As Quatro Nobres Verdades Ajahn Sumedho

Embed Size (px)

Citation preview

  • As Quatro Nobres Verdades

    Venervel Ajahn Sumedho

    Traduo de Kcano Bhikkhu

    Amaravati Publications

  • 2

    Nota Para o Leitor Para tornar possvel ler este e-book em vrios formatos electrnicos, usou-se uma forma simplificada de representar as palavras Pali, pelo que no inclumos algumas das marcas diacrticas nesta edio. Para verificar a ortografia de qualquer uma das palavras em Pali, por favor consulte o Pali Text Society's Pali-English Dictionary, o Buddhist Publication Societys Buddhist Dictionary, o Manual of Buddhist Terms and Doctrines ou quaisquer outros recursos disponveis na Internet.

  • 3

    Dedicaes Dedicado a Ajahn Nyanadhammo...... saudosa memria de minha av Elisa. Que ela possa realizar a paz do Nibbna. E em gratitude para com os meus pais.

  • 4

    Agradecimentos Gostaria de, em primeiro lugar, apresentar um respeitoso e muito especial agradecimento ao Venervel Ajahn Sumedho pela receptividade e encorajamento que me apresentou no decorrer deste trabalho de traduo. Muito obrigado tambm pelo entusiasmo que tem demonstrado ao aceitar os convites que lhe tem sido extendidos para visitar Portugal e a divulgar o Dhamma. Em Anjali. O patrocnio desta publicao foi mais uma vez custeado na sua ntegra por Gene Lushtak. Sdhu Anumodan prezado amigo, pela tua grande generosidade, empenho e constante entusiasmo na divulgao do Dhamma. Um enorme agradecimento para o meu bom amigo Samanera Appmado, companheiro neste caminho espiritual, que durante vrios meses me apoiou e encorajou na realizao deste projecto, sempre com enorme entusiasmo, energia e bom humor. No posso de modo algum deixar tambm de mencionar a incansvel colaborao das amigas e compatriotas, Sofia Gallis e Anagarik Ana Sofia, membros da minha presente comunidade em Amaravati, pelo enorme empenho e valiosssima contribuio para a concretizao desta traduo. Sem dvida este esforo conjunto tornou este um melhor projecto. Quero tambm expressar o meu grande e sincero agradecimento a Maria Ferreira da Silva e Helena Gallis por to prontamente se disponibilizarem para o exaustivo trabalho de reviso final e coordenao de contactos com a tipografia. Que a Luz do Dhamma e os meritrios frutos das vossas aces vos ilumine e proteja no caminho para a plenitude e libertao de todo o sofrimento. Kcano Bhikkhu Mosteiro Amaravati Outubro 2007

  • 5

    Uma mo cheia de folhas A certa altura,estando O Iluminado estava a viver em Kosambi numa floresta de Simsapas, pegou numas quantas folhas e perguntou aos monges, O que que vocs pensam disto, monges? O que mais numeroso, as poucas folhas que eu tenho na mo ou aquelas nas rvores desta floresta? As folhas que O Iluminado tem na mo so poucas, Senhor; aquelas na floresta so bastante mais numerosas. Assim tambm, monges, as coisas que eu aprendi por conhecimento directo so bastante numerosas; as coisas que eu vos ensinei so poucas. E porque que eu no as ensinei todas? Porque elas no trazem qualquer benefcio, nem desenvolvimento na Vida Santa, porque elas no conduzem ao desencantamento, ao desaparecimento, cessao, ao acalmar, ao conhecimento directo, iluminao, libertao. Por essa razo eu no as ensinei. E o que que eu vos ensinei? Isto o sofrimento; isto a origem do sofrimento; isto o cessar do sofrimento; isto o caminho que conduz cessao do sofrimento. Isto o que eu vos ensinei. E porque que eu ensinei isto? Porque isto traz benefcio, e desenvolvimento na Vida Santa, porque conduz ao desencantamento, ao desaparecimento, cessao, ao acalmar, ao conhecimento directo, iluminao, libertao. Assim sendo monges, que esta seja a vossa tarefa: Isto o sofrimento; isto a origem do sofrimento; isto o cessar do sofrimento; isto o caminho que leva cessao do sofrimento. Samyutta Nikaya, LVI, 31

  • 6

    Prefcio Este livro foi compilado e editado a partir de palestras proferidas pelo Venervel Ajahn Sumedho acerca do ensinamento central do Buddha - que a infelicidade humana pode ser transcendida atravs do caminho espiritual. A primeira exposio das Quatro Nobres Verdades foi apresentada pelo Buddha, em 528 a.C., no Parque dos Veados em Sarnath, perto de Varanasi. Esta consistiu num sutra discurso denominado Dhammacakkappavattana Sutta que literalmente significa o discurso que coloca em movimento o veculo do ensinamento. Excertos deste sutra so citados no incio de cada captulo, descrevendo as Quatro Nobres Verdades. A referncia citada corresponde seco dos livros das escrituras onde este discurso pode ser encontrado. No entanto, nas escrituras, o tema das Quatro Nobres Verdades surge bastantes mais vezes, como por exemplo na citao que aparece no incio da Introduo. Em muitas das suas palestras Ajahn Sumedho expe acerca da exclusiva expresso Budista de not-self (anatta) no eu. Ajahn Sumedho sugere que a raz da ignorncia a iluso da existncia de um eu. Com isto ele no est a tentar sugerir a aniquilao ou a rejeio das qualidades pessoais mas sim a indicar como o sofrimento (dukkha) surge ao tentarmos manter esta identificao com o corpo e com a mente, sendo esta identificao errada, aquilo a que a maioria das pessoas chama de eu. Outro termo muitas vezes utilizado por Ajahn Sumedho nas suas palestras deathless, o qual neste livro surge com alguma frequncia. Por no existir em Portugus uma nica palavra que ilustre claramente o seu significado, este foi traduzido de diferentes formas, usando-se os termos que melhor se adequavam ao contexto de cada situao. Podemos ainda sugerir que a palavra se refere no ao sentido da imortalidade mas sim quilo que est para alm do ciclo da vida e da morte, no em termos metafisicos mas sim no sentido de que Tudo o que surge est sujeito a cessar no se tratando portanto da derradeira realidade. Nas escrituras existe uma passagem que pode ajudar a clarificar um pouco mais a palavra deathless: Existe , bhikkhus, o no nascido, o no formado, o no criado, o no originado. Se no existisse o no nascido, o no formado, o no criado, o no originado, no existiria sada do nascido, formado, criado e originado. Porem, precisamente porque existe o no nascido, no formado, no criado e no originado, a emancipao do nascido, formado,criado e originado discernida. [Sutta Pitaka, Nibbana Sutta,Ud VIII.3]

  • 7

    Luang Por Sumedho oferece-nos a seguinte reflexo acerca desta profunda declarao: podemos ver que no somos vtimas aprisionadas pela condio do nascimento, sem qualquer esperana de escaparmos ao sofrimento da mudana, dos nossos hbitos e desejos. Portanto existe uma sada: realizar a existncia do no nascido, no formado, no criado, no originado. Reconhecer isso sati sampajaa, sati paa ou plena ateno. perceber a diferena entre estar e no estar apegado forma, ao que criado. Nibbana a realidade do no apego aos fenmenos condicionais; no se trata de destruir o samsara, de aniquilar todos as condies por estas serem to horrveis e s conduzirem ao sofrimento, mas sim reconhecer e discernir essa realidade. Em concluso, estas Quatro Nobres Verdades so como que um exerccio de discernimento; ajudam-te a no teres de tomar posies rgidas a favor ou contra o que quer que seja, mas sim a reconhecer o no nascido e no criado como verdadeiro e no como uma fantasia ou um ideal. Desta forma esta realidade reconhecida e cultivada na nossa vida quotidiana. Caro leitor, o desejo que, ao explorar as seguintes pginas, os coraes de todos aqueles que tiveram a oportunidade de encontrar a sabedoria dos ensinamentos aqui contidos, se sintam urgidos a despertar e rapidamente realizem o fim de todo o sofrimento. Kcano Bhikkhu Mosteiro Amaravati Outubro 2007

  • 8

    Introduo

    Que Eu, bem como vocs, durante muito tempo tenhamos de ter viajado e deambulado neste longo ciclo, devido a no termos descoberto nem penetrado

    Quatro Verdades. Quais so elas? Elas so: A Nobre Verdade do Sofrimento, A Nobre Verdade da Origem do Sofrimento, A Nobre Verdade do Cessar do Sofrimento e A

    Nobre Verdade do Caminho que conduz Cessao do Sofrimento. Digha Nikaya, Sutta 16

    O Dhammacakkappavattana Sutta, o ensinamento do Buddha acerca das Quatro Nobre Verdades, tem sido a principal referncia que tenho usado na minha prtica ao longo dos anos. o ensinamento que usvamos no nosso mosteiro na Tailndia. A escola Budista Theravada, considera este sutta como a quinta essncia dos ensinamentos do Buddha. Este sutta contm tudo o que necessrio para compreender o Dhamma e para alcanar a iluminao. Apesar de o Dhammacakkappavattana Sutta ser considerado como o primeiro sermo dado pelo Buddha aps a sua iluminao, eu por vezes gosto de pensar que ele deu o seu primeiro sermo quando encontrou aquele asceta a caminho de Varanasi. Depois da sua iluminao em Bodh Gaya, o Buddha pensou: Este um ensinamento to subtil. No conseguirei de modo algum expressar por palavras aquilo que descobri e por isso no o ensinarei. Permanecerei sentado debaixo da rvore Bodhi para o resto da minha vida. Para mim esta uma ideia bastante tentadora, simplesmente desaparecer e viver sozinho e no ter de lidar com os problemas da sociedade. No entanto,enquanto o Buddha pensava acerca disto, Brahma Sahampati, a divindade criadora no Hindusmo apareceu ao Buddha e convenceu-o de que ele deveria partir e ensinar. Brahma Sahampati disse-lhe que existiam seres que iriam compreender, seres que s tinham um pouco de poeira nos olhos. Assim o ensinamento do Buddha foi dirigido aqueles com s um pouco de poeira nos olhos Tenho a certeza de que ele no pensou que o ensinamento se tornaria num movimento to popular. Depois da visita de Brahma Sahampati, o Buddha segue o seu caminho de Bodh Gaya para Varanasi, quando encontra um asctico que fica impressionado com a sua aparncia to radiante. O asctico pergunta-lhe O que que tu descobriste? e o Buddha responde: Eu sou aquele perfeitamente iluminado, o Arahant, o Buddha.

  • 9

    Eu gosto de considerar este como sendo o seu primeiro sermo. Foi um fracasso porque o homem que o ouviu, pensou que o Buddha tivesse praticado demais e se estivesse a sobrestimar. Se algum nos dissesse estas palavras, tenho a certeza que reagiramos da mesma forma. O que farias se eu dissesse, Eu sou aquele perfeitamente iluminado? Na verdade, a declarao do Buddha foi um ensinamento muito correcto e preciso. o ensinamento perfeito mas ns somos incapazes de o compreender, devido tendncia de interpretar e pensar, erroneamente, que uma afirmao como esta provm do ego, porque as pessoas esto sempre a interpretar tudo do ponto de vista dos seus prprios egos. Eu sou aquele perfeitamente iluminado pode soar como uma declarao egotista, mas no , na verdade, puramente transcendental? Esta declarao: Eu, o Buddha, aquele perfeitamente iluminado, interessante de contemplar, porque conecta o uso de Eu sou com realizaes e conquistas supremas. De qualquer forma, o resultado do primeiro ensinamento do Buddha,foi que o ouvinte nada conseguiu compreender e continuou no seu caminho. Mais tarde, o Buddha encontrou os seus antigos companheiros no Parque dos Veados, em Varanasi. Os cinco eram sinceramente dedicados ao ascetismo estrito. Eles haviam ficado desiludidos com o Buddha, pois pensavam que ele se tinha tornado insincero na sua prtica, uma vez que, antes da sua iluminao, ele tinha comeado a perceber que o ascetismo estrito no conduzia ao estado de iluminao e assim deixou de praticar dessa forma. Os cinco amigos pensaram que era desleixo - talvez o tenham visto a comer arroz de leite, o que hoje em dia pode ser comparado a comer um gelado. Se fosses um asceta e visses um monge a comer gelado talvez perdesses a tua f nele, por pensares que os monges s devem comer sopa de urtigas. Se gostasses mesmo de ascetismo e me visses a comer uma taa de gelado, deixarias de ter f em Ajahn Sumedho. assim que funciona a mente humana; temos tendncia a admirar grandes feitos de auto-flagelao e renncia. Quando os cinco amigos discpulos perderam a f no Buddha, deixaram-no o que lhe deu a oportunidade de se sentar debaixo da rvore Bodhi e tornar-se iluminado. Mais tarde, quando encontraram o Buddha no Parque dos Veados em Varanasi, de incio pensaram, Ns sabemos bem como ele . No vale a pena ligar-lhe. Mas quando o Buddha se aproximou, todos eles sentiram que havia nele algo especial. Levantaram-se para lhe dar lugar e ele ento proferiu o seu sermo das Quatro Nobres Verdades. Desta vez, em vez de dizer Eu sou o iluminado, ele disse: Existe sofrimento. Existe a origem do sofrimento. Existe a cessao do sofrimento. Existe o caminho para abandonar o sofrimento. Apresentado desta forma, o seu ensinamento no necessita de aceitao ou rejeio. Se ele tivesse dito Eu sou o todo iluminado, seramos forados a concordar, a discordar ou simplesmente a ficarmos confusos. No

  • 10

    saberamos bem como interpretar tal afirmao. No entanto, dizendo: Existe sofrimento, existe uma causa, existe um fim para sofrimento e existe o caminho para abandonar o sofrimento, ele ofereceu algo para reflexo: O que que queres dizer com isto? O que que queres dizer com sofrimento, a sua origem, a cessao e o caminho? Assim comeamos a contemplar, a pensar. Com a afirmao: Eu sou o todo iluminado, talvez apenas discutssemos : Ser que ele realmente iluminado?...Eu penso que no. no estamos preparados para um ensinamento to directo. Obviamente, o primeiro sermo do Buddha falhou pois foi dado a algum que ainda tinha bastante poeira nos olhos. Assim, na segunda oportunidade, ele proferiu o sermo das Quatro Nobres Verdades.

    As Quatro Nobres Verdades so: existe sofrimento, existe uma causa ou origem para o sofrimento, existe a cessao do sofrimento e existe um caminho para abandonar o sofrimento, que o ctuplo Caminho. Cada uma destas Verdades constituda por trs fases perfazendo assim um total de doze revelaes. Na escola Theravada, o arahant, o purificado, algum que claramente assimilou as Quatro Nobres Verdades com as suas trs fases e doze revelaes. Arahant significa um ser humano que compreende a verdadeiramente o ensinamento das Quatro Nobres Verdades. Na Primeira Nobre Verdade Existe Sofrimento a primeira revelao. Qual o significado dessa revelao? No necessitamos de a tornar em algo grandioso, trata-se apenas de reconhecer que Existe sofrimento. Esta uma revelao bsica. A pessoa ignorante diz, Estou a sofrer. No quero sofrer. Eu medito e vou a retiros para deixar de sofrer, mas continuo a sofrer e no quero mais... Como que posso sair deste sofrimento? O que que posso fazer para me ver livre dele? Mas isto no a primeira Nobre Verdade pois esta no se trata de Existe sofrimento e eu quero pr-lhe fim. A revelao Existe sofrimento. Assim tu observas a dor e angstia que sentes, no do ponto de vista de Isto meu, mas como uma reflexo: Existe este sofrimento, este dukkha. Isto vem a partir da posio reflectiva de Buddha observando o Dhamma. A revelao simplesmente o reconhecimento de que o sofrimento existe sem o tornares em algo pessoal. Esse reconhecimento uma revelao importante; simplesmente observar a angstia da mente ou a dor fsica e v-las como dukkha em vez de infortnio pessoal, no reagindo s mesmas da forma habitual.

  • 11

    A segunda revelao da primeira Nobre Verdade : O Sofrimento deve ser compreendido. A segunda revelao ou fase de cada uma das Nobres Verdades contm nela a palavra deve: Deve ser compreendido. Assim a segunda revelao diz-nos que dukkha algo para ser compreendido. Devemos compreender dukkha e no somente tentar livrar-nos dele. Apesar de compreender ser uma palavra bastante vulgar, em Pali significa aceitar verdadeiramente o sofrimento, acolh-lo em vez de somente reagir ao mesmo. Com qualquer forma de sofrimento, quer seja fsico ou mental, geralmente s reagimos; mas com compreenso podemos realmente observar o sofrimento, aceit-lo e abra-lo verdadeiramente. Devemos compreender o sofrimento ento a segunda revelao da Primeira Nobre Verdade. A terceira revelao da Primeira Nobre Verdade : O Sofrimento foi compreendido. Quando realmente pratics-te com o sofrimento, observando-o, aceitando-o, percebendo-o e deixando-o ser da forma que , a temos a terceira revelao: O Sofrimento foi compreendido ou Dukkha foi compreendido. Assim, estas so as trs fases da Primeira Nobre Verdade: Existe dukkha,Deve ser compreendido e Foi compreendido.

    Este o padro para as trs fases de cada Nobre Verdade. Primeiro temos a declarao, depois a receita e por fim o resultado da prtica. Podemos tambm defini-lo em termos do seu significado em Pali, pariyatti, patipatti e pativedha. Pariyatti a teoria ou declarao Existe sofrimento. Patipatti a prtica, mais propriamente praticar com a declarao e pativedha o resultado da prtica. Isto o que chamamos de padro de reflexo pois este conduz ao desenvolvimento da mente de uma forma bastante reflectiva. A mente bdica uma mente reflectiva que conhece as coisas como elas realmente so. Usamos estas Quatro Nobres Verdades para o nosso desenvolvimento, aplicamo-las a coisas comuns na nossa vida, aos mais comuns apegos e obsesses da mente. Com estas verdades podemos investigar os nossos apegos e obsesses para obtermos as revelaes. Atravs da Terceira Nobre Verdade, podemos realizar a cessao, o fim do sofrimento e praticar o Caminho ctuplo, at obtermos entendimento. Quando o Caminho ctuplo tiver sido plenamente desenvolvido somos um arahant tarefa cumprida. Embora isto possa parecer complicado quatro verdades, trs fases e doze revelaes bastante simples. uma ferramenta que usamos para nos auxiliar a compreender o que e o que no o sofrimento.

  • 12

    No mundo Budista no existem muitos que ainda utilizem as Quatro Nobres Verdades, nem sequer na Tailndia. As pessoas dizem, Ah sim, as Quatro Nobres Verdades coisas de principiante. Ento talvez utilizem todos os mtodos de vipassana e se tornem realmente obcecados com as dezasseis etapas antes de chegarem s Nobres Verdades. Eu acho realmente espantoso que no mundo Budista o ensinamento verdadeiramente mais profundo tenha sido posto de parte, como sendo Budismo primitivo: Isso para os midos pequenos, os principiantes. O curso superior .... E partem para complicadas ideias e teorias, esquecendo o mais profundo ensinamento. As Quatro Nobres Verdades so uma reflexo para a vida inteira. No se trata somente de realizar as Quatro Nobres Verdades, as trs fases e doze revelaes e assim tornar-nos num arahant, num nico retiro, e ento partir para algo mais avanado. As Quatro Nobres Verdades no so assim to fceis. Elas necessitam de uma constante atitude de vigilncia e oferecem-nos o contexto para uma vida de investigao.

  • 13

    A Primeira Nobre Verdade O que a Nobre Verdade do Sofrimento? Nascimento sofrimento, envelhecimento sofrimento e morte sofrimento. Separao daquilo que gostamos sofrimento, no

    obter aquilo que queremos sofrimento: em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego so sofrimento.

    Existe esta Nobre Verdade do Sofrimento: tal foi a viso, revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes

    ouvidas. Esta Nobre Verdade deve ser penetrada atravs da completa compreenso do

    sofrimento: tal foi a viso, revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas.

    Esta Nobre Verdade foi penetrada atravs da completa compreenso do sofrimento: tal foi a viso, revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim

    surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas. Samyutta Nikaya LVI, 11

    A Primeira Nobre Verdade composta por trs fases: Existe sofrimento, dukkha. Dukkha deve ser compreendido. Dukkha foi compreendido. um ensinamento muito prtico, expresso numa simples frmula, fcil de memorizar. tambm aplicvel a todas e quaisquer experincias que possas ter, a tudo o que possas fazer ou pensar, relacionado com o passado, o presente ou o futuro. Sofrimento ou dukkha o elo comum que todos ns partilhamos. Toda a gente em toda a parte sofre. Seres humanos sofreram no passado, na ndia da antiguidade, sofrem hoje em dia em Inglaterra, e no futuro os seres humanos tambm iro sofrer... O que que temos em comum com a Rainha Elizabete? Ambos sofremos. O que que temos em comum com um pobre em Charing Cross? Sofrimento. Encontra-se a todos os nveis, desde os seres humanos mais privilegiados aos mais desesperados e desprivilegiados. Toda a gente em todo o lado sofre. uma ligao que temos em comum, algo que todos compreendemos. Quando falamos acerca do sofrimento humano levanta-se em ns o sentimento da compaixo mas, quando falamos acerca das nossas opinies, acerca daquilo que eu penso e do que tu pensas em relao poltica e religio, ento podemos entrar em guerra. H dez anos atrs, em Londres, lembro-me de ver um filme que mostrava mulheres Russas com bebs e homens Russos a levarem os seus filhos a piqueniques,

  • 14

    tentando retratar os Russos como seres humanos. Na altura, esta representao do povo Russo era pouco usual porque a maior parte da propaganda no Ocidente retratava-os como monstruosidades ou seres reptilianos de corao gelado e por esse motivo nunca pensava neles como seres humanos. Se quiseres matar pessoas tens de as mostrar dessa forma. No to fcil matar algum se reconheceres que elas sofrem da mesma forma que tu. Tens de pensar que elas no tm corao, que so imorais, ms, sem qualquer valor e que melhor vermo-nos livres delas. Tens de pensar que elas so o mal e que bom livrarmo-nos do mal. Com esta atitude podes sentir-te justificado em bombarde-los e metralh-los mas, se tiveres em mente o sofrimento como elo comum isso torna-te incapaz de agir dessa forma. A Primeira Nobre Verdade no uma desagradvel afirmao metafsica que somente nos diz que tudo sofrimento. importante notar que existe uma diferena entre a doutrina metafsica, em que fazes uma afirmao acerca do Absoluto, e a Nobre Verdade que uma reflexo. A Nobre Verdade uma verdade para ser reflectida, no um absoluto, no O Absoluto. neste ponto que os Ocidentais se sentem bastante confusos porque interpretam esta Nobre Verdade como um tipo de verdade metafsica do Budismo mas, na realidade nunca houve a inteno de ser tal coisa. Podes constatar que a Primeira Nobre Verdade no uma afirmao absoluta pois sabemos que a Quarta Nobre Verdade o caminho para o fim do sofrimento. No podes ter sofrimento absoluto e depois ter um caminho para sair dele, ou podes? Isso no faz sentido. No entanto algumas pessoas pegam na Primeira Nobre Verdade e dizem que o Buddha ensinou que tudo sofrimento. A palavra Pali, dukkha, significa incapaz de satisfazer ou no ser capaz de suportar algo, ou seja, sempre em mudana, incapaz de nos preencher verdadeiramente ou de nos tornar felizes. O mundo sensorial assim, uma vibrao na natureza. Seria de facto terrvel se encontrssemos satisfao no mundo dos sentidos, porque ento nunca procuraramos para alm dele, ficaramos limitados. No entanto, ao despertarmos para este dukkha, comeamos a procurar a sada para deixarmos de estar constantemente aprisionados conscincia sensorial. Sofrimento e identificao pessoal importante reflectir na construo da frase da Primeira Nobre Verdade, que fraseada de uma forma bem clara: Sofrimento Existe, em vez de Eu sofro. Psicologicamente falando, essa reflexo exposta de uma forma muito mais hbil. Temos a tendncia de interpretar o nosso sofrimento como Eu estou mesmo a sofrer.

  • 15

    Eu sofro muito e eu no quero sofrer. assim que pensamos, desta forma que a nossa mente est condicionada. Eu estou a sofrer transmite-nos sempre a sensao de que Eu sou algum que sofre bastante. Este sofrimento meu. Eu tenho tenho sofrido bastante na minha vida. E assim comea todo o processo de identificao com o nosso eu e a nossa memria, lembras-te do que aconteceu quando eras beb... e por a fora. Mas repara, no estamos a dizer que existe algum que tem sofrimento. J no se trata de sofrimento pessoal quando o vemos como sofrimento existe. Deixa de ser: Ah coitado de mim, porque que eu tenho de sofrer tanto? O que que eu fiz para merecer isto? Porque que eu tenho de envelhecer? Porque que eu tenho de ter amargura, dor, lamentao e desespero? No justo! Eu no quero isto. Eu s quero felicidade e segurana. Este tipo de pensar nasce da ignorncia, que tudo complica e d origem a problemas de personalidade. Para podermos abandonar o sofrimento temos de primeiro admiti-lo na conscincia. Mas na meditao Budista esta admisso no parte da posio de Eu estou a sofrer mas sim de O sofrimento est presente pois no estamos a tentar identificar-nos com o problema mas, simplesmente a reconhecer que ele existe. Pensar em termos de Eu estou zangado; zango-me muito facilmente; como ver-me livre disto, no revela grande sabedoria pois tudo isto desperta em ns uma srie de pressuposies acerca da existncia de um eu, tornando muito difcil obter qualquer perspectiva sobre o assunto. Torna-se muito confuso porque a percepo dos meus problemas ou dos meus pensamentos, leva-nos facilmente a reprimir ou a fazermos juzos de valor acerca do assunto e a criticarmo-nos a ns prprios. Em vez de observar, testemunhar e compreender as coisas como elas so, temos a tendncia de nos apegarmos e identificarmos. Quando simplesmente reconheces que existe em ti esta sensao de confuso, que existe este egosmo ou raiva, ento surge uma reflexo honesta sobre a forma como as coisas so, pois removeste todas as ideias preconcebidas ou pelo menos no as valorizaste. Assim sendo, no te apegues a estas coisas como se fossem falhas pessoais mas continua a contempl-las como sendo impermanentes, insatisfatrias e impessoais. Continua a reflectir, observando-as como realmente so. A tendncia sempre para ver a vida a partir da perspectiva de que estes so os meus problemas e de que estou a ser muito honesto e dinmico em admitir tal coisa. E a nossa vida tende a reafirmar isso mesmo, pois continuamos a operar a partir dessa ideia errada. Mas mesmo esse ponto de vista impermanente, insatisfatrio e no eu. Existe sofrimento um reconhecimento claro e preciso de que neste momento existe uma certa sensao de descontentamento, que pode ir desde a angstia e

  • 16

    desespero a uma suave irritao; dukkha no significa necessariamente sofrimento severo. No tens de ser brutalizado pela vida; no tens necessariamente de ter vindo de Auschwitz ou Belsen para poderes dizer que o sofrimento existe. At a Rainha Elizabete pode dizer, Sofrimento existe. Estou certo de que ela tem momentos de grande angstia e desespero ou, pelo menos, de irritao. O mundo dos sentidos uma experincia sensvel. Significa que ests sempre a ser exposto a prazer e dor e dualidade de samsara. como estar em algo que muito vulnervel, sentindo tudo aquilo que possa vir a entrar em contacto com estes corpos e os seus sentidos. assim, esse o resultado do nascimento. Negao do sofrimento O sofrimento algo de que normalmente no queremos saber, tudo o que queremos ver-nos livres dele. Assim que surge algo inconveniente ou desagradvel, a tendncia do ser no iluminado querer ver-se livre ou suprimir. Podemos observar como a sociedade moderna se encontra to embrenhada em procurar prazeres e delcias naquilo que novo, excitante e romntico. Temos tendncia a colocar nfase na beleza e prazeres da juventude, enquanto que o lado feio da vida, a velhice, doena, morte, aborrecimento, desespero e depresso, so colocados de parte. Quando nos deparamos com algo do qual no gostamos, tentamos ver-nos livres disso e procurar algo de que gostamos. Se nos sentimos aborrecidos vamos logo fazer algo interessante, se sentimos medo tentamos encontrar segurana. Isto perfeitamente normal. Estamos associados com o princpio de prazer/dor de atraco e repulso. Assim, se a mente no est atenta e receptiva torna-se selectiva, selecciona aquilo de que gosta e tenta suprimir aquilo de no gosta. Grande parte da nossa vivncia tem de ser suprimida, porque muito daquilo com que estamos inevitavelmente envolvidos de certa forma desagradvel. Se algo desagradvel surge, dizemos Foge!, se algum se atravessa no nosso caminho, dizemos Mata-o!. Esta tendncia bastante bvia no que os nossos governos fazem... preocupante, no , se pensares no tipo de pessoas que governam os nossos pases, pois eles ainda so bastante ignorantes e no iluminados. Mas assim que se passa, a mente ignorante pensa em exterminao: Olha um mosquito, mata-o!, Estas formigas esto a apoderar-se da cozinha; d-lhes com o insecticida!. Na Inglaterra temos uma companhia chamada Rent-o-kill. No sei se um tipo de mfia Britnica ou no, mas especializa-se em matar pestes como quer que queiras interpretar a palavra pestes.

  • 17

    Moralidade e compaixo por esse motivo que temos de ter leis como, Eu abstenho-me de matar intencionalmente, porque o nosso instinto natural de matar: se est no teu caminho, mata-o. Podes observar isto no reino animal. Ns prprios somos criaturas bastante predadoras; pensamos que somos civilizados mas, literalmente, temos uma histria bastante sangrenta. Ela preenchida com inmeras chacinas e justificaes para todo o tipo de injustias contra outros seres humanos, j para no falar nos animais e tudo isto devido a esta ignorncia bsica, esta mente humana que sem reflectir nos diz para aniquilar o que est no nosso caminho. No entanto, com reflexo, estamos a mudar esta situao; estamos a transcender esse padro animal, bsico e instintivo. No somos somente marionetas cumpridoras das leis da sociedade, com medo de matar porque temos medo de ser punidos. Agora estamos realmente a tomar responsabilidade. Respeitamos a vida das outras criaturas, at a vida dos insectos e criaturas de que no gostamos. Jamais algum ir gostar de mosquitos ou formigas, mas podemos reflectir acerca do facto de que eles tm o direito de viver. Isto uma reflexo da mente; e no somente uma reaco: Onde est o insecticida? Eu tambm no gosto de ver formigas no meu cho; a minha reaco inicial , Onde est o insecticida? Mas ento, a mente reflectiva, mostra-me que ainda que estas criaturas me estejam a irritar e eu preferisse que elas desaparecessem, elas tm o direito de existir. Esta uma reflexo da mente humana. O mesmo pode ser aplicado a estados mentais desagradveis. Assim, quando estiveres a sentir raiva, em vez de dizeres Ora, l estou eu zangado outra vez!, reflectimos Existe raiva. Tal como com o medo; se o comeares a ver como o medo da minha me ou o medo do meu pai ou o medo do co ou o meu medo, a tudo se transforma num emaranhado de diferentes criaturas relacionadas de algumas formas e no de outras; tornando difcil terem qualquer tipo de verdadeiro entendimento. E, no entanto, o medo neste ser e o medo naquele co vadio exactamente o mesmo. Existe medo, somente isso. O medo que eu j senti no em nada diferente do medo dos outros e assim que temos compaixo at para com velhos ces vadios. Compreendemos que o medo to horrvel para os ces vadios como para ns. Quando um co leva um pontap de uma bota pesada e tu levas um pontap de uma bota pesada, aquela sensao de dor a mesma. Dor somente dor, frio somente frio, raiva somente raiva. No minha, mas sim Existe dor. Esta uma forma inteligente de pensar, que nos ajuda a ver as coisas de forma mais clara, em vez de reforar a ideia de personalidade. Como resultado do reconhecimento do estado de sofrimento, de que sofrimento existe, surge a segunda revelao desta Primeira Nobre Verdade: Deve ser compreendido. Este sofrimento deve ser investigado.

  • 18

    Investigao do sofrimento Encorajo-vos a tentar compreender dukkha, a honestamente observar e com confiana aceit-lo. Tenta compreend-lo quando estiveres a sentir dor fsica, desespero e angstia ou dio e averso, ou qualquer que seja a forma que este tome, qualquer que seja a sua qualidade, quer ele seja extremo ou suave. Este ensinamento no significa que para te tornares iluminado tenhas de ser totalmente miservel, deixar que te tirem tudo ou ser torturado, significa, seres capaz de olhar para o sofrimento, ainda que s seja uma leve sensao de descontentamento, e compreend-lo. fcil encontrar um bode expiatrio para os nossos problemas. Se a minha me me tivesse realmente amado ou se todos aqueles minha volta tivessem sido verdadeiramente sbios e totalmente dedicados a tentarem proporcionar-me um ambiente perfeito ento, eu no teria os problemas emocionais que agora tenho. Isto mesmo tolice! No entanto desta forma que algumas pessoas vm o mundo, pensando que esto confusos e miserveis porque no receberam o que seria justo. Mas com esta frmula da Primeira Nobre Verdade, ainda que tenhamos tido uma vida muito miservel, aquilo que estamos a observar no o sofrimento que vem de fora mas aquilo que criamos nas nossas mentes volta do mesmo. Isto um despertar na pessoa, um despertar para a verdade do sofrimento. E uma Nobre Verdade porque j no culpa os outros pelo sofrimento que sentimos. Desta forma, a abordagem Budista singular em relao a outras religies, porque o nfase encontra-se no caminho para deixar o sofrimento atravs da sabedoria, libertao de toda a iluso, em vez da obteno de algum estado de felicidade ou unio com o Supremo. No estou a dizer que os outros nunca so a fonte da nossa frustrao e irritao, mas aquilo para que estamos a apontar com este ensinamento a nossa reaco para com a vida. Se algum estiver a ser mau para ti ou, propositada e malevolamente, a tentar fazer-te sofrer, e tu pensares que essa pessoa que te est a fazer sofrer, ainda no percebeste esta Primeira Nobre Verdade. Ainda que ela te esteja a arrancar as unhas ou a fazer-te outras coisas horrveis, enquanto pensares que ests a sofrer por causa dessa pessoa no percebeste esta Primeira Nobre Verdade. Perceber o sofrimento ver claramente que a nossa reaco pessoa que est a arrancar-nos as unhas, Eu odeio-te, isso sofrimento. Ter as unhas arrancadas doloroso, mas o sofrimento envolve Eu odeio-te e Como que me podes fazer isto e Eu nunca te perdoarei. Todavia no esperes que algum te arranque as unhas para praticares com a Primeira Nobre Verdade. Testa-a com coisas pequenas, como por exemplo, quando algum insensvel, mal-educado ou ignorante para contigo. Se ests a sofrer porque essa pessoa te fez alguma desfeita ou te ofendeu de alguma forma, podes praticar com isso. Existem muitas ocasies na vida diria em que podemos sentir-nos ofendidos ou

  • 19

    zangados. Podemos sentir-nos irritados simplesmente pela forma como algum anda ou pela sua aparncia, pelo menos eu posso. Por vezes apercebes-te da averso a surgir em ti, simplesmente devido forma como algum anda ou porque no fazem algo que deveriam fazer. Podemos tornar-nos bastante irritados e zangados por esse tipo de coisas. A pessoa na realidade no te fez nada de mal, no te arrancou as unhas, mas ainda assim sofres. Se no consegues enfrentar o sofrimento nestas situaes simples, nunca sers capaz de ser herico e faz-lo se alguma vez algum te estiver realmente a arrancar as unhas! Ns trabalhamos com as pequenas insatisfaes da vida quotidiana. Olhamos para a forma em como podemos ser magoados, ofendidos ou irritados pelos vizinhos, por pessoas com quem vivemos, pela Sr Tatcher, pela forma como as coisas so ou por ns prprios. Sabemos que este sofrimento deve ser compreendido. Praticamos olhando realmente para o sofrimento como um objecto e compreendendo: Isto sofrimento. Assim temos a reveladora compreenso do sofrimento. Prazer e descontentamento Ns podemos investigar: At onde nos trouxe esta indulgncia pela procura dos prazeres? H vrias dcadas que isto se perpetua, mas ser que a humanidade est mais feliz por isso? Parece que hoje em dia nos foi dada a liberdade para fazermos tudo aquilo que queremos com drogas, sexo, viagens e por a fora, tudo permitido e nada proibido. Tens de fazer algo realmente obsceno, realmente violento at seres marginalizado. Mas ser que o facto de podermos seguir os nossos impulsos livremente nos tornou mais felizes ou mais descontrados e satisfeitos? Na realidade, isso tem-nos tornado muito mais egostas; ns no pensamos em como as nossas aces podem vir a afectar os outros. Temos a tendncia de pensar s em ns prprios: eu e a minha felicidade, a minha liberdade e os meus direitos. Assim torno-me num tremendo chato, uma fonte de imensa frustrao, irritao e infelicidade para as pessoas minha volta. Se eu pensar que posso fazer e dizer tudo aquilo que quero, mesmo s custas dos outros, ento torno-me uma pessoa que nada mais do que um aborrecimento para a sociedade. Quando a sensao de aquilo que eu quero e de aquilo que eu penso que deve e no deve ser surge, e ns queremos deliciar-nos com todos os prazeres da vida, inevitavelmente ficamos contrariados porque a vida parece to desesperante e tudo parece correr mal. A vida pe-nos em turbilho, correndo de um lado para o outro num estado de medo e de desejo. E mesmo quando conseguimos tudo o que queremos, pensamos que nos falta algo, que algo ainda est incompleto. Assim,

  • 20

    mesmo quando a vida est a correr pelo melhor, ainda existe esta sensao de sofrimento, de algo ainda a ser feito, um tipo de dvida ou medo a assombrar-nos. Por exemplo, eu sempre gostei de paisagens bonitas. Certa vez, durante um retiro que conduzi na Sua, levaram-me a ver umas montanhas muito bonitas. Ento, apercebi-me que, perante tanta beleza, havia sempre presente uma sensao de angstia na minha mente. Perante esta corrente contnua de bonitas paisagens, tive a sensao de querer abraar tudo, de a todo o momento ter de me manter bem alerta para assim poder consumir tudo aquilo com os meus olhos. Estava mesmo a esgotar-me! Ora, isso foi dukkha, no foi? Eu noto que se fao algo sem prestar ateno, ainda que seja algo to inocente como olhar para uma bela montanha, se somente estou a projectar-me para fora na tentativa de agarrar algo, isso traz-me sempre uma sensao desagradvel. Como que podes reter a beleza da Jungfrau e da Eiger? A melhor soluo tirares uma fotografia, tentar capturar tudo num pedao de papel. Isso dukkha; se quiseres conservar algo bonito porque no te queres separar dele, isso sofrimento. Ter de estar presente em situaes de que no gostas tambm sofrimento. Por exemplo, eu nunca gostei de viajar de metro em Londres. Eu reclamava No quero ir de metro, as estaes so muito sujas e cheias de posters horrveis. No quero ser empacotado naqueles comboios minsculos debaixo do cho. Eu achava isto uma experincia completamente desagradvel. Mas eu prestava ateno a esta voz que reclamava e lastimava, o sofrimento de no querer estar com algo que nos desagradvel. Ento, tendo reflectido, deixei de elaborar acerca da situao, para assim poder ficar s com aquilo que desagradvel e feio sem lhe adicionar mais sofrimento. Eu percebi que a situao era assim, e est tudo bem. No necessitamos de criar mais problemas, quer acerca de estarmos numa estao de metro muito suja ou a apreciarmos paisagens bonitas. As coisas so como so, podemos apreciar e reconhec-las na sua constante mudana sem nos apegarmos. Apego querermos agarrar e jamais largar algo de que gostamos; querermos ver-nos livres de algo de que no gostamos; ou querermos ter algo que no temos. Tambm podemos sofrer muito por causa de outras pessoas. Lembro-me que na Tailndia eu costumava ter pensamentos bastante negativos acerca de um dos monges. Ele fazia algo e eu pensava Ele no devia de fazer isso, ou se ele dizia qualquer coisa Ele no devia de dizer isso! Eu carregava este monge na minha mente e ainda que eu fosse para qualquer outro lugar, eu pensava nele; a imagem dele surgia e as mesmas reaces vinham tona: Lembras-te quando ele disse isto e fez aquilo? e Ele no devia ter dito isso e ele no devia ter feito aquilo. Quando encontrei um professor como o Ajahn Chah, lembro-me de querer que ele fosse perfeito. Eu pensava, Oh! Ele um professor maravilhoso, maravilhoso! Mas

  • 21

    ento, ele poderia vir a fazer algo que me desagradasse e eu pensava, Eu no quero que ele faa nada que me desagrade porque eu gosto de pensar nele como sendo maravilhoso. Era como que dizer, Ajahn Chah, s sempre maravilhoso para comigo. Nunca faas nada que ponha qualquer tipo de pensamentos negativos na minha mente. Ainda quando encontras algum que realmente respeitas e amas, tens o sofrimento do apego. Inevitavelmente, eles iro dizer ou fazer algo de que tu no gostas ou aprovas, causando-te dvida e fazendo-te sofrer. A certa altura, vrios monges Americanos vieram para Wat Pah Pong, o nosso mosteiro no Nordeste da Tailndia. Eles eram muito crticos e parecia que s viam o que estava errado. Eles no achavam que o Ajahn Chah fosse bom professor e no gostavam do mosteiro. Eu senti uma grande raiva e dio a surgirem em mim porque eles estavam a criticar algo que eu adorava. Eu senti-me indignado, Bem, se tu no gostas, sai daqui para fora. Ele o melhor professor do mundo, se no consegues ver isso, ento desaparece! Esse tipo de apego, estar enamorado ou ser devoto, sofrimento, porque se algo ou algum que tu amas ou gostas criticado, sentes-te zangado e ofendido. Clareza nas situaes s vezes a clareza surge nas alturas mais inesperadas. Isto aconteceu-me quando vivia em Wat Pah Pong. O Nordeste da Tailndia no dos lugares mais atraentes ou bonitos do mundo, com as suas florestas e vastas plancies e durante a estao quente torna-se extremamente quente. Antes de cada Dia de Observncia1 ns tnhamos de varrer as folhas cadas nos caminhos do mosteiro. Eram bem vastas as reas a varrer. Passvamos a tarde toda debaixo do sol quente, suando e a varrer, com vassouras grosseiras, as folhas para um monte; esta era uma das nossas tarefas. Eu no gostava de a fazer. Pensava, Eu no quero fazer isto. Eu no vim para aqui para ter de varrer as folhas do cho; Eu vim para aqui para me tornar iluminado e em vez disso eles pem-me a varrer folhas. Para alm disso, est muito calor e eu tenho uma pele clara; posso apanhar cancro da pele por estar aqui neste clima quente. Numa dessas tardes l estava eu a sentir-me verdadeiramente infeliz, pensando O que que estou aqui a fazer? Porque que eu vim para aqui? Porque que estou aqui? E ali fiquei parado com a minha longa e grosseira vassoura, sem nenhuma energia, a sentir pena de mim mesmo e a odiar tudo. Ento o Ajahn Chah aproximou-se, sorriu-me e disse Wat Pah Pong bastante sofrimento, no ? e com isto desandou. Ento pensei, Porque que ele disse aquilo? E sabes, na verdade, no assim to mau. Ele ps-me a reflectir Ser que varrer as folhas mesmo to desagradvel?...No, no .

  • 22

    um tipo de coisa neutra; tu varres as folhas, no bom nem mau...E suar algo assim to terrvel? mesmo uma experincia miservel e humilhante? mesmo assim to mau como eu estou a querer fazer parecer?...No, suar no faz mal, algo perfeitamente natural. E eu no tenho cancro da pele e as pessoas em Wat Pah Pong so muito simpticas. O professor um homem muito bondoso e sensato. Os monges tm-me tratado bem. As pessoas leigas vm e do-me comida e... Afinal porque que eu estou a reclamar? Reflectindo acerca da verdade da minha experincia, pensei Eu estou bem. As pessoas respeitam-me, sou bem tratado. Estou a ser ensinado por pessoas agradveis num pas tambm agradvel. No h nada de errado com isto, mas sim comigo; estou a criar um problema porque eu no quero varrer folhas e suar. E com isto tive uma revelao. De repente, senti em mim algo que estava sempre a reclamar e a criticar, e que estava a impedir-me de me entregar totalmente a diversas situaes. Outra experincia com a qual aprendi foi o costume de lavar os ps dos monges mais velhos quando eles regressavam da recolha das oferendas. Depois de caminharem pelas vilas e arrozais, os seus ps estavam enlameados. Quando o Ajahn Chah regressava, todos os monges, talvez uns vinte ou trinta, apressavam-se para o receber e lhe lavar os ps, no lava-ps que havia entrada da sala de refeies. Quando vi isto pela primeira vez, pensei Eu nunca vou fazer tal coisa! E no dia seguinte, assim que o Ajahn Chah apareceu, trinta monges apressaram-se para lhe lavar os ps. Eu pensei Que coisa to estpida, trinta monges a lavarem os ps de um homem. Eu no o fao. No dia seguinte, a minha reaco tornou-se ainda mais violenta... trinta monges apressaram-se e lavaram os ps do Ajahn Chah... Isto irrita-me mesmo, estou farto disto! Acho que a coisa mais estpida que alguma vez vi, trinta homens a lavar os ps de um homem! Sabes, provavelmente ele pensa que merece tal coisa; s para lhe reforar o ego. Ele deve ter um ego enorme, com estas pessoas todas a lavaremlhe os ps todos os dias. Eu nunca farei tal coisa! Eu estava a comear a ter uma reaco extrema. E ali ficava, sentado, sentindo-me miseravelmente zangado. Olhava para os monges e pensava, Que gente to estpida. No sei o que estou aqui a fazer. Mas ento comecei a escutar e pensei mesmo desagradvel estar neste estado de esprito. Ser que isto mesmo algo para me deixar assim to zangado? Ningum me obrigou a fazer tal coisa, est tudo bem; no h nada de errado com trinta homens a lavarem os ps a outro. No imoral nem mau comportamento e talvez eles no se importem; talvez eles o queiram fazer, talvez no haja problema algum...Talvez eu devesse faz-lo! E assim na manh seguinte, trinta e um monges apressaram-se para ir lavar os ps do Ajahn Chah. Depois disso deixou de haver qualquer problema. Senti-me mesmo bem: aquela coisa m em mim tinha cessado.

  • 23

    Podemos reflectir acerca destas coisas que nos causam indignao e raiva; existe algo de verdadeiramente errado com elas ou so somente algo sobre o qual criamos dukkha? Dessa forma comeamos a perceber os problemas que criamos nas nossas vidas e nas vidas das pessoas nossa volta. Com ateno plena, estamos dispostos a suportar tudo o que a vida nos d; a excitao e o aborrecimento, a esperana e o desespero, o prazer e a dor, o fascnio e a fadiga, o princpio e o fim, o nascimento e a morte. Dispomo-nos a a aceitar o todo na mente em vez de somente absorver o que nos agradvel e suprimir o que desagradvel. O processo que conduz sabedoria passa pelo dukkha, observando, aceitando e reconhecendo o dukkha em todas as suas formas. Ento deixas de estar simplesmente a reagir da forma que te habitual, sendo indulgente na satisfao de todos os teus desejos ou suprimindo-os. E por essa razo consegues suportar melhor o sofrimento, sendo mais paciente para com ele. Estes ensinamentos no esto fora da nossa experincia pessoal. Eles so, de facto, reflexes da nossa verdadeira experincia e no complicadas questes intelectuais. Assim, pe energia no teu desenvolvimento e no fiques encalhado na tua rotina habitual. Quantas vezes que tens de te sentir culpada por causa do teu aborto ou dos erros que cometes-te no passado? Ser que tens de passar todo o teu tempo, a simplesmente regurgitar as coisas que te aconteceram na vida e a entregares-te a infinitas especulaes e anlises? Algumas pessoas tornam-se em complicadas personalidades. Se somente te entregares s tuas memrias, pontos de vista e opinies, ficars para sempre aprisionado no mundo, e jamais o transcenders de forma alguma. Tu podes abandonar este pesado fardo se estiveres disposto a utilizar os ensinamentos com percia. Diz a ti prprio: Eu no me vou envolver mais nisto; eu recuso-me a participar neste jogo. Eu no me vou deixar levar por este estado de esprito. Comea a colocar-te na posio de quem sabe: Eu sei que isto dukkha; dukkha existe. muito importante que tomes a resoluo de ir ao encontro do sofrimento e que depois o toleres. somente examinando e confrontando o sofrimento deste modo, que podemos esperar ter um grande momento de clareza: Este sofrimento foi compreendido. Estes so os trs aspectos da Primeira Nobre Verdade. Esta a frmula que temos de usar e aplicar na reflexo sobre as nossas vidas. Sempre que sentires sofrimento, primeiro reconhece O Sofrimento existe, depois Ele deve ser compreendido e finalmente Ele foi compreendido. Este entendimento do dukkha a realizao clara da Primeira Nobre Verdade.

  • 24

    A Segunda Nobre Verdade O que a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento? o desejo que renova a existncia

    e acompanhado pela cobia e prazer, cobiando isto e aquilo: ou seja, desejo pelos prazeres sensoriais, desejo por ser, desejo por no ser. Mas onde nasce e floresce este

    desejo? Onde quer que exista algo adorvel e gratificante, ai ele nasce e floresce. Existe esta Nobre Verdade da Origem do Sofrimento: tal foi a viso, revelao,

    sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas. Esta Nobre Verdade deve ser penetrada abandonando a origem

    do sofrimento... Esta Nobre Verdade foi penetrada tendo abandonado a origem do sofrimento: tal foi a

    viso, revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas.

    Samyutta Nikaya LVI, 11 A Segunda Nobre Verdade composta por trs fases: Existe a origem do sofrimento que o apego ao desejo. O desejo deve ser abandonado. O desejo foi abandonado. A Segunda Nobre Verdade diz-nos que existe uma origem para o sofrimento e que essa origem se encontra nos trs tipos de desejo: desejo de prazeres sensoriais (kama tanha), desejo de ser (bhava tanha) e o desejo de no ser (vibhava tanha). Esta a declarao da Segunda Nobre Verdade, a tese, a pariyatti. Isto o que tu contemplas: a origem do sofrimento encontra-se no apego ao desejo. Trs tipos de desejo Desejo ou tanha em Pali algo importante a ser compreendido. O que o desejo? Kama tanha muito fcil de perceber. Este tipo de desejo querer prazeres sensoriais atravs do corpo ou dos outros sentidos e procurar sempre coisas que excitem e agradem os sentidos. Podes realmente contemplar: como quando tens desejo de prazer? Por exemplo, quando ests a comer, se tens fome e a comida deliciosa podes manter-te consciente de querer comer mais uma garfada. Percebe essa sensao quando ests a saborear algo agradvel e repara como queres mais. No acredites nisto s por acreditar, experimenta por ti prprio. No penses que sabes isto s porque sempre foi assim, faz a experincia quando comeres outra vez, saboreia algo

  • 25

    delicioso e observa o que se passa a seguir: o surgir do desejo de querer mais. Isso kama tanha. Ns tambm contemplamos a sensao de querer ser algo. Se existir ignorncia ento, quando no estamos a procurar algo delicioso para comer ou alguma boa msica para ouvir, podemos encontrar-nos presos num mundo de ambio e conquista, o desejo de vir a ser. Somos apanhados nesse movimento, nessa luta para nos tornarmos felizes; procuramos formas de enriquecer ou tentamos tornar a nossa vida em algo importante, ao empenharmo-nos para pr o mundo em ordem. Assim, apercebe-te desta sensao de querer ser algo mais do que aquilo que s neste momento. Escuta o bhava tanha na tua vida: Eu quero praticar meditao para poder ser livre da minha dor. Eu quero tornar-me iluminado. Eu quero ser um monge ou uma monja. Eu quero tornar-me iluminado como pessoa leiga. Eu quero ter uma mulher e filhos e uma boa profisso. Eu quero gozar o mundo dos sentidos sem ter que abdicar de nada e tornar-me num arahant (Ser Nobre). Quando nos tornamos desiludidos com a tentativa de querer ser algo, ento surge o desejo de vermo-nos livres de certas coisas. A contemplamos vibhava tanha, o desejo de nos libertarmos: Eu quero ver-me livre do meu sofrimento. Eu quero ver-me livre da minha raiva. Eu tenho esta irritao e quero ver-me livre dela. Eu quero libertar-me da minha inveja, medo e ansiedades. Nota isto como uma reflexo acerca do desejo de no ser vibhava tanha. Na realidade estamos a contemplar aquilo que dentro de ns se quer ver livre das coisas; no estamos a tentar ver-nos livres do vibhava tanha. No estamos a tomar a posio de estar contra o desejo de nos querermos ver livres das coisas, nem estamos a encorajar esse desejo. Em vez disso, estamos a reflectir desta forma; assim que nos sentimos quando nos queremos ver livres de algo; eu tenho de conquistar a minha ira; eu tenho de matar o Diabo e ver-me livre do meu egosmo, a eu serei... Podemos observar atravs desta corrente de pensamentos que querer ser e querer vermo-nos livres esto bastante associados. Mas convm ter em mente que estas trs categorias de kama tanha, bhava tanha e vibhava tanha so apenas convenientes mtodos para contemplarmos o desejo. Elas no so formas de desejo totalmente diferentes mas sim diferentes aspectos do mesmo. A segunda revelao da Segunda Nobre Verdade : O desejo deve ser abandonado. assim que o abandonar surge na nossa prtica. Tu tens a revelao de que o desejo deve ser abandonado, mas essa revelao no um desejo de te quereres ver livre de nada. Se no fores suficientemente sensato e no estiveres a reflectir, tens a tendncia a seguir o eu quero ver-me livre de..., eu quero libertar-me de todos os meus desejos mas, isto somente outro desejo.

  • 26

    No entanto podes reflectir acerca dele; podes observar o desejo de te quereres ver livre, o desejo de querer ser ou o desejo de prazeres sensoriais. Compreendendo estes trs tipos de desejo, podes deix-los ir. A Segunda Nobre Verdade no te pede que penses, eu tenho muitos desejos sensoriais, ou eu sou mesmo ambicioso. Eu sou todo bhava tanha mais, mais, mais! ou Eu sou um verdadeiro niilista. Eu s quero desaparecer. Eu sou um verdadeiro fantico do vibhava tanha.A Segunda Nobre Verdade no nada disso. No se trata de forma alguma de identificao com os desejos mas sim do reconhecimento desses desejos. Eu costumava perder bastante tempo a observar quanto da minha prtica era desejo de ser algo. Por exemplo, quanto das boas intenes da minha prtica de meditao como monge eram para que gostassem de mim, quanto do meu relacionamento com os outros monges ou monjas ou com as pessoas leigas, tinha a ver com o desejo de ser apreciado e respeitado. Isto bhava tanha, desejo de ter elogios e sucesso. Como monge, tens este bhava tanha; o querer que as pessoas percebam tudo e que apreciem o Dhamma, at estes subtis, quase nobres desejos so bhava tanha. Depois temos vibhava tanha na vida espiritual, que pode ser parecer muito virtuoso: Eu quero ver-me livre, aniquilar e exterminar estas contaminaes da mente. Atentamente, eu ouvia-me a pensar Eu quero ver-me livre dos desejos. Eu quero ver-me livre da raiva. Eu nunca mais quero ter medo ou inveja. Eu quero ser corajoso. Eu quero ter alegria e felicidade no meu corao. Esta prtica do Dhamma no para nos odiarmos por termos tais pensamentos mas, observar claramente que estes so condicionados pela mente. Eles so impermanentes. O desejo no aquilo que somos mas a forma como tendemos a reagir devido nossa ignorncia, quando ainda no compreendemos estas Quatro Nobre Verdades nos seus trs aspectos. Ns tendemos sempre a reagir desta maneira e estas so reaces normais devido ignorncia. Mas no necessitamos de continuar a sofrer, no somos somente vtimas desesperadas do desejo. Podemos deixar o desejo ser da forma que e assim comearmos a libertarmo-nos dele. O desejo s nos ilude e tem poder sobre ns, enquanto o agarramos, acreditamos e a ele reagimos. Apego sofrimento Normalmente comparamos sofrimento com sentimento, mas sentimento no sofrimento. o apego ao desejo que sofrimento. O desejo no causa sofrimento, a

  • 27

    causa do sofrimento o apego ao desejo. Esta declarao serve para reflexo e contemplao em termos da tua prpria experincia. Tens mesmo que investigar e conhecer verdadeiramente o desejo. Tens de saber o que e o que no natural e necessrio para sobreviver. Podemos tornar-nos muito idealistas e pensar que at a necessidade de alimento um tipo de desejo que no deveramos ter, podemos tornar-nos bastante ridculos por causa disso. Mas o Buddha no era um idealista nem um moralista, ele no tentou condenar fosse o que fosse, ele tentou despertar-nos para a verdade, para que pudssemos ver as coisas claramente. Quando essa claridade e viso correcta estiverem presentes deixa de haver sofrimento. Podes continuar a sentir fome, podes continuar a precisar de alimentos sem que isto tenha de se tornar um desejo. Os alimentos so uma necessidade natural do corpo, o corpo no o eu, ele necessita de alimentos ou ento torna-se fraco e morre, essa a natureza do corpo, no h nada de errado com isso. Se nos tornamos todos moralistas e acreditamos que somos o nosso corpo, que essa fome o nosso problema, e que nem devemos comer, isso no revela sabedoria, simplesmente idiotice. Quando realmente vires a origem do sofrimento, compreenders que o problema o apego ao desejo e no o desejo em si. Apegares-te significa seres iludido por ele, pensas que realmente sou eu e meu; Estes desejos so quem eu sou e decerto algo est errado comigo por os sentir; ou Eu no gosto de ser como sou. Tenho de me tornar em algo diferente; ou ento Eu tenho de me livrar disto antes de me poder tornar naquilo que quero ser. Tudo isto desejo. Escuta, atentamente, tudo isto sem comentares o que bom ou o que mau, mas meramente reconhecendo-o pelo que . Desapego Se contemplarmos e escutarmos os desejos, deixamos de estar apegados a eles, estamos somente a deix-los ser como so. Ento chegamos concretizao de que a origem do sofrimento, do desejo, pode ser posto de lado e abandonado. Como que deixas tudo isto? Isto significa que as deixas tal como so; no significa que as aniquilas ou as deitas fora. como que p-las de lado e deix-las ficar. Atravs da prtica do desapego apercebemo-nos que existe a origem do sofrimento, que o apego ao desejo, e compreendemos que devemos largar estes trs tipos de desejo. Ento, apercebemo-nos que deixmos estes desejos e que deixou de haver qualquer apego a eles.

  • 28

    Quando te encontrares apegado, lembra-te que desapego no veres-te livre de ou deitar fora. Se eu estiver agarrado a este relgio e me disseres Deixa-o!, isso no significa deit-lo fora. Eu posso pensar que tenho de o deitar fora porque estou apegado a ele mas, isso seria somente o desejo de me ver livre dele. Ns temos tendncia a pensar que ver-nos livres de um objecto uma forma de nos vermos livres do apego. Mas se eu conseguir contemplar o apego a este relgio, eu compreendo que no existe qualquer razo para me ver livre dele, um bom relgio, est sempre certo e nem sequer muito pesado. O relgio no o problema. O problema apegar-me a ele. Ento o que que eu fao? Largo-o, ponho-o de parte, coloco-o cuidadosamente de lado, sem qualquer tipo de averso. Depois posso voltar a pegar-lhe, ver que horas so e p-lo de parte quando no for necessrio. Podes aplicar esta sabedoria do desapego em relao ao abandono do desejo pelos prazeres sensoriais. Talvez queiras ter muitos divertimentos. Como que porias de parte esse desejo sem qualquer averso? Simplesmente reconhecendo o desejo sem fazer juzos de valor. Tu podes contemplar o quereres ver-te livre dele, porque te sentes culpado em ter um desejo to parvo, mas pe-o simplesmente de lado. Ento, quando o vires como ele realmente , reconhecendo que somente um desejo, deixas de estar apegado a ele. Assim o caminho trabalhares sempre com os momentos da vida diria. Quando te sentires deprimido e negativo, o momento em que te recusas a entregar a essa sensao uma experincia iluminada, quando vs que no precisas de te afundar no mar da depresso e do desespero, que podes parar tudo, aprendendo a no pensar duas vezes nestas coisas. Tens de aprender isto pela tua prpria prtica e experincia para que possas saber por ti mesmo como te libertares da origem do sofrimento. Ser que podes libertar-te do desejo por simplesmente quereres desapegar-te dele? O que que est realmente a ser abandonado neste momento? Tens de contemplar a experincia do abandonar e investigar e examinar de verdade, at que a realizao venha. Continua at que o verdadeiro saber chegue: Ah, o desapego! Sim, agora compreendo! O desejo foi abandonado! Isto no significa que vs abandonar o desejo para sempre mas, nesse breve momento, realmente abandonaste-o e fizeste-o com plena ateno consciente. Ento surge a realizao. a isto que chamamos sabedoria plena. Em Pali, chamamo-lo de anadassana ou compreenso profunda. Eu tive a minha primeira revelao no que respeita ao abandono, no meu primeiro ano de meditao. Eu compreendi intelectualmente que temos de abandonar tudo e depois pensei: Como que se abandona? Parecia impossvel abandonar fosse o que fosse. Continuei a contemplar: Como que se abandona? depois dizia, Abandonas, abandonando. Bem, ento abandona! Depois dizia: Mas ser que j abandonei? e Como que podes abandonar? Bem, simplesmente abandonando! E assim continuei

  • 29

    tornando-me cada vez mais frustrado. Mas, eventualmente, tornou-se bvio o que estava a acontecer. Se tentares analisar como abandonar em pormenor, tornas tudo muito mais complicado. J no se tratava de algo que pudesse ser expresso por palavras, mas algo que simplesmente fazias. E assim por um momento eu abandonei tudo, assim simplesmente. Agora, com problemas pessoais e obsesses, para abandon-los o mesmo. No se trata de analisar exaustivamente e tornar o problema ainda maior mas, de praticar esse estado de deixar as coisas em paz, de larg-las. De incio, pes de parte mas depois tornas a pegar porque o hbito do apego muito forte. Mas pelo menos ficas com a ideia. Mesmo aps ter tido essa revelao acerca do abandono, eu era capaz de abandonar por uns momentos mas depois voltava a apegar-me, com o pensamento: No consigo faz-lo, tenho tantos maus hbitos! Mas no confies nesse tipo de constante crtica depreciativa dentro de ti. algo no digno de confiana. simplesmente uma questo de praticar o desapego. Quanto mais vezes observares como faz-lo, mais facilmente conseguirs suster esse estado de desapego. Realizao importante saber quando te desapegaste do desejo: quando deixas de fazer juzos de valor ou deixas de tentar livrar-te deles: quando reconheces que esta a forma como as coisas so. Quando ests verdadeiramente calmo e em paz, percebes que no existe apego para com nada. Deixas de estar aprisionado, tentando ter algo ou libertares-te de algo. Bem estar simplesmente conhecer as coisas como elas realmente so, sem sentir a necessidade de fazer sobre elas qualquer juzo de valor. Estamos constantemente a dizer, Isto no devia de ser assim!, Eu no devia de ser como sou! e Tu no devias de ser assim e tu no devias de fazer isso! e por a fora... Tenho a certeza que poderia dizer-te o que deverias ser e tu conseguirias dizer-me o que eu deveria ser. Ns deveramos ser gentis, carinhosos, generosos, com bom corao, trabalhadores, diligentes, corajosos e compassivos. Eu no tenho sequer que te conhecer para te dizer isto! Mas para realmente te conhecer, eu teria de me abrir contigo, em vez de comear a partir de um idealismo acerca do que uma mulher ou um homem devem ser, o que um Budista deve ser ou o que um Cristo deve ser. O nosso sofrimento provm do apego que temos para com os nossos ideais e as complexidades que criamos acerca da forma como as coisas so. Ns nunca somos o que deveramos ser de acordo com os nossos ideais mais altos. A vida, os outros, o pas

  • 30

    em que estamos, o mundo em que vivemos, as coisas nunca parecem ser aquilo que deveriam ser. Ns tornamo-nos muito crticos de tudo e de ns mesmos: Eu sei que deveria ser mais paciente, mas eu NO consigo ser paciente!... Ouve bem todos estes deveria e no deveria, os desejos de querer o que agradvel, querer ser ou querer ver-se livre daquilo que feio ou do que doloroso. como que ouvir algum a falar do outro lado da cerca dizendo: Eu quero isto e eu no gosto daquilo. Deveria de ser assim e no assado! Tens mesmo de disponibilizar tempo para ouvir a mente contestadora; tr-la para o consciente. Eu costumava fazer muito isto quando me sentia insatisfeito ou crtico. Fechava os olhos e comeava a pensar, Eu no gosto disto e eu no quero aquilo, Aquela pessoa no devia de ser assim e O mundo no deveria de ser assado. Eu continuava a ouvir este tipo de demnio crtico que falava, falava, criticava-me a mim, a ti e ao mundo. E ento eu pensava, Eu quero felicidade e conforto. Eu quero sentir-me seguro. Eu quero ser amado! Eu pensava nestas coisas deliberadamente e ouvia-as para assim puder conhec-las simplesmente como condies que nascem na mente. Assim sendo, tr-las tona na tua mente, desperta todas as esperanas, desejos e crticas; tr-los ao consciente e assim, conhecers o desejo e puders p-lo de lado. Quanto mais contemplamos e investigamos o apego, quanto mais revelaes surgem; o desejo deve ser abandonado. Ento, atravs da prpria prtica e compreenso do que realmente significa abandonar, obtemos a terceira revelao da Segunda Nobre Verdade: O desejo foi abandonado. Ns realmente conhecemos o desapego. No um desapego terico mas uma revelao directa. Tu sabes que o desapego foi concretizado. Isto tudo o que a prtica .

  • 31

    A Terceira Nobre Verdade

    O que a Nobre Verdade do Cessar do Sofrimento? o desaparecimento do ltimo vestgio e cessao desse mesmo desejo; o rejeitar, o

    abandonar, o deixar e o renunciar do mesmo. Mas onde que este desejo abandonado e terminado? Onde quer que exista aquilo que parece adorvel e

    gratificante, a abandonado e terminado. Existe esta Nobre Verdade do Cessar do Sofrimento: tal foi a viso, revelao,

    sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas. Esta Nobre Verdade deve ser penetrada, realizando a Cessao

    do sofrimento... Esta Nobre Verdade foi penetrada, realizando o Cessar do sofrimento: tal foi a viso,

    revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes ouvidas.

    Samyutta Nikaya LVI, 11 A Terceira Nobre Verdade composta por trs fases: Existe a cessao do sofrimento, do dukkha. O cessar do dukkha deve ser realizado. A cessao do dukkha foi realizada. Os ensinamentos Budistas tm como objectivo fundamental o desenvolver de uma mente reflectiva, para assim se poder abandonar as iluses. As Quatro Nobres Verdades so um ensinamento acerca desse abandono, atravs do olhar atento e da investigao, contemplando: Porque que assim? Porque que deste modo? bom ponderar acerca de coisas como, porque que os monges rapam a cabea ou o porqu de Buddha-rupas terem a aparncia que tm. Ns contemplamos...a mente no est a formar uma opinio acerca do facto de estas serem boas, ms, teis ou desnecessrias. Na verdade a mente est a abrir-se e a considerar, O que que isto significa? O que que os monges representam? Porque que eles usam a malga de almas (oferendas)? Porque que eles no podem ter dinheiro? Porque que eles no podem cultivar os seus prprios alimentos? Contemplamos como esta forma de vida tem mantido esta tradio, permitindo que a mesma seja transmitida do seu fundador original, o Buda Gautama, at aos dias de hoje.

  • 32

    Ns reflectimos acerca da forma como vimos o sofrimento; como vimos a natureza do desejo; como reconhecemos que o apego ao desejo sofrimento, e assim alcanamos a revelao interna que permite abandonar o desejo, a realizao do no-sofrimento, a cessao do sofrimento. Estas revelaes s podem surgir atravs da reflexo; elas no surgem s porque acreditas nelas. Tu no te podes fazer acreditar ou realizar uma revelao s por vontade; atravs da verdadeira contemplao e reflexo destas verdades, que as revelaes te surgem. Elas s surgem atravs da abertura e receptividade da mente para com os ensinamentos, f cega no certamente aconselhada ou esperada de ningum. Em vez disso a mente deve estar disposta a estar receptiva, ponderando e considerando. Este estado mental muito importante, o caminho para abandonar o sofrimento. No uma mente com ideias fixas e preconceitos, que pensa que sabe tudo ou que s aceita ser verdade o que as outras pessoa dizem. uma mente que est aberta para estas Quatro Nobres Verdades e que consegue reflectir acerca de algo que podemos ver dentro da nossa prpria mente. As pessoas raramente realizam o no-sofrimento porque este requer uma vontade muito especial para se poder ponderar e investigar e assim passar para alm do grosseiro e do bvio. preciso fora de vontade para observar honestamente as tuas prprias reaces, ser capaz de reconhecer os apegos e contemplar: Como que sentir apego? Por exemplo, sentes-te feliz ou liberto estando apegado ao desejo? Sentes-te positivo ou depressivo? Estas questes so para tu investigares. Se achares que estar apegado aos teus desejos libertador, ento continua. Apega-te aos teus desejos e v qual o resultado. Na minha prtica, tenho observado que o apego para com os meus desejos sofrimento. No tenho qualquer dvida acerca disso. Consigo ver quanto sofrimento na minha vida tem sido causado por apego a coisas materiais, ideias, atitudes ou medos. Consigo ver todo o tipo de infelicidade desnecessria que eu causei a mim prprio por causa deste apego e porque no compreendia as coisa como elas realmente so. Eu fui criado na Amrica, a terra da liberdade. Ela promete o direito de ser feliz, mas o que na realidade ela oferece o direito de ser apegado a tudo. A Amrica encoraja-te a tentares ser o mais feliz possvel possuindo coisas, no entanto, se trabalhares com as Quatro Nobres Verdades, o apego deve ser compreendido e contemplado; a ento, surge a revelao do desapego. Isto no uma posio intelectual ou uma ordem do teu crebro a dizer que no deves ser apegado; somente uma revelao natural sobre o desapego ou extino do sofrimento.

  • 33

    A verdade da impermanncia Aqui em Amaravati, ns entoamos o Sutra Dhammacakkappavattana na sua forma tradicional. Quando o Buda deu este sermo sobre as Quatro Nobres Verdades, s um dos cinco discpulos que o ouviram realmente o compreendeu; somente um teve a revelao profunda. Os outros quatro gostaram muito, pensando Sim senhor, que ensinamento to bonito, mas s Kondaa obteve a perfeita compreenso acerca daquilo que o Buda estava a dizer. Os devas tambm estavam a ouvir o sermo. Devas so criaturas etreas e celestiais, muito superiores a ns. Elas no tm corpos grosseiros como os nossos; elas tm corpos etreos e so muito bonitas, gentis e inteligentes. Mas apesar dos Devas se terem deliciado ao ouvir o sermo, nem sequer um deles se iluminou com o mesmo. Dizem-nos que eles ficaram muito felizes com a iluminao de Buda e que bradaram pelos cus quando ouviram o seu ensinamento. O primeiro nvel de devatas ouviu-o, depois gritaram para o prximo nvel e em pouco tempo todas os devas regozijavam, indo at ao nvel mais alto, o reino dos Brahmas. Havia alegria ressoante de que a Roda do Dhamma tinha sido posta em movimento e estes devas e brahmas regozijavam-se nela. Mas no entanto, s Kondaa, um dos cinco discpulos, se tornou iluminado quando ouviu este sermo. Mesmo no final do sutra, o Buda chama-o de Aa Kondaa. Aa significa sabedoria profunda, assim Aa Kondaa, significa Kondaa-Aquele que Sabe. O que que Kondaa sabia? Qual foi a sua realizao que o Buddha elogiou no final do sermo? Foi: Tudo aquilo que sujeito a surgir, sujeito a cessar. Isto pode no soar a grande conhecimento, mas o que realmente implica um padro universal: o que quer que esteja sujeito a surgir est sujeito a cessar; impermanente e no-eu... assim sendo, no te apegues, no te iludas com aquilo que surge e cessa. No procures para teu refgio, aquilo em que queres confiar e respeitar, em nada que surge pois essas coisas cessaro. Se quiseres sofrer e desperdiar a tua vida, parte procura das coisas que surgem. Todas elas te levaro ao final, cessao, e tu no te tornars mais sbio por isso. Continuars, simplesmente, s voltas neste ciclo, repetindo os mesmos tristes hbitos e quando morreres, no ters aprendido nada de importante com a vida que viveste. Em vez de s pensares acerca disto, contempla-o verdadeiramente: Tudo o que est sujeito a surgir est sujeito a cessar. Aplica isto vida em geral, tua prpria experincia e a irs compreender. Simplesmente nota: princpio... fim.

  • 34

    Contempla como as coisas so. Este reino dos sentidos todo ele acerca de surgimento e cessao, princpio e fim; nesta vida pode ser alcanado entendimento correcto, samma ditthi. Eu no sei por quanto tempo o Kondaa viveu aps o sermo do Buddha, mas nesse momento ele foi iluminado. Nesse mesmo instante ele obteve entendimento correcto. Eu gostaria de sublinhar o quo importante desenvolver este tipo de reflexo. Em vez de somente desenvolver um mtodo para tranquilizar a mente, que certamente uma parte da prctica, tenta perceber que meditao correcta envolve dedicao para com esta sbia investigao. Observar as coisas profundamente, envolve um esforo corajoso, no te analisares a ti prprio ou fazer juzos de valor acerca da causa do teu sofrimento pessoal, mas estares determinado a seguir o caminho at obteres um entendimento profundo. Tal entendimento est baseado no padro de surgimento e cessao. Assim que esta lei for compreendida, tudo percebido, encaixando-se nesse mesmo padro. Isto no um ensinamento metafsico: Tudo o que est sujeito a surgir, est sujeito a cessar, no se trata da derradeira realidade, realidade imorredoira, deathless; mas se souberes profunda e verdadeiramente que tudo o que est sujeito a surgir, est sujeito a cessar, ento compreenders a derradeira realidade, a verdade imortal. Este um meio hbil para alcanar a realizao final. Percebe a diferena: a declarao no metafsica mas leva-nos a uma realizao metafsica. Moralidade e cessao Atravs da reflexo das Quatro Nobres Verdades, ns trazemos at ao consciente o problema da existncia humana. Observamos esta sensao de alienao e apego cego conscincia sensorial, o apego para com aquilo que est separado e se destaca na conscincia. Devido nossa ignorncia, apegamo-nos ao desejo por prazeres sensoriais, quando nos identificamos com o que findvel ou transitrio e, como tal, insatisfatrio. Esse apego torna-se em sofrimento. Os prazeres sensoriais so todos eles prazeres efmeros. Aquilo que vimos, ouvimos, tocamos, saboreamos, pensamos ou sentimos momentneo, passageiro, sujeito a findar. Assim quando nos apegamos aos sentidos ou a sensaes passageiras, apegamo-nos, por assim dizer, morte, ao fim. Se ainda no contemplmos ou compreendemos isto claramente, apegamo-nos cegamente mortalidade na esperana de a evitar por uns tempos. Ns fingimos que vamos ser verdadeiramente felizes com as coisas s quais nos apegamos, s para, eventualmente, nos sentirmos desiludidos, desesperados e desapontados. Podemos at conseguir tornar-nos naquilo

  • 35

    que desejamos, mas isso tambm momentneo, findvel. No fundo estamos somente a apegar-nos a outra condio passageira com um fim certo. Assim, com este desejo pela mortalidade podemos vir a apegar-nos a ideias de suicdio ou aniquilao, mas o fim propriamente dito somente mais uma condio findvel. Ao que quer que seja que nos apeguemos nestes trs tipos de desejos, estamos a apegar-nos a algo passageiro e limitado, o que significa irmos, eventualmente, sentir desapontamento ou desespero. A morte da mente desespero; a depresso um tipo de experincia de morte na mente. Tal como o corpo morre uma morte fsica, a mente tambm morre. Estados mentais e condies mentais morrem; chamamo-los de desespero, tdio, depresso e angstia. Se estamos a sentir tdio, desespero, angstia e mgoa, temos a tendncia de procurar qualquer outra condio (findvel) que possa surgir para aliviar essa sensao. Por exemplo: se te sentes desesperado ou entediado, pensas Preciso de uma fatia de bolo de chocolate. E vais compr-la! Por uns breves momentos, deixas-te envolver no doce, delicioso, sabor a chocolate dessa fatia de bolo. Nesse momento tornas-te na doura e delicioso sabor do chocolate! Mas no consegues suster essa sensao por muito tempo. Engoles o ltimo pedao de bolo e o que que resta? Tens de ir procurar outra forma de alvio. Isto , tornares-te em algo novo. Ns estamos cegos, aprisionados neste processo de nos tornarmos algo, neste plano sensorial. Mas conhecendo o desejo, sem julgar a beleza ou feira do plano sensorial, chegamos ao ponto de percebermos o desejo tal como ele . D-se sabedoria. Nesse ponto, pondo de lado todos estes desejos em vez de nos agarrarmos a eles, temos a experincia do nirodha, o cessar do sofrimento. Isto a Terceira Nobre Verdade que temos de realizar por ns prprios. Contemplamos a cessao. Dizemos, Existe cessao, e sabemos claramente quando algo cessou. Permitindo que as coisas surjam Antes de poderes deixar as coisas, tens de as admitir plenamente na conscincia. Na meditao, o nosso objectivo habilmente permitir que o subconsciente se manifeste no consciente. Todo o desespero, medo, angstia, recalques e irritaes so permitidos tornar-se conscientes. Existe a tendncia nas pessoas de se apegarem a grandes ideais mentais, podemos tornar-nos verdadeiramente desapontados connosco prprios, porque por vezes sentimos que no somos to bons como deveramos ser ou que no devemos zangar-nos; todos os devemos e no devemos. A criamos o desejo de nos vermos livres das coisas ms e este desejo tem uma qualidade virtuosa. Parece-

  • 36

    nos certo vermo-nos livres dos maus pensamentos, raiva e cime, porque uma pessoa boa no devia de ser assim e dessa forma criamos culpa. Ao reflectirmos sobre isto, trazemos conscincia o desejo de nos tornarmos neste ideal e o desejo de nos libertarmos destas coisas ms, desta forma conseguimos libertar-nos e em vez de nos tornarmos na pessoa perfeita, abandonamos esse desejo. O que fica a mente pura. No h qualquer necessidade de sermos a pessoa perfeita porque na mente pura onde as pessoas perfeitas surgem e cessam. A cessao fcil de compreender a nvel intelectual, mas para a realizar pode ser bastante difcil pois envolve suportar aquilo que pensamos no conseguir. Por exemplo, quando eu comecei a meditar, pensava que a meditao me faria mais bondoso e mais feliz, estava espera de sentir maravilhosos estados mentais mas, durante os primeiros dois meses eu nunca senti tanto dio e raiva na minha vida. Pensei isto terrvel, a meditao tornou-me pior, mas ento contemplei porque razo surgiu tanto dio e tanta averso e a percebi que grande parte da minha vida tinha sido uma tentativa de fugir a tudo isso. Eu era um leitor compulsivo, para onde quer que fosse tinha de levar livros comigo. Sempre que o medo ou a averso surgiam eu pegava num livro para ler, ou fumava um cigarro, ou comia um snack. A imagem que tinha de mim prprio era de uma pessoa bondosa que no odiava os outros assim, qualquer indcio de averso ou dio eram reprimidos. Esta foi a razo porque durante os primeiros meses como monge, eu estava to desesperado para que isto desaparece-se. Eu tentava procurar algo para me distrair porque com a meditao tinha comeado a relembrar todas as coisas que deliberadamente tentei esquecer. Memrias de infncia e adolescncia surgiam constantemente na minha mente, e nesse ponto a raiva e o dio tornaram-se to conscientes que pareciam ser maiores que eu. Mas algo em mim comeou a reconhecer que eu tinha de suportar tudo isto e assim o fiz. Todo o dio e raiva que tinham sido suprimidos durante trinta anos de vida vieram em fora mas, atravs da meditao extinguiram-se e desapareceram. Foi um processo de purificao. Para permitirmos que este processo de cessao se d, temos de estar dispostos a sofrer. por essa razo que eu reforo a importncia de se ser paciente. Temos de abrir as nossas mentes ao sofrimento porque no acolher do sofrimento que o mesmo cessa. Quando sentimos que estamos a sofrer, fsica ou mentalmente, temos de ir ao encontro desse sofrimento. Abrimo-nos para ele completamente, damos-lhe as boas vindas e concentramo-nos nele, permitindo-o ser aquilo que . Isso significa que temos de ser pacientes e suportar as condies menos agradveis, em vez de fugirmos, temos de suportar o tdio, desespero, dvida e medo para podermos compreender que os mesmos cessam.

  • 37

    Enquanto no permitirmos que as coisas cessem, continuamos a criar novo kamma que s ajuda a fortalecer os nossos hbitos. Quando algo surge, agarramo-lo e proliferamos acerca dele, o que torna tudo ainda mais complicado e assim, repetimos e tornamos a repetir o mesmo padro durante a nossa vida, no podemos continuar a seguir os nossos desejos e medos esperando algum dia realizar paz. Ns contemplamos o medo e o desejo para que estes deixem de nos iludir temos de conhecer aquilo que nos ilude antes que possamos libertar-nos deles. Desejo e medo devem ser reconhecidos como impermanentes, insatisfatrios e como no-eu. Eles so observados e compreendidos para que o sofrimento se possa extinguir. importante aqui diferenciar entre cessao, o fim natural de qualquer condio que tenha surgido e aniquilao, o desejo que surge na mente para nos vermos livres de algo. Da a cessao no ser desejo! No algo que criamos na mente mas sim o fim daquilo que comeou, a morte daquilo que nasceu. Da cessao no ser um eu, no se manifesta a partir do ponto em que Eu tenho de me ver livre destas coisas, mas somente quando permitimos que aquilo que surgiu cesse. Para conseguir isso, o desejo tem de ser abandonado, deix-lo ir. Isto no significa rejeitar ou deitar fora mas sim larg-lo. A, quando ele cessar tens a experincia do nirodha, cessao, vazio, desapego. Nirodha outra palavra para Nibbana. Quando abres mo de algo e permites que ele cesse, o que resta paz. Tu podes viver essa paz atravs da tua prpria meditao, quando na tua mente deixares o desejo terminar, aquilo que resta muito sereno. Isso paz verdadeira, deathless (sem-morte). Quando conheces isso, tal como verdadeiramente, realizas nirodha sacca, a Verdade da Cessao, na qual deixa de existir o eu mas ainda existe vigilncia e claridade. O verdadeiro significado da felicidade essa serenidade, conscincia transcendente. Se no permitirmos a cessao, ento a tendncia para operarmos a partir das suposies que fazemos acerca de ns mesmos, sem sequer sabermos o que estamos a fazer. s vezes, s quando comeamos a meditar que nos apercebemos o quanto o medo e a falta de confiana que sentimos, na nossa vida, provm das experincias da nossa infncia. Lembro-me de quando era mido ter um grande amigo que um dia se voltou contra mim e me rejeitou, durante meses andei desesperado, isto deixou uma marca indelvel na minha mente. Ento, realizei atravs da meditao o quanto um pequeno incidente como esse, veio a afectar as minhas futuras relaes com os outros, sempre tive um medo tremendo da rejeio. Nunca tinha pensado nisso at essa memria continuar a surgir no meu consciente durante a meditao. A mente racional sabe que ridculo continuar a pensar nas tragdias de infncia mas, se as mesmas continuam a surgir no consciente, quando ests na meia idade, talvez te estejam a querer dizer algo acerca de suposies que formaste quando eras criana.

  • 38

    Quando comeas a sentir memrias ou medos obsessivos a surgirem na meditao, em vez de te sentires frustrado ou irritado com eles, v-os como algo a ser aceite no consciente para assim os puderes libertar. Podes organizar a tua vida de modo a nunca teres de olhar para estas coisas; a as condies necessrias para as mesmas surgirem tornam-se minmas. Podes dedicar-te a muitas causas importantes e manteres-te sempre ocupado; assim, estas ansiedades e medos sem nome nunca se tornaro em algo consciente, mas o que que acontece quando parares e deixares de controlar? O desejo ou obsesso mudam, movem-se na direco da cessao. Eles findam e ento adquires a sabedoria de que existe a cessao do desejo. Assim, em concluso, a terceira fase da Terceira Nobre Verdade : a cessao foi realizada. Realizao Isto para ser realizado. Disse o Buddha enfaticamente: Isto uma Verdade a ser realizada aqui e agora. Ns no precisamos de esperar at morrer para descobrirmos se tudo isto verdade, este ensinamento destinado a seres humanos como ns. Cada um de ns tem de o realizar. Eu posso explicar-te acerca dele e encorajar-te a praticar mas no posso fazer com que o realizes! No penses nele como algo remoto e para alm das tuas possibilidades. Quando falamos acerca de Dhamma ou Verdade, dizemos que ela est aqui e agora, algo que podemos observar por ns prprios. Podemos voltar-nos para ela, podemos inclinar-nos para a Verdade. Podemos prestar ateno forma como as coisas so, aqui e agora, neste momento e neste lugar. Isso ateno plena, estar alerta e focar a ateno na forma como as coisas so. Com esta ateno plena, investigamos o sentido do eu, esta sensao de mim e daquilo que meu: o meu corpo, os meus sentimentos, as minhas memrias, os meus pensamentos, as minhas opinies, a minha casa, o meu carro e por a fora. A minha tendncia era ser depreciativo de mim prprio, por exemplo, com o pensamento Eu sou Sumedho, eu pensava em termos negativos acerca de mim mesmo Eu no presto. Mas escuta, de onde que isso surge e onde que cessa?... ou Eu sou muito melhor que tu, eu sou muito mais avanado. H bastante tempo que vivo a Vida Santa, por isso, devo ser melhor que qualquer um de vs! Onde que isto surge e onde que cessa? Quando houver arrogncia, presuno ou depreciao prpria, o que quer que seja, examina-o e escuta o que vai dentro de ti Eu sou.... S atento e consciente do espao

  • 39

    antes de pensares, depois pensa-o e nota o espao que se segue. Mantm a tua ateno no vazio no final do pensamento e v por quanto tempo consegues manter a tua ateno no mesmo. V se consegues ouvir um tipo de som na mente, o som do silncio, o som primordial. Quando concentras a tua ateno nisso podes reflectir: Existe alguma sensao de eu? e vers que quando ests realmente vazio, quando s existe claridade, vigilncia e ateno, no existe nenhum eu. No existe a sensao de mim ou meu, assim, vou para esse estado de vazio e contemplo acerca do Dhamma; eu penso Isto como deve ser. Este corpo aqui presente desta forma. Eu posso ou no dar-lhe um nome, mas neste preciso momento, simplesmente assim; no Sumedho! No vazio no existe nenhum monge Budista. Monge Budista simplesmente uma conveno apropriada a espao e tempo. Quando as pessoas te elogiam dizendo, Que maravilhoso, podes interpret-lo como algum a oferecer um elogio sem teres necessariamente de o tomares pessoalmente. Pois sabes que no existe nenhum monge Budista; mas s o que . simplesmente assim. Se eu quiser que Amaravati seja um grande sucesso e se isso acontecer, eu fico feliz. Mas se falhar, se ningum se mostrar interessado e no podermos pagar a conta da electricidade, e se tudo se desmoronar e falhar! Na realidade no existe nenhum Amaravati. A ideia da pessoa que um monge Budista ou o lugar chamado Amaravati so somente convenes e no a derradeira realidade. Neste preciso momento simplesmente assim, tal como deveria ser. Quando vemos tal lugar como realmente , no o carregamos aos ombros pois percebemos que no existe pessoa alguma para se envolver nesse processo. Quer ele seja bem sucedido ou falhe, qualquer das formas deixa de ter importncia. No vazio, as coisas so somente aquilo que so. Quando estamos, desta forma, conscientes no significa que somos indiferentes ao sucesso ou ao fracasso e que no nos preocupamos em fazer coisa alguma. Podemos aplicar-nos, ns sabemos o que podemos, sabemos o que deve ser feito e podemos faz-lo da forma correcta. A tudo se torna Dhamma, tal como . Fazemos as coisas porque aquilo que correcto fazer neste momento e neste lugar em vez de ser por ambio pessoal ou medo de fracasso. O caminho para a cessao do sofrimento o caminho da perfeio. Perfeio pode ser uma palavra muito intimidante porque nos sentimos muito imperfeitos. Como personalidades questionamo-nos como podemos sequer atrevermo-nos a considerar a possibilidade de sermos perfeitos. A perfeio humana algo acerca do qual ningum sequer fala; no parece ser sequer possvel pensar na perfeio em termos de se ser humano. Mas um arahant nada mais que um ser humano que aperfeioou a prpria vida. Algum que aprendeu tudo o que h para aprender atravs da lei bsica Tudo o que est sujeito a surgir, est sujeito a cessar. Um arahant no necessita de saber tudo acerca de tudo, s necessrio saber e compreender plenamente esta lei.

  • 40

    Usamos a sabedoria do Buddha para contemplar o Dhamma, a forma como as coisas so. Tomamos como refgio o Sangha, naquilo que est a fazer o bem e a abster-se de fazer mal. Sangha no um grupo de personalidades individuais ou de diferentes caracteres, uma comunidade. A noo de ser um indivduo ou um homem ou uma mulher deixa de ser algo importante para ns. Esta noo de Sangha realizada como refgio. Ainda que as manifestaes sejam todas individuais, a nossa realizao a mesma, existe uma unidade. Com este despertar, estado de alerta e desapego, ns realizamos a cessao e perpetuamos no vazio em que todos nos fundimos. A no existe nenhum indivduo, as pessoas podem surgir e cessar no vazio, mas no existe nenhuma pessoa, somente claridade, plenitude, serenidade e pureza.

  • 41

    A Quarta Verdade Nobre

    O que a Nobre Verdade do Caminho que Conduz Cessao do Sofrimento? este Nobre ctuplo Caminho, que como dizer:Entendimento correcto, Inteno Correcta,

    Linguagem Correcta, Aco Correcta, Meio de Vida correcto, Esforo correcto, Ateno Plena Correcta e Concentrao Correcta. Existe esta Nobre Verdade do Caminho que

    Conduz Cessao do Sofrimento do Sofrimento: tal foi a viso, revelao, sabedoria, verdadeiro conhecimento e luz que em mim surgiram acerca de coisas nunca antes

    ouvidas. Esta Nobre Verdade deve ser penetrada cultivando o Caminho...

    Esta Nobre