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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
SOFRIDA PELA MULHER: NOTAS SOBRE O ESTADO DO
CONHECIMENTO1
Iara Oliveira Meireles2
Zaira de Andrade Lopes3
Gabriel Luis Pereira Nolasco
Resumo: Este estudo tem como objeto a violência de gênero dirigida à mulher, com recorte para
violência psicológica e apresenta como objetivo analisar as pesquisas realizadas, no período de 2010
a 2015 que trataram das representações sociais da violência de gênero. Trata-se de uma pesquisa de
caráter bibliográfico, a coleta das informações foi realizada nos seguintes bancos de dados: Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Scielo e periódico da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), os dados encontrados foram organizados
em categorias que identificam o tipo de estudo realizado, bem como abordagens utilizadas e
resultados alcançados. Buscou-se também identificar os tipos de violência mais frequente nos
estudos; o caráter da denúncia e os dados epidemiológicos. Os resultados preliminares indicam exígua
produção científica sobre a violência de gênero com recorte para a violência psicológica, sob a
perspectiva da Teoria das Representações Sociais e dos estudos de gênero, que por sua vez, trata não
só o fenômeno, mas as relações nas quais se constituíram a violência. Os resultados mostram três
eixos temáticos: eixo I: aspectos gerais da violência, tipologias e manifestações; eixo II: voltado para
as questões da Lei Maria da Penha; eixo III: aponta para a temática da violência contra mulher sob a
ótica da teoria das representações sociais e dos estudos de gênero.
Palavras-chave: Violência de gênero. Violência psicológica. Representações sociais.
1 introdução
O fenômeno da violência cresce cada vez mais, é considerado um problema de ordem
biopsicossocial, pois afeta o sujeito em todos os âmbitos. Nos últimos anos o tema se destacou devido
ao alto índice de criminalidade e atos violentos que vem ocorrendo de forma assustadora.
Para Minayo (2004) a violência é uma questão social e está ligada à saúde, pois também
envolve aspectos da qualidade de vida, causando impacto na vida do sujeito, seja por uma lesão física,
1Artigo entregue para fins de avaliação da disciplina da linha de pesquisa Psicologia e Processos Educativos – Mestrado
– da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 2Discente do Programa de Pós Graduação em Psicologia – Mestrado – da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS). 3Professora Doutora docente e orientadora no Programa de Pós Graduação em Psicologia – Mestrado– da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
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psíquica, moral e tantas outras formas de violência que requer cuidados e atenção dos serviços de
saúde.
Segundo Saffioti (2004) a violência de gênero pode ser perpetrada por um homem contra outro
ou por uma mulher contra outra, mas o tipo mais difundido é do homem contra a mulher. Os estudos
sobre as relações de gênero descrevem que neste tipo de violência há uma hierarquização de poder, a
forma mais comumente encontrada é do homem exercer dominação e controle sobre a mulher.
A violência psicológica é a forma mais subjetiva de agressão, perpassando por todos os outros
tipos de violação, sendo muitas vezes, o primeiro sinalizador de que a mulher está sendo vítima de
violência. É evidente que as causas da violência contra mulher são multifatoriais e compreender esta
realidade, requer elementos plurais. Dessa forma, este estudo tem como base a Teoria das
Representações Sociais que permite compreender como o conhecimento se constrói e é utilizado para
um determinado grupo e/ou organização social. Por meio do compartilhamento das representações
acerca de fatos, fenômenos, objetos, símbolos.
Nota-se que apesar dos inúmeros estudos produzidos pela academia, esta temática não está
superada e requer novos estudos que levem à compreensão mais profunda com a finalidade de
provocar inquietações que permitam o surgimento de mudanças efetivas na forma como a questão é
vista na sociedade.
2 caminhos científicos necessários para compreensão do fenômeno da violência contra mulher
Foi realizado um levantamento nos principais bancos de dados virtuais, utilizando a
combinação dos descritores: representações sociais e violência contra mulher; representações sociais
e violência psicológica; representações sociais e relações de gênero; violência contra mulher e
violência psicológica; violência contra mulher e relações de gênero; violência psicológica e relações
de gênero, a fim de tornar a busca mais detalhada. A escolha dos descritores foi definida após estudos
sobre a temática, inferindo-se que essas combinações de palavras trariam conteúdos relevantes para
o presente estudo.
Para as buscas nos bancos virtuais foi utilizado um único filtro de pesquisa, delimitando os
anos de publicações entre 2010 a 2015. Por meio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD)4 , Acervo de periódicos da CAPES5, Banco de dados do ScientificElectronic
4 www.bdtd.ibict.br 5www..periodicos.capes.gov.br
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Library Onlyne (Scielo)6, foram encontrados um número significativo de produções científicas sobre
o tema, entretanto, apenas algumas estabelecem interfaces entre representações sociais e estudos
sobre gênero. A seguir será apresentado o quadro que contém os números obtidos a partir da pesquisa
realizada nos referidos bancos de dados, assim como a classificação dos trabalhos em Teses,
Dissertações, Artigos Científicos e Periódicos.
Quadro 1- Número de Teses, Dissertações, Artigos e Periódicos encontrados na pesquisa do Estado
do Conhecimento e seus respectivos bancos de dados.
Combinação dos
Descritores Nível Bancos de dados (2010 – 2015)
BDTD SCIELO CAPES Total de
Trabalhos
Representações sociais e
violência contra mulher
Dissertações 18 - - 18
Teses 11 - - 11
Artigos - 05 - 05
Periódicos - - 09 09
Representações sociais e
violência psicológica
Dissertações 14 - - 14
Teses 03 - 03
Artigos - 03 03
Periódicos - - 02 02
Representações sociais e
relações de gênero
Dissertações 31 - - 31
Teses 19 - - 19
Artigos - 15 15
Periódicos - - 20 20
Violência contra mulher e
violência psicológica
Dissertações 82 - - 82
Teses 19 - - 19
Artigos - 09 - 09
Periódicos - - 21 21
Violência contra mulher e
relações de gênero
Dissertações 81 - 81
Teses 38 - 38
Artigos - 05 05
Periódicos - - 16 16
Violência psicológica e
relações de gênero
Dissertações 41 - - 41
Teses 08 - - 08
Artigos - 06 - 06
Periódicos - - 02 02
Total de
Dissertações 267
Total de
Teses 98
Total de
Artigos 88
Total de
periódicos 70
Fonte: a autora, 2017.
6 www.scielo.org
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Durante o levantamento nos bancos virtuais, de teses e dissertações, foi apontado um número
elevado de produções científicas referentes ao tema da violência contra mulher, em diversas áreas do
conhecimento.
Ao delimitar a busca, no âmbito teses e dissertações, notou-se que há prevalência de estudos
sobre as representações sociais dos profissionais que prestam atendimento a mulher vítima de
violência, em sua maioria, do campo de estudo da enfermagem, assim como, também foram
encontradas muitas produções relacionadas às representações sociais da mulher vítima de violência,
destacando os estudos das Ciências Sociais, Filosofia, Serviço Social, Jornalismo e do Direito.
Sobre os artigos e periódicos encontrados, verificou-se que a maioria das produções sobre a
temática da violência contra mulher são produções científicas do campo da enfermagem, que tratam
a questão da violência contra mulher, sob a ótica dos atendimentos emergenciais realizados às vítimas
nas unidades de pronto atendimento, hospitais e demais unidades de saúde.
Ressalta-se que os estudos do campo da Psicologia, discutem o fenômeno da violência contra
mulher sob diferentes olhares, foram encontrados estudos na perspectiva sócio histórica, das
representações sociais e no referencial Foucaultiano.
Neste levantamento, foi utilizada a perspectiva da teoria das representações sociais e das
relações de gênero. Notou-se que há muitas produções sobre as representações sociais da mulher
vítima de violência e/ou das representações sociais da violência contra mulher, todavia, o presente
estudo pretende trazer como diferencial a discussão sobre as representações sociais da violência de
gênero, estabelecendo um recorte para violência psicológica. Tendo em vista, que as produções que
foram levantadas pelos bancos de dados, trazem em sua maioria, a ênfase para a violência física e
sexual. Durante o levantamento dos dados, observou-se que há predominância de pesquisas de caráter
descritivo e exploratório.
Ao estabelecer perfis, pode-se correr o risco de realizar o enquadramento do sujeito,
considerado uma linha muito tênue, seja do agressor e/ou da vitima, pois cada um deve ser visto a
partir do meio em que está inserido, de suas vivências e cultura, que variam de sujeito para sujeito.
Assim, fica evidente que o fenômeno da violência se manifesta de formas distintas na vida
das vítimas, cada mulher vivenciará de modo diferente e cabe a compreensão dos sentidos e
significados para cada sujeito e identificar as representações sociais que as vítimas têm acerca da
violência sofrida é uma tarefa importante, não só no âmbito científico, mas também para buscar meios
de modificar esta realidade.
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2.1 A violência em sua pluralidade
Esta seção discorrerá sobre a temática do eixo I: Aspectos gerais da violência; tipologias e
manifestações. A violência contra mulher é um fenômeno histórico, demarcado pelas desigualdades
das relações de gênero, que ocorrem independentemente das questões socioeconômicas, cor, raça e
credo.
O número de mulheres mortas em decorrência da violência sofrida é estarrecedor, as causas
são inúmeras. O alto índice de violência contra mulher emergiu nas mídias e passou a ser pauta de
discussões acadêmicas, movimentos sociais e criação de medidas como promoção de políticas
públicas à mulher.
A figura feminina tem sido alvo de violência desde muitos anos, por meio do sistema
patriarcal, a qual a mulher deveria ser submissa primeiramente ao pai e após o casamento, ao seu
cônjuge, conforme explica Cunha (2014):
A violência contra a mulher é um fenômeno antigo e, também por isso, muito banalizado.
Ele se encontra justificado por pressupostos biológicos bem duvidosos, mas infelizmente
comuns, que apontam a mulher como ser mais frágil, de menor força física e capacidade
racional, que por sua própria natureza domesticável tem tendência a ser dominada, pois
necessita de alguém para protegê-la e orientá-la [...]. A agressão, nesta perspectiva infundada,
se justificaria, portanto como controle da irracionalidade feminina. Este discurso naturaliza
a violência de gênero. É preciso, assim, desconstruir esta naturalização e, para isso,
compreender inicialmente o que se quer dizer com “violência contra a mulher” (CUNHA,
2010, p.150).
A autora salienta que é necessário primeiramente compreender o que é o fenômeno da
violência contra mulher, que está relacionado “a restrição de liberdade de uma pessoa ou grupo,
ofendendo fisicamente, emocionalmente e moralmente” (Teles, 2010, p. 15).
Cunha (2010) chama atenção para a diferença entre as terminologias violência contra mulher
e violência de gênero, destaca:
Violência de gênero, entretanto, não significa necessariamente violência contra a mulher.
Estes conceitos passaram a ser utilizados como sinônimos a partir do movimento feminista
da década de 70, que na luta contra a violência de gênero, passou a afirmar a expressão
“violência contra a mulher”, já que esta é o alvo principal daquela. Violência de gênero,
portanto, pode ser compreendida como categoria mais ampla, compreendendo os homens
também como vítimas da construção dos papéis sociais específicos a cada sexo. (CUNHA,
2010, p. 152).
Segundo Fonseca, Ribeiro e Leal (2014) a violência doméstica pode ocorrer entre pessoas que
não pertencem ao núcleo familiar, mas que vivem parcialmente ou integralmente no domicílio do
agressor, são regidas pela “extensão simbólica do território da casa”.
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Conforme o artigo 7 da Lei nº 11. 340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, há cinco
tipos de manifestações da violência, são elas: física, sexual, psicológica, patrimonial e moral.
Compreende-se por violência física qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal
da mulher.
A violência psicológica ou emocional se caracteriza por condutas como: humilhar, ameaçar,
discriminar, isolar de amigos, parentes, controlar e oprimir. Tavares et al (2013) revela os efeitos
devastadores da violência psicológica sofrida pela mulher e ressalta a importância de estudos
específicos sobre este tipo específico de violência:
Para as mulheres, o pior da violência psicológica não é a violência em si, mas a tortura mental
e a convivência com o medo e o terror. Por isso, este tipo de violência deve ser analisado
como um grave problema de saúde pública e, como tal, merece espaço de discussão,
ampliação e prevenção e criação de políticas públicas específicas para o seu enfretamento
(TAVARES, 2012,p.99)
Para Souza (2010, p. 41) “a violência psicológica pode ser considerada como a mais perversa,
entre os outros tipos de violência, ocorrida no âmbito doméstico, em decorrência das marcas
irremediáveis que deixa”. Conforme Silva, Coelho e Caponi (2010) a violência psicológica é uma
categoria de violência negligenciada. Mediante ao forte impacto da mídia que destacam somente a
violência doméstica em suas manifestações mais agudas, ou seja, nos casos em que ocorrem os danos
físicos.Outro fator importante é de que a propagação midiática reitera que a violência urbana é
superior a violência doméstica, em quantidade e gravidade. As autoras chamam atenção para as
produções acadêmicas acerca da violência psicológica:
Esta aparente indiferença dos pesquisadores em escrever sobre este fenômeno é o segundo
pilar referido anteriormente, que reforça a afirmação inicial sobre a prioridade dada para a
violência que provoca conseqüências físicas graves em detrimento das graves conseqüências
psicológicas. Tem-se, assim, uma dupla omissão da violência psicológica: a falta de
referência ao fato na mídia e os poucos estudos existentes sobre o tema (SILVA, COELHO
e CAPONI, 2010, p. 98).
Vale ressaltar que a violência psicológica também é capaz de atingir não só a vítima, mas
também outras pessoas são atingidas indiretamente por presenciarem as agressões no âmbito violento,
para as autoras os filhos também são atingidos e reproduzem padrões violentos com os outros
irmão/ãs, namoradas/os.
Segundo Tavares (2013) a violência sexual, por sua vez, é definida por qualquer conduta que
obrigue a mulher a manter relações sexuais com o agressor e que constranja a vítima a presenciar a
conduta de terceiros, sem o seu desejo.
O inciso IV, art. 7 da Lei nº 11.340/2006 define a violência patrimonial como “qualquer ato
que implique retenção, subtração, destruição parcial ou total de bens, valores, documentos, direitos e
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recursos econômicos sobre os quais a vitima possua titularidade”. Esses direitos estão assegurado no
Código Penal brasileiro entre os delitos considerados contra o patrimônio, como furto, dano,
apropriação indevida.
E por fim, a violência moral, entrelaçada à violência psicológica, corresponde a qualquer ação
desabone a mulher e que configure injúria, difamação e calúnia. Os crimes de calúnia e difamação
também são descritos no Código Penal, artigos 138 -140.
Conforme Tavares et al (2013) apesar das mulheres estarem assegurados pelas leis, muitas
mulheres são mortas em decorrência da violência, por encontrarem dificuldades no rompimento deste
ciclo, por dependência financeira, emocional ou até mesmo pelo desconhecimento da lei e de seus
direitos. Outras mulheres acabam denunciando o agressor e são fortemente interpeladas pelo medo,
ameaça e pelo preconceito e discriminação por parte da sociedade, sendo inúmeras vezes
responsabilizadas pelas agressões sofridas.
Dessa forma, considera-se relevante a produção de novos estudos sobre a temática, que requer
novas investigações, tendo em vista o número crescendo de violência contra mulher. O assunto não
está superado, requer novas contribuições, para a inserção de novas propostas efetivas na luta contra
a violência.
2.2 A Lei Maria da Penha e suas contribuições no combate a violência
Apesar da violência contra mulher ser um fenômeno antigo, o reconhecimento social da
violência doméstica e familiar contra mulher é recente, com pouco mais de trinta anos, sendo o mesmo
período que a temática da violência contra mulher tornou-se alvo de estudos da academia pelas
ciências sociais em interface com os estudos feministas. Foi a partir da criação e promulgação da Lei
Maria da Penha 11.340/2006 que este assunto deixou de ser apenas um debate da academia e dos
movimentos feministas e tornou-se legislação nacional, conforme salienta Pasinato (2015):
A aprovação dessa legislação decorreu de um longo processo de discussão nacional. Iniciado
nos anos 1990, quando o movimento de mulheres alertava para a necessidade de leis e
políticas especializadas no enfrentamento da violência doméstica e familiar [...]. A entrada
em vigor dessa legislação representa um marco político nas lutas pelos direitos das mulheres
no Brasil e no reconhecimento da violência contra as mulheres como problema de políticas
públicas. É também um importante divisor de águas na abordagem jurídica da violência
baseada no gênero, uma vez que estabelece novos patamares para o enfrentamento da
violência contra as mulheres no país (PASINATO, 2015, p. 534).
Garcia, Freitas e Höfelmann (2015) trazem uma estimativa sobre o feminicídio no Brasil entre
os anos de 2009 a 2011, os dados apontam números expressivos e alarmantes:
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Uma mulher é morta de maneira violenta a cada hora e meia no país. As vítimas foram
mulheres de todas as faixas etárias, etnias e níveis de escolaridade. Todavia, as principais
vítimas foram mulheres jovens, negras e com baixa escolaridade, residentes nas regiões
Centro-Oeste, Nordeste e Norte (GARCIA, FREITAS, HÖLFEMANN, 2015, p.253).
Estes dados sinalizam que a temática da violência contra mulher não está superada, tem sido
alvo de violência, preconceito, discriminação e machismo, requer estudos, investigações e análises
sobre este fenômeno. Salienta-se a importância dos processos educativos formas e informais, voltados
para uma educação não sexista, tendo em vista que, a maioria dos assassinatos é de mulheres jovens,
negras e de baixa escolaridade.
Madureira et al (2014) dedicou-se ao estudo dos perfis de homens autores de violência contra
mulher detidos em flagrantes no período de implantação da Lei Maria da Penha 11.340/2006, no
estado do Paraná, a qual pode-se concluir que os agressores detidos em flagrantes pela prática da
violência contra mulher era predominantemente do sexo masculino, adulto jovens, casados, com
baixa escolaridade e trabalho remunerado.
Ao comparar os dados encontrados sobre os perfis da vítima e do agressor, observaram-se
pontos comuns como a faixa etária, predominantemente em adultos jovens e baixa escolaridade.
Dessa forma, destaca-se a importância dos processos educativos formais e informais, visto que, tais
processos irão moldar a constituição do sujeito.
2.3 A violência psicológica como condição da violência de gênero: realidades e representações
sociais
Analisar o fenômeno da violência contra mulher sob a ótica das representações sociais e dos
estudos de gênero é buscar compreender como o fenômeno é interiorizado e quais os impactos
causados pela violência sofrida na vida da mulher, na sociedade e no cotidiano.
Moscovici (2003) pontua que as Representações Sociais se caracterizam como um conjunto
de explicações, crenças e ideias que permitem evocar um acontecimento, um fato, um fenômeno. São
constituídos por meio do compartilhamento de ideias e opiniões de diferentes grupos. É relevante
conhecer as representações sociais que as mulheres têm acerca da violência de gênero, estabelecendo
um recorte para violência psicológica, pois, por meio veio desta problematização é possível verificar
como estes conhecimentos são compartilhados, como os sujeitos se apropriam e elaboram
determinados conceitos, criando uma realidade prática e cotidiana.
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Arruda (2002) realiza um diálogo entre a teoria das representações sociais e as teorias de
gênero. A autora salienta que ambas as teorias têm como ponto em comum a proposta de
conhecimento que passa pela crítica do pensamento binário, do reducionismo, da crença na
neutralidade da ciência. Ambas as teorias não separam o sujeito social e o seu saber concreto do seu
contexto, assim como, a subjetividade também não pode ser analisada de forma isolada do sujeito e
da cultura que está inserido.
No final dos anos 80 ocorre uma reconfiguração de conceituações teóricas nos estudos
feministas, a qual emerge a terminologia “gênero” utilizado para designar a construção social sobre
a categoria “mulher”. Entretanto, este conceito passa por novas modificações, sendo empregado para
compreensão das relações sociais, e dos diferentes masculinos e femininos na sociedade. Sendo
considerado, portanto, uma categoria de análise, pois investiga a construção social das relações das
diferentes denominações, Silva (2011) destaca:
A compreensão das relações de gênero implica que sejam entendidas como construção social
baseada na diferenciação biológica dos sexos, expressa através de relações de poder e
subordinação, representada pela discriminação de funções, atividades, normas e condutas
esperadas para homens e mulheres em cada sociedade (SILVA, 2011, p. 05).
O termo violência de gênero é utilizado para designar as relações hierárquicas entre os
gêneros, pelas diferentes formas de poder e desigualdade (SAFFIOTI, 1995). Salienta-se que a
violência de gênero pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo, entretanto, o vetor mais comum é do
homem contra mulher.
A violência de gênero é capaz de produzir marcas, muitas vezes invisíveis na vida da vítima
e para a sociedade. Neste contexto, considera-se que há outras formas de violações imbricadas na
violência de gênero. A violência psicológica, por exemplo, repercute em todas ás áreas da vida da
vítima e refletindo no social. Considerado um problema de saúde pública, conforme salienta Souza
(2010):
A violência contra a mulher, nos dias atuais, é vista como um problema de saúde pública,
mas nem sempre foi assim. Anteriormente à discussão de gênero, durante séculos, a mulher
em condição de violência, não possuía auxilio e/ou socorro de quem quer que fosse,
submetendo-se e conformando-se com seu destino. Historicamente e, até décadas atrás,
muitas mulheres achavam que padecer pela violência imputada pelo seu cônjuge e/ou
companheiro era uma coisa normal, já que sua mãe também sofria pelo marido (SOUZA,
2010, p. 40).
A mulher vítima de violência de gênero sofre inúmeros impactos, dentre eles, a violência
psicológica, que por sua vez, são capazes de refletir não só no âmbito pessoal, mas principalmente no
social, onde são tecidas essas relações.
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Por ser considerado um problema de saúde pública, requer maior visibilidade sobre a temática.
Apesar dos avanços ocorridos com a implantação da Lei Maria da Penha e das produções acadêmicas
referentesà violência contra mulher, observa-se que requer novas explorações sobre a temática,
capazes de viabilizar propostas de identificação e prevenção da violência psicológica, como formas
de antepor a violência física e o feminicídio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estado do conhecimento é uma das etapas primordiais de um estudo científico, pois dará
subsídios ao/a pesquisador/a para realização de sua pesquisa, apontando a viabilidade de seu objeto
de estudo, à luz de um referencial teórico.
Durante este processo, os resultados obtidos foram articulados com a intencionalidade da
pesquisadora em sua pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, curso de Mestrado. Percebeu-se que os/as
pesquisadores/as, de forma geral, buscam compreender o fenômeno da violência contra mulher e
como este tipo de violação tem crescido nos últimos anos.
Os resultados das pesquisas apontam um número crescente de estudos que tratam a questão
da violência contra mulher, com base nos dados epidemiológicos e análises de perfis, como perfil do
agressor e perfil da vítima. É evidente que os números são indicativos para a compreensão de
determinado fenômeno, entretanto, deve-se levar em consideração um conjunto de fatores, sendo que
os dados estatísticos não podem ser analisados de forma isolada e nos diferentes contextos e
realidades.
Desta forma, diante da proporção histórica das questões de gênero, e da violência praticada
contra a mulher, percebe-se que apesar dos inúmeros estudos produzidos pela academia, este tema
não está superado e requer novos estudos que levem à compreensão mais profunda do fato estudado
com a finalidade de provocar inquietações que permitam verdadeiras mudanças na forma como a
questão é vista na sociedade.
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situação de violência doméstica. Revista Textos & Contextos, 6(2), 410-424. 2013.
TELES, M.A.A. O que é Violência contra a Mulher. São Paulo: Editora Brasiliense, 2010.
Abstract: This study aims at gender violence directed at women, with a cut for psychological
violence, and aims to analyze the surveys conducted during the period from 2010 to 2015 that dealt
with the social representations of gender violence. It is a bibliographical research, the information
collection was carried out in the following databases: Brazilian Digital Library of Theses and
Dissertations (BDTD), Scielo and periodical of the Coordination of Improvement of Higher
Education Personnel (CAPES), the Data were organized into categories that identify the type of study
carried out, as well as the approaches used and results achieved. It was also sought to identify the
types of violence most frequent in the studies; The nature of the complaint and the epidemiological
data. Preliminary results indicate a limited scientific production on gender violence with a cut in
psychological violence, from the perspective of Theory of Social Representations and gender studies,
which in turn treats not only the phenomenon, but the relationships in which Constituted violence.
The results show three thematic axes: axis I: general aspects of violence, typologies and
manifestations; Axis II: focused on the issues of the Maria da Penha Law; Axis III: points to the
theme of violence against women from the point of view of the theory of social representations and
gender studies.
Key-Words: Social representations; violence against women; psychological violence; Gender
relations.