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AS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO: dois projetos em disputa Samara Cristina Silva Pereira 1 Guiomar de Oliveira Passos 2 RESUMO: Analisa-se a política de educação profissional técnica de nível médio, tomando seus instrumentos regulamentadores durante o governo FHC, Decreto n°2.208/1997, e governo Lula, Decreto n°5.154/2004. Baseia-se no modelo neoinstitucionalista em que os programas públicos relacionam-se com o sistema político e instituições políticas, o processo político, seus atores e interesses (FREY, 2000). Procedeu-se com revisão de literatura e levantamento da legislação educacional. Conclui-se que a política de educação profissional é atravessada por impasses do campo político, evidenciando a interdependência entre os processos de construção das estruturas políticas e condições do poder e a definição da política. Palavras-chave: Política de educação profissional técnica de nível médio. Análise de políticas públicas. Neoinstitucionalismo. ABSTRACT Analyze the education policy-level technical school, taking their regulatory instruments during the Cardoso government, Decree n°2.208/1997, and Lula, Decree n°5.154/2004. It builds on the institutionalist model in which public programs are related to the political system and political institutions, the political process, its actors and interests (FREY, 2000). Proceeded with review of literature and survey of educational legislation. We conclude that the education policy is crossed by the impasses politics, highlighting the interdependence between the processes of building political structures and conditions of power and policymaking. Keywords: Politics of technical professional education level. Public policy analysis. Neoinstitutionalism. 1 INTRODUÇÃO A formação profissional de nível médio no Brasil, em particular no que se refere à articulação com a educação secundária, tem sido, historicamente, objeto de controvérsias e disputas. Nas duas últimas décadas, desde a LDB – Lei nº 9394/96, estas se expressam nas regulamentações do § 2 º do art. 36 e dos arts. 39 a 42 que 1 Estudante de Pós-graduação. Universidade Federal do Piauí (UFPI). [email protected] 2 Doutora. Universidade Federal do Piauí (UFPI). [email protected]

As Politicas Para Educacao Profissional Tecnica de Nivel Medio Dois Projetos Em Disputa

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  • AS POLTICAS PARA A EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA DE NVEL MDIO: dois projetos em disputa

    Samara Cristina Silva Pereira1 Guiomar de Oliveira Passos2

    RESUMO: Analisa-se a poltica de educao profissional tcnica de nvel mdio, tomando seus instrumentos regulamentadores durante o governo FHC, Decreto n2.208/1997, e governo Lula, Decreto n5.154/2004. Baseia-se no modelo neoinstitucionalista em que os programas pblicos relacionam-se com o sistema poltico e instituies polticas, o processo poltico, seus atores e interesses (FREY, 2000). Procedeu-se com reviso de literatura e levantamento da legislao educacional. Conclui-se que a poltica de educao profissional atravessada por impasses do campo poltico, evidenciando a interdependncia entre os processos de construo das estruturas polticas e condies do poder e a definio da poltica. Palavras-chave: Poltica de educao profissional tcnica de nvel mdio. Anlise de polticas pblicas. Neoinstitucionalismo.

    ABSTRACT Analyze the education policy-level technical school, taking their regulatory instruments during the Cardoso government, Decree n2.208/1997, and Lula, Decree n5.154/2004. It builds on the institutionalist model in which public programs are related to the political system and political institutions, the political process, its actors and interests (FREY, 2000). Proceeded with review of literature and survey of educational legislation. We conclude that the education policy is crossed by the impasses politics, highlighting the interdependence between the processes of building political structures and conditions of power and policymaking. Keywords: Politics of technical professional education level. Public policy analysis. Neoinstitutionalism.

    1 INTRODUO

    A formao profissional de nvel mdio no Brasil, em particular no que se refere articulao com a educao secundria, tem sido, historicamente, objeto de controvrsias e disputas. Nas duas ltimas dcadas, desde a LDB Lei n 9394/96, estas se expressam nas regulamentaes do 2 do art. 36 e dos arts. 39 a 42 que

    1 Estudante de Ps-graduao. Universidade Federal do Piau (UFPI). [email protected]

    2 Doutora. Universidade Federal do Piau (UFPI). [email protected]

  • tratam dos vnculos entre a preparao para o prosseguimento nos estudos e a preparao para o exerccio de profisses tcnicas.

    Na regulamentao dada pelo Decreto n2.208 de 17 de abril de 1997, institudo no governo de Fernando Henrique Cardoso a educao profissional estabelecida como etapa formativa prpria (BRASIL, 1997). Na regulamentao dada pelo Decreto n5.154 de 23 de julho de 2004, institudo no Governo de Luis Incio Lula da Silva mantm-se a educao profissional como etapa formativa prpria, contudo, no nvel mdio, abre-se a possibilidade oferta integrada entre profissional e ensino mdio. Em 2008, atravs da Lei n n 11.741, a educao profissional tcnica de nvel mdio passaria a constituir modalidade de ensino mdio (seo IV-A da LDB) (BRASIL, 2008), facultando a este grau de ensino a possibilidade de preparao para o exerccio de profisses tcnicas.

    Estas alteraes, no apenas por governos distintos, com orientaes polticas divergentes, mas no interior de um mesmo governo, incita a questionamentos sobre os processos que resultaram em mudanas na poltica de educao profissional num e noutro perodo. Pergunta-se: que interesses e argumentos orientam os projetos? Como tais projetos se impem em cada contexto?

    Nesse sentido, o texto se volta para a identificao dos argumentos orientadores de cada proposta bem como dos atores e interesses envolvidos, e a relao dos modelos adotados com os projetos polticos de cada governo. Trata-se, por conseguinte, do exame da conformao da poltica de educao profissional tcnica nas ltimas dcadas.

    Para tanto, recorre-se ao modelo de anlise de polticas pblicas neoinstitucionalista segundo o qual a definio destas envolve mltiplas dimenses: o sistema poltico e suas instituies polticas, o processo poltico e seus atores e interesses e os contedos da poltica (FREY, 2000). Desse modo, consideram-se as instituies polticas e a relao que essas mantm com a sociedade, seus distintos grupos e seus interesses, na anlise das polticas pblicas.

    O objetivo compreender os conflitos e interesses envolvidos na poltica de educao profissional, particularmente a relao que esta estabelece entre educao profissional e ensino mdio, oferecendo subsdios sua conformao e s definies sobre o uso dos recursos pblicos nesta rea. At porque no apenas

  • so altos os custos da oferta de educao profissional integrada ao ensino mdio como tambm esta uma ao estatal com repercusses, fazendo uso da expresso de Castro (2007, p. 201), sobre o futuro de uma gerao com conseqncias para o pas, especialmente no que se refere formao de tcnicos de nvel mdio.

    Na construo do trabalho procedeu-se com reviso da literatura sobre a anlise de polticas pblicas em geral e especficas para o ensino mdio e educao profissional tcnica de nvel mdio e pesquisa documental legislao educacional da rea. A estrutura do trabalho a seguinte: a primeira parte discorre sobre mudanas na organizao da educao profissional tcnica a partir da legislao educacional estabelecidas nos governos FHC e LULA; a segunda, traz anlise das mudanas empreendidas em cada governo a partir do escopo neoinstitucionalista, encerrando-se com a concluso.

    2. A CONFORMAO DA POLTICA DE EDUCAO PROFISSIONAL NAS LTIMAS DECADAS

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, LDBN n 9.394 de 20 de dezembro de 1996, consolidada ps-redemocratizao do pas, inaugurou uma nova fase da educao brasileira. A educao escolar, consoante seu art. 21, passou a compreender nveis e modalidades de ensino. Entre os nveis esto I - educao bsica, formada pela educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio; II- educao superior. As modalidades so vinculadas aos diferentes nveis, estando entre elas a educao profissional normatizada por captulo especfico (cap. III, art. 39 a 42 de Lei n 9.394/1996).

    A nova legislao incluiu o ensino mdio na educao bsica e atribuiu-lhe a funo formativa, compreendendo: o prosseguimento dos estudos (inciso I, do art. 35) e a preparao bsica para o trabalho (inciso II) e para a cidadania (incisos III e IV). Desse modo, a preparao geral para o trabalho estaria associada formao geral do educando, compreendendo os contedos e competncias de carter geral para a insero no mundo do trabalho e aqueles que so relevantes ou

  • indispensveis para cursar uma habilitao profissional e exercer uma profisso tcnica Parecer CNE/CEB 15/1998 (BRASIL, 1998).

    A educao profissional, que at ento cumpria a funo formativa para o trabalho, desenvolvendo-se no nvel mdio junto com o secundrio atravs do segundo grau profissionalizante (Lei n 5.672), assume a funo de habilitao para profisses especficas. Essa desenvolvida, conforme art. 39, cap. III, articulada s diferentes formas de educao, ao trabalho, cincia e tecnologia cuja misso seria o permanente desenvolvimento de aptides para a vida produtiva texto original da LDBN (BRASIL, 1996). Assim, preparao para o trabalho e habilitao profissional passam, consoante a LDBN/1996, a serem concebidas e tratadas como distintas, ainda que articuladas, ocupando lugar diferenciado na organizao da educao nacional.

    Nesse sentido, o instrumento regulamentador dos artigos da Lei de Diretrizes que tratam da preparao para o exerccio das profisses tcnicas (2 do art. 36 e art. 39 a 42), institudo em 1997, Decreto n 2.208/97, estabelece em seu Art 5 que A educao profissional de nvel tcnico ter organizao curricular prpria e independente do ensino mdio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqencial a este (BRASIL, 1997). Reafirma o estabelecido na legislao infraconstitucional, tratando ensino mdio e educao profissional como cursos diferenciados, a serem desenvolvidos em articulao ou no.

    Os objetivos da educao profissional, segundo o Decreto n 2.208 de 1997 seriam:

    I - promover a transio entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e especficas para o exerccio de atividades produtivas; Il - proporcionar a formao de profissionais, aptos a exercerem atividades especficas no trabalho, com escolaridade correspondente aos nveis mdio, superior e de ps-graduao; III - especializar, aperfeioar e atualizar o trabalhador em seus conhecimentos tecnolgicos; IV - qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nvel de escolaridade, visando a sua insero e melhor desempenho no exerccio do trabalho (BRASIL, 1997).

    De forma genrica, os objetivos referem-se formao profissional de trabalhadores, nos diversos nveis, para atuao no mercado produtivo, estando em

  • conformidade com a misso da educao profissional definida na Lei da Educao Nacional.

    A educao profissional de nvel tcnico, conforme prev o Art. 8, 1 do Decreto 2.208/97, teria os currculos estruturados em disciplinas, com a possibilidade de agrupamento sob a forma de mdulos, que para efeito de qualificao profissional poderiam assumir carter de terminalidade dando direito a certificado de qualificao profissional ao final de cada mdulo, o que facilitava a insero ou reinsero de trabalhadores no mundo do trabalho. Alm da vantagem de sadas intermedirias, a oferta modularizada garantia flexibilidade aos currculos, especialmente em um contexto de rpidas transformaes.

    O novo formato, em que ensino mdio e ensino tcnico tornaram-se independentes, tinha tambm outras implicaes: garantia aos jovens que desejassem realizar a formao profissional a possibilidade de faz-lo, ao tempo em que cursasse o mdio ou apenas posteriormente, quando conclussem; encerrava com a dualidade estrutural na qual a educao mdia variava entre propedutico e profissionalizante; e autorizava as escolas tcnicas e instituies especializadas a focarem sua oferta na educao profissional, deixando de assumir a dupla misso de oferta propedutica e profissionalizante imposta pelo Decreto n5.692/1961, atravs do segundo grau profissionalizante. Destarte, o projeto delineado na LDBN, regulamentado pelo Decreto n 2.208/1997, resolvia distores histricas, como a dualidade no ensino mdio que gerava um sistema de discriminao social; a oferta da educao propedutica por escolas tcnicas que vinha provocando sua deriva acadmica; e respondia s demandas atuais postas formao dos tcnicos.

    O projeto para a educao profissional de nvel tcnico encabeado durante o governo de FHC, cujos objetivos estavam claramente delineados, foi objeto de crticas e contestao entre intelectuais, movimentos sociais e atores da Rede Federal que defendiam a integrao entre ensino mdio e educao profissional em um nico curso. Para esses, a educao profissionalizante como complementar educao bsica assumia o iderio pedaggico do capital ou do mercado representado uma profunda regresso, e restabelecia o dualismo entre educao e trabalho, ferindo os princpios da politecnia (FRIGOTTO, CIAVATA, RAMOS, 2005, p. 13). O Decreto de 1997 vinha, nos termos de Frigotto, Ciavata e Ramos (2005,

  • p.25) no somente proibir a pretendida formao integrada, mas regulamentar formas fragmentadas e aligeiradas de educao profissional em funo das alegadas necessidades do mercado.

    Desse modo, to logo um governo vinculado esses grupos ascendeu ao poder em 2003, foram realizados seminrios com vistas elaborao da proposta para reorganizao da educao profissional no Brasil. Nesses, os intelectuais vinculados politecnia, inspirada em Marx e Gramsci, lideraram as discusses em favor da integrao curricular entre ensino mdio e profissionalizante, em oposio aos representantes da oferta independente.

    Em 2004 o governo, atravs do Decreto n 5.154 de 23 de julho de 2004, revogou Decreto n 2.208/97 e restabeleceu a integrao curricular dos ensinos mdio e tcnico. Pelo novo Decreto (art. 4, 1), a educao profissional ser desenvolvida nas formas:

    I integrada, oferecida somente a quem j tenha concludo o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno habilitao profissional tcnica de nvel mdio, na mesma instituio de ensino, contando com matrcula nica para cada aluno; II -concomitante, oferecida somente a quem j tenha concludo o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino mdio, na qual a complementaridade entre a educao profissional tcnica de nvel mdio e o ensino mdio pressupe a existncia de matrculas distintas para cada curso [...]; III - subseqente, oferecida somente a quem j tenha concludo o ensino mdio (BRASIL, 2004).

    Com as alteraes, passava a figurar duas concepes em relao ao vnculo entre educao profissional e ensino mdio: uma em que a educao profissional parte do ensino mdio, devendo realizar-se de forma integrada, constituindo um mesmo curso, e outra que admite a separao entre eles, como estabelecido no projeto do governo anterior. Essas distintas posies representavam os interesses em disputa em torno do novo dispositivo regulamentador: de um lado, o movimento em defesa da politecnia e, por conseguinte, da integrao; do outro, instituies profissionalizantes e Estados, em especial So Paulo, que defendia a posio das

  • Escolas Tcnicas Estaduais da Rede Paula Souza, em favor da manuteno da oferta independe entre as modalidades3.

    Alm dos formatos concomitante e subsequente (antes denominada sequencial), o novo Decreto, que se propunha oposio do anterior, manteve a oferta modular e a alternativa de sada intermediria de qualificao profissional, estendendo tal possibilidade aos cursos de tecnologia de nvel superior. Conforme o texto do Art. 6 do Decreto de 2004:

    Os cursos e programas de educao profissional tcnica de nvel mdio e os cursos de educao profissional tecnolgica de graduao, quando estruturados e organizados em etapas com terminalidade, incluiro sadas intermedirias, que possibilitaro a obteno de certificados de qualificao para o trabalho aps sua concluso com aproveitamento (BRASIL,2004).

    As formas presentes no Decreto anterior apareciam contempladas no atual, de forma que a divisa entre a antiga e a nova regulamentao instituda situa-se, especificamente, no retorno da oferta integrada entre educao profissional e ensino mdio que desembocou, posteriormente, em alteraes na LDBN atravs da Lei 11.741 de 16 de julho de 2008.

    As alteraes procedidas pela Lei n11.741/2008 propunham-se a redimensionar, institucionalizar e integrar as aes da educao profissional tcnica de nvel mdio, da educao de jovens e adultos e da educao profissional e tecnolgica (BRASIL, 2008). No mbito da educao profissional tcnica de nvel mdio, a Lei introduziu as modificaes previstas no corpo do Decreto 5.154/2004, suprimindo itens da LDB original e inserido novos, dentre os quais a Seo IV-A Da Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio na VI Seco Do Ensino Mdio.

    O novo item no apenas ratifica as mudanas na organizao e oferta da educao profissional promovidas durante o governo Lula, com alteraes no contedo do texto da Lei de Diretrizes aprovado em 1996, como introduz a forma integrada da educao profissional com o ensino mdio no captulo que trata da Educao Bsica. A Lei n11.741, portanto, vai alm do se prope o Decreto n 5.154/2004 regulamentao da educao profissional ao promover alteraes na

    3 Tal posio baseava-se nos resultados das pesquisas realizadas pela Rede Paula Souza cujos resultados apontam que a educao modular trouxe para suas escolas alunos de origem mais modesta, que pretendiam ser tcnicos, favorecendo o xito na formao profissional (CASTRO, 2008, p. 121).

  • oferta do ltimo nvel da educao bsica, medida que introduz a forma integrada da educao profissional como oferta vinculada educao bsica.

    3. AS DISPUTAS EM TORNO DA EDUCAO PROFISISONAL TCNICA DE NVEL MDIO: breves consideraes a partir do Neoinstitucionalismo

    Os projetos concebidos para a educao profissional de nvel mdio nos governos de FHC e Lula vinculam-se a distintas concepes poltico-ideolgicas em torno da relao entre ensino mdio e educao profissional, contemplando distintos interesses e grupos.

    O primeiro projeto, expresso no Decreto n 2.208/97, apresenta sintonia com contedo inscrito na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, expresso das vontades da sociedade para a educao nacional. Suas proposies para a educao profissional fundamentaram-se em aspectos prticos da realidade e nas orientaes traadas pela LDB. No governo FHC as decises em torno da educao profissional atendem ao prescrito na legislao infraconstitucional e esto em consonncia com a posio poltico-administrativa da plataforma governamental, de funcionalidade do Estado. Assim, os grupos polticos contrrios, fundados em ideologias, no conseguem exercer presso para imposio de seu projeto. A regulamentao traada para educao profissional, quando implementada, alcana resultados positivos em relao aos objetivos de formao profissional de trabalhadores e insero no mercado, sustentando, posteriormente, a posio contrria integrao no momento de redefinio dos caminhos da educao profissional brasileira.

    Na administrao do governo Lula, os grupos em defesa da integrao (intelectuais vinculados s idias de esquerda e membros das escolas da Rede Federal) tm maior penetrao nas instituies polticas, mas no conseguem impor seu projeto como hegemnico frente aos resultados alcanados pela educao profissional modular, evidenciados pelos atores em defesa da manuteno da independncia entre ensino mdio e tcnico. Frente a essas posies, em 2004, a nova regulamentao da educao profissional contempla os diferentes interesses em disputa, provocando descontentamento entre os defensores da politecnica. Passado o momento de tenso, em 2008, atravs da Lei n 11.741/2008, as

  • alteraes so procedidas no texto da LDB contemplado o projeto em favor da politecnia medida que altera no apenas a oferta da educao profissional, mas inscreve a educao profissional integrada ao ensino mdio no mbito da educao bsica como possibilidade de oferta do ensino mdio, alterando a oferta desse nvel.

    As situaes esboadas, num e noutro caso, corroboram a tese neoinstitucionalista segundo a qual as polticas pblicas mantm inter-relaes com processos polticos, que envolvem constelaes de atores, as condies de interesse em cada situao e as orientaes valorativas (FREY, 2000, p.220), cujo resultado final pode gerar (des)contentamento queles direta ou indiretamente afetados pela poltica em questo, como ocorreu com os adeptos da perspectiva da politecnia.

    De acordo com os pressupostos neoinstitucionalistas, as mudanas sobre as polticas refletem interesses das instituies e tambm de grupos da sociedade. Isso porque as situaes de decises sobre os programas pblicos, quase sempre, envolvem disputas, dado que nem todos tero as mesmas possibilidades de influenciar, sendo que o acesso s decises pblicas depender da capacidade de mobilizao e estratgia dos atores, como tambm do comportamento das instituies frente a eles (HALL; TAYLOR, 2003), segundo se verifica nos casos descritos.

    Os conflitos com os quais as instituies lidam ao estabelecerem os programas pblicos tero impacto sobre o programa formulado. Conforme Rothstein (1998, p.09-10) chama ateno a necessidade ou desejo de alcanar consensos pode conduzir assim ao resultado que so expressos em objetivos de programas em condies que h pouco no esto obscuras, mas at mesmo contraditrias. Assim, a estratgia adotada pelas instituies para solucionar conflitos polticos estar inscrita no desenho da poltica, de forma que em algumas situaes resultar em um desenho equivocado, como ao tentar conciliar interesses, na prtica, inconciliveis.

    Nesse sentido que a posio adotada pelo governo Lula ao acomodar distintas perspectivas e interesses acerca da educao profissional mdia repercute sobre o delineamento da poltica para essa modalidade, dificultando a criao de uma identidade para a educao profissional e de um verdadeiro sentido para a poltica de integrao. Alm disso, tem implicaes sobre a oferta do ensino mdio,

  • que passa a assumir mais de uma possibilidade de oferta, restabelecendo a dualidade na educao bsica.

    4 CONCLUSO

    No Brasil, a relao entre programas pblicos e elementos polticos pode ser apreendida nas mudanas imprimidas legislao educacional como esta no ensino mdio e ensino tcnico. Estes tm sido alvos de diferentes verses nas duas ltimas dcadas: cursos profissionalizante e mdio independentes (Lei n 2.208/1997) no governo de feio social-democrata de FHC; vrios modelos de educao profissional, independente e integrado ao ensino mdio (Lei n 5.154/2004), na administrao de centro-esquerda. Nos diferentes contextos, as decises por um e outro projeto envolveu atores e interesses de instituies polticas e grupos da sociedade. Assim, os impasses que atravessam a poltica de educao profissional tcnica no Brasil evidenciam a interdependncia entre os processos de construo das estruturas polticas e condies do poder e a definio da poltica (seu contedo, organizao, delineamento), conforme a perspectiva de anlise neoinstitucionalista.

    REFERNCIAS:

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  • ______. Presidncia da Repblica. Lei 11.741, de 16 de julho de 1948. Altera dispositivos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 [...]. Disponvel em:. Acesso em jun. de 2010. CASTRO, Claudio de Moura. O ensino mdio: rfo de idias, herdeiro de equvocos. In: Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 113-124, jan./mar. 2008. ______. Educao Brasileira- consertos e remendos. Nova ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. FREY, Klaus. Polticas pblicas: um debate conceitual e reflexes referentes prtica da anlise de polticas pblicas no Brasil. Planejamento e Polticas Pblicas, Braslia, n. 21, p. 211-259, jun. 2000. FRIGOTO, Gaudncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Mdio Integrado: concepo e contradies. So Paulo: Cortez, 2005. HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. As trs verses do neo-institucionalismo. So Paulo, Lua Nova, n. 58, p. 193-223, 2003. ROTHSTEIN, Bo. Just institutions matter: the moral and political logic of the universal welfare state. Cambridge: University Press, 1998.