AS PROCISSÕES E AS FESTAS NO BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO - the processions and parties in the Brazilian colony and Empire

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA | FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    DEPARTAMENTO DE TEORIA E EXTENSO

    ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL COLNIA E IMPRIO | 2/2013

    PROFESSOR PEDRO PAULO PALAZZO

    As Procisses e as Festas noBrasil Colnia e Imprio:

    Entretenimento, Religio e Manifesto SocialRafael de Assis Paula

    09/0129296

    Braslia, DF, 19 de Dezembro de 2013

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    PAULA, Rafael de AssisAs Procisses e as Festas no Brasil Colnia e Imprio: Entretenimento, Religio e Manifesto Social

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    RESUMO

    O principal objetivo desse trabalho acadmico mostrar que, apesar de tanto as festas quanto as

    procisses terem sido festejos, essa ltima tinha um carter mais conservador, tendo sido a ordem

    religiosa a maior representante no Brasil Colnia e, a ordem secular, no Brasil Imprio; eram dessamaneira uma caricatura da organizao social, enquanto as festas tinham um carter de inverso social,

    como uma oportunidade para todos se inclurem em um jogo onde era possvel "inverter" a ordenao

    das classes, incluindo a significativa participao dos afrodescendentes e sua cultura mesclada a muitas

    dessas festas.

    Atravs da apurao de bibliografia e documentos que tratam do tema, sero comparados os rituais de

    procisses e festas no Brasil colonial para uma diferenciao e aproximao desses dois tipos de festejos

    presentes no espao urbano daquela poca. Tambm sero expostos exemplos, a fim de analisar os

    fenmenos que implicavam na realizao dessas tradies.

    Por ltimo, pretende-se mostrar como esses festejos eram ao mesmo tempo teatro do povo,

    representao cvica e religiosa, inverso da ordem social e divertimento; portanto eram as verdadeiras

    fontes acessveis de cultura naquela poca.

    PALAVRAS-CHAVE:

    PROCISSES, FESTAS, RELIGIO, MANIFESTO, SOCIAL, ENTRETENIMENTO, BRASIL, COLNIA, IMPRIO,

    CORTEJOS, FESTEJOS, BARROCO, COROA, IGREJA, PADROEIROS, CONFRARIAS, IRMANDADES,

    CANDOMBL, CATOLICISMO

    Rafael De Assis Paula estudante do 5 semestre de graduao da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de

    Braslia

    [email protected]

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    PAULA, Rafael de AssisAs Procisses e as Festas no Brasil Colnia e Imprio: Entretenimento, Religio e Manifesto Social

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    ContedoA INTRODUO DAS PROCISSES RELIGIOSAS E OUTRAS FESTIVIDADES RELACIONADAS NO BRASIL

    COLNIA ....................................................................................................................................................... 5

    A COMPOSIO DO ESPETCULO PROCESSIONAL BARROCO...................................................................... 7

    PALCO E CENRIO ..................................................................................................................................... 7

    COADJUVANTES E EXPECTADORES ........................................................................................................ 7

    A CARICATURA DA SOCIEDADE NA PROCISSO DO SENHOR MORTO ..................................................... 7

    PROTAGONISTAS: A IMAGINRIA PROCESSIONAL ................................................................................... 9

    RECURSOS CNICOS ................................................................................................................................ 11

    O AUGE DO RITO PROCESSIONAL: A PROCISSO DE CINZAS NO RIO DE JANEIRO................................. 12

    A TRANSIO DO RITO CERIMONIAL PROCESSIONAL PARA A FOLIA:........................................................ 13

    A MALHAO DO JUDAS EM SBADO DE ALELUIA .................................................................................... 13

    AS FESTAS RELIGIOSAS NO BRASIL E A RELIGIO POPULAR ....................................................................... 15

    O PAPEL DAS IRMANDADES NOS FESTEJOS RELIGIOSOS E A PARTICIPAO DOS NEGROS .................. 15

    A PROFANAO E O DESPRESTGIO DOS CORTEJOS RELIGIOSOS .............................................................. 18

    CONCLUSO................................................................................................................................................ 19

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    INTRODUOOs festejos de origem religiosa inseridos no Brasil atravs de Portugal eram uma prolongao do

    sagrado no meio urbano, onde a religio se encontrava com o profano. Entre esses festejos, os cortejose procisses religiosas tiveram um papel importante para a cultura no Brasil Colnia e Imprio, que foiherdada a ns nos dias atuais. Com a presena de autoridades leigas, civis e eclesisticas, a procisso mesclava o poder estatal com o religioso, sustentculos e fundadores da sociedade colonial 1, e, almde expresso religiosa, as procisses tambm representavam a caricatura da organizao social vigente(embora no fosse uma retratao to rgida da estrutura social conservadora em todos os tipos deprocisses). Na introduo de seu livro As festas no Brasil Colonial, Tinhoro, jornalista e pesquisadorda cultura brasileira, escreveu sobre o carter dessas festividades2

    :

    o que durante maus de duzentos anos se registra como aproveitamento coletivo do lazer na colnia

    americana de Portugal no seriam propriamente festas dedicadas funo do impulso individual para o

    ldico, mas momentos de sociabilidade festiva, propiciadas ora por efemrides ligadas ao poder doestado, ora pelo calendrio religioso estabelecido pelo poder da Igreja

    Ao mesmo tempo, presenciava-se nas festas, em maioria de carter religioso, a oportunidade de

    encenao e representao do povo, de inverso da ordem social e da manifestao da religio popular

    sobre a religio erudita. Muitas dessas festas tiveram uma ampla participao da cultura africana, que

    encontrou nelas uma sada para a sua represso. Atravs da criao de confrarias ou irmandades

    religiosas, os afrodescendentes expressavam suas fs particulares disfaradas e mescladas na cultura do

    Catolicismo, religio oficial.

    Com o tempo, tanto as procisses quanto as festas de origem religiosa foram sofrendo mudanas, oraimplantadas pela Coroa, que buscava afirmar seu poder acima da religio; ora espontaneamente

    ocorridas com o advento das modernidades, que traziam um estilo de vida abertamente profano e no

    mais privilegiavam o sagrado, o que fez muitas desses festejos encontrarem seu fim ou darem origem a

    verses profanadas.

    1FURTADO, Jnia Ferreira. Desfilar: a procisso barroca. In: Revista Brasileira de Histria. So Paulo:

    ANPUH, vol. 17, n 33, 1997, pp. 251-279, p.322TINHORO, Jos Ramos. As festas no Brasil Colonial. So Paulo: Ed.34, 2000, p.7

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    A INTRODUO DAS PROCISSES RELIGIOSAS

    E OUTRAS FESTIVIDADES RELACIONADAS NO BRASIL COLNIA

    Dentre as festividades religiosas que fizeram ou ainda fazem parte da cultura brasileira esto asprocisses. A palavra procisso a expresso que mais aparece nas literaturas referentes aos cortejosreligiosos, originria do latim processione, significa: marchar para frente3. Designa um ritual religiosocujo objetivo expressar pblica e coletivamente um culto divindade a qual se destina, existentedesde a antiguidade, entre os pagos, contudo teve seu apogeu, como ritual cristo, na Idade Mdia, asde maior importncia se deram na Pennsula Ibrica, quando era planejada como grande acontecimentoreligioso social, com rituais prprios e participao em massa de fieis4

    .

    As procisses eram originalmente encenaes religiosas com mobilizao e participao da populaode um centro urbano, que seguia um protocolo bem estabelecido. As Constituies Primeiras doArcebispado da Baha referem-se s procisses como uma orao pblica feita a Deus por um comum

    ajuntamento de fiis disposto em certa ordem, que vai de um lugar sagrado ao outro lugar sagrado.

    Desde sua insero no Brasil, podemos traar um breve histrico das procisses e demais festividades

    religiosas relacionadas:

    Sec. XVI

    Evoludas das encenaes em Autos como ferramenta de catequizao dos Jesutas, as procisses nosec. XVI possuam sentido puramente espiritual, severo e catequizador da igreja quinhentista5

    As grandes festividades coincidiram com Corpus Christi. Na Amrica portuguesa fazia-se procisses porocasio da construo de uma nova igreja, durante os festejos de aclamao de um novo rei, nas festasde Santos e nas demais festas

    .

    6

    3OLIVEIRA, Elza. Procisses - De estratgia de territorialidade expresso de

    , e que Corpus Christi, durante a poca moderna, se tornara uma festareligiosa apropriada pelo Estado. Inclusive sua primeira celebrao, aqui no Brasil, coincidindo com ainaugurao da cidade de Salvador, realizada em 19 de junho de 1549 (Vivaldo, 1988).

    religiosidade popular -Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 9, n.2, p. 15-32, jul-dez/2012. Acessado em17/10/2013, em:http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdf4

    ANDRADE, Maria do Carmo. Procisso. Fundao Joaquim Nabuco, Recife, 27/12/2007. Acessado em28/10/2013, em:http://www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/5RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessado em 02/11/2013, em:

    http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm6SANTOS, Beatriz Cato Cruz. O corpo de Deus na Amrica: a festa de Corpus Christi nas cidades da

    Amrica Portuguesa Sculo XVIII. So Paulo: Anneblume, 2005.

    http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/http://www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/http://www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdf
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    Pe. Manuel da Nbrega, em 9 de agosto, do mesmo ano, escreveu ao padre Simo Rodrigues

    anunciando as duas primeiras procisses solenes realizadas em Salvador: a do Anjo e a do Corpo de

    Deus (Corpus Christi) Outra procisso se fez dia de Corpus Christi, mui solene, em que jogou toda a

    artilharia, que estava na cerca, as ruas muito enramadas, houve danas e invenes a maneira de

    Portugal (Cartas do Brasil, Rio, 1931, p. 86).

    A chegada de Mem de S na Bahia depois da vitria sobre os Holandeses tambm foi motivo de grande

    festa, que fez parte das raras festividades sem cunho religioso naquela poca.

    Sec. XVII

    Esse sculo revelar-se-ia muito pobre de festas oficiais capazes de merecer registro histrico 7

    . Nessa

    poca conhecido que a aclamao de D. Joo IV como novo Rei foi motivo para uma grande festarealizada no Rio de Janeiro, em 1641. Obedecendo as ordens da Metrpole, a festa incluiu corrida de

    touros e vrios tipos de jogos.

    Sec. XVIII

    No sec. XVIII as festividades religiosas assumiram uma nuance profana sob patrocnio laico atingindo

    grandiosidade compatvel com a esttica barroca. As festividades se faziam em forma de encenaes em

    procisses.8

    Exemplo tpico de suntuosidade em forma de procisso religiosa ocorreu em Minas Gerais : com a

    concluso da Igreja Matriz do Pilar [imagem 01], no auge do materialismo barroco foram gastos mais

    de 400kg de ouro apenas para recobrir a talha dos altares - ocorreu em Vila Rica, com pompa e

    ostentao, em 25 de maio de 1733, o Triunfo Eucarstico, que foi uma comemorao quando o

    Santssimo Sacramento foi transferido da igreja do Rosrio para a nova Igreja Matriz do Pilar. Afonso

    vila definiu O Triunfo Eucarstico como uma festa mais de regozijo dos sentidos que propriamente

    comprazimento espiritual.

    9

    7TINHORO, Jos Ramos. As festas no Brasil Colonial. So Paulo: Ed.34, 2000, P.51

    8RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessado em 02/11/2013, em:

    http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm

    9 VILA, Affonso.O Ldico e as Projees do Mundo Barroco. So Paulo: 3 edio, Perspectiva, 1994.

    2 vol, Debates, 35, p.33

    http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Affonso_%C3%81vilahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Affonso_%C3%81vilahttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htm
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    No mbito secular houve a festa em comemorao ao casamento do Prncipe D. Joo com D. Carlota

    Joaquina, em Fevereiro de 1783, no Rio de Janeiro, que levou o povo s ruas.

    Imagem 01 Igreja Matriz do Pilar, Ouro Preto, Minas Gerais.

    A COMPOSIO DO ESPETCULO PROCESSIONAL BARROCO

    PALCO E CENRIO

    O percurso empreendido na procisso barroca transformava o espao da cidade em palco, as

    localidades onde ocorriam possuam um perfil populacional significativo.

    COADJUVANTES E EXPECTADORES A CARICATURA DA SOCIEDADE NA PROCISSO DO SENHOR MORTO

    Toda a populao se envolvia de forma ativa ou passiva. Cabia aos nobres e dignitrios os papis

    principais de coadjuvantes deste teatro sacro, j que os protagonistas eram os prprios santos10

    A maioria das funes encenadas nas procisses era destinada a pessoas com representao poltica.

    At as posies em relao a quem segurava as varas do plio, durante a procisso, eram polticas. A

    distribuio era estabelecida, dentro do templo para uns (as Dignidades, Capitulares, Beneficiados ou os

    Missionrios) e na rua, fora do templo, para outros (aos grandes, aos poderosos, aos nobres). Quanto

    mais prximo uma dessas figuras participantes estivesse em relao hstia maior era sua importncia

    .

    10RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessadoem 02/11/2013, em:http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm

    http://lmascarenhas.blogspot.com/2011/08/igreja-matriz-do-pilar.htmlhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://lmascarenhas.blogspot.com/2011/08/igreja-matriz-do-pilar.html
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    na sociedade. Assim como segurar as varas do cortejo era um privilgio das autoridades e criava uma

    ocasio de disputa11

    A procisso do Senhor Morto ou do Enterro, realizada pela Ordem Terceira do Carmo no Rio de Janeiro,

    no dia seguinte sexta-feira da Paixo, era um evento onde se podia ver claramente o retrato daestrutura social vigente da poca:

    .

    O evento teve incio em 1658 com toda pompa e circunstncia: aberto pela guarda militar, conduzia

    uma grande cruz alada com o Santo Sudrio tranado em seus braos, escoltado por tocheiros. Na

    sequencia, crianas ricamente vestidas de anjos carregavam os emblemas da Paixo e abriam caminho

    para os irmos do Carmo. Atrs, sob um luxuoso plio cercado de crios com tochas decera roxa,

    avistava-se um esquife de prata com o Senhor Morto, parcialmente coberto por um manto violeta de

    franjas douradas. O atade se deslocava sobre o ombro de clrigos, convidados mediante pagamento de

    compensadora propina.

    vidas por demonstrar sua sincera devoo e as qualidades morais de seus membros, as famlias maisnotveis acompanhavam o fretro representando personagens da Paixo: Madalena, So Joo

    Evangelista, Vernica, Jos de Arimatia e Nicodemos. Em seguida vinham o Anjo Cantor representado

    por uma jovem escolhida entre as famlias mais abastadas , a guarda romana e a imagem de Nossa

    Senhora das Dores, ladeada por uma guarda de honra e trajada com um manto de veludo bordado a

    ouro, jias valiosas e um resplendor de ouro sobre a coroa. Encerrando o desfile, a banda, com seus

    instrumentos adornados por laos de crepe, executava as marchas fnebres que embalavam o cortejo.12

    11SANTOS, Beatriz Cato Cruz. O corpo de Deus na Amrica: a festa de CorpusChristi nas cidades da

    Amrica Portuguesa Sculo XVIII. So Paulo: Anneblume,2005.12SANTOS, Georgina. Pscoa, Tempo de Festa - Revista de Histria .com.br, 12/04/2009. Acessado em

    17/10/2013, emhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa

    http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa
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    PROTAGONISTAS: A IMAGINRIA PROCESSIONAL

    A tradio de imaginria processional foi passada para Portugal atravs da Espanha, onde adramaticidade das imagens encontrava sua melhor traduo dos ideais barrocos. No Brasil, os

    portugueses implantaram a tradio e aqui se tornou amplamente popular at o final do sculo XIX.Com seu valor didtico e persuasivo, desde cedo as imagens de procisso foram adotadas pelos padrescatequistas.13

    O imaginrio era uma forma apropriada de encenao em eventos pblicos de rua, era um recurso

    compatvel s idias e propsitos da contra-reforma, e sintetizava o desejo de estreitar a distncia entre

    o humano e o divino, dando aparncia real s imagens . Segundo Werner Weisbach, aps a Reforma, o

    catolicismo viu-se obrigado a satisfazer as massas, acolhendo e favorecendo seus interesses

    materialistas

    14

    No Barroco, a imagem processional como elemento retrico de entretenimento, estimulante, excitante,

    foi amplamente aceita e a tolerncia ao luxo desmedido foi adotada nas concepes artsticas, com aincluso de materiais e valores mundanos. [imagem 02] [imagem03]

    .

    Imagem 02 Imagem 03

    As imagens processionais de vestir so uma tipologia de esculturas muitas vezes finamente acabadas em

    tamanho real, com acrscimo de tecidos, jias, perucas e outros adereos. A integrao do santo e do

    fiel neste drama intensificava a emoo participativa, pois alm da identificao fsica pelo tamanho,

    13RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessadoem 02/11/2013, em:http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm14WEISBACH, Werner. El barroco: A arte de la Contrarreforma. Traduo e introduo por Enrique

    Lafuente Ferrari, Madrid, Espasa-Calpe, 1942.

    http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htm
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    cabeleira e vestes, o cenrio era real. Os santos mais comuns entre as imagens processionais de vestir

    so sobretudo ligados ao culto da Paixo, como o Cristo, Nossa Senhora das Dores e o Senhor Morto, e

    os da Procisso das Cinzas. Entre as tipologias de imagens processionais de vestir, podemos encontrar15

    Escultura completa - feitas em madeira ou pasta,policromadas, ou feitas em tela encolada. [imagem

    04]

    :

    Imagens de vulto - so esculturas em que a parte

    superior do corpo do santo se sustenta sobre ripas

    de madeira afixadas em uma base quadrada, oval

    ou oitavada. [imagem 05]

    Imagens de vestir anatomizadas - os corpos so

    esculpidos anatomicamente e recebem uma

    policromia que imita uma vestimenta de baixo.[imagem 06]

    Imagem 05

    Imagem 04

    Imagem 06

    15RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessadoem 02/11/2013, em:http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm

    http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htm
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    RECURSOS CNICOS

    Todos os objetos que faziam parte da encenao processional eram ricos em detalhes que exibiam o

    sagrado de forma espetacular e teatral. Nas esculturas, a questo expressional era um fator de grande

    importncia, pois feies e gestos deveriam ser eloqentes, de forma a enfatizar a emoo. As partes

    visveis - mos, rosto e eventualmente ps, so onde encontramos os recursos expressivos, a

    dramaticidade do Barroco.16[imagem 07] [imagem 08]

    Imagem 07 Imagem 08

    As procisses tambm contavam com aparatos cenogrficos luxuosos, pensados e feitos para participarda pompa que a ocasio exigia. Os andores que sustentavam as Imagens processionais [imagem 10]eram feitas de materiais nobres, como prata ou madeira talhada e folheada a ouro.[imagem 09]

    Imagem 09

    Imagem 10 andor do sec. XVIII em madeira talhadarevestida a ouro, esculpido por Manuel Gonalves Valente.Acervo do Museu da Inconfidncia, Ouro Preto, Minas Gerais.

    16RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessadoem 02/11/2013, em:http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm

    http://www.museudainconfidencia.gov.br/interno.php?pg=acervo_banco_de_pecas&cod_peca=59http://www.museudainconfidencia.gov.br/interno.php?pg=acervo_banco_de_pecas&cod_peca=59http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.museudainconfidencia.gov.br/interno.php?pg=acervo_banco_de_pecas&cod_peca=59http://www.museudainconfidencia.gov.br/interno.php?pg=acervo_banco_de_pecas&cod_peca=59
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    PAULA, Rafael de AssisAs Procisses e as Festas no Brasil Colnia e Imprio: Entretenimento, Religio e Manifesto Social

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    O AUGE DO RITO PROCESSIONAL: A PROCISSO DE CINZAS NO RIO DE JANEIRO

    No Brasil, assim como em Portugal, Procisso das Cinzas marcava o incio da Quaresma na quarta-feira

    aps o carnaval, sempre. Institudo por iniciativa da Ordem Terceira de So Francisco no Rio de Janeiro,em Salvador e em Olinda no sculo XVII, somente no sculo seguinte o cortejo passaria a integrar o

    calendrio das festas religiosas do Recife, da Paraba, de So Lus e de Vila Rica (Ouro Preto)17. No Rio de

    Janeiro, o primeiro cortejo aconteceu pela primeira vez em 1647, com vinte andores, tornando-se o

    mais espetaculoso da cidade. Assim ele se manteve at 1758, quando uma forte tempestade destruiu os

    objetos e alfaias. Em 1850 foi reorganizada, com o squito composto de doze andores.18

    Georgina Santos descreve como ocorria a procisso de Cinzas na cidade do Rio de Janeiro: Anjos,

    virgens, confrades enfeitados, devotos com tochas acesas, clrigos e guardas militares desfilavam

    acompanhados de vinte andores adornados com luxo e riqueza. Aps as salvas de mosquetaria, a

    procisso descia a Ladeira de Santo Antnio, atravessava o Largo da Carioca e percorria as principais

    ruas do Centro, detendo-se nas vrias igrejas do percurso. No fim, o prstito retornava ao Morro de

    Santo Antnio, onde a irmandade distribua amndoas e confeitos s crianas que haviam figurado

    como anjos no cortejo.

    19

    Segundo Debret, a procisso das Cinzas acontecia na seguinte disposio: O pomposo cortejo era

    aberto por oficiais, anjos e fiis segurando candelabros e cruzes. O primeiro andor apresentava um

    casal de reis. Em seguida, vinha um andor com imagens representando So Francisco com a cruz, ao

    lado de Cristo tambm com a cruz, aludindo similaridade da vida de S. Francisco com a de Jesus Cristo.

    O terceiro andor trazia o conjunto da Cria, representando a entrega da Regra de So Francisco ao papa,

    assistido pelos cardeais. O quarto andor trazia um rei e uma rainha de p. O quinto exibia a imagemde Santo Antnio de Noto. Seguia-se Nossa Senhora da Conceio, a padroeira da Ordem. Logo em

    seguida, a imagem de Santa Margarida de Cortona, a pecadora arrependida. O andor seguinte vinha

    com a representao de So Francisco e o Senhor crucificado. Aps este, aparecia o andor de So Roque

    seguido pelo de So Lus, Rei de Frana, e logo atrs, Santa Isabel, rainha de Portugal. O ltimo andor,

    que encerrava a procisso, era a cena marcante do recebimento das chagas, em que So Francisco

    adora o Cristo Serfico na cruz e dele recebe os estigmas.

    20

    17

    SANTOS, Georgina. Pscoa, Tempo de Festa - Revista de Histria .com.br, 12/04/2009. Acessado em

    17/10/2013, emhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa18RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessado em 02/11/2013, em:

    http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm19

    SANTOS, Georgina. Pscoa, Tempo de Festa - Revista de Histria .com.br, 12/04/2009. Acessado em

    17/10/2013, emhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa20DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histrica ao Brasil. So Paulo, Crculo do Livro, sd. 2 v. p.

    373

    http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa
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    Imagem 11

    Andor de que fazia parte tambm oenorme frontal em tecido dividido emseis segmentos com bordados e franjasde ouro, de que Debret assim fez meno[imagem 11]:

    Esses grupos imponentes, resplendentesde tule dourado e prateado figurando

    nuvens e raios, muitas vezes semeados decabeas de querubins, apresentam-se

    como enormes massas fixadas emestrados ricamente recobertos de veludo

    vermelho com gales e franjas de ouro.So carregados, conforme o peso, por

    quatro a seis homens em uniforme dairmandade da parquia.21

    A TRANSIO DO RITO CERIMONIAL PROCESSIONAL PARA A FOLIA:

    A MALHAO DO JUDAS EM SBADO DE ALELUIA

    A Malhao do Judas era a um rito vibrante e barulhento que acontecia no Sbado de Aleluia, logo aps

    a Sexta-Feira da Paixo. Personificao da traio e das foras do mal, o Judas era representado por

    bonecos de palha ou de pano, pendurado em postes de iluminao pblica ou em galhos de rvores

    (uma aluso ao seu suicdio), em meio aos gritos o apstolo traidor era queimado pelos populares, logo

    depois que os sinos anunciavam a aleluia litrgica. Essa prtica crist tinha uma retrica quase como um

    sermo: a de limitar e depurar comportamentos e pensamentos considerados imprprios comunidade

    que malha o Judas em seu corpo colocava-se o nome do marido adltero, da vizinha fofoqueira, do

    comerciante ganancioso, entre outros- assim livrando os participantes desses pensamentos que os

    prendiam a uma vida pecaminosa e preparando-os para a renovao anunciada pelo domingo de

    Pscoa.22

    21

    DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histrica ao Brasil. So Paulo, Crculo do Livro, sd. 2 v. p.37222

    SANTOS, Georgina. Pscoa, Tempo de Festa - Revista de Histria .com.br, 12/04/2009. Acessado em

    17/10/2013, emhttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa

    http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festahttp://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/pascoa-tempo-de-festa
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    Embora revestido de significado cristo e moral, a Malhao do Judas era acima de tudo uma folia, onde

    qualquer um poderia participar, incluindo escravos, e cada um poderia interpretar o Judas com seu

    significado pessoal. [imagem 12]

    Imagem 12

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    AS FESTAS RELIGIOSAS NO BRASIL E A RELIGIO POPULAR

    As festas religiosas no Brasil, diferentemente das procisses, que seguiam um protocolo elaborado pela

    religio erudita, eram em sua grande maioria frutos das crenas pertencentes religio popular,onde se mesclavam crenas de domnio popular, at mesmo crenas com origem em outras religies.Segundo Fernandes religio popular definiu-se por oposio religio erudita, numa polaridade queordena o conjunto do campo religioso, dividindo-o entre dominante e dominados em toda a suaextenso 23

    Para Rosendahl, a difuso desse catolicismo popular deu-se:

    nas vilas (...), notadamente nas reas de minerao e porturias, maspredomina com maior intensidade na zona rural. A liderana religiosa cabe

    aos rezadores, leigos que assumem a funo de evangelizao na ausncia depadres e bispos. (...). O oratrio o espao religioso nas residncias. Em

    alguns casos o espao sagrado da comunidade que abriga o santo protetor e

    padroeiro uma pequena capela. Neste contexto, o catolicismo popularpropicia o cotidiano de homens e mulheres, em relaes sociais a partir do

    modelo celeste: na terra como no cu. 24

    A partir do contexto que surge a devoo aos santos de forma mais pessoal e a ntima relao do fielcom o sagrado, a religio, agora popular, passa a ser, de forma mais particular, regida e adaptada pelofiel. 25

    O PAPEL DAS IRMANDADES NOS FESTEJOS RELIGIOSOS E A PARTICIPAO DOS NEGROS

    No catolicismo brasileiro o agrupamento de pessoas que tinham a devoo a um santo em particular ou

    a uma determinada crena crist em comum dava origem a organizaes de leigos chamadas confrarias.

    As irmandades eram um tipo de confraria que se diferenciava das ordens terceiras por no possurem

    vnculo direto com ordens religiosas. Nas festas religiosas as confrarias faziam o papel de financiadoras e

    organizadoras da festa ligada ao santo que a confraria devotava em particular. Eram elas que se

    encarregavam de todos os preparativos das festas e, consequentemente, eram responsveis pelo

    conjunto de tradies que se realizava nesses festejos.26

    23FERNANDES, R Cesar. Religies Populares. BIB, Rio de Janeiro, n. 18, pp. 3.26. 2 Semestre 1984.24

    ROSENDAHL, Zeny. Espao e Religio: Uma abordagem geogrfica. Rio deJaneiro: Ed UERJ, 2002.25OLIVEIRA, Elza. Procisses - De estratgia de territorialidade expresso dereligiosidade popular - Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 9, n.2, p. 15-32, jul-dez/2012. Acessado em17/10/2013, em:http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdf26Coleo ITAN Material Didtico Alternativo. Festas Afro-Brasileiras - Eixo III: Fraternidades.

    Acessado em 17/10/2013, em: http://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-

    Fraternidades.pdf

    http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdfhttp://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-Fraternidades.pdfhttp://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-Fraternidades.pdfhttp://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-Fraternidades.pdfhttp://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-Fraternidades.pdfhttp://colecaoitan.org/conteudo/textos/festas/Introducao-ao-Eixo-Fraternidades.pdfhttp://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-3.pdf
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    Os escravos negros viram nas irmandades uma oportunidade de resistncia cultural e de ajuda mtua.

    Muitos africanos e afrodescendentes passaram a formar suas prprias irmandades, que funcionavam

    como grupos de ajuda mtua.

    Os rituais das crenas africanas e as prticas de Batuque em suas festas e danas no eram bem vistaspelos brancos e colonos durante o perodo da escravido. No entanto, ao serem formadas irmandades

    negras, os afrodescendentes estavam protegidos sob o pretexto da f catlica para mesclar seus

    costumes e culto a entidades africanas de modo a mascar-los e continuarem a pratic-los, sem haver

    explicidade. Desse modo caracterizou-se um rico processo de resistncia e mesclagem cultural a partir

    da trama de simbologias que se instaurava por baixo das representaes crists, o que mais tarde daria

    origem s religies Candombls. 27

    As irmandades negras [imagem 13] se constituam, na maioria das vezes, de afrodescendentes afiliados

    em torno das identidades africanas mais amplas que aqui se estabeleceram, como os Jejs, Nags ou

    Angolas. Essas identidades eram grupos que compartilhavam lnguas e costumes em comum, sem deixar

    de considerar que dentro deles ainda havia particularidades e diferenas culturais, uma vez que esses

    grupos englobavam negros trazidos de diferentes territrios do continente Africano. Os afiliados s

    irmandades promoviam aos seus irmos a assistncia necessria quando doentes, quando presos,

    quando famintos ou quando mortos, proporcionando funerais e rituais fnebres dignos.

    Imagem 13 - Coleta de contribuies para a Igreja do Rosrio, Porto Alegre. Jean BaptisteDebret, 1828.

    27Coleo ITAN Material Didtico Alternativo. Festas Afro-Brasileiras - Eixo III: Fraternidades.

    Acessado em 17/10/2013, em: http://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-

    padroeiro.html

    http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Baptiste_Debret_-_Coleta_de_esmolas_para_a_Igreja_do_Ros%C3%A1rio,_1828.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Baptiste_Debret_-_Coleta_de_esmolas_para_a_Igreja_do_Ros%C3%A1rio,_1828.jpghttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Baptiste_Debret_-_Coleta_de_esmolas_para_a_Igreja_do_Ros%C3%A1rio,_1828.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Baptiste_Debret_-_Coleta_de_esmolas_para_a_Igreja_do_Ros%C3%A1rio,_1828.jpg
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    Grande parte das festas de Padroeiro no Brasil est relacionada com os cultos cristos com os quais os

    africanos mesclaram suas crenas. Alguns exemplos de agrupamentos afrodescendentes responsveis

    por isso foram os Nags que se reuniram na igreja da Barroquinha, em Salvador, criando a irmandade de

    Nossa Senhora da Boa Morte [imagem 16], ou ento os Jejes com a Irmandade do Senhor Bom Jesus das

    Necessidades e Redeno. Os Angolas, termo que generaliza os africanos do complexo lingstico Banto[imagem 14], tambm criaram muitas irmandades ou ento se integraram s j existentes,

    principalmente as dedicadas Nossa Senhora do Rosrio [imagem 15]. So provavelmente os primeiros

    a criarem confrarias, sendo os mais numerosos e primeiros a serem trazidos ao Brasil.28

    Imagem 15 - Festa de Nossa Senhora do Rosrio, padroeira dos negros.

    Rugendas, 1828.

    http://dancasfolcloricas.blogspot.com/2011/05/cucumbi.html

    Imagem 16 - Festa da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira - BA,

    2006.

    28Coleo ITAN Material Didtico Alternativo. Festas Afro-Brasileiras - Eixo III: Fraternidades.Acessado em 17/10/2013, em: http://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.html

    http://terrasdemozambique.wordpress.com/2012/08/http://dancasfolcloricas.blogspot.com/2011/05/cucumbi.htmlhttp://dancasfolcloricas.blogspot.com/2011/05/cucumbi.htmlhttp://dancasfolcloricas.blogspot.com/2011/05/cucumbi.htmlhttp://www.bahiatursa.ba.gov.br/noticias/cachoeira-vive-expectativa-da-realizacao-da-festa-da-irmandade-da-boa-morte/http://www.bahiatursa.ba.gov.br/noticias/cachoeira-vive-expectativa-da-realizacao-da-festa-da-irmandade-da-boa-morte/http://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://colecaoitan.org/eixo3-fraternidades_procissoes-e-festas-de-padroeiro.htmlhttp://www.bahiatursa.ba.gov.br/noticias/cachoeira-vive-expectativa-da-realizacao-da-festa-da-irmandade-da-boa-morte/http://www.bahiatursa.ba.gov.br/noticias/cachoeira-vive-expectativa-da-realizacao-da-festa-da-irmandade-da-boa-morte/http://dancasfolcloricas.blogspot.com/2011/05/cucumbi.htmlhttp://terrasdemozambique.wordpress.com/2012/08/
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    A PROFANAO E O DESPRESTGIO DOS CORTEJOS RELIGIOSOS

    No sec XIX as principais festividades continuavam a ser promovidas pela Igreja e pelo Estado. Somente

    no Segundo Imprio comeariam a surgir as diverses pblicas dirigidas ao gosto das camadasburguesas: as festas carnavalescas de rua e as diverses em ambientes fechados, como os bailes

    pblicos e os espetculos do teatro musicado 29

    Com o tempo, tanto as procisses quanto as festas de origem religiosa foram sofrendo mudanas, ora

    implantadas pela Coroa, que buscava afirmar seu poder acima da religio; ora espontaneamente

    ocorridas com o advento das modernidades, que traziam um estilo de vida abertamente profano e no

    mais privilegiavam o sagrado. 30

    Beatriz Santos explica o poder de deciso da Monarquia sobre a Igreja

    nas festividades:

    O poder da Monarquia em relao s aes religiosas

    ultrapassava o simples fato de encomend-las, D. Joo V (1708-1750) criou e

    transformou procisses. Foi ele que determinou a criao da procisso de So Sebastio

    para todo dia 27 de Janeiro, em 14 de novembro de 1733. Obrigando todo o clero,

    regular e secular, a fazer a solene procisso. Isso, para dar apenas um exemplo de

    interveno na sociedade colonial31

    Muitos eram os fatores que pesavam contra a perpetuao das tradies festivas catlicas. O advento

    do Carnaval logo antes da Semana Santa, por exemplo, fazia as pessoas a sarem em busca de folia, e o

    povo que ia s ruas para ver o squito das Cinzas s vezes o fazia mais motivado pelo deboche do que

    pelo respeito e venerao crist. Por conta disso, em 1862 a procisso das Cinzas no Rio de Janeiro foi

    suspensa em definitivo.

    A influncia francesa sobre a vida urbana tambm fez a populao assumir com o tempo hbitos

    associados elegncia social, ao progresso e cultura humanstica, desprendendo-se do passado religioso

    e milagreiro portugus. 32

    29

    TINHORO, Jos Ramos. As festas no Brasil Colonial. So Paulo: Ed.34, 2000. p. 133 30RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessado em 02/11/2013, em:http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm31

    SANTOS, Beatriz Cato Cruz. O corpo de Deus na Amrica: a festa de CorpusChristi nas cidades daAmrica Portuguesa Sculo XVIII. So Paulo: Anneblume,2005. p.4832RABELO, Nancy Regina Mathias. Santos de vestir da Procisso das Cinzas do Rio de Janeiro -

    fisionomias da f.19&20,Rio de Janeiro, v. IV, n. 1, jan. 2009. Acessado em 02/11/2013, em:

    http://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htm

    http://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htmhttp://www.dezenovevinte.net/obras/imagens_nancy.htmhttp://www.dezenovevinte.net/19e20/19e20IV1/index.htm
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    CONCLUSO

    Com um carter teatral e representativo, as procisses usavam seus ritos e cerimonial para hierarquizar

    o que era um grande evento urbano. Por isso, alm de manifestao religiosa, eram um reflexo daorganizao social da poca, conservando os patamares e funes pertencentes s classes existentes.

    Em oposio, as festas religiosas tiveram uma maior interferncia popular, uma vez que tinham suas

    razes na religio popular e que tambm acolheram fragmentos das crenas africanas e as englobaram

    em nossa cultura.

    Hoje , os ritos processionais catlicos sofrem certa resistncia de aceitao nos grandes centros

    urbanos, estando esses confinados a cidades menores, em sua maioria cidades histricas. A razo disso

    est principalmente na perda da cultura religiosa nesses grandes centros e tambm na mobilizao e

    transtorno que esses eventos geram. H algumas excees como o Srio de Nazar que ocorre em Belm

    do Par e as vrias festas religiosas de origem catlica e afrodescendente que acontecem em Salvador,

    na Bahia, e uma possvel explicao para a fervorosa perpetuao das tradies religiosas nessa cidade

    pode ser o enraizamento que a religio teve junto cultura no Norte-Nordeste brasileiro. Ainda sim, a

    maioria do pblico presente nessas procisses so multides de curiosos e turistas, e no mais fiis.

    Por outro lado, as festas de padroeiro tiveram uma maior popularidade no pas. As quermesses so a

    herana das festas religiosas do Brasil colonial e imperial, e at hoje se fazem bastantes presentes nos

    centros urbanos. As festas de So Joo e Santo Antnio no ms de Junho tambm tiveram uma grande

    popularizao, e quanto ao pblico, tambm no diferem das procisses: hoje a maioria atrada apenas

    as frequenta por lazer, e no por devoo.

    Pode-se inferir, ento, que o formato mais rgido das procisses e o revezamento de poder entre osecular e o religioso nesses eventos fez a tipologia procisso se tornar menos popular que as festas

    religiosas.

    Para concluir, gostaria de ressaltar que nenhuma desses gneros festivos tem valor maior que o outro,

    ambos tm grande valor para a nossa cultura e histria. Sem teatro ou outro meio de entretenimento

    acessvel ao povo, as procisses e festas religiosas foram as grandes provedoras de cultura para a

    populao urbana do Brasil Colnia e Imprio, pois ofereciam encenao teatral, msica, representao

    cvica, manifesto social, irreverncia e diverso.