buscava em um lugar que podeparecer surpreendente a inspiração sobre como lutar porigualdade. Elas olhavam para o Irã como um país onde viamas mulheres fazendo avanços significativos em um contextoislâmico – em parte através de um movimento feministaorientado pelo Islã que está desafiando as injustiças ereinterpretando a tradição religiosa.

A situação no Irã é, ela mesma, objeto de debateacirrado entre os ciclos feministas, especialmente entre asfeministas iranianas no Oeste.18 Não é claro se e de que formasas mulheres obtiveram avanços e se o grande crescimentoda instrução, a diminuição da taxa de natalidade, apresença de mulheres nas profissões e no governo e umflorescimento feminista nos campos culturais como a literaturae o cinema ocorrem por conta, ou apesar, do estabelecimentode uma dita República Islâmica. O conceito de um feminismoislâmico é, ele mesmo, controverso. É ele um oximoro ou serefere a um movimento viável forjado por mulheres corajosasque desejam uma terceira via?

Uma das coisas a respeito das quais devemos sermais cuidadosos ao pensar nas feministas do Terceiro Mundoe no feminismo em diferentes partes do mundo muçulmanoé como não cair em polarizações que colocam o feminismodo lado do Ocidente. Eu escrevi a respeito dos dilemasencarados por feministas árabes quando as feministasocidentais iniciam campanhas que as tornam vulneráveisa denúncias locais, da parte de conservadores de todos ostipos, quer islâmicos, quer nacionalistas, de serem traidoras.19

Tal como alguns semelhantes a Afsaneh Najmabadiargumentam agora, não só é errado ver a história de maneirasimplista em termos de uma oposição putativa entre o Islã eo Ocidente (como tem acontecido agora nos EUA e comoaconteceu paralelamente no mundo muçulmano), mastambém é estrategicamente perigoso aceitar essa oposiçãocultural entre o Islã e o Ocidente, entre o fundamentalismo eo feminismo, porque aquelas muitas pessoas dentro depaíses islâmicos que estão tentando encontrar alternativasàs injustiças presentes, aquelas que possam querer rejeitara divisão e misturar diferentes histórias e culturas, que nãoaceitam que ser feminista significa ser ocidental, estarão

18 Ziba MIR-HOSSEINI, 1999; HaidehMOGHISSI, 1999; e AfsanehNAJMABADI, 1998 e 2000.

19 ABU-LUGHOD, 2001.

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sob pressão para escolher, tal como nós estamos: Você estáconosco ou está contra nós?

Meu ponto é lembrar-nos de estar atentos àsdiferenças, de ser respeitosos em relação a outros caminhosque levem à mudança social e que possam trazer àsmulheres vidas melhores. Pode haver uma liberação queseja islâmica? E, além disso, será a liberação realmente umobjetivo pelo qual todas as mulheres ou o povo se esforçam?Emancipação, igualdade e direitos são parte de umalinguagem universal que nós devemos usar? Citando SabaMahmood, ao escrever sobre as mulheres no Egito que estãobuscando se tornar muçulmanas devotas,

O desejo pela liberdade e liberação é um desejohistoricamente situado, cuja força motivacional nãopode ser assumida a priori, mas precisa serreconsiderada à luz de outros desejos, aspirações ecapacidades inerentes a um sujeito culturalmente ehistoricamente localizado.20

Em outras palavras, poderiam outros desejos ser maissignificativos para diferentes grupos de pessoas? Viver emfamílias unidas? Viver próximo de Deus? Viver sem guerra?Eu fiz trabalho de campo no Egito por mais de 20 anos e nãoconsigo pensar em uma única mulher que conheça, damais pobre na zona rural à mais educada cosmopolita,que tenha de qualquer forma expressado inveja dasmulheres norte-americanas, mulheres que elas tendem aperceber como sendo despojadas da comunidade,vulneráveis à violência sexual e exclusão social, dirigidasmais pelo sucesso individual que pela moralidade, ouestranhamente desrespeitosas em relação a Deus.

Mahmood21 apontou uma coisa perturbadora queacontece quando alguém discute o respeito por outrastradições. Ela nota que parece haver uma diferença nasdemandas políticas feitas àqueles que trabalham ou estãotentando entender os muçulmanos e os islâmicos e àquelesque trabalham em projetos secular-humanitários. Ela, queestuda o movimento de devoção no Egito, é consistentementepressionada a denunciar todo o mal feito pelos movimentosislâmicos ao redor do mundo – de outra forma, ela é acusadade ser apologista. Mas nunca parece haver demandaparalela para aqueles que estudam o humanismo secular eseus projetos, apesar das terríveis violências que foramassociadas a ele através dos últimos dois séculos, de guerrasmundiais ao colonialismo, dos genocídios à escravização.Nós precisamos ter tão pouca fé dogmática no humanismosecular quanto no islamismo, e a mesma mente aberta paraas possibilidades complexas dos projetos humanos realizadostanto em uma tradição como na outra.

20 MAHMOOD, 2001, p. 223.

21 MAHMOOD, 2001.

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AS MULHERES MUÇULMANAS PRECISAM REALMENTE DE SALVAÇÃO?

PPPPPara ara ara ara ara alémalémalémalémalém da retórica da salvação da retórica da salvação da retórica da salvação da retórica da salvação da retórica da salvação

Retornemos, finalmente, ao meu título: “As mulheresmuçulmanas precisam de salvação?”. A discussão da cultura,do uso do véu e de como se pode navegar pelo terreno incertoda diferença cultural deveriam lançar uma luz distinta sobrea autocongratulação de Laura Bush acerca do regozijo dasmulheres afegãs liberadas pelas tropas americanas. Éprofundamente problemático construir a mulher afegã comoalguém que precisa de salvação. Quando se salva alguém,assume-se que a pessoa está sendo salva de alguma coisa.Você também a está salvando para alguma coisa. Queviolências estão associadas a essa transformação e quaispresunções estão sendo feitas sobre a superioridade daquilopara o qual você a está salvando? Projetos de salvar outrasmulheres dependem de, e reforçam, um senso desuperioridade por parte dos ocidentais, uma forma dearrogância que merece ser desafiada. Tudo o que se precisafazer para vislumbrar a qualidade condescendente daretórica de salvar mulheres é imaginar utilizá-la hoje nosEstados Unidos em relação a grupos em desvantagem, comomulheres afro-americanas ou mulheres proletárias. Nós agoraentendemos que elas sofrem uma violência estrutural. Tornamo-nos politizados acerca de raça e de classe social, mas nãoem relação à cultura.

Como antropólogas, feministas ou cidadãsengajadas, deveríamos tomar cuidado ao entrar na peledas cristãs missionárias do século XIX que devotaram suasvidas a salvar suas irmãs muçulmanas. Um dos meusdocumentos favoritos daquele período é uma coleçãochamada Nossas irmãs muçulmanas, os procedimentos deuma conferência de mulheres missionárias realizada noCairo, em 1906.22 O subtítulo do livro é Um clamor denecessidade das terras da escuridão interpretado poraqueles que o ouviram. Falando sobre ignorância, reclusão,poligamia e uso do véu que afligiam a vida das mulheresno mundo muçulmano, as mulheres missionárias falavamde sua responsabilidade de fazer com que as vozes dessasmulheres fossem ouvidas. Como afirma a introdução, “Elasnunca chorarão por si mesmas, uma vez que estão sob osgrilhões de séculos de opressão”.23 “Este livro”, dizem elas,“com sua triste e reiterada história de mal e opressão é umaacusação e um apelo. É um apelo às mulheres cristãs paraque consertem esses erros e iluminem essa escuridão comsacrifício e serviço”.24

Podem-se ouvir inacreditáveis ecos de seus virtuososobjetivos hoje, ainda que a linguagem seja secular, osapelos não a Jesus, mas aos direitos humanos ou aoOcidente liberal. A contínua aceitação de tal imaginário e

23 VAN SOMMER e ZWEMMER,1907, p. 15.

22 VAN SOMMER e ZWEMMER,1907.

24 VAN SOMMER e ZWEMMER,1907, p. 15.

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sentimentos pode ser vista em sua aplicação para causashumanitárias perfeitamente boas. Em fevereiro de 2002, eurecebi um convite para uma recepção em honra de umarede humanitária internacional chamada Médecins DuMonde (MdM), Doctors of the World. Sob o patrocínio doembaixador francês nos Estados Unidos, do chefe dadelegação da União Europeia nas Nações Unidas e de ummembro do Parlamento Europeu, o coquetel de recepçãopromoveria a exibição de fotografias sob o título clichê deMulheres afegãs: por trás do véu.

O convite foi marcante não apenas pela fotografiacolorida de mulheres em burcas esvoaçantes andandopelas montanhas desérticas do Afeganistão, mas tambémpelo texto, parte do qual cito a seguir.

Por 20 anos, a MdM tem lutado incessantemente paraajudar àqueles que são mais vulneráveis. Mascrescentemente, densos véus cobrem as vítimas daguerra. Quando o Talibã chegou ao poder em 1996,as mulheres afegãs perderam suas faces. Desvendara face de alguém que recebia tratamento médicoera atingir certa intimidade, encontrar um pequenoespaço para uma liberdade secreta e recuperar umpouco da dignidade desse alguém. Em um país ondeas mulheres não tinham acesso a tratamento médicopor não terem o direito de aparecer em público, ondeas mulheres não tinham o direito de praticar amedicina, o programa da MdM se mantevepersistentemente lembrando os direitos humanos. Porfavor, junte-se a nós e ajude a levantar o véu.

Apesar de eu não poder começar a abordar aqui asfantasias de intimidade associadas com a retirada do véu,fantasias reminiscentes das obsessões coloniais francesastão brilhantemente desmascaradas por Alloula em TheColonial Harem (1986), eu posso perguntar por que osprojetos humanitários e o discurso dos direitos humanos noséculo XXI precisam se apoiar em tais construções da mulhermuçulmana.

Não poderíamos deixar para trás os véus e asvocações para salvar os outros, e em lugar disso treinar nossavisão para formas de fazer do mundo um lugar mais justo? Arazão pela qual o respeito pela diferença não deveria serconfundido com o relativismo cultural é que ele não impedeque nos perguntemos como nós, vivendo nesta privilegiadae poderosa parte do mundo, podemos examinar nossaspróprias responsabilidades pelas situações em que outrosem países distantes se encontram. Nós não estamos fora domundo, olhando sob a sombra – ou véu – das culturasopressivas; nós somos parte desse mundo. Os própriosmovimentos islâmicos surgiram em um mundo moldado pelo

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intenso engajamento das potências ocidentais na vida doOriente Médio.

Uma aproximação mais produtiva, me parece, seriaperguntar como nós poderíamos contribuir para fazer domundo um lugar mais justo. Um mundo não organizado emtorno da estratégia militar e de demandas econômicas; umlugar onde certos tipos de forças e valores que aindapodemos considerar importantes poderiam ter voz e ondehá a paz necessária para que discussões, debates etransformações ocorram dentro das comunidades. Nósprecisamos nos perguntar quais tipos de condições mundiaispoderíamos ajudar a construir, de tal maneira que os desejospopulares não serão determinados por um senso imbatívelde abandono em face de formas de injustiça global. Aobuscarmos ser ativos nas questões de lugares distantes,podemos fazer isso com o espírito de apoio àqueles dentrode comunidades cujos objetivos são fazer as vidas demulheres (e homens) melhores (como Walley indagou emrelação às práticas de mutilação genital na África, em 1997)?Podemos utilizar uma linguagem igualitária de alianças,coalizões e solidariedade em lugar de uma linguagem desalvação?

Mesmo a Rawa, a agora celebrada AssociaçãoRevolucionária das Mulheres do Afeganistão, que foi tãoinstrumental em trazer à atenção das mulheres dos EUA osexcessos do Talibã, se opôs ao bombardeio americanodesde o começo. Não veem nisso a salvação das mulheresafegãs, e sim um aumento do sofrimento e da perda. Pormuito tempo clamaram pelo desarmamento e por forças demanutenção da paz. Suas porta-vozes apontam para osperigos de se confundirem governos com pessoas, o Talibãcom afegãos inocentes que serão mais prejudicados.Consistentemente lembram às audiências que observematentamente a forma como as políticas estão sendoorganizadas em torno de interesses petrolíferos, da indústriaarmamentista e do comércio internacional de drogas. Nãoestão obcecadas com o véu, mesmo sendo as feministasmais radicais que têm trabalhado por um Afeganistãosecular e democrático.

Infelizmente, apenas as suas mensagens sobre osexcessos do Talibã foram ouvidas, apesar de suas críticascontra aqueles no poder no Afeganistão terem incluídoregimes anteriores. Um primeiro passo para ouvir suamensagem mais ampla é romper com a linguagem dasculturas alienígenas, quer para compreendê-las ou eliminá-las. O trabalho missionário e o feminismo colonial pertencemao passado. Nossa tarefa é explorar criticamente o quepoderíamos fazer para ajudar a criar um mundo no qualaquelas pobres mulheres afegãs, por quem “o coração

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daqueles no mundo civilizado se parte”, possam tersegurança e vidas decentes.

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[Recebido em 10 de agosto de 2011e aceito para publicação em 18 de agosto de 2011]

Do Muslim Women really need to be saved? Anthropologic Considerations on theDo Muslim Women really need to be saved? Anthropologic Considerations on theDo Muslim Women really need to be saved? Anthropologic Considerations on theDo Muslim Women really need to be saved? Anthropologic Considerations on theDo Muslim Women really need to be saved? Anthropologic Considerations on theCultural Relativism and its OthersCultural Relativism and its OthersCultural Relativism and its OthersCultural Relativism and its OthersCultural Relativism and its OthersAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This article explores the ethics of the current “War on Terrorism”, asking whetheranthropology, the discipline devoted to understanding and dealing with cultural difference, canprovide us with critical purchase on the justifications made for American intervention in Afghanistanin terms of liberating, or saving, Afghan women. I look first at the dangers of reifying culture,apparent in the tendencies to plaster neat cultural icons like the Muslim woman over messyhistorical and political dynamics. Then, calling attention to the resonances of contemporary

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discourses on equality, freedom, and rights with earlier colonial and missionary rhetoric onMuslim women, I argue that we need to develop, instead, a serious appreciation of differencesamong women in the world – as products of different histories, expressions of differentcircumstances, and manifestations of differently structured desires. Further, I argue that ratherthan seeking to “save” others (with the superiority it implies and the violences it would entail) wemight better think in terms of (1) working with them in situations that we recognize as always subjectto historical transformation and (2) considering our own larger responsibilities to address theforms of global injustice that are powerful shapers of the worlds in which they find themselves. Idevelop many of these arguments about the limits of “cultural relativism” through a considerationof the burqa and the many meanings of veiling in the Muslim world.Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words: Cultural Relativism; Muslim Women; Afghanistan War; Freedom; Global Injustice;Colonialism.