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AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIÁRIOS PORTUGUESES DESDE 1974 iii Agradecimentos O presente trabalho é fruto da colaboração de determinadas pessoas e instituições, que foram importantes na presente investigação, desde a REFER, CP, DGTT e várias Bibliotecas, que destaco aqui, a Biblioteca da Assembleia da República. Agradeço ao meu Orientador, Professor Doutor Joaquim Filipe Ferraz Esteves de Araújo, da Universidade do Minho, pela sua compreensão, dedicação e ajuda imprescindível, nos momentos mais decisivos da elaboração deste trabalho de investigação. Agradeço as orientações e conselhos do Professor Doutor José Manuel Viegas do Instituto Superior Técnico, pelos ensinamentos transmitidos e que me foram tão importantes.

As políticas públicas nos transportes ferroviários ... · 3.1 O enquadramento jurídico e da Administração ... 3.2 Evolução histórica dos ... Programa de investimentos no

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  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    iii

    Agradecimentos

    O presente trabalho fruto da colaborao de determinadas pessoas e instituies, que

    foram importantes na presente investigao, desde a REFER, CP, DGTT e vrias Bibliotecas, que

    destaco aqui, a Biblioteca da Assembleia da Repblica.

    Agradeo ao meu Orientador, Professor Doutor Joaquim Filipe Ferraz Esteves de Arajo,

    da Universidade do Minho, pela sua compreenso, dedicao e ajuda imprescindvel, nos

    momentos mais decisivos da elaborao deste trabalho de investigao.

    Agradeo as orientaes e conselhos do Professor Doutor Jos Manuel Viegas do

    Instituto Superior Tcnico, pelos ensinamentos transmitidos e que me foram to importantes.

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    Resumo

    O presente trabalho enquadra-se no Mestrado em Administrao Pblica e, trata-se de

    um trabalho de investigao que tem por objectivo central, identificar e analisar as polticas

    pblicas delineadas e efectivamente adoptadas, pelo poder poltico, no sector dos transportes

    ferrovirios portugueses desde 1974, avaliando o seu impacto na rede de transportes. Procura

    entender as posies dos diversos Governos, dentro de um contexto social e econmico

    especfico poca, mas tambm da idealizao e concepo do modelo de desenvolvimento

    para o pas. Em Portugal a aposta no caminho-de-ferro foi feita especialmente aps 1974 at aos

    anos 90, de uma forma tmida, dominando alguma complexidade do ponto de vista do modelo

    conceptual e da poltica de financiamentos da empresa ferroviria tutelada, dando prioridade a

    outros investimentos de cariz social e da expanso e modernizao da rede rodoviria.

    Analisando as polticas dos vrios Governos, os mesmos, consideraram o transporte ferrovirio

    como um vector importante para o desenvolvimento do pas, embora na prtica, apenas alguns

    lhe imprimiram alguma dinmica. A entrada de Portugal na Comunidade Econmica Europeia

    em 1986, teve consequncias positivas no sector ferrovirio, com a afectao de recursos

    comunitrios para a sua modernizao, como o caso da modernizao do Eixo Braga Faro.

    O sector do transporte ferrovirio nacional e europeu tem hoje grandes desafios, quer

    pela aposta nos transportes de alta velocidade, quer pelo desenvolvimento das redes

    transeuropeias de transportes e da sua interoperabilidade, captando mais clientes para o

    caminho-de-ferro e fomentando polticas de mobilidade, de coeso social e de desenvolvimento

    dos pases. O objectivo de analisar a adopo e implementao das polticas pblicas,

    incorporado num conceito mais lato no que concerne relao poltica, relao institucional e,

    prestao do servio pblico, foi crucial para testarmos a pergunta de partida e a hiptese

    formulada. A questo de partida que presidiu a esta investigao foi tentar saber, que polticas

    pblicas tm sido formuladas e implementadas desde 1974 no sector do transporte ferrovirio

    portugus. Verificou-se da existncia da corroborao da hiptese formulada para este estudo.

    Com efeito, conclumos que os resultados das polticas pblicas no sector ferrovirio aps 1974

    tm sido pouco consistentes, no imprimindo um verdadeiro desenvolvimento estratgico para a

    rede nacional de transportes.

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    Abstract

    The following presentation is part of a Masters Degree in Public Administration. It is an

    investigation which aims to identify and analyse the public policies outlined and adopted by the

    railways sector since 1974 and evaluate its impact on the transport network. Taking into

    consideration the position of different Governments, within the social and economic context of the

    time, but also the realization and conception of a developing model for the country. In Portugal

    the development of the railways between 1974 and the 90s was very diffident. The conceptual

    model was complex and subject to the financial policies of the company, which gave priority to

    other investments such as social aspect and the expansion and modernization of the road

    network. Analysing the policies of various Governments, they all considered the railways to be an

    important asset in the development of the country. However, in practice few gave it any dynamic

    effort. The entrance of Portugal into the European Economic Community in 1986 had positive

    consequences in the sector of railways as some of the Community resources were used for its

    modernization, such as the modernization of the line between Braga and Faro.

    Nowadays, National and European railways transport have huge challenges, not only with

    the gamble of high speed transport but also developing the Trans-European networks and their

    ability to inter-operate and bring more clients to the railways, as well as developing policies of

    mobility, social cohesion and developing countries. The aim of analysing the adoption and

    implementation of the public policies, incorporating a more extensive concept, which

    incorporates policy relation, the institutional relation and public service, was crucial to test the

    first question and the formulated hypothesis. The first question that started this investigation tries

    to discover which public policies have been undertaken and implemented since 1974 in the

    sector of Portuguese Railways. We can corroborate the formulated hypothesis for this study. With

    effect we conclude that the public policies in the railways transport system after 1974 have not

    been very consistent, and have never given a real strategic development for the national transport

    system.

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    ndice

    Agradecimentos ........................................................................................................................ iii

    Resumo .................................................................................................................................... iv

    Abstract ..................................................................................................................................... v

    ndice ....................................................................................................................................... vi

    Lista de Abreviaturas e Siglas ..................................................................................................... x

    Lista de Ilustraes .................................................................................................................. xiii

    Lista de Quadros ..................................................................................................................... xiv

    Lista de Grficos ...................................................................................................................... xv

    Introduo ................................................................................................................................ 1

    Captulo I: Teoria e Polticas Pblicas ........................................................................................ 3

    1. Introduo ....................................................................................................................... 3

    1.1 Abordagens tericas das polticas pblicas ................................................................. 4

    1.1.1 Definio de poltica pblica ............................................................................... 4

    1.1.2 Estudo das polticas pblicas ............................................................................. 6

    1.1.3 O processo poltico ............................................................................................ 6

    1.1.4 Externalidades ................................................................................................. 10

    1.1.5 Formao das polticas pblicas - A agenda poltica (agenda setting) ................ 12

    1.1.6 Implementao da poltica pblica ................................................................... 13

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    1.1.7 Avaliao e impacto das polticas pblicas ....................................................... 15

    1.1.8 Formas de avaliao das polticas pblicas ...................................................... 18

    1.2 Concluso ............................................................................................................... 19

    Captulo II: Orientaes Polticas Internacionais no Sector dos Caminhos-de-ferro .................... 21

    2. Introduo ..................................................................................................................... 21

    2.1 O servio pblico internacional e os Caminhos-de-ferro na Europa ............................ 22

    2.1.1 O Caminho-de-ferro em Espanha...................................................................... 27

    2.1.2 O Caminho-de-ferro em Frana ........................................................................ 30

    2.1.3 O Caminho-de-ferro na Noruega ....................................................................... 34

    2.1.4 A performance dos Caminhos-de-ferro europeus Indicadores estatsticos ....... 37

    2.2 Concluso ............................................................................................................... 42

    Captulo III: O Caminho-de-ferro em Portugal ........................................................................... 45

    3. Introduo ..................................................................................................................... 45

    3.1 O enquadramento jurdico e da Administrao Pblica no servio pblico dos

    transportes ferrovirios ....................................................................................................... 47

    3.1.1 Classificaes jurdicas dos transportes ............................................................ 52

    3.1.2 Classificaes econmicas e tcnicas dos transportes ...................................... 54

    3.2 Evoluo histrica dos transportes ferrovirios em Portugal ...................................... 55

    3.2.1 Poltica de coordenao dos transportes .......................................................... 57

    3.2.2 Poltica de regulao dos transportes ............................................................... 59

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    3.2.3 Desenvolvimento do sector ferrovirio .............................................................. 63

    3.2.4 Prestao do servio pblico de transportes no sector ferrovirio ...................... 77

    3.2.5 Interveno poltica e orientao das polticas pblicas no Caminho-de-ferro ..... 85

    3.2.6 Poltica de financiamento, investimentos e paradigma de gesto ...................... 88

    3.2.7 Portugal a Comunidade Europeia e a Poltica Comum de Transportes............... 95

    3.2.8 Orientaes Estratgicas para o Sector dos Caminhos-de-ferro ....................... 102

    3.2.9 O Projecto da Rede Ferroviria de Alta Velocidade .......................................... 110

    3.3 Concluso ............................................................................................................. 114

    Captulo IV: Adopo de uma Poltica Pblica estudo de caso ............................................. 119

    4. Introduo ................................................................................................................... 119

    4.1 Objectivo da anlise .............................................................................................. 120

    4.2 Metodologia aplicada ............................................................................................. 120

    4.3 O Mtodo dos Estudos de Caso ............................................................................. 122

    4.3.1 A entrada na agenda poltica .......................................................................... 123

    4.3.2 Formulao da poltica pblica e a tomada de deciso ................................... 125

    4.3.3 Adopo e legitimao da poltica pblica ...................................................... 126

    4.3.4 Gesto e implementao da poltica pblica ................................................... 129

    4.3.5 Avaliao dos resultados e impacto da poltica pblica ................................... 134

    4.4 Concluso ............................................................................................................. 140

    Concluso final ..................................................................................................................... 143

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    Referncias bibliogrficas...................................................................................................... 147

    Legislao referenciada ........................................................................................................ 157

    Anexos ................................................................................................................................. 159

    Entrevistas ........................................................................................................................... 160

    Guio das perguntas formuladas ........................................................................................... 161

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    Lista de Abreviaturas e Siglas

    6PAA Sexto Programa de Aco em matria da Comisso Europeia

    ADIF Administrador de Infraestructuras Ferroviarias

    CCO Centro de Comando Operacional

    CDS Centro Democrtico Social

    CEE Comunidade Econmica Europeia

    CP Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses

    CP EP Caminhos de Ferro Portugueses Empresa Pblica

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    DGTT Direco Geral dos Transportes Terrestres

    EDS Estratgia de Desenvolvimento Sustentvel

    EPIC Empresa pblica Industrial e Comercial

    GEP Gabinete de Estudos e Planeamento

    GNFL Gabinete do N Ferrovirio de Lisboa

    GNFP Gabinete do N Ferrovirio do Porto

    IC Comboios Intercidades

    ILD Investimento de Longa Durao

    IMTT I.P. Instituto da Mobilidade dos Transportes Terrestres Instituto Pblico

    INTF Instituto Nacional do Transporte Ferrovirio

    LAV Linha de Alta Velocidade

    LBB Linha da Beira Baixa

    LOTT Ley de la Ordenacin de los Transportes Terrestres

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    MIT Massachusetts Institute of Technology

    MOPTC Ministrio das Obras Pblicas Transportes e Comunicaes

    NOK Coroa Norueguesa

    NSB Norwegian State Railways

    NUTS Nomenclatura das Unidades Territoriais Estatsticas

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PCP Partido Comunista Portugus

    PF Pacote Ferrovirio

    PIB Produto Interno Bruto

    PIDDAC Programa de Investimentos e Despesas da Administrao Central

    POAT Programa Operacional Acessibilidades e Transportes

    PP Partido Popular

    PPM Partido Popular Monrquico

    PRACE Programa de Reestruturao da Administrao Central do Estado

    PS Partido Socialista

    PSD Partido Social-Democrata

    RAVE Rede ferroviria de Alta Velocidade Sociedade Annima

    REFER EP Rede Ferroviria Nacional Empresa Pblica

    RENFE Red Nacional de los Ferrocarriles Espaoles

    RFF Rseau Ferr de France

    RFN Rede Ferroviria Nacional

    RIV Renovao Integral da Via

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    RTT Redes Transeuropeias de Transportes

    SNCF Socit Nationale ds Chamins de Fer

    TGV Train Grand Velocity

    TURE Transportes Urbanos do Entroncamento

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

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    Lista de Ilustraes

    Ilustrao 1 - Variedades de polticas de anlise ........................................................................ 7

    Ilustrao 2 - Ciclo de vida poltico de Wayne Parsons ............................................................... 9

    Ilustrao 3 - Enfoque top-down da execuo na implementao do processo poltico .............. 15

    Ilustrao 4 - Mapa da Rede de Caminhos-de-ferro - Portugal/Espanha ................................... 30

    Ilustrao 5 - Mapa dos Caminhos-de-ferro Frana .................................................................. 34

    Ilustrao 6 - Mapa dos Caminhos-de-ferro - Noruega/Escandinvia ........................................ 37

    Ilustrao 7 - Mapa da Rede Ferroviria Portuguesa em explorao de 1974 a 1990 ............... 74

    Ilustrao 8 - Mapa da Rede Ferroviria Portuguesa de 1990 a Maro de 2008 ....................... 75

    Ilustrao 9 Mapa para a implementao da Rede de Alta Velocidade em Portugal ............. 112

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    Lista de Quadros

    Quadro 1 Caractersticas da Infra-estrutura Ferroviria em 2006 .......................................... 70

    Quadro 2 Material Circulante/ Investimento Realizado ......................................................... 71

    Quadro 3 - Ligaes Internacionais da Rede Ferroviria Nacional ............................................. 76

    Quadro 4 Linhas/Ramais da RFN sem explorao ferroviria at 2007 ................................ 77

    Quadro 5 - Indicadores do Sector ferrovirio 1975 2004 (CP + Gestor de Infra-estrutura)...... 91

    Quadro 6 - Indicadores sobre o Sector ferrovirio 1975 2004 (s Gestor de Infra-estrutura) .. 93

    Quadro 7 Gestores de Infra-estruturas na Europa ............................................................... 100

    Quadro 8 - Indicadores de resultado do POAT ....................................................................... 103

    Quadro 9 - Domnios de interveno do investimento (At 31/12/2004) ............................... 104

    Quadro 10 - Quadro de referncia para o acompanhamento dos objectivos estratgicos ........ 108

    Quadro 11 Investimento no perodo 2006-2014 na Rede de Alta Velocidade....................... 114

    Quadro 12 - Evoluo da populao dos concelhos adjacentes Linha da Beira Baixa ........... 127

    Quadro 13 Programa de investimentos no Projecto Integrado da Linha da Beira Baixa ........ 132

    Quadro 14 Nmero de Passagens de Nvel existentes na Linha da Beira Baixa em 1994 e

    2007 .................................................................................................................................... 135

    Quadro 15 Evoluo do trfego de comboios de mercadorias na Linha da Beira Baixa ........ 136

    Quadro 16 Evoluo do nmero de passageiros em comboios Intercidades na Linha da Beira

    Baixa .................................................................................................................................... 137

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    Lista de Grficos

    Grfico 1 - Programa Operacional de Acessibilidades e Transportes at 31/12/2004 ............ 105

    Grfico 2 - Evoluo da populao dos Concelhos adjacentes Linha da Beira Baixa ............. 129

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    Introduo

    Ao pretendermos abordar as polticas pblicas nos transportes ferrovirios em Portugal,

    especialmente a partir de 1974, propusemo-nos estudar um tema do nosso maior interesse,

    quer do ponto de vista acadmico, quer do ponto de vista profissional. nosso objectivo

    observar e analisar em termos gerais a importncia que o poder poltico a partir desse perodo,

    atribuiu a um sector que sempre constituiu um problema de grande complexidade quer de

    carcter econmico e financeiro, quer do ponto de vista social e da poltica de mobilidade para o

    pas no contexto da rede de transportes. O nosso objectivo especfico consiste na abordagem do

    servio pblico e, na anlise das polticas pblicas delineadas e efectivamente concretizadas pelo

    poder poltico, avaliando os seus resultados na rede de transportes. com base nesta

    complexidade que assenta o enquadramento do nosso tema, ou seja dentro do mbito da

    poltica geral dos transportes, importa analisar tambm, a forma como precedida a deciso

    poltica e toda a envolvente a essa deciso, tentando perceber como se estabelecem as relaes

    entre os vrios intervenientes na poltica, para alm da abordagem ao servio pblico dos

    transportes ferrovirios como tema indissocivel ao sector. Ao escolhermos esta temtica,

    considerou-se que a mesma se reverte de enorme importncia e pertinncia no contexto actual,

    face entrada para a agenda poltica de temas ligados aos transportes ferrovirios e sua

    discusso. A recente definio das Orientaes Estratgicas para o sector ferrovirio nacional

    exemplo disso.

    A pergunta de base que presidiu a esta investigao foi tentar saber, que polticas

    pblicas tm sido formuladas e implementadas desde 1974 no sector do transporte ferrovirio

    portugus. Adiantmos a seguinte hiptese: - Os resultados das polticas pblicas no sector

    ferrovirio aps 1974 tm sido pouco consistentes, no imprimindo um verdadeiro

    desenvolvimento estratgico para a rede nacional de transportes. Ao antecipar-se esta hiptese,

    pretende-se chegar ao fim do presente trabalho, abordando as possveis proposies numa

    relao entre conceitos, habilitando-nos pois a poder responder a essas mesmas proposies

    provisrias.

    A metodologia considerada mais adequada para a elaborao deste trabalho foi a

    qualitativa, concretizada no estudo de caso do investimento na modernizao da Linha da Beira

    Baixa. Considerando o tipo de trabalho efectuado no estudo de caso, houve algumas limitaes e

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    2

    condicionalismos que lhe foram inerentes, nomeadamente, a dificuldade de acesso a alguns

    documentos e indicadores estatsticos sobre o impacto da modernizao e, a inexistncia de

    estudos consolidados que nos pudessem dar pistas sobre os resultados alcanados com esse

    investimento pese embora ainda no estar totalmente realizado e, a abertura explorao dos

    troos j modernizados serem recentes.

    Relativamente estrutura do trabalho, o mesmo est essencialmente dividido em 4

    captulos, onde em cada captulo, se procede a uma introduo e concluso procurando dar

    sequncia aos captulos anteriores. No primeiro captulo ser efectuado o enquadramento

    terico das polticas pblicas e a respectiva anlise. Sero analisadas as abordagens tericas

    das polticas pblicas como forma de relacionarmos as etapas de todo o processo poltico com a

    anlise pretendida. Porque o fenmeno da globalizao no indiferente no sector dos

    transportes ferrovirios, quisemos no segundo captulo, investigar o contexto internacional,

    especialmente em pases da Unio Europeia, pelo que escolhemos de um conjunto de

    alternativas, trs pases: Espanha, Frana e Noruega - os dois por estarem mais perto de

    Portugal e, o terceiro, por ser dos mais afastados, procurando verificar a situao passada,

    presente e perspectivas futuras dos mesmos, tirando algumas ilaes comparativamente a

    Portugal. No terceiro captulo ser enquadrado o percurso histrico dos caminhos-de-ferro em

    Portugal, abordando em especial o perodo aps 1974, verificando em concreto qual o

    entendimento dos partidos polticos com assento parlamentar sobre este tipo de transportes e,

    qual o pragmatismo que imprimiram atravs da poltica de investimentos e do paradigma de

    gesto adoptado. Por outro lado, investigmos o que o futuro nos reservar em matria de

    poltica nacional de transportes ferrovirios, abordando as recentes orientaes estratgicas e, a

    implementao da rede de alta velocidade em Portugal com interligao Europa. No quarto e

    ltimo captulo apresentar-se-o os elementos da investigao efectuada relativa adopo de

    uma poltica pblica em concreto, enquanto estudo de caso, no investimento na Linha da Beira

    Baixa, procurando saber o que esteve por detrs da deciso poltica. Neste sentido, iremos

    seguir uma tipologia em cinco passos identificando a entrada para a agenda poltica, a

    formulao da poltica pblica e tomada de deciso, a adopo e legitimao, a gesto e

    implementao e por fim a avaliao e impacto da poltica pblica.

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    3

    Captulo I: Teoria e Polticas Pblicas

    1. Introduo

    Nas ltimas dcadas a importncia e o campo do conhecimento na rea das polticas

    pblicas, bem como das instituies, regras e modelos que esto na base das suas decises

    tm sido alvo de estudos continuados. Vrios factores estiveram na gnese dessa importncia.

    Desde logo, a necessidade de adopo de polticas pblicas que levassem a cabo polticas mais

    restritivas nos gastos pblicos, passaram a fazer parte da agenda de muitos pases. Deste modo,

    as polticas econmicas, financeiras e sociais ganharam maior visibilidade, pois no contexto da

    poltica pblica, o ajustamento fiscal atravs de polticas mais restritivas, levou necessidade de

    elaborao de oramentos equilibrados tendo em conta as receitas e despesas, levando a

    restries de interveno dos Governos na economia e nas polticas sociais.

    O estudo das polticas pblicas como pressuposto para a sua constituio e

    consolidao enquanto cincia que em democracias estveis, as opes do Governo so

    passveis de ser analisadas cientificamente por analistas. A partir da dcada de 80 do sculo XX,

    surge nos Estados Unidos, especialmente no mundo acadmico, o estudo destas matrias, no

    estabelecendo no entanto e de imediato, relaes com as bases tericas sobre o papel do

    Estado, mas sim sobre a aco dos Governos. Com efeito, rompe-se com uma concepo e

    tradio clssica europeia mais centralizada ento na anlise do Estado e das suas instituies,

    do que na actuao e desempenho dos Governos. Em alguns pases europeus como o Reino

    Unido e Alemanha, tem sido uma rea muito importante, quer do ponto de vista acadmico, pelo

    estudo aprofundado na sua compreenso, quer no meio poltico e da administrao pblica

    atravs da tomada de deciso dos poderes pblicos, a partir de opes colocadas e que a todos

    de uma maneira geral afecta. Ao absorver conceitos de determinadas cincias sociais, como a

    cincia poltica e a economia, analisa a inter-relao dos agentes econmicos, considerando que

    estes agem em funo dos seus interesses e no em funo dos interesses do bem comum

    como partida se poderia esperar. Ou seja, a teoria da public choice aqui patente, tenta

    encontrar a explicao para este tipo de comportamentos. por isso que o Estado ter que ter

    um papel interventivo na actividade econmica e social, quando e onde isso se exigir, de forma a

    salvaguardar esses interesses do bem comum e colmatar assim imperfeies de mercado.

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    4

    1.1 Abordagens tericas das polticas pblicas

    Pode considerar-se que a rea das polticas pblicas teve quatro grandes fundadores:

    Harold Laswell (1936), Herbert Simon (1957), Charles Lindblom (1959) e David Easton (1965).

    Com efeito, Laswell (1936) introduz um novo conceito designado por policy analysis nos anos 30

    do sculo XX, como forma de conciliar o conhecimento cientfico e acadmico com o trabalho

    emprico dos Governos e, tambm como forma de estabelecer inter-relaes com os

    investigadores, grupos de interesse e pelo Governo. Simon (1957) introduziu o conceito de

    racionalidade limitada dos decisores pblicos, defendendo que a limitao da racionalidade

    poderia ser minimizada pelo conhecimento racional, em que a racionalidade dos decisores

    pblicos sempre limitada por problemas como a informao deturpada, tempo para a tomada

    de deciso, auto-interesse dos decisores entre outros. No entanto, para Simon (1957), a

    racionalidade poder ser maximizada at um ponto satisfatrio pela criao de regras e

    incentivos, que enquadre o comportamento dos diferentes actores e os modelize na direco dos

    resultados pretendidos, impedindo assim, a procura da maximizao dos interesses prprios.

    Lindblom (1959; 1979) questiona a nfase no racionalismo de Laswell e Simon, propondo a

    incorporao de outras variveis formulao e anlise das polticas pblicas, como as relaes

    de poder e a integrao entre as diferentes fases do processo de deciso, no tendo

    obrigatoriamente, um fim ou um princpio. Desse modo, as polticas pblicas necessitariam de

    incorporar outros elementos sua formulao e sua anlise, para alm da mera questo da

    racionalidade, tal como o papel das eleies, das burocracias, dos partidos e dos grupos de

    interesse. Easton (1965) definiu o campo das polticas pblicas como um sistema,

    proporcionando uma relao entre a formulao, resultados e ambiente. Para Easton (1965), as

    polticas pblicas recebem inputs dos partidos polticos, da comunicao social e dos grupos de

    interesse, que influenciam os seus resultados e consequncias.

    1.1.1 Definio de poltica pblica

    No existe uma nica definio e melhor que as restantes sobre poltica pblica. Os

    conceitos poltica e pblico em que est subjacente a abordagem do nosso trabalho, por

    meio do transporte ferrovirio, alvo de inmeras discusses acadmicas e tem evoludo desde

    o tempo da civilizao grega e romana at ao liberalismo, pelo que no fim dos anos 70 do sculo

    XX, as linhas de demarcao entre pblico e privado, poltica e administrao passaram a ficar

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    5

    melhor definidas. Neste sentido, imprescindvel distinguirmos claramente o significado do

    conceito pblico, o seu contexto terico e prtico e o significado do conceito privado.

    De acordo com Parsons (1995),

    A ideia de poltica pblica pressupe a existncia de esfera ou domnio da vida

    que no privado ou puramente individual, mas tem um espao comum. O pblico

    compreende essa dimenso da actividade humana que considerada como

    necessria para a interveno e regulao social governamental, ou pelo menos em

    comum aco. (1995: 3)

    Existe aqui na definio de Parsons (1995), relativamente ao conceito de poltica

    pblica, a ideia da necessidade de demarcao entre o campo de actividade pblica e, o campo

    de actividade privada, tendo em conta a aco importante de regulao por parte do estado, em

    matrias que possam colidir entre o que pblico e o que privado. Todavia, tal como referimos

    anteriormente, a definio de poltica pblica varia de autor para autor. Para Laswell (1936), as

    decises e anlises sobre polticas pblicas implicam responder s seguintes questes: quem

    ganha o qu, porqu e qual a diferena. Lynn (1980) define poltica pblica como um conjunto

    de aces do Governo que iro produzir efeitos especficos. Dye (1984) refere-se poltica

    pblica como a escolha do Governo em fazer ou no fazer. Peters (1986) entende, que a poltica

    pblica a soma das actividades dos Governos, que agem directamente ou atravs de

    delegao, e que influenciam a vida dos cidados. Mead (1995) define polticas pblicas como

    um campo dentro do estudo da poltica que analisa o Governo luz de grandes questes

    pblicas.

    Do ponto de vista terico, a poltica pblica em geral tem o seu enfoque sobre a

    natureza da poltica pblica e dos seus processos. Nesse sentido, a teoria geral das polticas

    pblicas implica, consequentemente, a procura de matria do campo sociolgico, da economia e

    da cincia poltica. As polticas pblicas e, a sua implementao, tm reflexos nas sociedades e

    na economia, pelo que qualquer teoria de poltica pblica ter de debruar-se sobre as inter-

    relaes que se geram entre o Estado, poltica, economia e a sociedade, pelo que variados

    investigadores de outras reas de estudo, tais como da economia, cincia poltica, sociologia,

    antropologia, geografia, gesto e cincias sociais aplicadas, contribuem para os avanos tericos

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    6

    e empricos da rea das polticas pblicas.

    Para Souza (2006),

    poltica pblica todo um vasto campo do conhecimento, que procura ao

    mesmo tempo, colocar o Governo em aco e/ou analisar essa mesma aco

    (varivel independente) e, quando necessrio, propor mudanas no rumo ou curso

    dessas aces (varivel dependente). A formulao de polticas pblicas constitui-se

    no estgio em que os governos democrticos traduzem os seus propsitos e

    plataformas eleitorais em programas e aces que produziro resultados ou

    mudanas no mundo real. (2006: 4)

    1.1.2 Estudo das polticas pblicas

    O estudo das polticas pblicas localizado entre a economia e a cincia poltica, j na

    dcada de 80 do sculo XX tornou-se, numa das reas mais importantes na administrao

    pblica, pelo que Anderson (1984) define-o como um curso de aco seguido pelo governo e

    pelos seus funcionrios de forma a dar resposta a um determinado problema, envolvendo o

    processo poltico e relevando o que o governo realizou efectivamente e no, o que pretende ou

    defende que vai realizar. Por outro lado, as polticas pblicas podem ter um contedo positivo ou

    negativo se o governo intervm efectivamente ou se adopta uma poltica de deixar-estar ou de

    passividade, passando a poltica pblica no primeiro caso a tomar a forma de programa ou lei.

    De acordo com Rocha, Para muitos autores o estudo das polticas pblicas esgota-se no estudo

    da lei. Nada mais errado. A lei meramente um instrumento de implementao das polticas

    pblicas; alm disso, nem sequer a previso legal corresponde ao efectivo output do processo

    poltico (1995: 2). A diferena entre a implementao coerciva de uma determinada poltica,

    marca assim a distino entre uma poltica pblica e uma poltica empresarial.

    1.1.3 O processo poltico

    no desenvolvimento da anlise poltica, do conceito pblico e do sector pblico dos

    transportes, que ir concentrar a nossa ateno. A anlise poltica de um problema do sector

    dos transportes ferrovirios leva, com toda a probabilidade, ao desencadeamento de um

    processo poltico onde se desenvolvem inter-relaes e redes de influncias dinmicas,

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    7

    concentradas numa determinada soluo ou objectivo de forma a influenciar o campo do decisor

    poltico. Este poder de influncia, que podemos hoje designar por lobbies so constitudos, pelos

    mais variados grupos de interesse, desde indivduos, empresas, organizaes ou instituies e

    de acordo com A. Bentley na obra The Process of Governamental (1908), o objectivo seria

    exercer presso sobre o sistema poltico, em ordem a fazer valer os seus interesses no processo

    de deciso poltica. De acordo com D. Truman na obra The Government Process (1951),

    integrado numa viso da concepo da democracia pluralista, onde Portugal se insere, refere

    que Segundo esta viso a formao das polticas pblicas o resultado da luta entre grupos e

    as legislaturas apenas ratificam a vitria dos interesses vencedores. (Truman apud Rocha,

    1995: 35). Gordon et tal apud Wayne Parsons (1995: 55), defende atravs de um esquema

    simplificado, demonstrado na Ilustrao 1, um conjunto de variedades de anlise poltica que

    nos parece interessante verificar.

    Ilustrao 1 - Variedades de polticas de anlise

    Fonte: Parsons, 1995

    Estes mecanismos de variedades de anlises polticas tm, de acordo com Parsons

    (1995), a seguinte leitura: (1) a determinao da anlise poltica concerne como a poltica

    realizada, porqu, quando e por quem; (2) o ndice da anlise poltica envolve uma descrio

    particular da poltica, como se desenvolve em relao com outras polticas, ou possa ser

    informada por uma estrutura terica que procura oferecer uma critica poltica; (3) a fase da

    monitorizao e avaliao da poltica, diz respeito avaliao e exame que se faz de uma poltica

    e, se a mesma vai de encontro aos objectivos previamente traados, para alm de identificar-se

    do impacto que a mesma teve; (4) a informao para a poltica refere-se como que a um

    1 2 3 4 5

    Poltica para anlise Poltica de anlise

    Determinao

    da anlise

    poltica

    ndice da

    anlise

    poltica

    Monitorizao

    e avaliao da

    poltica

    Informao

    para a

    poltica

    Poltica de

    influncia

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    8

    formulrio de pesquisa detalhada em que o decisor se serve como forma de suporte para as

    suas opes polticas; (5) por fim a poltica de influncia envolve a pesquisa e argumentos que

    pretendem influenciar o decisor interna e externamente para uma determinada soluo,

    marcando a agenda poltica.

    Ainda segundo Parsons (1995), o processo poltico tem um ciclo de vida que, pode ser

    representado pelo incio ou acontecimento de um problema de carcter poltico concretamente

    definido. Ao definir-se esse problema e, a partir dele, surge um novo estgio do ciclo com a

    identificao de alternativas e a procura de respostas e/ou solues capazes de se traduzirem

    numa nova etapa que consiste na evoluo e no refinar de opes, de forma a reunirem-se

    condies para a seleco de uma opo poltica. Estando tomada essa opo, tempo de

    passar-se ao estgio seguinte com a sua implementao, seguindo-se uma nova etapa de

    evoluo.

    Com efeito, estamos perante um processo racional de tomada de deciso por parte de

    um decisor. Segundo o mesmo autor, os estgios do ciclo poltico variam consoante o estudo de

    determinados autores de referncia como H.A. Simon (1947) na obra Administrative Behaviour

    que coloca em evidncia aspectos fundamentais como a inteligncia, o design e a escolha. R.

    Rose (1973) na obra Comparing public policy defende vrias etapas como o reconhecimento

    pblico da necessidade de uma poltica, a forma como as questes controversas so colocadas

    na agenda e o avano das exigncias, a forma do envolvimento do Governo na formulao das

    polticas, recursos disponveis e constrangimentos, a poltica de decises, o que determina a

    escolha governamental, a implementao, os outputs, a avaliao da poltica e o feedback. Para

    W. Jenkins (1978) na obra Policy Analysis: A political and Organisational Perspective defende

    vrias etapas como o incio do processo, informaes obtidas, apreciao, deciso,

    implementao, avaliao e concluso. J para B.W. Hogwood e Anda L.A. Gunn (1984) na obra

    Policy Analysis for the Real World releva aspectos fundamentais como decidindo a decidir

    (atravs da pesquisa e da fixao), como decidir, atravs de um processo de filtragem, a

    definio da agenda, o prognstico, fixao de objectivos e prioridades, anlise de opes,

    implementao poltica, acompanhamento e controlo, avaliao e reviso, manuteno da

    poltica, sucesso ou anulao, so as etapas com que o processo poltico ter de percorrer,

    pelo que os estudos acadmicos deste ciclo poltico tm vindo a ser enriquecidos. Com efeito, os

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    9

    prprios estgios do ciclo, desde os estudos e publicaes de Lasswells (1956), passaram

    usualmente, a designar-se por fases ou estgios no modelo do processo poltico,

    observando-se vrias formas analticas de distinguir os conceitos. Segundo Wildavksy, a ideia dos

    estgios deve ser expandida para incluir uma maior contextualizao dos diferentes

    enquadramentos dos mtodos ou abordagens (1979: 15). Talvez o modelo mais diferenciado

    relativamente a todos estes autores , o modelo apresentado por Dror, em que distingue dentro

    das grandes etapas da deciso poltica 18 sub-estgios, sendo que a execuo da poltica

    sinalizar o dcimo sexto estgio no ciclo. (1989: 320)

    Vejamos ento num desenho esquemtico, como se do movimento dos ponteiros de um

    relgio se tratasse, qual o entendimento que Parsons tem sobre um ciclo de vida poltico,

    perante a colocao de um determinado problema, que no seu movimento perptuo, vai

    desencadeando novas fases do processo.

    Ilustrao 2 - Ciclo de vida poltico de Wayne Parsons

    Fonte: Parsons, 1995

    Definio do problema

    Identificao de alternativas

    Respostas/ solues

    Evoluo das opes

    Seleco da opo poltica

    Implementao

    Evoluo

    Problema

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

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    Existe segundo Rocha (1991), nos modelos de anlise e nas teorias do processo poltico,

    determinadas reas especficas de investigao das polticas pblicas, que pode-se identificar

    por reas especializadas ou funcionais, como por exemplo no sector dos transportes e que,

    tomam um carcter sobretudo econmico pelo estudo e aplicao de modelos microeconmicos

    aplicados a essas reas especializadas. Outra rea consiste na avaliao e monitorizao do

    impacto das polticas pblicas, recorrendo-se tradicionalmente a tcnicas econmicas de anlise

    de custos benefcios, despertando em alguns autores, algumas crticas relativas a estas tcnicas

    como Jenkins-Smith (1990) e Macrae e Whittington (1988). A terceira rea diz respeito ao

    estudo do processo poltico e, em especial, aos factores que podem afectar a formulao,

    implementao e consequncias das polticas pblicas. A ltima rea, defendida por Salamon,

    (1981), Lindler e Peters (1989), centra-se na focagem dos actores no estudo da eficcia de

    diferentes tipos de instrumentos de implementao das polticas. Ainda de acordo com Rocha

    (1991), o processo de deciso e o modelo conceptual adoptado, o elemento mais importante

    no sistema de converso de inputs em outputs.

    1.1.4 Externalidades

    Existe outro campo que consideramos importante abordar no quadro das polticas

    pblicas e do sector do transporte ferrovirio - as chamadas externalidades e bens pblicos.

    Mais frente neste trabalho, abordaremos as externalidades positivas no enquadramento da

    poltica de financiamentos, que consideramos da maior relevncia, sem no entanto, referirmos

    desde j que para Pereira et al, Existe uma externalidade quando a aco de consumo,

    produo ou outra, realizada por um agente, afecta significativamente o bem-estar de outro

    agente, e esse efeito no transmitido atravs do sistema de preos. (2005: 56). Com efeito,

    considerando que existem vrios tipos de externalidades, como sejam as de consumo e de

    produo, com envolvncia de muitos ou poucos agentes, unidireccionais ou bidireccionais,

    negativas e positivas, no entanto nesta ltima que importa referir. Como j vimos, as falhas

    de mercado existem e, ser necessria a actuao legtima do Estado de forma a poder corrigi-

    las, tendo em conta a sua funo na garantia do Direito e de aplicao de mecanismos de

    funcionamento da economia, quando se est na presena de contrariedades e de ilegalidades

    que preciso rectificar. Nesse sentido, a interveno do Estado em geral justificada pela

    presena de externalidades e de bens pblicos que, de acordo com Alves e Moreira (2004), elas

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    11

    podem do ponto de vista da teoria econmica tradicional, tomar um carcter negativo onde o

    Estado intervm para restringir ou repor a ordem legal vigente, tendo em conta os custos

    impostos pelas externalidades, ou tomar um carcter positivo justificando-se tambm aqui, a

    interveno do Estado no incentivo e promoo da referida actividade econmica, tendo em

    conta os benefcios sociais superiores aos benefcios privados.

    Assim a existncia das externalidades, qualquer que seja o carcter que assuma e, a

    existncia dos bens pblicos, so justificativos da interveno do Estado. No mesmo sentido, a

    interveno do estado assume especial importncia por intermdio de mecanismos de

    regulao, que alis esto patentes em vrios pases europeus no domnio do sector ferrovirio,

    com a criao de Reguladores capazes de imprimirem critrios de no discriminao e de livre

    concorrncia entre Operadores, e de exigncia no grau de qualidade dos servios ferrovirios

    oferecidos por estes. Na definio de Lowi (1979), poder classificar-se uma poltica reguladora,

    a que visa regular a tal qualidade dos servios, impondo certos limites e graus de exigncia, para

    alm de condies para a concesso de licenas. Lowi (1972)1 definiu alis as polticas

    reguladoras como um dos quatro formatos que as polticas pblicas poderiam assumir. A

    possibilidade do sector poder gerir algumas externalidades negativas, como por exemplo alguns

    actores do sector deixarem de garantir graus de qualidade necessrios na prestao de servios

    ferrovirios e, de ndices de qualidade na construo e manuteno, na nossa opinio, razo

    suficiente para a justificao da interveno do Estado como forma de garantia do bem comum.

    Para alm das falhas de mercado a que j nos referimos, as imperfeies e falhas de

    governo no constituam uma preocupao dos economistas do ponto de vista do

    1 Theodore Lowi desenvolveu uma das mximas mais conhecidas na rea das polticas pblicas: A poltica pblica faz a poltica. Com efeito,

    isso significa que cada tipo de poltica pblica vai encontrar diferentes tipos de apoio e de rejeio e que conflitos em volta de decises polticas

    levam a palcos diferenciados. Ao defender quatro formatos, para alm das polticas reguladoras, j referidas, assume que as polticas pblicas

    geram polticas distributivas, decises tomadas pelos Governos, que desvalorizam a problemtica da escassez de recursos, gerando impactos

    mais do ponto de vista individual do que universal, ao privilegiar determinados grupos sociais ou regies em detrimento do todo. As polticas

    redistributivas atingem um maior nmero de pessoas e impem perdas concretas no curto prazo para certos grupos sociais e ganhos incertos

    para outros, como nas polticas sociais. As polticas constitutivas incorporam na sua essncia normas e procedimentos, em que cada uma

    dessas polticas pblicas vai gerar pontos ou grupos de rejeio e de apoios diferenciados, processando-se dentro do sistema poltico tambm de

    forma diferente. (Lowi apud Souza, 2006: 4)

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    12

    funcionamento da Administrao Pblica e do Governo, pelo que a teoria da escolha pblica veio

    dar nfase na preocupao das aces tomadas pelos Governos, quer na forma como os

    polticos actuam, mas tambm na forma como os burocratas agem. De acordo com Alves e

    Moreira (2004), preciso compreender que qualquer proposta de interveno do Governo deve

    explicar os objectivos a atingir, os custos envolvidos, o esquema de organizao proposto, os

    recursos humanos envolvidos, incentivos e mtodos de avaliao, considerando estes autores,

    que nem todas as imperfeies de mercado devem exigir automaticamente a justificao da

    interveno do Governo, sendo necessrio o aperfeioamento de mtodos para obter-se maior

    eficincia a partir dos estudos de processo de governao. Por ltimo h que comparar as

    alternativas de mercado e de interveno do Estado.

    1.1.5 Formao das polticas pblicas - A agenda poltica (agenda setting)

    Quando um determinado assunto chama a ateno dos polticos e, os motiva a encetar

    um processo de resoluo desse assunto, estamos perante o incio de um processo de formao

    das polticas. Significa isto, que o assunto ou uma lista de assuntos, usualmente designados por

    issues podero ser alvo do conceito de agenda. Mas como refere Rocha o que que explica

    que determinados problemas polticos entrem na agenda e outros no? (1995: 31). Com efeito,

    sem dvida uma pergunta muito interessante e que nos levar a reflectir sobre esta questo.

    Um issue no contexto da agenda, pode significar um facto poltico nacional e/ou

    internacional de maior ou menor dimenso mas que, desperta o interesse dos polticos nacionais

    para a discusso e eventual tomada de uma posio governamental, num dado perodo de

    tempo, desencadeando mecanismos burocrticos e legais tendo em vista a sua resoluo. Com

    efeito, ao estarmos perante um conflito de interesses por parte de instituies ou grupos sobre

    um determinado assunto, demonstrando claramente a sua oposio, isso com certeza que vai

    exigir dos polticos aces concretas. disso exemplo a forte e recente oposio de vrias

    autarquias da regio oeste, sobre as propostas de passagem do novo traado ferrovirio de alta

    velocidade pelos seus concelhos. O desaparecimento de issues da agenda acontece quando o

    problema resolvido e portanto cessa entre as partes interessadas, ou porque a especificidade

    do problema foi ultrapassado, ou a dificuldade em resolv-lo torna-se insupervel, a intensidade

    das manifestaes e concentrao no problema diminuem, os grupos de interesse conseguem

    introduzir na agenda outros temas que so mais importantes que os que lhe antecedem, ou

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    13

    finalmente, o mediatismo desses temas sobrepem-se de forma natural ou artificial.

    1.1.6 Implementao da poltica pblica

    A implementao do processo poltico designa uma fase j posterior formulao da

    poltica e tomada de deciso legtima, atravs de actos e seus efeitos e, pelo estabelecimento

    de um conjunto de normas institudas que so necessrias colocar em prtica. Ou seja, significa

    isto, que preciso executar e gerir a poltica pblica adoptada seguindo o seu percurso de

    actividade.

    Segundo Hill e Hupe (2006),

    O que pode ser chamado de poltica pblica, e assim, ser implementada, o

    produto de tudo o que aconteceu anteriormente nas fases iniciais do processo

    poltico. Contudo, o contedo da poltica, bem como o seu impacto e efeito nas

    pessoas, pode ser substancialmente modificado, trabalhado ou mesmo negado

    durante a fase da implementao da poltica () s muito raramente as decises se

    auto-executam, o que implica que no possa existir uma aplicao diferente em

    cada uma das fases. (2006: 7)

    Na concepo clssica do processo poltico, a incumbncia de executar a fase da

    implementao de uma forma neutra, da responsabilidade da administrao pblica,

    desempenhando um papel central em toda a linha executiva. De acordo com Rocha (1995), nos

    Estados Unidos o primeiro modelo adoptado pela administrao, foi o modelo da patronage

    tambm designado por despojos, que consistia na rotao automtica de polticos e

    funcionrios, ou seja os inputs e outputs do sistema coincidiam entre uns e outros, ou porque a

    confiana poltica era a regra ou porque os funcionrios eram eleitos. Com o crescimento dos

    fenmenos da corrupo e pela ineficincia deste modelo, surge um novo modelo designado por

    sistema de mrito consubstanciado no chamado Pendleton Act a partir dos finais do sculo XIX.

    Com efeito, passou a existir uma separao clara e objectiva entre o mundo da poltica

    legitimado pelo voto e, o mundo da administrao, onde se localizam os funcionrios que se

    limitam a executar as polticas preconizadas pelos polticos. Nos anos 30 do sculo XX com a

    crise econmica e a interveno do Estado na economia, veio colocar em causa a neutralidade

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    14

    da administrao acabando com a dicotomia poltica/administrao, pelo que d-se um

    alargamento das funes da administrao evidenciando-se tarefas de carcter poltico. Nos

    anos 70 a administrao pblica inicia um ciclo de retraco, pela no interveno e separao

    da actividade administrativa da poltica. Neste sentido, encontra-se aqui patente a teoria da

    escolha pblica em que os polticos assumem maior protagonismo face aos burocratas a quem

    estes tm de responder.

    Uma das perspectivas metodolgicas relativamente ao processo da implementao da

    poltica o enfoque bottom-up e o enfoque top-down. Relativamente ao primeiro e, segundo

    Rocha, referindo Berman (1978), o processo tem em conta as organizaes e actores

    responsveis pela execuo da poltica (1995: 63). De acordo com Hill e Hupe (2006), um dos

    autores que mais contriburam para esse enfoque foi Lipskys (1971) que analisou o

    comportamento do staff de topo em agncias de cariz poltico, a quem designou por street-level

    bureaucrats e que, teve uma importante influncia na implementao na perspectiva do referido

    enfoque. Em relao ao segundo e, segundo Meny e Thoening (1992), o enfoque top-down tem

    por base no seu estatuto a capacidade de conseguir uma perspectiva dirigida aco com

    carcter gestionrio, tentando obter respostas a algumas perguntas nucleares como: Porque se

    observam tantos erros e tantas disfunes na execuo das polticas pblicas? possvel uma

    implementao perfeita, tendo em conta a complexidade do mundo moderno? Desde logo, existe

    uma separao entre a concepo de uma poltica e a sua execuo, pois a poltica no

    realizvel sem a pr-existncia da execuo. A resposta s perguntas formuladas passa por uma

    reviso das condies de partida que necessrio satisfazer para que os erros e as disfunes

    sejam minimizados. (Hood et al apud Morata, 1992: 161). Com efeito, podemos analisar a

    sequncia linear protagonizada por Meny e Thoening (1992) sobre o enfoque top-down em que a

    execuo vai descendendo do centro para a periferia. O alto governo define o significado e os

    seus efeitos. A base aplica-se em conformidade hierarquia e dotao instrumental. O passo do

    centro para a periferia traduz-se efectivamente na transformao em objectivos de mdio prazo,

    pela substituio da poltica pela tcnica e pelo desaparecimento dos conflitos e de

    racionalidades gestionrias. (Meny y Thoening apud Morata, 1992: 159-160)

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    15

    Ilustrao 3 - Enfoque top-down da execuo na implementao do processo poltico

    Fonte: Morata, 1992

    Relativamente aos padres e s foras da implementao que se conjugam, segundo

    Rocha, podemos referir a (i) busca da racionalidade, (ii) a explicao com base no perfil da

    poltica da organizao e do ambiente, (iii) a adaptao e discricionariedade burocrtica onde a

    poltica definida pelos polticos, filtrada pelos burocratas, (iv) as relaes de poder e (v) a

    liderana e a competncia. Os instrumentos podem dividir-se em (i) autoridade e (ii) design de

    programas e recursos. Quanto ao primeiro, significa que o uso do poder legal poder impor um

    determinado comportamento positivo ou negativo. Em relao ao segundo, implica que se

    sinalize devidamente a populao-alvo face necessidade e servios necessrios, captando a

    ateno da populao atravs da motivao de forma a haver participao no processo da

    implementao. (1995: 65)

    1.1.7 Avaliao e impacto das polticas pblicas

    Implementada que est uma poltica pblica, interessa agora avaliar a execuo de uma

    deciso poltica que j foi tomada anteriormente e, saber qual o impacto que a mesma teve junto

    do seu pblico-alvo. Segundo Rocha (1995), a avaliao distingue-se do estudo anterior

    tomada de deciso e auditoria e interveno externa, com o propsito de examinar o trabalho

    dos gestores atravs do controlo de normas legais e administrativas e pelo controlo de gesto,

    por processo interno organizao, como forma de avaliar se as metas alcanadas se

    enquadram nos objectivos previamente fixados. No mesmo sentido, os estudos de mercado e o

    marketing so instrumentos privilegiados na identificao de necessidades e aspiraes dos

    Centro

    Formulao da deciso

    Execuo instrumental

    Periferia

    Impacto sobre o terreno

    Tempo de percurso

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    16

    cidados, vendendo as polticas pblicas aos mesmos cidados. Por outro lado, a avaliao

    envolve a especificao da poltica pblica e a medio podendo implicar a recolha de dados, e

    por fim a anlise da informao. A eficincia e a eficcia so conceitos importantes como

    objecto da avaliao, materializando-se a primeira na maximizao dos outputs e inputs e na

    minimizao dos inputs e, a segunda, referente aos efeitos dos outputs ou outcomes j como

    materializao do impacto da poltica pblica. (1995: 69)

    Relativamente ao impacto da poltica pblica, importante referirmos quais os efeitos

    que os outcomes ou seja, os resultados de determinada poltica tm na percepo dos cidados.

    Com efeito, do impacto das polticas que depende a sobrevivncia dos Governos. O acto

    eleitoral funcionar como reflexo da actuao dos Governos atravs dos outputs.

    De acordo com Rossi e Freeman (1993),

    A avaliao do impacto compromete as estimativas e a necessidade de

    intervenes de forma a produzir os efeitos pretendidos. Tais estimativas, no

    podem ser feitas com total segurana, mas apenas com diferentes graus de

    previsibilidade () O objectivo fundamental do impacto da interveno pode ser

    contaminado por influncia de outros processos e eventos, que tambm podero

    afectar o comportamento ou as condies sociais em que o programa est sendo

    avaliado e dirigido. (Rossi e Freeman apud Parsons, 1995: 601)

    A anlise dos autores acima mencionados, leva-nos a pensar que na realidade os

    Governos e os decisores polticos obrigam-se, a rever a poltica anteriormente adoptada se, a

    avaliao e o impacto dessa poltica no se traduzir no efeito esperado e se o pblico-alvo no se

    sentir identificado com essa implementao. De acordo com Rocha, o impacto tem vrias

    dimenses. Desde logo o impacto no problema e nas pessoas (o nosso pblico-alvo), podendo

    tambm afectar grupos no identificados partida proporcionando as chamadas externalidades.

    As polticas podero ter um impacto presente mas futuro, considerando os custos directos dessa

    poltica, mas tambm indirectos ao nvel por exemplo da defesa do consumidor e do meio

    ambiente. A dificuldade de medio dos benefcios indirectos, dado o seu grau de subjectividade,

    outra dimenso a considerar. (1995: 70-71)

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    17

    De acordo com Parsons, a evoluo do impacto actual nos problemas polticos, algo

    no qual mais relevante do ponto de vista dos valores do que dos factos. A anlise quantitativa

    de como a poltica afecta um problema, pode ser apenas uma forma de legitimar o processo de

    deciso poltica em vez de fornecer qualquer avaliao satisfatria sobre se uma poltica ou

    programa funcionam e com que efeito. Quando os decisores polticos implementam a pesquisa

    relativa ao impacto das suas polticas sociais e outras, eles esto envolvidos na definio do

    contexto e da ordem com que os problemas esto sendo definidos e construdos. Nesse sentido,

    a avaliao do impacto leva de volta ao inicio do ciclo poltico definio do problema e fixao

    da agenda (1995: 602).

    De acordo com Rocha, a avaliao das polticas no constitui em absoluto um processo

    fcil, na medida em que, os objectivos nem sempre so transparentes na implementao de

    uma determinada poltica pblica, pois estabelecem-se redes de participantes na negociao e

    na procura de consensos, podendo a jusante alguns participantes terem-se afastado dos

    objectivos previamente delineados.

    Por outro lado, a aco poltica pode afectar grupos e situaes no previstas

    inicialmente e que acabam por influenciar a avaliao, pelo que tambm a problemtica de

    obteno de dados atravs de modelos economtricos, nem sempre se traduzem com preciso

    na medio do impacto gerado por determinada poltica (1995: 72). Neste propsito, refere-nos

    Parsons, que os problemas de avaliao do impacto das polticas so agravados quando se

    comparam entre pases. Diferentes naes produzem e utilizam dados diferentes e, esses dados,

    tm contextos especficos, o que torna a comparao estatstica muito duvidosa. No entanto,

    existem problemas metodolgicos bvios na comparao de resultados polticos, pelo que no

    mundo moderno os dados estatsticos e os resultados so produzidos atravs de organizaes

    internacionais como a EU e a OCDE (1995: 603).

    Ainda de acordo com Rocha, os funcionrios pblicos opem-se anlise das polticas,

    pois sendo os principais opositores da diminuio do Estado na vida econmica e social, so

    tambm eles que temem o efeito dos impactos das polticas e dos resultados a longo prazo. O

    impacto das polticas pblicas podem no surtir o impacto desejado, ou porque no existe

    recursos financeiros suficientes para a implementao de uma determinada poltica e, nesse

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    18

    caso, h como que um processo de marketing junto do eleitorado de forma a conquist-lo, ou os

    burocratas podem usar o seu poder de influncia criando dificuldades na implementao dessa

    poltica. Os cidados tambm podem bloquear a implementao de uma poltica, pois

    consideram-na injusta ou no conforme com os seus interesses e, as prprias polticas podem

    tornar-se de difcil interpretao, ou tornarem-se de tal modo onerosas face importante relao

    custo-benefcio, que inviabiliza a sua implementao e minimiza o seu impacto. (1995: 72)

    1.1.8 Formas de avaliao das polticas pblicas

    Existem vrias formas de se avaliar uma poltica pblica. Em pases democrticos, onde

    o sistema poltico e as instituies funcionam de forma regular, e nesse sentido, os cidados so

    chamados a pronunciar-se e a avaliar as polticas de um determinado Governo, atravs de actos

    eleitorais/referendos, os partidos no poder ora so sancionados ora so legitimados pelo voto,

    pelo que a avaliao da implementao das polticas determinada por essa via.

    Por outro lado, as instituies democrticas, tambm tm um papel muito importante no

    regular funcionamento do aparelho de Estado, fiscalizando e regulando as polticas. exemplo

    disso a Assembleia da Repblica, a Presidncia da Repblica, o Tribunal de Contas, o Banco de

    Portugal e a Administrao Pblica. A Comunicao Social e organizaes credveis, como a

    OCDE, tambm avaliam a forma como determinada poltica implementada num determinado

    pas e, influenciam, mesmo por vezes de forma camuflada a opinio pblica sobre o interesse e

    evoluo de determinada poltica pblica, podendo mesmo patrocinar de forma velada o seu fim.

    Neste propsito interessante perguntar-se ento quando termina uma poltica pblica? Para

    Meny e Thoening em aparncia os critrios so simples, pois uma poltica chega ao fim porque a

    autoridade pblica imps um limite temporal a um determinado programa de actividades,

    afectando um determinado montante financeiro por um nmero determinado de meses ou anos.

    Quando chega a data do seu vencimento, encerra-se a poltica e a actividade cessa. Tambm o

    desaparecimento de um organismo administrativo, a remodelao de um ministrio com a sada

    de determinados elementos, o desaparecimento do pblico manifestante de uma poltica e a

    resoluo do problema, marcam o fim de uma poltica pblica. (Meny y Thoening apud Morata,

    1992: 214)

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    19

    1.2 Concluso

    As polticas pblicas que foram absorvendo matria de determinados campos das

    cincias sociais e econmicas, como a sociologia, a economia e a cincia poltica, constituem

    cada vez mais, uma rea de grande relevncia no contexto dos pases e dos seus Governos, pelo

    que muitos autores, se tm debruado sobre a racionalidade das tomadas de deciso dos

    poderes pblicos, que leva formao de um complexo processo, que importa sempre avaliar

    durante as vrias fases evolutivas que o compem. A prpria definio de poltica pblica, que

    vem sendo debatida e aperfeioada ao longo do tempo, como resultado da evoluo das

    sociedades, tem nuances ora comuns ora mais afastadas entre os diversos autores. Todavia,

    parece que a separao entre o que a coisa pblica e privada, consensual entre todos eles,

    na medida em que fundamental que as sociedades saibam compreender cada um dos

    conceitos.

    Na abordagem das polticas pblicas, da deciso poltica entre inputs e outputs at sua

    implementao, movem-se variadssimos interesses, que constituem grupos capazes de

    influenciar as polticas no seu prprio interesse.

    As externalidades que podem ser positivas ou negativas produzem, aces que podem

    influenciar os demais agentes. Essas aces revestem-se quer umas quer outras, pela

    fundamentao da interveno do Estado e, pela importncia dos Governos em governar e tomar

    parte integrante na implementao das polticas pblicas.

    O papel das agendas polticas crucial, pois desperta nos polticos, atravs de um

    evento ou processo, a necessidade de actuao e de formao das polticas. Com efeito, o

    despoletar desse evento ou processo, poder entrar na agenda que poder ser sistmica ou

    formal, marcando a partir da, todo um processo que leva implementao da poltica.

    Por sua vez, a implementao da poltica pblica, o resultado de todas as fases

    anteriores e que resulta na efectiva implementao da poltica, tendo a sua aplicao vindo a

    evoluir desde a concepo clssica pela Administrao Pblica at aos burocratas e polticos. A

    avaliao e o impacto so, per si, elementos do processo poltico da maior importncia, pois

    reflectem do pblico-alvo, um determinado grau de aceitao de determinada poltica e dos

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    20

    decisores polticos.

    Nesse sentido, existem formas de avaliao das polticas, que em pases democrticos,

    passa pelo exerccio do direito de voto, onde os cidados so chamados a se pronunciar sobre

    as polticas de um Governo. Por outro lado, tambm vrias Instituies do Estado funcionam

    como garante dessa avaliao atravs da aplicao do controlo e superviso.

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    21

    Captulo II: Orientaes Polticas Internacionais no Sector dos Caminhos-de-ferro

    2. Introduo

    Neste captulo pretendemos analisar qual tem sido a evoluo no sector dos caminhos-

    de-ferro internacionais, em especial na Europa. Com efeito, desde o surgimento do transporte

    ferrovirio que o comboio tem sido precursor do desenvolvimento dos pases, rasgando

    horizontes e abrindo caminhos a locais at ento inacessveis ou de difcil acesso. No entanto,

    este modo de transporte tem sofrido oscilaes no seu desenvolvimento, fruto do

    desenvolvimento inquestionvel de outros modos de transportes como o areo e o rodovirio.

    O servio pblico como um elemento indissocivel nesse sector tem marcado e

    direccionado as polticas pblicas dos governos ao longo dos anos, tendo em vista adaptar com

    alguma amplitude as necessidades de transporte s populaes. No entanto, o conceito de

    servio pblico tem vindo a evoluir considerando-se que servios existem onde no faz sentido a

    aplicao desta doutrina, sendo substituda por servios de interesse geral.

    Ao seleccionarmos trs exemplos de pases europeus pretendemos analisar

    resumidamente e do ponto de vista histrico, a evoluo do sector ferrovirio e a sua capacidade

    de resposta a novos desafios que a sociedade, a economia e o ambiente hoje impem.

    Considermos interessante verificar quais as polticas pblicas seguidas em pases prximos de

    Portugal como Espanha e Frana, pois constituem uma relao activa de conexo entre as vrias

    redes. No caso da Noruega, pretendemos observar tambm a evoluo do transporte ferrovirio,

    tendo em considerao que este pas do conjunto dos trs pases o mais distante de Portugal,

    procurando apurar se as polticas pblicas para o sector se assemelham entre os restantes

    pases em anlise.

    Uma nova concepo de gesto e do paradigma do sector ferrovirio, nos pases em

    anlise, marca uma revoluo silenciosa em todo o sector, com a separao entre a gesto de

    infra-estrutura e a operao de transporte, favorecendo o surgimento de novos operadores de

    transporte no negcio das mercadorias e de passageiros, atravs de uma poltica de liberalizao

    desses servios. A aposta do transporte ferrovirio de alta velocidade , como iremos ver, o

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    22

    maior desafio que hoje se coloca ao sector, favorecendo atravs de redes interoperveis,

    conexes mais fceis e mais rpidas na mobilidade dos cidados europeus e no transporte das

    mercadorias.

    2.1 O servio pblico internacional e os Caminhos-de-ferro na Europa

    Desde o grande salto da criao da mquina a vapor e da sua aplicao ao transporte

    por carris, especialmente a partir de 1814 no desenvolvimento da locomotiva pelo ingls George

    Stephenson, que o crescimento e evoluo do transporte ferrovirio tem marcado o

    desenvolvimento da histria da humanidade, tornando mais prximas as relaes entre os povos

    e favorecendo a criao de um mundo mais globalizado, tal como os portugueses o fizeram por

    via martima 500 anos.

    As polticas pblicas para os transportes ferrovirios mundiais, especialmente na Europa,

    tm vindo a evoluir de conceito desde o seu surgimento com a Revoluo Industrial no sculo

    XIX, onde o aperfeioamento de mquinas e infra-estruturas ferrovirias contriburam para o

    desenvolvimento das sociedades, mas tambm onde o transporte ferrovirio revelou-se como

    precursor desse desenvolvimento humano e social, da especializao e do crescimento da

    economia e da sociologia dos transportes. Devido importncia que o transporte ferrovirio

    constituiu desde logo para o desenvolvimento dos pases, a discusso em torno de polticas de

    coordenao e regulao dos transportes passaram a fazer parte da agenda poltica. Alis

    parece-nos interessante referir que em 1896 em Inglaterra, os socialistas publicam no Daily Mail

    um manifesto intitulado The Gas and Water Socialism defendendo a administrao cientfica

    dos interesses colectivos pelos municpios. J nos Estados Unidos da Amrica, em 1887, a

    Interstate Commerce Commission [Entidade Reguladora nos EUA], com o objectivo de evitar a

    prtica de preos discriminatrios e outras formas de concorrncia destrutiva entre empresas

    ferrovirias, pois o caminho-de-ferro era uma infra-estrutura capital para o desenvolvimento

    econmico do pas, o Presidente de ento, Theodore Roosevelt, na mensagem ao Congresso de

    5 de Dezembro de 1905, defendeu a necessidade de reforar a regulao do sector ferrovirio.

    O Governo Americano marcava ento, aquilo que a esfera poltica da esfera econmica,

    articulando os interesses subjacentes a ambas as esferas, construda em volta de entidades

    reguladoras independentes. Nesta concepo pragmtica, a regulao, surge como um trao de

    unio entre a vida econmica e a administrao pblica, como um exerccio multidisciplinar, que

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    23

    se especificar neste trabalho, mas que em termos gerais, envolve aspectos econmicos,

    tcnicos e jurdicos, funcionando como supervisor do sector de actividade neste caso o sector

    dos transportes ferrovirios.

    No sculo XX pases como os Estados Unidos da Amrica, Frana, Alemanha, Inglaterra

    e Japo, tm-se constitudo como laboratrios privilegiados do desenvolvimento ferrovirio,

    marcadamente pela aposta em polticas de inovao, na aplicao de tcnicas e tecnologias

    ferrovirias e, na aplicao de modelos conceptuais de gesto e explorao como linhas

    orientadoras das polticas pblicas para os transportes. As empresas de transporte ferrovirio

    desde o sculo XX funcionavam, na maior parte dos pases, como empresas de cariz industrial,

    onde o Estado detentor da maioria do seu capital social e, determina regras precisas no

    funcionamento das empresas, nomeadamente, na prestao de servios pblicos de interesse

    geral, incompatveis com a lgica paralela de funcionamento desse tipo de empresas no

    mercado, pela satisfao da oferta, da qualidade de servio e pela aplicao de tarifas sociais.

    A adopo das polticas ferrovirias tem evoludo de forma mais significativa, e,

    especialmente na Europa, a partir dos anos 80 do sculo XX, atravs da tentativa de

    implementao de polticas que contrariam a lgica de pura empresa industrial, detentora de um

    qualquer monoplio ferrovirio. Com efeito, em Inglaterra como primeiro pas da Europa onde

    recentemente foi testado um novo modelo de explorao ferroviria, com repercusses

    profundas no modelo organizativo, o Governo de Margaret Thatcher a par de um largo conjunto

    de privatizaes no pas, decidiu adoptar tambm, a privatizao das filiais dos caminhos-de-

    ferro britnicos para alm, de uma nova filosofia de gesto para o sector. Essa filosofia previa

    um conceito alargado de privatizao, separao da infra-estrutura de explorao, criao de um

    nico gestor das infra-estruturas: Railtrack, a diviso da BR (British Rails) em cerca de vinte

    unidades de explorao e, a adopo de um sistema de franchising na atribuio dos servios de

    passageiros, tendo em vista a reduo das contribuies pblicas.

    Como salienta Mathieu (2001),

    foroso reconhecer por fim que a Gr-Bretanha constitui um caso parte. Com

    efeito, excepo da Sucia e da Banverket [empresa responsvel pelo transporte

    ferrovirio] onde o estatuto e as misses so diferentes, as outras sociedades

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    24

    ferrovirias privadas (companhias americanas, japonesas) caracterizam-se todas

    por uma estrutura vertical integrada com responsabilidades na infra-estrutura e na

    explorao, em que a quantidade precisa de interaces forte e a problemtica

    complexa entre os dois tipos de actividades. (2001: 24)

    Com efeito e na sequncia do que refere Mathieu (2001), a problemtica da

    concentrao de actividades de infra-estrutura e de explorao, numa nica entidade, tende

    rapidamente a desaparecer nos pases da Unio Europeia, fruto de orientaes polticas

    comunitrias e, da imposio de Directivas Europeias, atravs da aplicao dos chamados

    Pacotes Ferrovirios, que visam consubstanciar um novo modelo de organizao ferroviria na

    Europa. A separao clara entre as actividades de gesto de infra-estrutura, das actividades

    puramente de transporte, so um objectivo claro nas novas polticas ferrovirias, a par do

    desenvolvimento da interoperabilidade e da livre concorrncia entre os diversos Operadores no

    mercado dos transportes ferrovirios.

    Desde que foi assinado o Tratado de Roma que constituiu a Comunidade Econmica

    Europeia, numa primeira fase pelos pases que constituam a Comunidade Europeia do Carvo e

    do Ao em 1951, que hoje a Unio Europeia, tem imprimido aos seus estados-membros, no seu

    modo de actuao, grandes transformaes em todos os nveis do desenvolvimento social,

    econmico, do Direito e da administrao pblica. Neste sentido, tambm as polticas e o

    conceito de servio pblico de transportes, especialmente no transporte ferrovirio - com

    consequentes implicaes nas decises polticas e na escolha das polticas pblicas - tem vindo

    a ser alterado, tanto mais que, a importncia que a Europa demonstra hoje no transporte

    ferrovirio crescente, atravs da adopo de polticas que potenciem e fomentem o caminho-

    de-ferro. Segundo a Comisso Europeia, Uma das metas da poltica de transportes da Unio

    Europeia transferir para a via-frrea um maior nmero de viagens de longo curso por estrada e

    de deslocaes curtas por via area. Mas para isso fundamental que se melhorem os sistemas

    ferrovirios da Europa. (2003: 4)

    A concepo clssica de servio pblico caracterstico da escola francesa e em sentido

    oposto, da escola dos pases anglo-saxnicos, numa lgica de abertura iniciativa privada, tm

    sido duas correntes de pensamento e de suporte orientao e tomada de decises polticas

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    25

    nesta matria. Com efeito, tem-se assistido a uma crise dos conceitos da escola clssica, outrora

    com o surgimento de empresas pblicas de transporte ferrovirio de carcter industrial actuando

    no mercado de forma monopolista, pois cabia ao Estado assumir integralmente as funes

    sociais e econmicas, como era o caso da CP em Portugal. Hoje o mesmo Estado contratualiza

    servios pblicos com empresas ou operadores privados como forma de abertura do mercado

    ferrovirio iniciativa privada.

    O conceito de servio pblico passa a ter uma finalidade de servio de interesse geral

    pela sua teorizao, sendo que estes servios passam a englobar as actividades pblicas ou

    privadas que tenham uma misso de interesse geral e que, estejam submetidas a obrigaes de

    servio pblico. O conceito no tem sido muito utilizado na legislao portuguesa, ao contrrio

    do que acontece nas instituies comunitrias. Neste sentido, a Comisso Europeia (2003),

    apresenta em Bruxelas o Livro Verde Sobre Servios de Interesse Geral em Maio desse ano,

    definindo a o seu entendimento sobre o conceito de servios de interesse geral e servios de

    interesse universal. Assim, os servios econmicos de interesse geral englobam servios

    universais, continuidade, acessibilidade nos preos, qualidade de servio, proteco do

    consumidor e do utilizador, definidos como valores e objectivos da Unio, visando a eficcia

    econmica, a coeso social e territorial e a segurana para todos os cidados.

    Segundo Gouveia (2001),

    A qualificao de um servio como de interesse geral ser sempre atribuda em

    funo de um determinado nvel de desenvolvimento da sociedade, isto , o

    conceito ir evoluindo e tornando-se mais abrangente de acordo com o que, em

    determinada sociedade, se considerem necessidades bsicas ou essenciais vida,

    sade ou participao social. (2001: 17)

    J o conceito de servio universal que tem um carcter mais dinmico, dada a evoluo

    poltica, social, econmica e tecnolgica, definido como um conjunto de requisitos de interesse

    geral que vo de encontro qualidade especfica exigvel para todos os cidados,

    independentemente da sua localizao geogrfica e a um preo acessvel, em funo das

    condies de cada pas. Com efeito, trata-se de assegurar servios essenciais aos cidados em

    todo o espao da Unio Europeia.

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    26

    A abordagem da evoluo histrica do servio pblico e, o enquadramento do Direito

    Administrativo e da Administrao Pblica no conceito de servio pblico na Europa,

    relativamente aos transportes ferrovirios, no indiferente a essa nova abordagem, fruto da

    reestruturao do sector pela imposio de Directivas da Unio Europeia que visam, a abertura

    do mercado iniciativa privada e ao acesso rede ferroviria sem descriminao dos pases do

    espao europeu. A deciso de separao da gesto das infra-estruturas ferrovirias, da pura

    explorao comercial pela iniciativa privada, e do estabelecimento de normas de regulao da

    responsabilidade dos Estados, que tm vindo a ser aplicadas atravs da transposio de

    Directivas para as legislaes internas dos pases, altera necessariamente o conceito de servio

    pblico. Com a introduo da livre concorrncia, caracterstica das economias de mercado,

    acaba-se com a pura identidade clssica do servio pblico para um entendimento da actividade

    de interesse geral.

    A liberalizao em vrios sectores da economia europeia e tambm no sector dos

    transportes ferrovirios, fruto de uma nova base ideolgica liberal e neo-liberal hoje patente, no

    deixa de ser uma opo poltica, com implicaes nas polticas pblicas e no conceito de servio

    pblico que tende a evoluir por essas circunstncias.

    De acordo com Seijas (2005),

    O processo de liberalizao no supe o abandono da funo estatal de tutela

    dos interesses pblicos. Mas sim pressupe que tais interesses se liguem desde

    logo ao desenvolvimento das respectivas actividades com uma melhor relao

    qualidade-custo (2005: 98)

    A criao da Agncia Ferroviria Europeia atravs do Regulamento da Comunidade

    Europeia n. 81/2004 de 29 de Abril, sendo um organismo comunitrio com personalidade

    jurdica prpria, um organismo onde se discute toda a problemtica do servio pblico, pelo

    que junta vrios actores do sector dos transportes ferrovirios alm da prpria representao da

    Comisso Europeia, estando habilitada a propor recomendaes e directrizes do sector

    Comisso. Intervm em matrias de carcter tcnico com a aplicao da legislao comunitria,

    proporcionando regras claras de uma maior concorrncia e competitividade, garantindo a

    aplicao de normas de segurana e, fomentando a interoperabilidade dos sistemas ferrovirios

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    27

    europeus, harmonizando nas redes sistemas de explorao compatveis com a circulao de

    comboios entre os vrios pases.

    2.1.1 O Caminho-de-ferro em Espanha

    Desde o surgimento do primeiro perodo com a origem e expanso dos caminhos-de-

    ferro espanhis, que se pode determinar entre 1844 e 1941, com a publicao da Real Orden

    de 31 de diciembre de 1844, que aparece claramente a ideia de que o caminho-de-ferro em

    Espanha um servio pblico, sem colocar no entanto em causa, o papel preponderante da

    iniciativa privada, no que toca construo e explorao dos caminhos-de-ferro, reservando-se

    ao Estado as responsabilidades de inspeco, vigilncia e regulamentao tcnica do sector.

    Em 3 de Junho de 1855 d-se uma mudana completa nesta lgica, pelo que o Estado

    espanhol passa a assumir as responsabilidades de construo e explorao da rede ferroviria,

    deixando a possibilidade da iniciativa privada tambm poder exercer o seu direito de

    participao, podendo o Estado participar em projectos individualmente ou em conjunto com a

    iniciativa privada na construo e explorao dos caminhos-de-ferro. Em 1877 so criadas duas

    leis importantes: - A Lei Geral do Caminho-de-ferro e a Lei de Polcia dos Caminhos-de-ferro que

    incorporaram de forma positiva, experincias e prticas anteriores relativas gesto e explorao

    da rede. Nesse sentido, o artigo 54 da Lei Geral determinava que, a explorao dos caminhos-

    de-ferro do Estado poderia ser feita por aco directa do governo ou por empresas que

    prestassem o servio pblico, numa lgica superior dos interesses pblicos. Estas duas Leis

    foram efectivamente, os dois pilares bsicos e o marco jurdico basilar, no sistema de gesto e

    explorao da maior parte da Rede RENFE durante 110 anos e que constitu ainda hoje a

    chamada Rede Convencional.

    O segundo perodo que se pode determinar entre 1941 e 1991 surge, com a criao da

    Ley de Bases de Ordenacin Ferroviaria y de Transporte por Carretera em 24 de Janeiro de

    1941. Com efeito, esta Lei surge num perodo de grandes dificuldades econmicas e financeiras

    para as empresas concessionrias, pelo que por razes econmicas, jurdicas, militares e de

    carcter scio - poltico, o Estado decide tomar a seu cargo a inteira responsabilidade na

    construo, explorao e gesto do caminho-de-ferro. Nesse sentido, foi criada a Red Nacional

    de los Ferrocarriles Espaoles RENFE como materializao de uma empresa industrial, para

  • AS POLTICAS PBLICAS NO SECTOR DOS TRANSPORTES FERROVIRIOS PORTUGUESES DESDE 1974

    28

    dar resposta deciso do Governo em assumir inteiramente a responsabilidade integral de

    desenvolver a rede espanhola. Esta lgica de assuno pelo Estado, de um papel esmagador no

    desenvolvimento no sector dos transportes ferrovirios, foi de igual modo extensvel a muitos

    outros pases como Portugal, que se analisar mais frente neste trabalho, mas tambm em

    outros pases europeus como a Frana, Itlia, Alemanha, Inglaterra e Blgica que num perodo

    da sua histria, se viram confrontados na assuno da titularidade das linhas ferrovirias,

    criando empresas pblicas para administrarem o patrimnio e o servio pblico do transporte

    ferrovirio.

    O Estatuto da RENFE viria a ser aprovado por Decreto em 23 de Julho de 1964,

    definindo-se como uma entidade com personalidade de direito pblico e, actuando em regime de

    empresa mercantil, no qual o Estado, confia a Rede Ferroviria de 1941 e pretende uma

    empresa flexvel e eficiente em paralelo com as empresas privadas. Com a criao da LOTT (Ley

    de la Ordenacin de los Transportes Terrestres) de 30 de Julho de 1987 e o Regulamento para a

    sua aplicao, com a publicao do Real Decreto 1211/1990 de 28 de septiembre, teve como

    objectivo principal, a unificao do regime jurdico do sector do transporte terrestre, capaz de

    criar um sistema comum e flexvel deste tipo de transporte, baseado na liberdade de escolha do

    utilizador. Por outro lado, a LOTT surgiu tambm no sentido de dar corpo e materializar as

    directivas da Unio Europeia atravs da transposio de normas jurdicas para o sector, de que

    se destaca a separao da infra-es