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“As polícias políticas, os governos e os movimentos sociais em “Ligas” entre 1945- 1964” Por Fabíola Camargo Introdução: O presente artigo objetiva analisar de que forma as instituições policiais se organizaram e se ampliaram, aumentando a atuação contra os movimentos sociais entre os anos 1945-1964, período este, considerado democrático. Ao buscar analisar de que forma as instituições se organizaram durante este período, por um lado, questiono esta democracia com a documentação das próprias polícias e de que forma os governos de então se instrumentalizavam com as polícias políticas. Por outro lado, identifico como foi possível perceber a atuação das mesmas em relação aos movimentos sociais a partir das apreensões, relatórios e boletins. Neste sentido as “Ligas” fizeram parte deste processo tanto como forma de resistir a repressão no campo neste período, quanto na possibilidade de perceber a anterioridade da organização em ligas antes da década de 1950, se movimentando na trincheira das instituições e dos governos, com sua existência no campo e no Estado do Rio de Janeiro. Ao trabalhar com os arquivos das polícias políticas, presentes no APERJ- Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - esta possibilidade se tornou fundamental por tirar episódios fundamentais da História do Brasil pouco conhecidos ou ainda desconhecidos, dos porões onde se guardam documentos das ações dos movimentos sociais, que fizeram e ainda fazem, parte importante da História das maiorias no Brasil que conhecemos pouco ou ainda desconhecemos. As hipóteses: Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“As polícias políticas, os governos e os movimentos ... · Para aferir a hipótese de ampliação da criminalização dos movimentos sociais no período compreendido como “democrático”,

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“As polícias políticas, os governos e os movimentos sociais em “Ligas” entre 1945-

1964”

Por Fabíola Camargo•

Introdução:

O presente artigo objetiva analisar de que forma as instituições policiais se

organizaram e se ampliaram, aumentando a atuação contra os movimentos sociais entre

os anos 1945-1964, período este, considerado democrático. Ao buscar analisar de que

forma as instituições se organizaram durante este período, por um lado, questiono esta

democracia com a documentação das próprias polícias e de que forma os governos de

então se instrumentalizavam com as polícias políticas. Por outro lado, identifico como

foi possível perceber a atuação das mesmas em relação aos movimentos sociais a partir

das apreensões, relatórios e boletins. Neste sentido as “Ligas” fizeram parte deste

processo tanto como forma de resistir a repressão no campo neste período, quanto na

possibilidade de perceber a anterioridade da organização em ligas antes da década de

1950, se movimentando na trincheira das instituições e dos governos, com sua

existência no campo e no Estado do Rio de Janeiro.

Ao trabalhar com os arquivos das polícias políticas, presentes no APERJ-

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - esta possibilidade se tornou fundamental

por tirar episódios fundamentais da História do Brasil pouco conhecidos ou ainda

desconhecidos, dos porões onde se guardam documentos das ações dos movimentos

sociais, que fizeram e ainda fazem, parte importante da História das maiorias no Brasil

que conhecemos pouco ou ainda desconhecemos.

As hipóteses:

• Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Para aferir a hipótese de ampliação da criminalização dos movimentos sociais no

período compreendido como “democrático”, trabalho as questões que levaram o

aumento do controle destes movimentos, utilizando as fontes institucionais e a

bibliografia especializada e observando as atribuições e estrutura das polícias políticas

neste período. Para isso, foi preciso ainda, remeter-me as ações das mesmas, nas quais

recorri a documentação das próprias polícias políticas, escritas entre os que atuavam

diretamente na ponta dos movimentos sociais, nas ruas. Estas fontes estão disponíveis

no APERJ - Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

Já a hipótese de que a polícia política conspirava contra o governo João Goulart

entre 1961 e 1964, instrumentalizada pelo Governador Carlos Lacerda vem à tona ao se

conjugar com o aumento do efetivo policial, da organização mais apurada e centralizada

das polícias políticas até 1960, com a criação da DPS e da DFSP desde 1944 e

finalmente com o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social entre 1962 e 1964,

que dedicou-se ao aumento da organização e trouxe da DPS - Divisão de Polícia

Política e Social instrumentos de atuação e repressão policial cada vez mais fortes no

Estado da Guanabara.

Com a compreensão e explicação mais ampla sobre a estrutura e a ligação entre

os governos e como os aparatos institucionais de repressão aumentaram neste período,

trabalho aqui também a hipótese de que os movimentos sociais organizados em “Ligas”

atuavam como trincheira neste contexto. Muito se tem escrito sobre o papel das Ligas

camponesas: nos depoimentos dos seus militantes, de intelectuais, através de

publicações diversas, arquivos pessoais. No entanto, através dos organismos de

repressão foi possível percorrer outros caminhos pelos quais passaram os militantes

organizados em “Ligas” que a bibliografia até os dias de hoje não referendou.

As polícias políticas

O processo de centralização das polícias políticas aliado ao anticomunismo das

elites dirigentes diante da movimentação da classe trabalhadora e com a criação do

MUT – Movimento de Unificação dos Trabalhadores, pôs em xeque o regime

democrático recém implantado a partir de 1946, já que a perseguição aos militantes se

acirrou daí em diante em função da conjuntura mais ampla de guerra fria que

contemplava, a nível internacional, o pleno funcionamento dos aparelhos repressivos no

país.

O papel da polícia entre 1945-1964 vinha seguido de transformações na própria

Legislação. Observando-a como parte de um determinado aumento da segurança, a

reedição da LSN - Lei de Segurança Nacional - em 1953, objetivava impedir ações dos

movimentos sociais em ascensão. Esta lei reeditada de 1935 com objetivo de frear o

“perigo” comunista, faz parte de uma conjuntura maior do contexto das guerras

mundiais, e que no Brasil alargou e organizou de forma centralizada a ação das polícias

políticas criando um clima de medo e preconceito contra qualquer organização social

que questionasse o poder então constituído. ( REZNIK, 2004)

Aliado a criação de diversos órgãos e apreensões constantes no âmbito Federal e

local, e ao mesmo tempo com a desconfiança intra-elites, conjugaram-se e formaram-se

como base em conflitos deste período: a reforma mais geral no poder judiciário durante

o Estado Novo e a reformulação do código Penal, do Código do processo penal e da Lei

de contravenções, a Polícia Civil passou a se constituir enquanto Divisão buscando

assim adaptar-se a Constituição de 1937.

O pressuposto do ambiente de guerra esquentava o sangue de suspeitos

“comunistas”, intensificado concomitantemente pelos Estados Unidos, Inglaterra,

Alemanha e Itália, quanto ao perigo do “credo vermelho”, e tão temidos, citados e

apreendidos no mundo Capitalista, com exposição frequente na documentação da DPS,

polícia política criada em 1946 que teremos oportunidade de observar.

Do ponto de vista institucional, neste período, a polícia adquiriu status de

Divisão com o decreto-lei 6.378 de 28 de março de 1944. Assim, a polícia civil do

Distrito Federal foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública -

DFSP, com atribuições locais e também nacionais. Este Departamento passou a ter as

seguintes Divisões: Polícia Técnica, Polícia Marítima, Aérea e de fronteiras. Além

disso, a Divisão de Polícia Política e Social foi organizada com uma Delegacia de

Segurança Política (D.SeP), e outra, a Delegacia de Segurança Social (DSS), com as

Seções de Fiscalização e Explosivos, Armas e Munições, Arquivo e a Seção de

Administração.

No âmbito Nacional, a DFSP ficou responsável pelo movimento de entrada e

saída dos estrangeiros, particularmente imigrantes – tarefa esta, onde a estatística foi de

grande valia como instrumento de vigilância e controle social. ( LEX - 1944, v.8: 115-

117)

Neste mesmo período, a DPS – Divisão de Polícia política e Social foi aprovada

por decreto-lei 20.532-a de 25 de janeiro de 1946, e em seu regimento determinava

entre suas funções a “necessidade de manter atualizado o fichário de pessoas que

interessassem ao DFSP e a galeria fotográfica de indivíduos expulsos do território

nacional, além dos reconhecidos como nocivos à ordem pública e aos interesses do país.

(LEX - 1946, v.II:467-468)

Cabe ressaltar a ampliação de competência da DFSP no âmbito Nacional com o

decreto-lei n. 9.353 de 13 de junho de 1946, ficando estabelecido que cabia a “apuração

das infrações penais que atentassem contra a personalidade internacional, a estrutura e

segurança do Estado, a ordem social e a organização do trabalho (LEX – 1946: 204)

Esta defesa, fazia parte da cooperação com os órgãos policiais dos Estados e

Territórios. No âmbito local previa ainda seis delegacias especializadas: Defraudações

e Falsificações, roubos e furtos, costumes, tóxicos e mistificações, jogos e diversões,

vigilância e menores, além de 30 distritos policiais. Ficaram subordinados ao DFSP o

Instituto Felix Pacheco e Médico Legal, além de outros órgãos administrativos.

Boris Fausto exemplifica esta legislação relacionando o “crime” vadiagem que

poderia ser processado concomitantemente pelas delegacias de Defraudações, roubos e

furtos e vigilância.

Neste sentido o período denominado democrático não deixava margem para a

não-criminalização, conquanto “vadios” se enquadravam em qualquer “setor” da polícia

vedando a possibilidade de justificativa de liberdade e democracia. Criminalizar e

seguindo justificativa de quaisquer setores da polícia se relacionava com procedimentos

e organização cada vez mais centralizada ( REZNIK, 2004).

Num Boletim Reservado da polícia política em 1953, sobre a Conferência

Nacional dos trabalhadores Agrícolas, um agente do Serviço Secreto, alertava as

autoridades:

“Os comunistas de São Paulo estão desenvolvendo intensa doutrinação aliciatória,

objetivando a mobilização dos camponeses para uma Conferência Regional;

programada para 5 e 6 de agosto em São Pulo.

Neste manifesto, os vermelhos se dirigem aos assalariados agrícolas e aos camponeses

sem terra ou possuidores de pouca terra, convidando-os que elejam representantes...

Estão sendo conduzidos pelos vermelhos com visíveis possibilidades de completo

desmantelamento de nossa agricultura com caráter de certa gravidade”(Relatório de

assuntos indexados em microfilme, Fundo DPS – Série Fichas Verdes”, Microfilme 34)

O trabalho de ação da DPS foi aumentado, infiltrando policiais, bastante

utilizado neste momento como pudemos observar na documentação em que este agente,

ao escrever um “boletim”reservado” que fazia parte do “serviço secreto” descreveu a

“mobilização de camponeses” enquanto “doutrinação aliciatória”, mostrando inclusive a

padronização de diversos tipos de denominações muito próprias quanto ao preconceito,

ao se remeter a organização camponesa e aos comunistas.

O “Serviço Secreto” já estava inserido na organização policial em 1955, quando

o DFSP passa por uma reestruturação. Algumas destas atribuições já utilizadas pela

polícia política são consolidadas com o Decretoi-lei n. 37.008 de 08 de março de 1955

E passam a ser exercidas por duas delegacias: Delegacia de Segurança Politica e

Delegacia de Segurança Social. O objetivo era “ exercer o controle de todas as

atividades que visem a perturbação da ordem política e social;” e ainda “ velar pela

estabilidade das instituições nacionais

Dessa vez, os serviços especializados ganharam função: o Serviço de

Investigação com atribuição de “vigilância permanente dos locais, pessoas e instituições

suspeitas”. E o Serviço de Informação “a quem compete as atividades internas como

administração do órgão, processamento de informações, elaboração de códigos,

controle de correspondência e arquivamento da documentação.” ( REZNIK &

GUERRA, APERJ, 1993). Cartório e xadrez especial completam o serviço. Dando

suporte as delegacias, destinavam ao recolhimento das pessoas presas ou detidas. “Neste

momento, ao DSFP competia quer execução das tarefas de polícia na cidade do Rio de

Janeiro, quer o papel de órgão federal de inteligência, traçando diretrizes,

centralizando procedimentos e informações de outros estados.”( REZNIK &

GUERRA;1993)

O papel da polícia e o Governo de Carlos Lacerda

Neste contexto, vale indicar aqui, outro elemento dessa conjuntura no Rio de

Janeiro. A mudança da capital federal para Brasília e a criação de um novo Estado –

pela Lei n. 3.752, de 14 de março de 1960-, possibilitou à UDN disputar as eleições

previstas para outubro seguinte. Esta campanha assumiu, na Guanabara, as

características de uma disputa entre forças pró e antilacerdistas. (Dicionário

CPDOC,Verbete Lacerda, Carlos, 1722-1723: 1984)

Neste caso, a questão ideológica merece destaque, pois este documento pertence

aos arquivos das polícias políticas, e em poder deste órgão servia não aos limites

institucionais da União, mas aos interesses políticos do então Governador Carlos

Lacerda. O governador Carlos Lacerda, mantinha íntimas relações com a polícia política

e também com a guarda florestal, pois à ele estava vinculado.

Como podermos observar no Relatório enviado pela inspetoria Regional

Florestal no Estado do Rio de Janeiro à DPS :

“(...) em Tinguá foi constatada a invasão de reservas florestais protetoras de

mananciais que abastecem o Estado da Guanabara e várias cidades do Rio de

Janeiro. Tendo já tomado as medidas cabíveis junto às autoridades policiais daquele

município.”( APERJ, Fundo Polícias políticas, Setor Geral)

Podemos perceber este vínculo quando o inspetor florestal defendeu a expulsão

de lavradores com o argumento da defesa da reserva florestal. Ao atentar para a opinião

do agente, criticando a ação da União, que só teria “expulsado lavradores sem prendê-

los” não nos deixou dúvidas que este órgão era instrumentalizado pelo então

governador da Guanabara, Carlos Lacerda.

Este caso está ligado ao poder político do Estado da Guanabara que ainda

mantinha um vínculo forte como Distrito Federal, recém transferido para Brasília neste

contexto, aumentando as lutas institucionais que vieram a se agravar neste período entre

o Presidente João Goulart e o Governador Carlos Lacerda.

Com a eleição de Carlos Lacerda como governador do Estado da Guanabara e a

transferência da capital federal para Brasília em 1960, nem todos os órgãos federais se

transferiram, este foi o caso da Divisão de Polícia Política e Social – DPS - que optou

pela permanência no Rio de Janeiro. As funções da polícia não foram alteradas. O

Estado da Guanabara continuou centralizando as informações de ordem política e social

vindas de outros estados.

Em 1963, foi criado o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social,

subordinado a Secretaria de Segurança Pública de acordo com a lei n. 263 de 24 de

dezembro e organizado de acordo com o decreto “N” n. 28, de 15 de junho do mesmo

ano. Esta regulamentação em 1963, compreendia os serviços Técnico, de Investigações,

de Operações e de fiscalização de Armas e explosivos, cada qual possuindo diversas

seções.

Aliando a questão do conflito entre Lacerda e João Goulart, o contexto deste

período se referia inclusive a questão de que, o Rio de Janeiro deixou de ser capital do

Brasil, transferida para Brasília. Como algumas instituições importantes continuaram a

fazer parte do Rio de Janeiro e a maior parte do efetivo policial por aqui, sob o governo

de Carlos Lacerda, não mediu esforços para tornar o Rio de Janeiro um palco da cena

política de conflitos com o então Presidente João Goulart.(MOTTA, 2000)

Coincidência ou não, razões “subversivas” não faltaram ao primeiro governador

do Estado da Guanabara, nem à DPS e posteriormente o DOPS, para continuidade e

aumento da repressão política no Rio de Janeiro. Em outras palavras, a ação das

polícias políticas, na conjuntura da crise institucional decorrente da ascenso do

trabalhismo na figura do presidente João Goulart, vinha bater de frente com os

interesses da oposição personificadas em Carlos Lacerda.”( REZNIK &

GUERRA;1993)

Além disso, o contexto internacional do pós-guerra e a idéia do perigo

“vermelho” caíam como uma luva com as propostas do governador da Guanabara de

impedir este perigoso “credo” de entrada no Brasil. A questão das elites se pautava no

corte monopolista da economia brasileira com a exclusão das classes dominadas.

(ROZENTINO, 339:2011)

Por outro lado, a exclusão do campo e a necessidade de reformas reivindicadas

pelos movimentos sociais pressionavam o presidente João Goulart, que por sua vez as

utilizavam como queda de braço no jogo de forças contra o governador Lacerda e

alguns setores civis e militares golpistas. .

Isto se torna evidente num relatório enviado ao Diretor da DPS e ao Chefe de

polícia da DSFP, que se referia a “greve do plebiscito” que mobilizou a sociedade na

escolha entre presidencialismo e parlamentarismo, quando esta última forma de

governo diminuiria o poder de Jango enquanto presidente. O movimento sindical já se

posicionava ao lado de João Goulart. Além das reivindicações específicas das

categorias, destacava-se a importância da defesa do plebiscito com a garantia de João

Goulart governando e na defesa de seus ministros com o fim de pressionar o

Congresso, que por sua vez, se opunha ao presidente.

Esta greve referenciada na historiografia é considerada uma greve de natureza

política, uma das greves de relevância para o movimento sindical, tanto pelo seu caráter

partidário quanto pela dimensão nacional. Leôncio Martins Rodrigues afirma sobre a

referida greve:

“Cumpre notar, entretanto, que em muitos lugares os grevistas tiveram a

cobertura das forças armadas, especialmente no Rio de janeiro, onde o I exército se pôs

ao lado dos trabalhadores contra a polícia estadual controlada pelo Governador Carlos

Lacerda.”

Sobre a mesma greve o autor indica:

“Novamente, os grevistas contaram com o apoio do exército”

E na nota de pé de página reitera:

“ No Rio de Janeiro, tropas do Exército chegaram a deter dois agentes da polícia

estadual e libertar operários presos.”(RODRIGUES, 1983:543)

Diferindo da interpretação de Leôncio Martins Rodrigues, John Foster W.Dulles,

que fora secretário de estado do governo Eisenhower escreve uma obra em dois

volumes sob o título “ Lacerda: A vida de um Lutador”, onde atribui a liberação dos

operários a boa vontade de Lacerda, e por isso destaco:

“ Atendendo a um apelo do Ministério do Trabalho, o governador concordou

com a liberação de cerca de 30 dirigentes, entre eles, Rafael Martinelli, presidente da

Federação dos Ferroviários” ( DULLES, 2000:115)

Entretanto, além da questão da veracidade das interpretações acima referidas, o

documento selecionado da polícia política revela para minha hipótese, faces ainda não

desveladas. A própria natureza da ação da polícia política, o cunho ideológico na ação

cotidiana, trata do confronto aberto entre a polícia política e o I Exército:

“...a greve geral de natureza política que a partir de 12 horas do dia 14 corrente,

perturbou a vida em vários estados da federação, com graves repercussões sobretudo

na Guanabara, poderia ter sido grandemente atenuada nas suas conseqüências não

fosse a intervenção ilegal, violenta, de tropas do I Exército, que deram cobertura aos

grevistas e impediram a ação da polícia política” (Setor Guanabara, APERJ)

Assinado por Cecil Macedo Borer, diretor do DOPS/GB, este confronto

exemplifica que, desde a aliança entre udenistas e os civis-militares golpistas, Lacerda

era um dos agentes desta aliança e que por outro lado, a greve geral se referia a

ascensão do trabalhismo. Aqui fica evidente a tentativa de medir forças com o governo

federal, comprovando, portanto a nossa hipótese de trabalho.

Os conflitos políticos existentes aumentavam conforme as contradições de

projetos de ambos os lados, com a instrumentalização da polícia política pelo lado de

Lacerda, com ações de repressão cada vez maiores no Estado da Guanabara, em relação

as manifestações que tivessem cunho oposicionista e (pró-janguista), que por sua vez

se instrumentalizava também com os movimentos sociais.

Assim os ânimos da polícia política, ligado ao governador , se acirraram visto

este relato sobre as ações do I Exército legalista, apoiador de João Goulart.

Observa-se aqui a forma como a polícia política se refere:

“ A interferência ilegal do I Exército se processou em três casos...na Radio Mayrink

Veiga, quando uma patrulha do Exército e outra do corpo de fuzileiros navais

impediram que o comissário José Lúcio e policiais que com ele estavam a serviço do

DESP, cumprissem sua missão...aconselhando-os que fossem à presença do tenente

coronel Donto Machado, do I Exército, o que foi feito, sendo os policiais instados a

afastarem do local” (Setor Guanabara, APERJ)

A autoridade da polícia ficou abalada por força das tropas militares, além de

afetar moralmente, desqualificando a ação da polícia política, defendendo-se com a

acusação aos militares de deixar livre a ação dos comunistas, ficando evidente a

tentativa de medir força e desestabilizar o governo federal. O terceiro momento da ação

do I Exército evidencia esta relação, reforçada com as próprias palavras do diretor do

DOPS, Cecil de Macedo Borer:

“... o terceiro caso de maior gravidade revelou o conluio , entre esses

elementos do I Exército e as autoridades do Ministério do Trabalho . Foi a

diligência realizada no CNTI. A DPS sabia de antemão da reunião de

emergência da entidade com líderes comunistas, o detetive Simas para lá se

deslocou, ( todos com antecedentes nesta divisão em face de suas atividades

em prol do credo vermelho) (...) conseguiu deter os cabeças com exceção do

Deputado Hécules Correia dos Reis ( imune)” (Setor Guanabara, APERJ)

É possível verificar a tentativa de registrar sua eficiência nesta ação, da polícia

política( apesar de totalmente fracassada).Entretanto o “conluio” referido pela polícia

política entre as tropas do I Exército e da União, dá o tom do conflito com dimensões

políticas em que a polícia sabia informar e também agir, tentando deter qualquer

movimento de oposição ao governo Lacerda. Após descrição de todos os integrantes do

comando de greve, o documento registra a desmoralização que sofreu a polícia política

naquela ação, e o tom emocional anti janguista nos ajuda a confirmação da hipótese da

instrumentalização da polícia política pelo governo Lacerda:

“ Já estavam todos recolhidos ás viaturas da polícia para serem trazidos à

DPS, quando surgiu o capitão Hermes da Fonseca da polícia do I

Exército(...), impedindo seu deslocamento e exigindo a libertação dos

detidos(...) Autoridades do Exército chegaram: grevistas soltos sob aclamação

dos mesmos”(Setor Guanabara, APERJ)

Em função da leitura acerca da divisão no interior do exército como uma das

causas da crise política que iria se agravar com o golpe, esta divisão e a possibilidade

de instrumentalização da polícia por um lado foi que resolvi percorrer esta

documentação e encontrei com carimbo “reservado” a solicitação de informações

sobre possíveis “ subversivos” dentro da corporação. Esta solicitação foi direcionada

ao diretor do DOPS. A relação entre a polícia política e uma fração do exército nos

inclina observar a instrumentalização dos respectivos governantes de então a cerca das

possibilidades de governabilidade, principalmente pautada na coerção e criminalização

principalmente no governo de Carlos Lacerda: Este foi o caso da punição do I e III

exércitos e do golpe civil-militar em 1964 com a participação mais que comprovada de

civis, como o próprio governador e suas respectivas alianças.

A atuação das “Ligas” e dos movimentos sociais nos arquivos das polícias políticas

Quanto ao surgimento das Ligas Camponesas, tem se atribuído ao ano de 1955

a sua fundação com a liderança de Francisco Julião. Embora seja correto afirmar o

papel preponderante assumido pelas Ligas Camponesas a partir de 1955, foi possível

verificar nos arquivos das polícias políticas que as características destas organizações

se diversificaram ao longo do tempo, e que esta organização tem precedentes já em

1945 de acordo com a bibliografia pesquisada, e desde 1930 nos arquivos das polícias

políticas.

Trabalhando com a hipótese de que, no contexto em que a DPS agiu e

organizou-se através de sua respectiva organização e seu padrão de ação, é que foi

possível verificar na documentação pesquisada, os planos de ação da polícias políticas

com seus respectivos atributos a quem quer que fosse, ou se aproximasse de militantes

sociais. Assim eram acusados de comunistas, e se fossem comunistas, foram ou seriam

investigados como criminosos e logo aprisionados e/ou mortos nos planos de ação das

mesmas. É possível aferir esta hipótese com a documentação trabalhada.

A hipótese da polícia investigativa está relacionada a incorporação da mesma

na instituição policial. Este setor das polícias políticas era formado a partir nos setores

de investigação e tinham como tática de ação, a infiltração no interior dos movimentos

sociais. Eram policiais que se passavam por militantes sociais ou comunistas no interior

das organizações que aqui podemos identificar nos relatórios escritos aos seus

superiores em seus respectivos setores. Aqui selecionei um relatório de investigação, da

Seção do Serviço Secreto da polícia política:

“ Liga dos Camponeses do Distrito Federal

Em 24 de Junho de 1946 Boletim da S.S. – Realizou-se ontem na Estrada do Gabinal,

Número 54 Jacarepaguá, a segunda reunião da liga acima. Estiveram presentes, além

de seus organizadores, que são em número de 54 lavradores, e pequenos sitiantes do

local, os senhores Gregório Bezerra e Pedro Coutinho Filho, que usaram da palavra. A

reunião teve por finalidade principal um debate entre os camponeses e seus

orientadores com o objetivo de troca de impressões sobre a situação efetiva de despejo

por parte de pessoas que se dizem proprietárias de terras em que as mesmas estão

localizadas há vários anos” (Série Fichas Verdes, microfilme 35, APERJ)

Foi possível verificar a preocupação da polícia política em assinalar todas as

informações que fossem úteis ao aprofundamento da investigação, como o nome das

lideranças, o lugar de reunião, o número de pessoas, o objetivo da reunião. Sobre “as

pessoas que se dizem proprietárias” para a polícia política era preciso considerar a

referência preconceituosa em relação as classes menos favorecidas, considerados

criminosos em potencial; e como supostos “orientadores”, os militantes que eles

identificavam como “comunistas” para justificar a repressão; característica muito

própria das polícias políticas neste período.

É possível verificar esta característica nos documentos das polícias políticas:

“Departamento Federal de Segurança Pública-DFSP

Os dirigentes vermelhos incumbidos de orientar o desencadeamento das lutas no campo

entregam-se às mais intensas atividades e estão subordinando seu plano de ação a uma

propaganda orientada no sentido de convencer aos trabalhadores da gleba, da

excelente oportunidade que se lhe enseja com a época das colheitas para imporem

suas pretensões. Os asseclas de Prestes infiltrados nos meios mais densos e, ao mesmo

tempo, nos mais estratégicos núcleos camponeses espalhados pelo território nacional,

conclamam à ação os elementos já politizados, catequizam, dentro dos postulados

bolchevistas, os campônios ignaros; arregimentam, acenando-lhes com promessas

falazes, os descontentes para, finalmente induzi-los a paralisar os trabalhos, sabotar e

si necessário destruir as safras” (Movimento Camponês, Inventário Preliminar,

DPS,APERJ, 2003)

É possível observar como esta característica do pensamento da polícia política já

fortemente institucionalizada, absorvida pela sociedade, já considerava camponeses

ignorantes; e se organizados, comunistas e inimigos de toda a Sociedade.

Outro aspecto importante, no sentido de observar a organização dos camponeses

em “ligas” antes de 1955 é o período que segue a interrupção da Ditadura Vargas,

“pelo fato de não se poder superar esses rígidos limites institucionais, a

única possibilidade residia em atuar dentro do âmbito do código civil, o

mesmo que admite a organização de associações de caráter não

especificamente trabalhista. Neste caminho operaram os ativistas do Partido

Comunista, realizando entre 1945 e 1947, uma grande e organizada

mobilização de trabalhadores agrícolas em quase todos os estados

brasileiros. Fundaram-se , então , centenas de Ligas Camponesas, que

reuniam milhares e milhares de pessoas.”(STEDILE, 2002:2)

O nome “ligas” passam a ser denominadas também como organização não só

de camponeses, mas de outras organizações da sociedade civil, devido a proibição da

livre organização, principalmente nas cidades. Daí diversas organizações em “ligas”

foram encontradas, incluindo os militantes do Partido Comunista até “ligas” de

comércio. Neste sentido é que os camponeses também encontraram um meio de

militância política, na tentativa de driblar as dificuldades que a ditadura havia deixado,

quando os camponeses eram vistos como agentes políticos passivos, que deveriam

sofrer a ação benfeitora do Estado sem ocuparem a cena política como protagonistas,

incorporando-se numa ação política imaginária, daí organizaram-se de forma

diferenciada das organizações trabalhistas vinculadas ao poder estatal. (LINHARES &

TEIXEIRA, p.111:1999)

Dando procedimento a esta afirmativa, encontramos na documentação

pesquisada, não só as “ Ligas” Camponesas neste período, mas também no período

anterior, quando só no ano de 1930 foi possível verificar e enumerar 99 organizações

em “ligas”, sendo que entre as 99 organizações havia Liga de Emancipação Nacional,

Liga em defesa das Liberdades democráticas, Liga Udenista Feminina Pró Eduardo

Gomes, Liga pela oficialização do jogo, entre outras. Entre as 99 ligas incluindo as

citadas, haviam 10 Ligas Camponesas no ano de 1930.( Relatórios de Assuntos

Indexados em microfilme-Fundo DPS- Série Fichas Verdes)

O número de camponeses organizados nas Ligas aumentou principalmente a

partir de 1945, chegando a milhares de camponeses, que sem acesso a terra, diante da

expulsão do campo de milhares de camponeses neste período, a isto se somou uma forte

repressão policial, que a mando do Estado, arbitrava os conflitos no campo, ou através

dos partidos aliados com forte base eleitoral dos grandes latifundiários como o PSD e a

UDN (STÉDILE, 2002:12)

Assim, o deslocamento da repressão para o campo pôs fim as Ligas

Camponesas em 1947. Mas os camponeses deixariam sua semente que iria ser força

política no campo em 1955 devido a não resolução do problema da posse da terra a

partir de uma Reforma Agrária, com a divisão da terra entre os que nela trabalhavam.

Com conflito de terras neste período em quase todo o país envolvendo as Ligas

Camponesas, alguns acontecimentos marcaram o movimento dos camponeses incluindo

as “Ligas” dessa época. No caso do Paraná, desde 1946, 1500 famílias de posseiros

habitando terras devolutas em Jaguapitã, passaram a sofrer o problema do despejo,

porque o governo cedera terras já ocupadas por grandes proprietários. Despejos

violentos levaram a formação de grupos armados que resistiam ou atacavam fazendas.

Havia confronto com a polícia. A situação se agravou quando o governo envolvido com

negociatas de terras, procurou os camponeses de Jaguapitã e ofereceu outras terras no

rio Paranauí com casa e transporte, sem que esta promessa fosse cumprida. A isto

somou-se a Revolta dos Lavradores de Porecatu, outra importante manifestação

camponesa localizada na margem esquerda do curso médio do rio Paranapanema, que

divide São Paulo e Paraná, próximo a Jaguapitã, onde a situação era idêntica. Desta vez,

o governo pretendia desenvolver um projeto de colonização de terras. Muitos

camponeses para lá se deslocaram abrindo posses. Mas o governo traficou terras,

vendendo-as para outras pessoas. Nos últimos meses de 1950, devido a ação do PCB e

seus comitês regionais em Londrina do Paraná, Presidente Prudente , e Assis em São

Paulo, explode a Guerrilha de Porecatu com a liderança de José Billar. Esta guerrilha

teve duração até 1951. Os camponeses foram desarmados pela polícia. (MARTINS, 73-

74: 1999) Além da forte repressão, a investigação policial seguia esses mesmos passos.

Foi possível verificar a ressonância destes conflitos nos fichários microfilmados

das polícias políticas na Liga Camponesa Estrela de Centenário, no Paraná:

“Anotações : Comunista

Em 09/04/51Boletim reservado número 62- Com intuito de hipotecar

solidariedade aos trabalhadores rurais de Porecatu, na luta que eles

empreenderam para se manter nas terras que exploram , a liga acima acaba

de divulgar uma manifesto em sua defesa” (Microfilme 34, série fichas verdes,

Fundo DPS, APERJ)

É possível verificar que as ligas não se organizavam só no campo, mas também

se espalhavam por diversas outras cidades e solidarizavam entre si. A polícia política

estava atenta e infiltrada. O resultado desta luta política do movimento social de

Porecatu foi que a partir de 1951 houve disposição de um novo governo em Porecatu

resolver a situação, e, pela primeira vez no país foi declarado que as terras seriam de

utilidade pública para desapropriação por interesse social. No entanto, isto foi feito com

mais de 300 camponeses armados, que foram desarmados por 250 homens da

polícia.(MARTINS, 1990:74)

Como fruto da organização das Ligas Camponesas, outra manifestação

camponesa destacamos:

“Liga dos Camponeses da Alta Sorocabana- São Paulo:

Em 24/03/49 – Boletim S/S- os comunistas fundadores da epigrafada, no dia

21, surpreendidos pela polícia em uma reunião clandestina na sede de uma

cooperativa em Santo Anastácio, recebeu-a à bala, dando lugar a um

prolongado tiroteio, no qual resultou saírem feridos cinco policiais, dentre os

quais, um Cabo da força pública, que já faleceu.”

Foi possível verificar no documento selecionado, o nível de tensão no campo já

em 1949, e ainda, a ação violenta da polícia ao supor uma reunião comunista por si já

merecia ser destruída, sem dar conta do outro lado, ou seja, de quantos camponeses

feridos ou mortos houveram, deixando nos transparecer, o papel ideológico da polícia.

A Revolta de Trombas e Formoso levou também a uma importante experiência

de conquista do movimento social organizado no campo, que teve duração de 1948 até

1964.

Sobre este importante episódio do movimento social do campo, foi possível

verificar um momento do conflito em Trombas e Formoso no olhar da polícia política

e confrontar o relato da polícia com a bibliografia atualizada sobre o assunto

(MARTINS, 1990:72)

Num conflito entre fazendeiros e camponeses em Goiás, desde 1948 se delineia

a Revolta de Trombas e Formoso. Com a construção da Estrada Transbrasiliana, as

terras do então município de Uruaçu se valorizaram. Esta estrada iria fazer parte da

futura Rodovia Belém-Brasília, iniciada a construção da capital em 1956.

Neste confronto, José Porfírio, posseiro de terra, liderou o confronto com os

fazendeiros. Jagunços foram lançados sobre os camponeses. Vencida a primeira batalha,

os fazendeiros começam a grilagem em 1952. Foram feitas tentativas de transformar

posseiros em parceiros como ocorria em Minas Gerais na mesma ocasião,

empobrecendo ainda mais a condição social dos camponeses. Encontrando resistência,

mulher e filho recém nascido de José Porfírio são arrancados de casa e a mulher morre.

Em 1954 foram enviados para a região 4 militantes do PCB. Os camponeses se

organizaram e se armaram contra os jagunços e fundaram a Associação dos

Lavradores de Trombas e Formoso. Em 1957, o governo do Estado enviou agentes para

combatê-los.

Nos arquivos das polícias políticas, um telegrama datado de 25/03/57 do

Secretário do Estado de Segurança pública de Goiás, endereçado ao General Augusto

Magessi, o remetente tenta acalmar os ânimos do General diante do conflito instalado

na cidade divulgado na então capital do país, o Rio de Janeiro:

“Cumpre-se levar conhecimento vossência, tendo em vista as alarmantes

notícias veiculadas pela imprensa carioca, sobre ocorrências policiais

registradas nas proximidades dos povoados denominados Trombas e Formoso,

município de Amaro Leite, neste Estado, cujas notícias tendenciosas foram

dadas por adversários do governo com intuito exclusivo de exploração

política, esclareço a Vossa Excelência , abém da verdade, que nada há de

grave a respeito naquela região. Atendendo a solicitação do delegado de

polícia do município de Amaro Leite, terminei o envio para aquela localidade

um reforço policial sob comando do segundo tenente Joseh Pinto sobrinho,

afim de apurar em inquérito policial, os responsáveis pelos homicídios

praticados pelos comunistas José Porfírio, Joseh Firmino e Joaquim Limaro,

os quais chefiam o bando armado de comunistas, inocentes lavradores, estes

posseiros de terras naquela região.”( Fundo Polícias Políticas, setor Estados,

2)

O Secretário de polícia descreve então, o feito policial, fazendo mais uma vez

a sua versão fria e unilateral sobre o conflito:

“A caminho esta tropa foi atacada, de tocaia, cerca de seis quilômetros do

povoado de Trombas por uma grupo de homens, armados de fuzil, mosquetão

e carabinas, havendo troca de tiros...”

Mesmo se configurando um conflito, com a “troca de tiros”, o Secretário

tentava minimizar o problema naquela região:

“...resultou a perda de um policial, ignorando-se o número de vítimas dos

atacantes comunistas, que conseguiram evadir levando os prováveis feridos

para o interior de uma vasta floresta ali existente. Diante disto, e atendendo o

pedido do Juiz de Direito da Comarca de Porangatu, município vizinho

daqueles povoados, que teriam novos assaltos, outros reforços foram enviados

por via terrestre e em aviões do Estado. As últimas notícias trazidas ao meu

conhecimento hoje, pelo Delegado Juvenal Campos Amaral, da Ordem

Política e Social que havia seguido para as referidas localidades por minha

determinação, informava que em toda a região foi restabelecida a ordem e a

tranqüilidade públicas...”(Setor Estados 2)

E após longo relato, o secretário supõe tratar de conflito entre grileiros e

posseiros, cabendo tal conflito ser arbitrado pelo Estado, tratando-se, no caso, de terras

devolutas e pertencentes ao Estado.

Como parte do ethos da polícia política, aliava lavradores a comunistas, e dessa

forma, justificava a ação de repressão:

“...quase todos lavradores, os quais estão insuflados por elementos comunistas

contra particulares que alegam serem proprietários das referidas terras...

Determinei ao delegado da ordem política e social a abertura competente de

inquérito policial, afim de apurar os crimes praticados pelos elementos

comunistas, em conformidade com a lei que define crimes contra segurança

nacional. Cordiais saudações, Dr. Iracy José Gomes ( Secretário do Estado

de Segurança Pública.”

A partir da documentação de um momento tenso do conflito no município de

Trombas e Formoso descrito por um agente da polícia política pode nos reafirmar a

dimensão que este conflito teve, a sua importância para História da luta camponesa,

devido o seu nível elevado de enfrentamento, além da reafirmação da forma truculenta

da ação da polícia política.

Isto se confirma nos desdobramentos deste conflito, que, no mesmo ano foi feito

acordo de permanência dos posseiros em troca de voto para o então governador do

Estado, Pedro Ludovico, na sucessão do governo para seu filho Mauro Borges.

Daí até 1964 Trombas e Formoso se constituiu território liberado, com governo

próprio, facilitando a criação do município de Formoso com José Porfírio Deputado

Estadual.

Mas esta liberdade duraria pouco com o golpe de 1964, tendo os líderes fugidos

e presos, e em 1970 torturados. José Porfírio foi preso em 1972 no Maranhão durante

combate na Guerrilha do Araguaia. Solto em 1973, desapareceu, havendo suspeita de

seqüestro e assassinato (MARTINS, 1990:73).

Com isso, foi possível constatar a presença de organizações em ligas

Camponesas antes de 1955, que demonstram a repressão no campo antes deste período

e ainda, que havia outras formas de organização em ligas que não eram

necessariamente o das Ligas Camponesas fundadas em 1955 a partir de documentos

nos arquivos da polícias políticas.

Conclusão:

Sem presunção de concluir todas as pesquisas sobre polícias políticas e os

movimentos sociais e de quem está no primeiro semestre do mestrado, ou reiniciando

esta pesquisa, segue aqui algumas conclusões preliminares com as hipóteses propostas

aferidas neste artigo.

Se por um lado a divisão intra-elites acirrava a luta institucional e ampliava a

ação das polícias políticas, é possível perceber que os movimentos sociais atuavam na

trincheira das instituições de controle destes movimentos. Por um lado, foi possível

verificar de que forma as polícias políticas agiam em relação aos governos num período

democrático em que estas instituições tentavam um controle com repressão cada vez

maior. Por outro lado, a criação e fundação de ligas permitiam que estas se

movimentassem e tivessem algumas vitórias significativas neste período apontando

possibilidades de reforma agrária e atuação política mais ampla e que estas

organizações foram experimentadas, passaram por mudanças e amadurecimentos.

Enfim, num país marcado por sucessivos governos com características

autoritárias, ainda assim sempre contou com muita disposição de luta por justiça,

dignidade, igualdade e liberdade política. As diversas organizações, os movimentos

sociais em geral nem sempre tiveram oportunidade nem direcionamento que facilitasse

suas lutas. Ainda hoje, depois de muitos anos de ações, temos negros, mulheres,

analfabetos, camponeses sem-terra e a população pobre em geral, brigando para

conquistar direitos básicos. Aliado a esta luta, precisa-se ter acesso a memória de muitos

lutadores e lutadoras ainda guardados nos porões da História do Brasil. Esta tem sido a

tônica da luta pelo acesso ao conhecimento da História de um outro Brasil.

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