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AS MÚLTIPLAS CONFLITUALIDADES DO CAMPESINATO NA REGIÃO DO BAIXO JAGUARIBE-CEARÁ-BRASIL DIANTE DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL NO CAMPO SERGIANO DE LIMA ARAÚJO Doutorando no Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Professor da Universidade Estadual do Ceará(UECE) Email: [email protected] A partir da década de 1980, sob a égide da globalização econômica algumas áreas específicas do território cearense passam a vivenciar um crescente processe de modernização do campo. Presenciamos em grande parte nesses lugares, a constituição, no setor agrícola, de uma estrutura empresarial e a emergência de um proletariado gerado por um mercado de trabalho específico ou unificado. É notório que desenvolvimento das forças produtivas criou um novo patamar para a agricultura e o meio rural, definido pela modernização das suas atividades e pela integração sócioeconômica global. No entanto, parece evidente que a imposição deste patamar não significou a implantação de uma forma social de produção única e homogeneizada, representada pelo modelo empresarial e do tipo industrial. Ao campesinato, a muitos ele parecia excluído desse futuro e se anunciava a sua “decomposição” ou os processos da sua subordinação às novas formas de capital no campo. Na verdade, com a expansão das relações capitalistas de produção no espaço agrário cearense comandado pelas empresas do agronegócio surgem dois elementos, combinados entre si: de um lado, os camponeses autônomos, cuja resistência é baseada no seu trabalho e no de sua família, que estariam sendo expulsos da terra, expropriados. De outro, emerge, como conseqüência, uma massa de agricultores que estaria se transformando em trabalhadores assalariados ou em trabalhadores sem-terra. De um lado, o agricultor que concebe aquilo que é necessário à sua reprodução social, à sua sobrevivência; de outro, o trabalhador que só é proprietário da sua força de trabalho. Enfim, os trabalhadores não detentores dos meios de produção vêem-se obrigados a vender seu único bem, no caso a força de trabalho. Segundo Bernardo Mançano Fernandes (2008) cada vez mais campesinato e agronegócio estão envolvidos num processo de conflitualidades. Todavia, destacamos que, assim como o autor citado acreditamos que o campesinato não é parte do agronegócio, mas como o camponês está inserido numa sociedade do capital este acaba participando da produção quando o resultado de seu trabalho é de interesse do capital. De fato, mesmo os camponeses que, em determinadas épocas do ano, transformam-se em assalariados não perdem seu vínculo com a terra. Essa migração forçosa é resultado da falta de políticas voltadas para a produção camponesa e o avanço dos investimentos alocados para o agronegócio, revelando a dinâmica própria do camponês que ora é desterritorializado, ora se reterritorializa. Isso acaba demonstrando toda a plasticidade do campesinato que cria e se recria através das relações não- capitalistas no interior das relações capitalistas. O presente ensaio pretende fazer uma leitura inicial, das múltiplas conflitualidades campesinas diante desse processo de modernização no campo notadamente na região do Baixo

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AS MÚLTIPLAS CONFLITUALIDADES DO CAMPESINATO NA REGIÃO DO BAIXO

JAGUARIBE-CEARÁ-BRASIL DIANTE DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO

DO CAPITAL NO CAMPO

SERGIANO DE LIMA ARAÚJO Doutorando no Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Federal

do Ceará (UFC) Professor da Universidade Estadual do Ceará(UECE)

Email: [email protected]

A partir da década de 1980, sob a égide da globalização econômica algumas áreas específicas do território cearense passam a vivenciar um crescente processe de modernização do campo. Presenciamos em grande parte nesses lugares, a constituição, no setor agrícola, de uma estrutura empresarial e a emergência de um proletariado gerado por um mercado de trabalho específico ou unificado. É notório que desenvolvimento das forças produtivas criou um novo patamar para a agricultura e o meio rural, definido pela modernização das suas atividades e pela integração sócioeconômica global. No entanto, parece evidente que a imposição deste patamar não significou a implantação de uma forma social de produção única e homogeneizada, representada pelo modelo empresarial e do tipo industrial. Ao campesinato, a muitos ele parecia excluído desse futuro e se anunciava a sua “decomposição” ou os processos da sua subordinação às novas formas de capital no campo. Na verdade, com a expansão das relações capitalistas de produção no espaço agrário cearense comandado pelas empresas do agronegócio surgem dois elementos, combinados entre si: de um lado, os camponeses autônomos, cuja resistência é baseada no seu trabalho e no de sua família, que estariam sendo expulsos da terra, expropriados. De outro, emerge, como conseqüência, uma massa de agricultores que estaria se transformando em trabalhadores assalariados ou em trabalhadores sem-terra. De um lado, o agricultor que concebe aquilo que é necessário à sua reprodução social, à sua sobrevivência; de outro, o trabalhador que só é proprietário da sua força de trabalho. Enfim, os trabalhadores não detentores dos meios de produção vêem-se obrigados a vender seu único bem, no caso a força de trabalho. Segundo Bernardo Mançano Fernandes (2008) cada vez mais campesinato e agronegócio estão envolvidos num processo de conflitualidades. Todavia, destacamos que, assim como o autor citado acreditamos que o campesinato não é parte do agronegócio, mas como o camponês está inserido numa sociedade do capital este acaba participando da produção quando o resultado de seu trabalho é de interesse do capital. De fato, mesmo os camponeses que, em determinadas épocas do ano, transformam-se em assalariados não perdem seu vínculo com a terra. Essa migração forçosa é resultado da falta de políticas voltadas para a produção camponesa e o avanço dos investimentos alocados para o agronegócio, revelando a dinâmica própria do camponês que ora é desterritorializado, ora se reterritorializa. Isso acaba demonstrando toda a plasticidade do campesinato que cria e se recria através das relações não-capitalistas no interior das relações capitalistas. O presente ensaio pretende fazer uma leitura inicial, das múltiplas conflitualidades campesinas diante desse processo de modernização no campo notadamente na região do Baixo

Jaguaribe-Ceará-Brasil. A construção do arcabouço teórico-metodológico está fundamentado em considerável levantamento bibliográfico, e em várias práticas de campo na região analisada, resultado de pesquisa de doutorado que se encontra em andamento.

Palavras chave: modernização do campo - Campesinato – expropriação

camponesa

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980, território nordestino sob a égide da

globalização econômica passa a vivenciar um crescente processe de

modernização de algumas áreas seletivas do espaço agrário. Esse processo

em curso pode ser evidenciado com o aprofundamento da divisão territorial do

trabalho diretamente vinculada à ação do capital apoiado pelo Estado no

desenvolvimento de atividades altamente lucrativas, numa gama cada vez mais

ampla de subespaços econômicos anteriormente considerados hostis ao

desenvolvimento econômico, como o caso do semi-árido e cerrados

nordestinos, mas que hoje são vistos como verdadeiros focos dinâmicos

(ARAÚJO, 1997,1999).

A difusão do agronegócio no Nordeste teve maior destaque o cultivo da

fruticultura irrigada nas microrregiões de Petrolina (PE), Juazeiro (BA), Vale do

Açu (RN), Mossoró (RN) e a do Baixo Jaguaribe (CE). Esses territórios

aprofundaram o processo de fragmentação do espaço agrícola onde a

existência de uma agricultura moderna resultado da adequação ao padrão

balizado pela agricultura científica (SANTOS, 2000; ELIAS, 2003) teve sua

expressão espacial em forma de pontos no território nordestino. Estas áreas

serviram de modelo ao processo de transformação da estrutura produtiva de

caráter regional baseada na agricultura de subsistência, na pecuária e no

extrativismo vegetal para dar lugar também a produção de produtos de maior

valor agregado tais como a produção de frutas in natura (manga, melão, uva e

banana) e da soja.

Os espaços da fruticultura experimentam um período de expansão da

agricultura empresarial, pois foram afetadas por políticas de valorização do

caráter redentor da atividade do agronegócio. Em breve análise dos

documentos públicos das instituições de planejamento e gestão para o setor da

agricultura é possível perceber uma política de empreendedorismo rural na

qual os respectivos governos estaduais parecem mesmo participar de uma

feira mundial de anúncio das potencialidades da região destacando as

possibilidades de oferta de recursos naturais, da existência de um clima

favorável e da ampla e irrestrita oferta de mão-de-obra. Tudo isso mediante

portentosos investimentos em infra-estrutura e de incentivos ficais não obstante

o fato de muitas destas microrregiões estarem encravadas em áreas de

extrema pobreza.

As microrregiões de expansão do agronegócio da fruticultura

apresentam alguns processos gerais na organização de seu território

destacados por vários estudos (ALVES, 2006; ELIAS, 2006b; FERREIRA;

2006; MORAES, 2006; RAMOS, 2001). Estes devem ser lidos levando em

consideração a diferença destes eventos no espaço e no tempo e que aqui

consideramos juntos apenas enquanto exercício de análise e reflexão. Dentre

os principais processos gerais identificados nas microrregiões analisadas

podemos destacar: o uso comercial das terras em virtude da existência de

condições naturais favoráveis; o apoio indelével do Estado na construção de

um novo panorama para a dinamização das economias regionais; mudança na

estrutura produtiva e o crescimento da iniciativa privada com o aumento do

número de empresas no setor da agropecuária; aquecimento do mercado de

terras; desenvolvimento de uma agricultura conectada aos novos parâmetros

de modernização tecnológica.

Todas estas dinâmicas foram suscitadas pela presença de investimentos

de grupos privados nacionais e multinacionais que dinamizaram não só a

estrutura produtiva das microrregiões como também alteraram as relações

sociais de produção tanto no campo como nas cidades1.Nesse ínterim, o

quadro para o mercado de trabalho regional tem sido desde então o do

1 O avanço do agronegócio contribuiu também para dinamizar a expansão da divisão social e

territorial do trabalho nas cidades alterando e sobrepujando, em algumas cidades médias e locais, toda a estrutura social da dinâmica de emprego das regiões onde as atividades do agronegócio se implantaram. É o caso das cidades que foram enquadradas como sendo cidades do agronegócio (ELIAS, 2006; 2007) onde as funções de atendimento às demandas do agronegócio são hegemônicas as demais funções, ou seja, a cidade e seu sistema urbano passa a ser comandada em termos econômicos e sociais pelo campo, mas não o campo tão somente como lócus das relações sociais gestadas pelo tempo da natureza e sim pelo campo que se abre (ou foi aberto?) para a difusão da agricultura científica que incorpora cada vez mais crescentes conteúdos de ciência, tecnologia e informação.

aprofundamento das relações de trabalho capitalistas mediante a venda da

força de trabalho pelos camponeses que em sua grande maioria são

desprovidos dos meios de produção consubstanciando, assim, o conflito entre

a terra de trabalho e a terra de negócio (MARTINS, 1991).

AS CONTRADIÇÕES DA REPRODUÇÃO CAMPONESA NA REGIÃO DO

BAIXO JAGUARIBE-CEARÁ

O desenvolvimento do agronegócio na Região do Baixo Jaguaribe (CE),

onde concentramos nossas pesquisas, não veio acompanhada da autonomia

no campo e, sim, que os progressos e avanços proporcionados pelo

capitalismo moderno, contribuíram para distanciar ainda mais os agricultores

capitalistas dos camponeses.

5º00'

ALTO SANTO

MORADA NOVAQUIXERÉ

ICAPUÍ

FORTIM

ARACATI

LIMOEIRO DO

SÃO JOÃO DOJAGUARIBE

JAGUARIBARA

RUSSAS

JAGUARUANA

TABULEIRO DO

ITAIÇABAPALHANO

NORTE

NORTE

Localização da Área - Baixo Jaguaribe (Ce)

Baixo Jaguaribe (Ce)

Limites Municipais

Fonte: Base cartográfica de planejamento e coordenação SEPLAN, 2003

Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

Enquanto os primeiros ascendiam economicamente, os segundos

passaram a ser sem-terra ou quase sem-terra, desapropriados e transformados

no proletariado rural ou urbano – ou em semiproletário de migrantes sazonais,

trabalhando a terra por salários extremamente baixos, pagamento esporádico e

formas precárias de emprego.

A reprodução social campesina no Brasil tem sido cada vez mais

dificultada pela falta de acesso a terra. Os detentores do capital

expropriam os camponeses separando-os dos seus meios de produção e

submetendo-os à exploração capitalista do trabalho. Dessa forma o

camponês deixa de trabalhar para si, e trabalha para o capital, não

vende mais sua produção e sim sua força de trabalho, fragilizando

assim a reprodução do campesinato, levando em consideração que para

reproduzir-se é fundamental o acesso a terra.

A Lei de Terras de 1850 inaugura um regime fundiário que irá

modificar a forma de exploração das terras, pois esta passou a ter

valor de troca e, inicia-se uma crescente concentração da propriedade

privada da terra, possibilitando a sujeição da renda agrícola ao

capital, além de causar uma intensa expulsão dos trabalhadores da

terra. Desde esse período até os dias atuais, estas têm sido uma das

maiores problemáticas no campo. Seja pela manutenção do latifúndio,

como reserva de valor, seja pela expansão das pastagens ou pela

modernização no campo, a tendência é uma crescente expropriação

seguida de exploração da força de trabalho camponesa.

Na região do Baixo Jaguaribe (CE), com a chegada de grandes

empresas agroindustriais houve um aumento do trabalho formal sazonal.

A modernização do processo produtivo é poupadora de mão-de-obra, o que

contribui para o desemprego estrutural, aumentando o número de

camponeses sem trabalho, ampliando o exército reserva de mão-de-obra,

que só é, em parte, utilizada sazonalmente em período de safra

agrícola. Assim, “ao mesmo tempo que o capital cresce, acumula

contradições inerentes ao seu próprio crescimento: ele não pode

crescer sem o trabalho e, ao mesmo tempo, cada vez mais dispensa

trabalho devido à modernização técnica” (MARTINS, 1991, p.52).

Quanto aos camponeses, a pobreza gerada pelo modelo de

desenvolvimento do agronegócio demonstra cada vez mais seu caráter

avassalador. Todavia, tal fato é retoricamente negado pelo poder público no

sentido de que, tal como vimos, há de fato uma expansão dos empregos

formais o que tem acarretado um aquecimento significativo dos comércios e

serviços locais beneficiados pela injeção dos recursos advindos dos salários

dos camponeses. Pois se pensarmos em municípios que sobrevivem há muito

tempo apenas com os recursos do fundo de participação municipal e das

aposentadorias, a chegada de uma empresa que cria mais de 2000 postos de

trabalho com o rendimento de um salário mínimo passa a injetar na economia

local uma quantia significativa posta em circulação na economia regional,

alterando o padrão de consumo local e regional.

Mas o que pode ser visto, a priori, como a grande salvação para

milhares de camponeses pode representar uma grande armadilha posta pelos

processos de reestruturação produtiva da agropecuária e das ingerências dos

governos neoliberais que proliferam diversos mitos sobre o agronegócio

(OLIVEIRA, 2004). Aqui devemos ressaltar a importância de considerarmos a

relação entre agronegócio e ideologia na produção de discursos que superam a

ideologia meramente vista como falsa consciência imprimindo nesta relação

uma clara referência à ideologia enquanto consciência prática da sociedade de

classes (MÉSZÁROS, 2006).

De acordo com Meszáros (2007), o capital em um sentido superficial,

seja sem dúvida triunfante, mas, em um sentido mais fundamental, ele é de

todos, o problema mais grave. Para o autor, ao reconhecer o modo como o

capital domina o processo de reprodução social em todos os lugares, cumpre

reconhecer também que ele é, estruturalmente, incapaz de resolver seus

problemas e contradições. “Onde quer que olhemos, perceberemos que aquilo

que parece ser – e é sonoramente propagandeado com – uma sólida solução

duradoura, mais cedo ou mais tarde, desfaz-se em pó”. (p.77).

É desse modo que se entende o avanço do capital no Brasil, e no caso

específico da Região do Baixo Jaguaribe, tem como ponto de partida o

desenvolvimento desigual e combinado. Assim, o sistema do metabolismo

social do capital desenvolve-se sustentado no tripé capital, trabalho e Estado. É

a partir, portanto, do Estado que o capital encontra nessa região todas as

formas de sua reprodução e exploração.

Segundo Fernandes (2008) cada vez mais campesinato e agronegócio

estão envolvidos num processo de conflitualidades. Todavia, destacamos que,

assim como os autor citado acreditamos que o campesinato não é parte do

agronegócio, mas como o camponês está inserido numa sociedade do capital

este acaba participando da produção quando o resultado de seu trabalho é de

interesse do capital. De fato, mesmo os camponeses que, em determinadas

épocas do ano, transformam-se em assalariados não perdem seu vínculo com

a terra. Essa migração forçosa é resultado da falta de políticas voltadas para a

produção camponesa e o avanço dos investimentos alocados para o

agronegócio, revelando a dinâmica própria do camponês que ora é

desterritorializado, ora se reterritorializa. Isso acaba demonstrando toda a

plasticidade do campesinato que cria e se recria através das relações não-

capitalistas no interior das relações capitalistas.

É justamente nesse momento que temos que lançar mão da perspectiva

crítica contrapondo os argumentos tendenciosos e apologéticos através de

uma postura classista e ideológica (não necessariamente falsa consciência)

que busca apontar como uma possível saída da estagnação econômica, a

adoção de políticas públicas de emprego e renda a partir do incentivo a

agricultura de mercado e da modernização do setor, sobretudo a partir das

empresas agropecuárias.

Do outro lado do movimento de renovação das forças produtivas e da

difusão da agricultura científica encontra-se a agricultura camponesa cuja

reprodução de sua lógica em pleno movimento de expansão do agronegócio

continua a desafiar teórica e empiricamente as reflexões acerca da produção

capitalista de relações não-capitalistas de produção (LUXEMBURGO, 1985;

MARTINS, 2002; OLIVEIRA, 1997).

Na região do Baixo Jaguaribe este movimento aparece de maneira mais

ilustrativa, sobretudo nas áreas de produção da fruticultura, na existência das

empresas âncoras. Estas estabelecem relações de parcerias com os

agricultores camponeses onde os mesmos se comprometem a entregar parte

ou mesmo toda a produção para as grandes empresas que se responsabilizam

tanto pela exportação dos produtos, como também, por fornecer assistência

técnica para que os mesmos possam estar adequados ao padrão de consumo

globalizado proposto pelos receituários dos selos de qualidade internacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, com a expansão das relações capitalistas de produção no

espaço agrário nordestino comandado pelas empresas do agronegócio e no

caso da região do Baixo Jaguaribe, no Estado do Ceará, surgem dois

elementos, combinados entre si: de um lado, os camponeses autônomos, cuja

resistência é baseada no seu trabalho e no de sua família, que estariam sendo

expulsos da terra, expropriados. De outro, emerge, como conseqüência, uma

massa de agricultores que estaria se transformando em trabalhadores

assalariados ou em trabalhadores sem-terra. De um lado, o agricultor que

concebe aquilo que é necessário à sua reprodução social, à sua sobrevivência;

de outro, o trabalhador que só é proprietário da sua força de trabalho. Enfim, os

trabalhadores não detentores dos meios de produção vêem-se obrigados a

vender seu único bem.

A reprodução social campesina nas áreas de modernização do campo

tem sido cada vez mais dificultada pela falta de acesso a terra. Os

detentores do capital expropriam os camponeses separando-os dos seus

meios de produção e submetendo-os à exploração capitalista do

trabalho. Dessa forma o camponês deixa de trabalhar para si, e

trabalha para o capital, não vende mais sua produção e sim sua força

de trabalho, fragilizando assim a reprodução do campesinato, levando

em consideração que para reproduzir-se é fundamental o acesso a terra.

Assim, o trabalho é apropriado pelo capital. Por isso, as relações sociais

sob a lógica capitalista no campo produzem resultados econômicos

antagônicos, personificados por pessoas distintas, que são o “trabalhador e o

capitalista” (MARTINS, 1979, p.155). E, na trincheira dessa relação desigual,

situa-se o agricultor familiar, comprimido pela miséria e pela expansão

capitalista e suas imposições.

A existência deste quadro extremamente complexo guarda seu vínculo

histórico através do jogo intricado das relações sociais de produção onde o

processo de expropriação e exploração da classe trabalhadora tem avançado

paulatinamente desde os mais remotos períodos coloniais até o advento da

mundialização do capital. Dito isto, devemos atentar para as redefinições que

acontecem no mundo do trabalho nas áreas de difusão do agronegócio

indagando acerca do seu grau de complexidade e da riqueza de situações e

casos que escapam das análises tradicionais no enfoque da questão agrária.

A pesquisa que estamos desenvolvendo pretende descortinar esse

momento vivenciado na expansão do capital sob o modelo do agronegócio no

Nordeste brasileiro que tem propiciado inúmeras alterações na dinâmica

socioespacial cuja expressão nos lugares ganha corpo a partir da mobilização

promovida pela divisão social e territorial do trabalho no campo nordestino. A

marcha histórica promovida pelo processo de ordenamento espaço-temporal

afeta diretamente a organização das relações sociais de produção, trazendo

inúmeros desafios de cunho teórico-metodológico na leitura da dimensão

espacial enquanto expressão do circuito metabólico homem x natureza.

Este caminho de reflexão nos propicia um amplo debate onde a

prioridade do trabalho enquanto categoria fundante do ser social (LESSA,

1996) faz parte do complexo de mediações que pode nos servir como berço de

uma profunda reflexão epistemológica da gênese da produção do espaço e do

salto para a compreensão do momento predominante da produção do capital.

Dito isto, partimos da hipótese de que ocorre na processualidade do

desenvolvimento do capitalismo no território nordestino a síntese criativa da

acumulação do capital movida pelo processo de ordenamento espaço-temporal

que tem em seu cerne a expansão do capitalismo para novas regiões através

do fomento ao uso de formas de produção não capitalistas em convívio com

formas tipicamente capitalistas exercidas, sobretudo pelo avanço do

agronegócio. Esse cenário compõe o movimento real onde emerge a dialética

das relações sociais de produção.

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