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Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
AS REPRESENTAES DE GNERO NAS QUESTES DE CINCIAS DA NATUREZA
DO ENEM 2015
Viviana da Cruz Vicente 1
Gustavo Isaac Killner 2
Resumo: A gnese deste estudo est na anlise realizada a partir do Exame Nacional do Ensino Mdio 2015 (ENEM).
Por intermdio das questes de Cincias da Natureza do referido exame, foi possvel verificar como abordada a
representao de gnero em relao s profisses. Os resultados iniciais indicam que o ENEM se estrutura numa
concepo binria e opressora, na qual a concepo de gnero se restringe a homens e mulheres. A mulher, quando no
invisibilizada, constantemente carrega a influncia dos pensamentos patriarcais reforados por Rousseau e Hegel,
segundo os quais elas devem ser educadas para casar, ter filhos e tambm para ser subordinadas aos homens. Em suma,
no devem trabalhar em ambientes externos ao lar e muito menos discordar de uma deciso masculina. No sculo atual,
por exemplo, o esteretipo de que os indivduos possuem papis a serem ocupados na sociedade parecem ainda ter
vestgios desse pensamento, embora a insero no mercado de trabalho tenha ocorrido para elas. Com os estudos
curriculares (em especfico o surgimento das teorias ps-crticas), transformaes no mtodo de como e o que ensinar
passaram a corroborar com discusses acerca das desigualdades de gnero, raciais e culturais, entre outras. A partir
desta pesquisa documental e bibliogrfica, esperamos que o presente trabalho motive pesquisadores (as) a prosseguir
estudos na rea de gnero, cincia e currculo.
Palavras-chave: Cincias da Natureza. Gnero. Currculo.
Introduo
A partir da dcada de 70, aps as discusses acerca da perspectiva crtica de currculo,
emergiu nos Estados Unidos uma forma indita de pensar o desenvolvimento dos contedos
escolares: a concepo ps-crtica (Silva, 1999, p. 111). Esta, com grande influncia do ps-
modernismo, ps-estruturalismo e ps-colonialismo contribuiu para que a sociedade refletisse em
torno das desigualdades de gnero, raa, etnia, cultura e outros temas que se posicionassem contra
os esteretipos.
Sob o vis da pedagogia ps crtica, com o desenvolvimento das novas formas de produo,
a globalizao trouxe tona a pluralidade cultural e os currculos tiveram que ser repensados de
acordo com as novas demandas (Sacristn, 2007, p. 27-8). Esperava-se, assim, que os materiais
didticos e avaliaes escolares, internas e externas, incorporassem o multiculturalismo e tambm
as discusses sobre as concepes de gnero.
Em particular a respeito das investigaes associadas ao tema gnero, elas ampliaram o
conceito de diversidade sexual e ajudaram a identificar novas formas de identidade de gnero. Alm
1 Mestranda em Ensino de Cincias no Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de So Paulo, So Paulo,
Brasil. 2 Professor Doutor no Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de So Paulo, So Paulo, Brasil.
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da tradicional representao binria, na qual a sociedade divide as pessoas apenas em duas
categorias (homens e mulheres) e determina para elas papeis sociais bem definidos, em geral numa
perspectiva chauvinista, as novas concepes de gnero incluem transexuais, travestis,
crossdressers, transgneros, cisgneros e entre outras (So Paulo, 2014, p. 15-16). Apesar disto,
reconhecimento de novas identidades, esta anlise das questes do ENEM foi elaborada a partir da
descrio binria. Silveira destaca que o binarismo (composto apenas pelos gneros masculinos e
femininos) constitui o padro dominante para normatizar um modelo de comportamento de base
religiosa, cientfica, educativa, jurdica e poltica, segundo o qual homens e mulheres deveriam se
pautar (Silveira, 2008, p. 48).
O filsofo francs Rosseau (1712-1778), que viveu no sculo das Luzes (iluminismo) e se
dedicou pesquisa sobre a origem das desigualdades, destacou a existncia de dois elementos
(relacionados s diferenas) que foram estudados: o natural (que consiste em pesquisar aspectos
associados com a idade, sade, foras do corpo e qualidades de esprito) e o outro moral (que
autorizado pelo consentimento dos homens). Ao considerar que a figura feminina tem um modelo
de conduta que deve ser seguido, e que reforado pelos homens, Rosseau fez a seguinte afirmao
sobre a figura feminina:
Da boa constituio das mes depende inicialmente a dos filhos; do seio das mulheres
depende a primeira educao dos homens; das mulheres dependem ainda os costumes
destes, suas paixes, seus gostos, seus prazeres, e at sua felicidade. (...) Serem teis, serem
agradveis a eles e honradas, educ-los jovens, cuidar deles grandes, aconselh-los,
consol- los, tornar-lhes a vida mais agradvel e doce; eis os deveres das mulheres em
todos os tempos e o que devemos lhes ensinar j na sua infncia (ROSSEAU, 2004, p.433).
Esse pensamento, associado s aes que dele decorrem, naturalizam o papel subserviente
da mulher, que foi e ainda vem sendo fortemente moldada apenas para ser me e esposa
(Rosemberg, 1994, p. 27-62). Contudo, o questionamento do papel natural delas na sociedade,
promovido principalmente pelos movimentos feminista e GLBT (Gays, Lsbicas, Bissexuais e
Transexuais), incorporou elementos que contemplam as desigualdades de oportunidades dadas aos
homens, s mulheres e aos demais gneros sexuais (Saffioti,2001, p.157-163).
Em particular, a partir dos problemas enfrentados pelas mulheres tanto nos estudos quanto
no mercado profissional, as feministas realizaram reinvindicaes sobre os contedos que eram
ministrados nas escolas (que, segundo elas, eram diferenciados conforme os gneros) e tambm das
possveis consequncias que a ausncia destes proporcionariam no acesso a algumas carreiras.
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A intensificao da diversidade sexual no cenrio escolar ganhou novos contornos a partir
da dcada de 80, quando a ps-modernidade possibilitou conquistas aos questionamentos femininos
e o avano nas concepes de gnero (Buttler, 1999, p.11-28). Entretanto, como aponta Stearns, as
vitrias construdas no reduziram o preconceito de gnero e muito menos eliminaram a concepo
de que existem papis sexuais determinados conforme os sexos (Stearns, 2007, p. 250).
Nesse mesmo perodo, a reorganizao do mundo do trabalho e a globalizao das formas de
produo, consumo e controle de qualidade, levaram adoo de padres externos de avaliao
escolar e impuseram a criao de um Estado Avaliador (Afonso, 2000, p. 49). Esse foi capaz de
produzir um sistema nacional de avaliao do rendimento escolar que, no Brasil, consubstanciou-se
na Prova Brasil, no extinto Provo (atual ENADE) e no ENEM (Exame Nacional do Ensino
Mdio), objeto desta pesquisa. A verso inicial desse exame, mais ligada s habilidades e
competncias, foi produzida em 1998 e persistiu at 2008. Entretanto, a partir de 2009 um novo
formato foi criado, mais conteudista e menos abstrato, que tem vigorado at os dias atuais. O
ENEM realizado anualmente por mais de 5 milhes de estudantes, muitos dos quais dedicam boa
parte de seu tempo de estudo resolvendo questes dos anos anteriores. Partindo da hiptese de que
as representaes de sociedade e do papel da mulher nessa sociedade podem ser veiculados e
inculcadas pelas questes do ENEM, esta pesquisa se prope a verificar como a mulher retratada
em tais questes e problematizar a representao de gnero nas carreiras, a partir do exame 2015.
Um histrico a partir do ENEM
Com a emergncia de se criar uma certificao para um currculo baseado em competncias
e habilidades, conforme definido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e Parmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), a sugesto de um instrumento de avaliao externa veio tona.
A primeira verso do exame ocorreu em 1998 e esta consistia em uma avaliao individual,
na qual as pessoas submetidas ao processo se candidatavam voluntariamente. O propsito do exame
era possibilitar uma referncia para auto avaliao a partir das competncias e habilidades que o
estruturaram (Brasil, 2008, p.14). Conforme o Documento Bsico inicial do ENEM, a inteno,
alm de avaliar o desempenho do aluno, era de mensurar o desenvolvimento de competncias
fundamentais ao exerccio pleno da cidadania (MEC/INEP, 1998, p.5).
Cada vez mais, com o aumento das desigualdades e diferenas no ambiente escolar, as
exigncias e caractersticas da ps-modernidade contriburam para que o exame fosse reformulado.
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O ENEM, inicialmente usado apenas como forma de anlise da etapa final da Educao Bsica,
passou a ser empregado pelas Instituies Federais como mtodo de acesso ao Ensino Superior.
Este, por sua vez, ocorria por meio de um cadastro em uma plataforma virtual denominada SiSU
(Sistema de Seleo Unificada). Deste modo, aps 2008, o ENEM teve mudanas significativas
envolvendo desde o aumento da quantidade de questes (de 63 para 180 itens) quanto o enfoque
delas e o tempo de durao de prova que duplicou.
Descrio do trabalho desenvolvido
A investigao consistiu em pesquisa documental, a partir do bloco de questes de Cincias
da Natureza, propiciada por meio da verso 2015 (1 e 2 aplicaes) do caderno. Por intermdio das
observaes, 88 enunciados compuseram a investigao e, em especial, essa se caracterizou pela
anlise textual discursiva (Moraes e Galiazzi, 2006, p. 117-128).
Inicialmente foi efetuada uma leitura dos itens, com a finalidade de identificar quais deles
envolviam pessoas vinculadas s atividades profissionais ou com estudos. Apenas dezoito
elementos se enquadraram nas caractersticas procuradas. Na sequncia, com base nesses dezoito
itens, houve uma nova categorizao, que consistiu em verificar o gnero presente, masculino ou
feminino. Os demais itens que no atendiam as demandas do trabalho foram desconsiderados.
Com base na anlise das questes de cincias da natureza dos cadernos investigados, as
seguintes categorias foram identificadas:
Quadro 01: Categorias profissionais identificadas em questes do ENEM 2015
questo Pgina e
verso descritor Gnero
46
16- 1
aplicao Por essa razo, muitos atletas masculino
51
18- 1
aplicao Um grupo de pesquisadores desenvolveu masculino
55
20- 1
aplicao Suponha que um produtor de rcula hidropnica masculino
64
22- 1
aplicao apesar de ser o ltimo dos corredores masculino
67
23- 1
aplicao os estudantes passaram a sentir cada vez mais sede masculino
68 24- 1 Um estudante, precisando instalar um computador masculino
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aplicao
70
25- 1
aplicao Um garoto ... masculino
74
26- 1
aplicao "biotecnologia" surgiu no sculo XX, quando o cientista masculino
75
26- 1
aplicao O fenmeno tico que, segundo os pesquisadores masculino
82
28- 1
aplicao um professor levou para a sala de aula um saco de arroz masculino
85
29- 1
aplicao Entre os anos de 1028 e 1038, Alhazen masculino
47
16- 2
aplicao Durante a aula, um professor apresentou masculino
49
17- 2
aplicao Um eletricista projeta um circuito com trs lmpadas masculino
54
18- 2
aplicao Um estudante resolveu simular essa situao masculino
60
21- 2
aplicao o processo de recuperao dessas reas, pesquisadores masculino
83
29- 2
aplicao O homem, observando esse processo, masculino
85
30- 2
aplicao Para irrigar sua plantao, um produtor rural masculino
89
31- 2
aplicao Durante uma aula experimental de fsica, os estudantes masculino
Resultados Obtidos
Dentro do contedo discursivo das dezoito questes que se mostraram vinculadas s
carreiras mencionadas no quadro 01, no foram encontradas referncias a trabalho feminino em
nenhuma delas, o que indica que o exame destacou em sua totalidade a participao profissional
masculina, invisibilizando a mulher como trabalhadora.
Ainda que a investigao documental no tenha demonstrado a mulher vinculada s
carreiras encontradas, isto no significa que em outras pesquisas elas no se apresentaram
exercendo estas ou outras atividades profissionais. Segundo Abramo entre as dcadas de 60 e 90, o
nmero de mulheres que ingressaram no mercado de trabalho cresceu de modo bastante
significativo. No perodo analisado por ela, foi possvel constatar que a participao feminina em
atividades profissionais aumentou de dezoito para cinqenta e sete (Abramo, 2000, p. 77).
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Apesar do contexto social da dcada de 80 ter favorecido aspectos relacionados com a
pluralidade e tambm a ampliao da participao da mulher em postos de trabalhos que eram
inacessveis para elas, a entrada de mulheres em profisses, cargos e espaos de trabalho que
anteriormente eram ocupados apenas por homens, abre a possibilidade para que os indivduos
envolvidos se questionem sobre a validade de um modelo de diviso sexual do trabalho calcado em
habilidades ditas naturais (Daniel, 2011, p.335). A cultura, que passou a ser incorporada nos
estudos curriculares com a concepo crtica e tambm no ENEM, apresenta indcios de uma
concepo machista em que o lugar das mulheres no no mercado profissional e, principalmente,
nas atribuies que envolvam fora ou maior uso da razo. A ausncia das personagens femininas
em questes vinculadas s carreiras, e tambm em itens vinculados aos estudos, mostra que a
invisibilidade delas reforada tanto como alunas quanto trabalhadoras. Esse fato, que foi
percebido nas questes, contrrio aos dados apresentados por Abramo (2000, p. 77).
Por meio dos dados obtidos com a anlise realizada a partir da categorizao apresentada no
quadro 01, foi possvel construir o Grfico 01.
Grfico 01: Distribuio de carreiras ocupadas por homens nas questes analisadas.
O grfico acima mostra que o maior setor corresponde ao percentual de estudantes
masculinos que so descritos nos fragmentos. O resultado apresentado pelo grfico, em que a
palavra estudantes est acompanhada do artigo os e portanto se refere ao sexo masculino, pode
estar vinculada ao fato de que nem sempre as mulheres tiveram acesso aos estudos. No Brasil foi
somente a partir de uma lei promulgada em 15 de outubro em 1827 que as protagonistas femininas
tiveram direito ao ensino formal. Durante o Imprio, a Escola Normal foi uma das poucas
oportunidades, seno a nica, de as mulheres prosseguirem seus estudos alm do primrio
(Demartini e Antunes, 1993, p.6). Ao contrrio dos homens brancos, criados para serem os chefes
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da casa, que foram detentores de vrias oportunidades. Verifica-se que os discursos produzidos nas
questes analisadas, ainda refletem as desigualdades historicamente construdas.
Em razo da transformao presente no campo dos estudos, Abramo refora aspectos que
mencionam a relao da instruo com o acesso ao mercado de trabalho. Segundo a autora, o nvel
mdio de instruo feminino (daquelas que esto presentes no mercado de trabalho), atualmente se
apresenta como sendo maior que os ndices dos homens (Abramo, 2000, p.79). Portanto, o trecho do
discurso encontrado no documento em que a palavra estudantes foi acompanhada do artigo os ou
um passvel de discusso e reformulao.
Na concepo de Portinari a linguagem, alm de expressar relaes de poder, tambm
produz e pretende fixar as diferenas. Segundo ela A linguagem um turbilho e nos usa muito
mais do que ns a usamos. Ela nos carrega, molda, fixa, modifica, esmaga (Portinari,1989, p.18).
De acordo com Louro, a partir da problematizao da frase de uma professora ao dizer que
os alunos que acabarem a tarefa podem ir ao recreio, ns devemos nos auto questionar se houve a
incluso das meninas ou no em tal discurso. A partir deste exemplo, as feministas defendem que
formas de tratamento sejam incorporadas no ambiente escolar (Louro, 2014, p.69). Spender enfatiza
que: ao utilizar a expresso genrica a referncia na verdade uma espcie constituda por
homens (Spender, 1993, p.202). Consequentemente, pode se dizer que a linguagem promove a
ocultao das mulheres nos diversos discursos que encontramos na sociedade. Resgatando o excerto
estudantes, presente no ENEM 2015 acompanhado pelo artigo os ou um (representado no
Grfico 01 pelo maior setor), podemos consider-lo similar ao exemplo fornecido por Louro.
Ao relacionar as possibilidades que o grau de instruo pode proporcionar ao mercado de
trabalho, temos que, a partir dos dados fornecidos por Valds e Gomriz (1995), citado em Abramo
(2000), com base em investigaes produzidas nas zonas urbanas da Amrica Latina, as mulheres
economicamente ativas possuem nove anos de instruo. Na mesma regio os homens, com um
tempo menor, se encontram com oito anos. Quando comparadas as dificuldades dos homens com
um nvel educacional mais baixo, as mulheres em uma situao similar suportam mais barreiras
ocasionadas pelas desigualdades de gnero (Abramo, 2000, p. 79). Em suma, podemos considerar
que elas necessitam de maior instruo para atingir os mesmos postos que eles e, portanto,
considerar apenas os estudantes em vez de as tambm um item no condizente com a
realidade em que o ENEM foi produzido. Com base nas discusses construdas, pode se defender a
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ideia de que as mulheres possuem a mesma capacidade que os homens de serem consideradas como
estudiosas. No entanto, parece que o padro da linguagem ainda coloca o homem em uma posio
superior a elas.
De acordo com o Retrato das Desigualdades de Gnero e Raa, publicado pelo IPEA (2017),
ainda que alteraes no mercado de trabalho tenham ocorrido, e tambm mudanas nos aspectos
culturais da sociedade tenham se instaurado, as desigualdades permanecem. Acerca destas,
podemos citar as diferenas presentes nos desnveis salariais, na taxa de desemprego (a das
mulheres acaba sendo maior que a dos homens) e nas ocupaes de trabalho.
Referente segunda parte do grfico 01, de maior destaque, verificamos a carreira de
cientista. De acordo com o filsofo Georg Hegel (1770 1831): "A mulher pode ser educada, mas
sua mente no adequada s cincias mais elevadas, filosofia e algumas das artes" (Silva, 2011,
p.1).
Para Abramo as imagens de gnero so importantes no processo de constituio das
categorias que vo estruturar a construo dos postos de trabalho e tambm os perfis de
qualificao e competncia a eles associados (Abramo, 2000, p. 90). As imagens que se tem da
mulher, embutida culturalmente na sociedade, tem os reflexos da dona do lar e me. essa a
representao que se superpe a personagem trabalhadora e, portanto, a possibilidade da
personagem feminina se envolver com pesquisas cientficas (estando envolvidas com atribuies
domsticas) acaba sendo classificada como nula. Ainda que atualmente o contexto tenha se
alterado, a predominncia nas carreiras cientficas (em particular das cincias exatas) continua
sendo do pblico masculino.
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Ao retomar a anlise do grfico 01, interessante notar que trs carreiras tiveram um
empate: a de professor, atleta e agricultor. De maneira antagnica, em comparao com a figura
masculina, as mulheres no foram citadas e, no era de se estranhar, nas profisses que demandam
esforos fsicos a invisibilidade continuou.
Conforme as pesquisas da Abramo, as atividades profissionais do setor urbano so as que
incorporam mais mulheres do que as desenvolvidas no setor rural. Entretanto, apesar de tal dado,
isto no significa que em outros pases uma nova realidade seja encontrada como, por exemplo, a
centralizao de mulheres em atividades rurais em vez de urbanas. Neste ltimo caso, temos pases
como Bolvia, Colmbia e Paraguai, entre outros (Abramo, 2000, p. 77).
Apesar de uma elevao significativa da presena feminina no mercado de trabalho, as
desigualdades no foram amenizadas ou reduzidas. A maior parte dos empregos femininos continua
centrada em alguns setores de atividade e agrupada em um pequeno nmero de profisses, e essa
segmentao continua estando na base das desigualdades existentes entre homens e mulheres no
mercado de trabalho, incluindo as salariais (Abramo, 2000, p.78).
Podemos verificar que, alm das profisses que incorporam esforo fsico, nas atividades
que demandam a utilizao de ferramentas ou maquinrios com mais tecnologias, so os homens
que marcam presena. No grfico 01 notvel, mesmo com um percentual menor, que a figura
masculina foi apresentada vinculada carreira de eletricista (atividade que demanda conhecimento
tcnico, habilidades e um certo esforo fsico).
Considerando que as indstrias absorvem muitos profissionais para trabalhar no setor
eltrico e tambm nos maquinrios, ainda que a segmentao ocupacional dos gneros persista no
mercado de trabalho, parece que a presena das mulheres nos servios da indstria no
considerada. Entre os anos 70 e 80, a industrializao era concebida como alternativa para expulsar
a fora de trabalho feminina dos setores mais modernizados da economia (Abramo, 2000, p. 86).
Por meio de uma pesquisa efetuada no Chile, em particular no setor industrial, foi verificada
uma maior participao das mulheres nos trabalhos que envolviam o manuseio de mquinas
convencionais. Em contrapartida, naqueles maquinrios com mais tecnologia (programveis), os
nmeros encontrados foram menores. Segundo Abramo: a maquinaria tendia a ser incorporada nas
sees chaves do processo produtivo, no qual os postos de trabalho (mais qualificados) eram
ocupados principalmente por homens (Abramo,2000, p. 87)
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Nas industrias, medida que os maquinrios de alta tecnologia eram incorporados, a
operao destes era dada aos homens. Consequentemente, a masculinao dos trabalhos foi
favorecida em razo dos executivos considerarem que os homens eram mais indicados para tal
tarefa. A partir dos comentrios tecidos, podemos supor que as mulheres no foram favorecidas no
ambiente industrial que demandava a habilidade com recursos tecnolgicos.
Contraditoriamente, a ao vinculada ao esforo fsico e trabalho industrial, temos a ligao
com a parte intelectual que foi destacada no grfico 01 pela carreira do magistrio. O ENEM ao
fazer meno do cargo Professor, coloca o personagem masculino como sendo da disciplina Fsica.
No de se estranhar, pois como aponta Giffin, h um carter identitrio do homem com qualidades
relacionadas mente, produo e razo (Giffin, 2005, p. 48).
Acerca das imagens de gnero, elas podem ser definidas como configuraes de
identidades masculina e feminina produzidas social e culturalmente, que determinam em grande
parte, as oportunidades e a forma de insero dos homens e mulheres no mundo do trabalho
(Abramo, 2000, p.89). Segundo a autora, estas caracterizam os denominados territrios femininos
ou masculinos e, consequentemente, contribuem para os processos que estruturam a diviso sexual
do trabalho.
Consideraes finais
Desde os primrdios da construo da humanidade, notria a distino presente entre os
afazeres designados s mulheres (meninas) e homens (meninos). Ainda que muitas conquistas
tenham sido em partes alcanadas (elevao da participao delas no mercado de trabalho, acesso
aos estudos e entre outras.), existe um longo caminho a ser trilhado.
Com as reflexes, possibilitadas por este trabalho, so perceptveis os discursos
preconceituosos de gnero. Desta forma, podemos dizer que parte da sociedade continua
concordando com as afirmaes sexistas dos filsofos citados.
De acordo com Louro, currculos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem,
materiais didticos, processos de avaliao so, seguramente, loci das diferenas de gnero,
sexualidade, etnia, classe- so constitudos por essas distines e ao mesmo tempo, seus produtores
(Louro, 2014, p. 68). O modo como o currculo empregado no ensino, faz todo o sentido na
diminuio das diferenas de gnero, raciais, entre outras.
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No contexto atual, as desigualdades persistem e so reforadas pelos esteretipos de gnero
construdos ao longo da existncia da humanidade. Entretanto, as condies se comparadas nas
dcadas anteriores a 70, so bem diferentes. A partir da dcada de 70, com as lutas que foram
estabelecidas, direitos e uma nova realidade se formou: a da gerao ps-crtica. Apesar do
surgimento desta nova realidade, os materiais e ambientes escolares necessitam ainda incorporar
mais aes que promovam a equidade nas diversas instncias.
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The representatios of gender in questions about Natural Sciences in ENEM 2015
Abstract: The genesis of this study was based on the analysis carried out from the National High School Examination 2015 (ENEM). Through the questions of Natural Sciences of this examination,
it was possible to verify how is gender representation in the professional aspects approached. The
conception of woman pointed out, constantly carries the influence of the patriarchal thoughts
reinforced by Rousseau and Hegel. According to the mentioned philosophers, men must be
educated to marry, have children and to be subordinate to man. In short, they should not work
outdoors; much less disagree with a male decision. In the present century, for example, the
stereotype that individuals have roles to play in society still seems to have traces of earlier
philosophers, although insertion into the labor market has occurred by them. With curricular studies
(specifically the emergence of post-critical theories), transformations in the method of how and
what to teach came to corroborate with discussions about gender, racial, cultural, and other
inequalities. From this documentary and bibliographical research, we hope that the present work
will motivate researchers to continue studies in the area of gender, science and curriculum.
Keywords: Natural Sciences. Gender. Curriculum.