As Ruas Sob Ataque - Protestos 2014 e 2015

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as ruas sobre ataque

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  • AS RUASSOB ATAQUE

    PROTESTOS2014 E 2015

  • EQUIPE ARTIGO 19 BRASIL

    Paula Martins DIRETORA

    Joara Marchezini Mariana Tamari Brbara Paes Fernanda Balbino ACESSO INFORMAO

    Jlia Lima Thiago Firbida Alessandra Ges PROTEO E SEGURANA DE COMUNICADORES E DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

    Laura Tresca Luiz Alberto Perin Filho INTERNET E TECNOLOGIAS DA INFORMAO E COMUNICAES

    Camila Marques Karina Quintanilha Pedro Teixeira Pedro Iorio Mariana Rielli CENTRO DE REFERNCIA LEGAL

    Joo Penteado Roberto Batista COMUNICAO

    Regina Marques Rosimeyri Carminati Yumna Ghani ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO

    Belisrio dos Santos Jnior Eduardo Panuzzio Malak Poppovik Luiz Eduardo Regules Marcos Fuchs Heber Arajo Thiago Donnini CONSELHOS ADMINISTRATIVO E FISCAL

    FICHA TCNICA

    REALIZAO ARTIGO 19

    SUPERVISO Paula Martins

    COORDENAO Camila Marques e Julia Lima

    TEXTO Camila Marques, Julia Lima, Karina Quintanilha, Luiz Perin, Mariana Rielli, Pedro Teixeira e Thiago Firbida.

    FOTO DA CAPA Pedro Chavedar

    PROJETO GRFICO E DESIGN Instinto (http://instinto.me)

    ATENO Este no um estudo de caso exaustivo. Novas informaes e alteraes podero ser acrescentadas ou modificadas, conforme o aprofundamento dos casos, envio de novos relatos e o avano das investigaes oficiais. Esta obra foi licenciada com uma Licena Creative Commons. Atribuio - Partilha nos Mesmos Termos 3.0. No Adaptada.

  • PANORAMADO DIREITO DE

    PROTESTONO BRASIL

    EM 2014 E 2015

    1

    PG. 8

    DIREITODE PROTESTO

    NO SISTEMAINTERNACIONAL

    7

    PG. 176

    VIOLAES2PG.

    24

    CRIMINALIZAO3PG.

    70

    Foto

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    AVANOSNA GARANTIADA LIBERDADEDE EXPRESSO

    4

    PG. 126

    IMPUNIDADE:O SILNCIO

    INSTITUCIONALIZADO

    6

    PG. 162

    COMUNICADORES5PG. 146

  • 8 9

    A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

  • 11

    A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

    O ANO QUE NOACABOU?

    2013:

    10

    O ano de 2013 foi marcado pelo conjunto de manifestaes populares que ocuparam as ruas do pas, as chamadas Jornadas de Junho. Diante desse cenrio de ampliao dos protestos de massas, a ARTIGO 19 lanou em 2014 um estudo anali-

    sando o direito liberdade de expresso e de manifestao no con-

    texto dos protestos no Brasil, destacando a sistemtica das violaes

    a esses direitos.

    A partir dessa experincia, a ARTIGO 19 continuou a aplicar sua

    metodologia de monitoramento de violaes liberdade de expres-

    so em manifestaes a fim de verificar se o Estado brasileiro tem

    respeitado o direito de organizar e participar de protestos, conside-

    rando suas implicaes sociais e institucionais. Nesta nova fase de

    pesquisa, o foco do monitoramento foram protestos que acontece-

    ram nos estados de So Paulo e Rio de Janeiro. Estes so os esta-

    dos que recebem mais ateno de veculos de mdia nacionais e de

    organizaes de direitos humanos, possibilitando um melhor fluxo

    de informaes para a anlise. Alm disso, a cidade do Rio de Janeiro

    receber os Jogos Olmpicos de 2016 e os preparativos tm grande

    impacto sobre a populao, que se manifesta sobre tais problemas

    inclusive por meio de manifestaes pblicas. Acreditamos que os

    protestos no Rio de Janeiro podem se intensificar entre o final de 2015

    e o incio de 2016, sendo importante o acompanhamento de longo

    prazo. Alm disso, a sistemtica das violaes nesses estados tam-

    Foto:Francisco Toledo/

    Guerilha GRR

  • 13

    1 P A N O R A M A G E R A LA S R U A S S O B A T A Q U E

    12

    bm acontece em todas as regies do Brasil, de modo que os padres

    aqui apresentados ajudam a entender o cenrio mais geral do pas.

    Para este relatrio, foram monitorados 740 protestos nos dois

    estados no perodo de janeiro de 2014 a junho de 2015. Foram tam-

    bm consideradas outras situaes emblemticas, ainda que te-

    nham ocorrido em outros estados que no So Paulo e Rio de Janei-

    ro. Entre eles esto o protesto dos professores da rede estadual do

    Paran em abril de 2015, fortemente reprimido pela Polcia Militar

    do estado, a condenao criminal de um manifestante em Porto

    Alegre, decises judiciais e polticas, investimentos dos governos,

    leis municipais e estaduais aprovadas ou em trmite em outros Es-

    tados, entre outros casos que por sua relevncia foram incorpora-

    dos neste relatrio.

    Ainda que 2013 tenha sido emblemtico pela nova dimenso

    que os protestos tomaram, suas consequncias extrapolam os fatos

    ocorridos naquele ano. O ano de 2013 abriu um ciclo de manifesta-

    es populares que permanece ainda hoje, mesmo que com caracte-

    rsticas diferentes.

    Foto: Rafael Bonifcio/

    Guerilha GRR

    O ANO DE 2013 ABRIU UM CICLO DE MANIFESTAES

    POPULARES QUE PERMANECE AINDA

    HOJE, MESMO QUE COM CARACTERSTICAS

    DIFERENTES

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    A S R U A S S O B A T A Q U E

    O real impacto daquelas manifestaes na cultura poltica bra-

    sileira ainda est em processo de debate e anlise por acadmicos e

    movimentos sociais, mas facilmente perceptvel que a ocupao das

    ruas passou a fazer parte do cotidiano da populao de uma maneira

    que no era comum nos anos anteriores. De qualquer forma, para esse

    debate fundamental a compreenso das especificidades que consti-

    turam os protestos a partir de 2014, especialmente nos grandes temas

    e acontecimentos que mais mobilizaram a populao no perodo.

    O ano de 2014 iniciou-se com o aumento das tarifas de nibus no

    Rio de Janeiro, colocando o MPL e a pauta do transporte pblico no

    centro do debate novamente. Dessa vez, no entanto, alm de o movi-

    mento no ter conseguido impedir o aumento da tarifa, a visibilidade

    maior das manifestaes se deu quando o cinegrafista da Rede Ban-

    deirantes, Santiago Andrade, foi atingido por um rojo e faleceu em

    razo dos ferimentos. Depois disso, aes de maior visibilidade do MPL

    voltaram a acontecer somente um ano depois, no incio de 2015, desta

    vez em So Paulo, quando ocorreu o aumento das tarifas na cidade.

    Novamente, o movimento perdeu fora de mobilizao depois de uma

    srie de atos nem todos reprimidos pela polcia.

    Assim como em 2013, quando a Copa das Confederaes no Brasil

    motivou diversos protestos, em 2014 a iminncia da Copa do Mundo

    da FIFA gerou manifestaes desde o incio do ano. Esses protestos,

    no entanto, sendo convocados e organizados por grupos diferentes,

    no chegaram a se massificar, no havendo registros de protestos com

    mais de 10 mil participantes, nem adeso de amplos setores sociais.

    Os protestos contra a Copa do Mundo, ocorridos entre fevereiro e

    junho de 2014, foram marcados pela represso do Estado. Desta vez,

    15

    1 P A N O R A M A G E R A L

    Foto: Rafael Bonifcio/

    Guerilha GRR

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    A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

    diferentemente da violncia generalizada por par-

    te das foras de segurana que marcou junho de

    2013, neste caso a represso e a violncia foram

    mais focadas, demonstrando uma atuao mais

    estratgica e planejada. Muitas vezes a ao po-

    licial se deu na tentativa de impedir que o protes-

    to sequer iniciasse.

    Este planejamento estratgico da represso

    pode ser visto, por exemplo, no uso do chamado

    Caldeiro de Hamburgo ou Kettling1 (veja mais infor-

    maes sobre essa ttica no Captulo 2) em protestos

    na capital paulista no dia 22 de fevereiro de 2014. No mes-

    mo perodo, a Polcia Militar do Estado de So Paulo inaugurou

    sua chamada Tropa do Brao2, com agentes supostamente treinados

    em artes marciais e de combate fsico para agirem sem o uso de ar-

    mamento.

    O que se viu, no entanto, que a justificativa de novas tcnicas e

    tticas para conter a violncia generalizada de maneira mais precisa,

    apenas aumentou a capacidade de represso do Estado. Em entrevista

    ao jornal Folha de S. Paulo, o coronel da Polcia Militar de So Paulo, Be-

    nedito Roberto Meira, explicou a mudana de ttica como garantia para

    ter risco zero de emprego de arma de fogo, e acrescentou ainda que

    novas medidas para a manuteno da ordem precisaram ser criadas

    depois que os protestos de rua ganharam novos formatos que a polcia

    1 | Fonte: http://noticias.r7.com/sao-paulo/novas-tecnicas-da-pm-para-protes-tos-sao-importadas-e-ja-geraram-polemica-em-outros-paises-020620142 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1411475-policia-militar-vai-usar-tropa-do-braco-em-protestos-em-sp.shtml

    no pde prever - como a ausncia de lderes e de

    trajetos combinados anteriormente.3

    As aes de intimidao institucional do Es-

    tado, por meio de processos judiciais, inquritos

    e projetos de lei podem ser um dos fatores que

    explicam o fato de que os protestos contra a

    Copa do Mundo foram perdendo fora ao longo

    do semestre e, no meio do evento, terminaram

    sem grande repercusso.

    Nesse contexto, emblemtico o protesto de 12

    de junho de 2014 em So Paulo, dia do jogo de abertura

    da Copa do Mundo. O protesto foi reprimido fortemente

    pela polcia antes mesmo que se formasse por completo no lo-

    cal marcado para a concentrao4. Neste protesto, assim como em

    outros do mesmo perodo em So Paulo e no Rio de Janeiro, ficou eviden-

    te que agentes das foras de segurana objetivaram atingir no apenas

    manifestantes mas tambm profissionais de mdia que faziam a cober-

    tura do ato, inclusive resultando em ao menos quatro correspondentes

    de veculos internacionais feridos. O ataque deliberado a profissionais de

    mdia melhor debatido no Captulo 5 (Comunicadores) deste relatrio.

    Com uma pauta poltica intensa em 2014, logo aps a Copa do Mun-

    do iniciou-se a campanha dos candidatos s eleies gerais daquele

    ano, destacando-se a corrida presidencial. Com uma srie de aconteci-

    mentos bastante imprevisveis e uma campanha agressiva, a sociedade

    3 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1411475-policia-militar-vai-usar-tropa-do-braco-em-protestos-em-sp.shtml4 | Concentrao foi a expresso usada por manifestantes para referncia ao local de incio dos protestos, onde manifestantes deveriam se encontrar e organizar antes de seguir com a manifestao.

    Foto:Francisco Toledo/

    Guerilha GRR

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    1 P A N O R A M A G E R A LA S R U A S S O B A T A Q U E

    brasileira saiu das eleies de 2014 profundamente polarizada. Foram

    as eleies mais acirradas da Nova Repblica, com a presidente Dilma

    Rousseff (PT) sendo reeleita com margem bastante apertada. A polari-

    zao ps-eleitoral passou tambm para as ruas, fazendo emergir ou

    consolidar grupos e movimentos que se reivindicam como conservado-

    res, ou que explicitamente se identificam com a direita poltica.

    Dessa maneira, diversas manifestaes ocuparam as ruas de

    todo o pas em oposio ao governo que acabara de reeleger-se. Es-

    tes protestos foram se ampliando de tal forma que em 15 de maro de

    2015, atos unificados tomaram simultaneamente dezenas de cidades

    pelo pas com dimenses comparveis maior manifestao de 2013,

    no dia 17 de junho daquele ano.

    Ainda assim, deve ser bem analisado o fato de no haver repres-

    so policial nestas manifestaes. Um caso simblico ocorreu no

    protesto contra o governo federal de 15 de maro de 2015 em So Pau-

    lo, em que esteve presente um grupo de extrema-direita que estaria

    portando artefatos explosivos e de combate5. A polcia, ao contrrio

    da sua atuao em 2013, agiu corretamente, intervindo especifica-

    mente sobre esse grupo, sem maior consequncia para a manifes-

    tao nem truculncia contra estas pessoas quando eram retiradas.

    Entre os protestos mais relevantes do perodo (tendo como crit-

    rio a capacidade de mobilizao e impacto no debate pblico), des-

    tacam-se tambm as manifestaes do movimento de professores

    e do movimento de luta por moradia digna, notadamente aqueles

    organizados pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).

    Esses movimentos possuem um conjunto de pautas concretas

    5 | Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/03/pm-prende-grupo-com-fogos-de-artificio-e-soco-ingles-em-protesto.html

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    Fotos:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

    e lideranas claramente estabelecidas e reconhecidas. Alm disso,

    possuem o Estado como o interlocutor direto de suas reivindicaes

    imediatas e aliam-se a partidos polticos sensveis s suas pautas.

    verdade que estes movimentos j tinham relevncia antes de 2013 e

    que seu repertrio de mobilizao j estava constitudo antes, mas

    relevante perceber que enquanto esses movimentos organizados

    continuam a aflorar, movimentos descentralizados que marcaram

    junho de 2013 perderam fora.

    Sobre os protestos relacionados s greves dos professores em di-

    versos estados do pas em 2015, ainda importante destacar o papel

    da mdia e das autoridades na invisibilidade desses movimentos, que

    O ANO DE 2013 ABRIU UM CICLO DE MANIFESTAES POPULARES QUE

    PERMANECE AINDA HOJE, MESMO QUE

    COM CARACTERSTICAS DIFERENTES

    s ganharam centralidade no debate pblico em casos de represso

    brutal das foras de segurana, como no caso do protesto de profes-

    sores do Paran em 29 de abril de 2015.

    A ttica Black Bloc, que ganhou visibilidade em 2013, tambm foi

    sendo cada vez menos utilizada nos protestos em 2014 e 2015. Ainda

    assim, a simbologia representada por esta estratgia de manifesta-

    o continuou sendo amplamente utilizada por autoridades pblicas

    e alguns veculos de mdia para a legitimao de aes de represso e

    criminalizao de manifestantes. Muitos protestos foram reprimidos

    sob a justificativa de que havia infiltrados Black Blocs cometendo cri-

    mes, mesmo quando no havia qualquer indcio ou evidncia disto.

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    Foto:Francisco Toledo/

    Guerrilha GRR

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    A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

    Assim como apresentaram outros padres de mobilizao, os protes-

    tos de 2014 e 2015 tambm foram impactados por algumas mudanas

    nos padres de represso do Estado se comparados a 2013. As aes

    de represso e violaes cometidas pelo Estado so o objeto central

    deste relatrio e sero melhor analisadas nos captulos que seguem.

    importante destacar, ainda assim, que aes de monitoramento de

    manifestantes, alm das j citadas aes institucionais de criminali-

    zao (com inquritos e processos intimidatrios, decises judiciais

    e projetos de lei), passam a ter cada vez mais importncia no quadro

    geral de aes repressivas usadas pelo Estado.

    No se deve ignorar que se a amplitude das manifestaes pegou

    muitas pessoas de surpresa em junho de 2013, a partir de 2014 elas j

    faziam parte do cotidiano de cidades como Rio de Janeiro e So Paulo.

    Assim, o Estado teve o tempo necessrio para entender o fenmeno

    adequadamente e agir no sentido de garantir os direitos de liberdade de

    expresso e de manifestao, treinando os agentes das foras de segu-

    rana a reagir dentro de protocolos pautados pela defesa de direitos.

    No entanto, o que se v, alm das violaes descritas neste rela-

    trio, a falta de investigaes e de responsabilizao dos agentes

    envolvidos em abusos durante 2013. Essa situao de impunidade

    de agentes do Estado que violam direitos fundamentais s refora

    a continuidade dessas violaes, representando um efetivo risco aos

    direitos humanos no pas, conforme discutido no Captulo 6 (Impuni-

    dade) deste relatrio.

    VIOLAES AO DIREITO DE PROTESTOPELO ESTADO BRASILEIRO: O QUE MUDOU?

    A maneira como as manifestaes acontecem e os setores sociais

    que esto nas ruas podem ter se alterado ao longo dos ltimos tem-

    pos, mas o que se pretende discutir neste relatrio o fato da ao

    repressiva do Estado no ter mudado, a no ser na forma de ser opera-

    cionalizada. Entre mudanas e continuidades observadas desde o lti-

    mo relatrio da ARTIGO 19, sobre os protestos em 2013, preocupante

    perceber que as mesmas categorias de violao se repetiram - quando

    no se aprimoraram - ao passo que novas formas de restringir o direito

    de protestos surgiram. Uma sociedade democrtica no compatvel

    com essa escalada de represso e supresso de direitos. Esse entendi-

    mento o primeiro passo para a defesa dos princpios democrticos e

    de direitos humanos no contexto de protestos no Brasil hoje.

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    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

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    A S R U A S S O B A T A Q U E 1 P A N O R A M A G E R A L

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    2 V I O L A E S

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    A S R U A S S O B A T A Q U E

    Foto:Francisco Toledo/

    Guerrilha GRR

    A s violaes contra manifestantes e ao direito de protesto, intensificadas de forma massiva a partir de junho de 2013, foram marcadas por abuso de autoridade, desrespeito aos direitos humanos e desproporcionalidade do uso da fora policial.

    Dois anos aps as Jornadas de Junho, o cenrio que se tem o de

    que estas violaes continuam a ser perpetradas por agentes do Es-

    tado. Em muitos casos, foram at aprimoradas com investimentos

    do Estado no aparato repressor, seja com a aquisio de novos equi-

    pamentos ou com a sofisticao de tcnicas e tticas de represso.

    Detalharemos nesse captulo as principais violaes que continu-

    am sendo cometidas por agentes de segurana, com um olhar para

    possveis avanos no sentido de garantir o direito de manifestao e

    para os evidentes retrocessos que ocorreram em 2014 e 2015. Sero

    destacados tambm casos emblemticos que exemplificam as viola-

    es mencionadas. Por fim, sero detalhados alguns dos investimen-

    tos realizados pelo Estado em novas armas, tticas e tcnicas para a

    represso aos protestos.

  • 29

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    28

    i) IDENTIFICAOA falta de identificao dos agentes da Polcia Militar continua sendo

    uma prtica recorrente. Um grande nmero de policiais presente nas

    manifestaes que ocorreram no perodo analisado no possua em

    seu uniforme a sua identificao de forma clara e visvel.

    No estado de So Paulo, a TV Folha flagrou em vdeo diversos po-

    liciais militares da tropa de choque sem identificao em manifesta-

    o na capital contra a Copa do Mundo no dia 26 de janeiro de 2014.6

    Em 14 de maro o portal IG tambm filmou policiais militares sem

    6 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403180-policiais-escon-dem-identificacao-em-farda-durante-protesto-em-sp-assista.shtml

    A) TIPOS DE VIOLAO

    Foto: Pedro Chavedar

    identificao em protesto contra o megaevento7. No dia 2 de julho

    de 2014, dois advogados ativistas foram detidos de forma arbitrria

    justamente por questionarem a falta de identificao de integrantes

    da Tropa de Choque da Polcia Militar. Este caso especfico ser deta-

    lhado no tpico sobre detenes arbitrrias8.

    Tambm no estado de So Paulo, em maio de 2014, a Polcia Mili-

    tar alterou a tarjeta de identificao da Tropa do Brao ou Tropa Ninja

    - tropa composta por policiais especializados em artes marciais, para

    que ao invs de identificar nominalmente e pelo posto, ela contivesse

    nmeros. A identificao, portanto, passou a ser algo semelhante a

    SD 1155308m19.

    A medida indica o intuito de dificultar a identificao dos policiais

    militares pelos manifestantes e outros atores envolvidos, uma vez

    que em um momento de tenso ou agresso se torna praticamente

    impossvel memorizar a descrio da tarjeta.

    A falta do uso de identificao uma prtica corriqueira e dis-

    seminada na Polcia Militar durante os protestos. Alm de afrontar

    os Regulamentos de Uniformes das prprias polcias10, esta prtica

    dificulta e at mesmo impede que manifestantes possam realizar de-

    nncias contra policiais que cometam abusos e ilegalidades durante

    7 | Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2014-03-14/video-protes-to-tem-provocacao-e-policiais-sem-identificacao-em-sao-paulo.html8 | Fontes: http://advogadosativistas.com/corpo-estranho-em-praca-publica-pren-de-advogados/; http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/advogados-ativis-tas-sao-presos-em-protesto-em-sp,9f9d0c15b34f6410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html 9 | Fonte: http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/sp-no-diva/tropa-do-braco-com-nu-meros-faz-tarjeta-para-dificultar-identificacao-em-uniforme/10 | Em So Paulo o Regulamento de Uniformes da Polcia Militar foi aprovado pelo Decreto Lei n 28.057/1987. O Estado do Rio de Janeiro nunca respondeu pedido de informao enviado pela Artigo 19 em 2013 a respeito do seu regulamento de uniformes. Mais informaes no Relatrio Protestos no Brasil 2013, disponvel em: http://artigo19.org/protestos/

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    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    os protestos, gerando um ambiente de intimidao e tenso, mesmo

    antes do protesto se iniciar.

    Trata-se de um problema que endmico e de responsabilidade

    do alto comando das Polcias Militares e das Secretarias de Seguran-

    a Pblica dos estados, uma vez que ocorre h anos e de forma gene-

    ralizada, o que demonstra ao menos uma conivncia dos comandos

    policiais com a prtica.

    O Relator da ONU sobre o Direito Liberdade de Reunio Pacfica e de Associao, Maina Kiai, expressou a importncia de agentes policiais usarem identificao visvel em seus uniformes, uma vez que o Estado tem a obrigao de estabelecer meios acessveis e efetivos para o recebimento de denncias sobre violaes de direitos humanos ou abusos cometidos de forma a responsabilizar os culpados11.

    A Organizao para Segurana e Cooperao Europeia, em suas Diretrizes para Liberdade de Reunio Pacfica, assevera que as identificaes dos agentes policiais devem ser claras e individualmente identificveis. Quando trajando um uniforme, o agente deve portar alguma forma de identificao em sua farda e no remover ou cobrir a identificao ou impedir pessoas de lerem-na durante o protesto.12

    11 | Disponvel em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBod-ies/HRCouncil/RegularSession/Session20/A-HRC-20-27_en.pdf12 | Disponvel em: http://www.osce.org/odihr/73405?down-load=true

    PADRESINTERNACIONAIS

    ii) DETENES ARBITRRIASOutra violao recorrente em manifestaes que perdura desde as

    manifestaes de 2013 so as detenes arbitrrias e ilegais cometi-

    das pela polcia.

    Conforme o levantamento realizado pela ARTIGO 19, entre janei-

    ro de 2014 e junho de 2015 somente nos estados de So Paulo e Rio

    de Janeiro, ao menos 849 pessoas foram detidas em 740 protestos. O

    nmero preocupante, j que leva em conta apenas manifestaes

    ocorridas em dois estados.

    No incio de 2014, na cidade de So Paulo ocorreram dois protestos

    contra a Copa do Mundo com altssimo nmero de detidos. No primei-

    ro deles, em 25 de janeiro, ao menos 128 pessoas foram detidas.13

    Na segunda manifestao, em 22 de fevereiro, a ARTIGO 19 re-

    gistrou 262 pessoas detidas. Neste dia, a polcia paulista utilizou

    pela primeira vez a tcnica conhecida como Kettling ou Caldeiro de

    Hamburgo. Isto , um cordo policial que cercou dezenas de mani-

    festantes aleatoriamente, independente de terem cometido qual-

    quer ato contrrio lei, sob a alegao de que haveria quebra da or-

    dem14. A ttica, criada na Alemanha em 1986, foi considerada ilegal

    por um tribunal de justia alemo e a polcia foi condenada a pagar

    indenizaes ao Estado e aos manifestantes15.

    Segundo o coronel da PM, Celso Lus Pinheiro, a polcia agiu re-

    alizando o Kettling quando o servio de inteligncia verificou que

    13 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403066-protesto-contra-a-copa-termina-com-108-detidos-em-sp.shtml14 | Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/02/pm-avalia-que-primeira-op-eracao-tropa-do-braco-foi-um-sucesso.html15 | Fonte: http://www.otempo.com.br/capa/brasil/caldeir%C3%A3o-de-hamburgo-%C3%A9-t%C3%A1tica-criada-por-alem%C3%A3es-em-1986-1.866251

    Foto: Francisco

    Toledo/Guerrilha

    GRR

  • 32 33

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    haveria quebra da ordem16. No entanto, vdeos filmados por ativistas

    mostram que a manifestao era pacfica quando foi cercada pela PM17.

    A alegao de que poderia ocorrer a quebra da ordem dada pelo

    coronel da PM indica a arbitrariedade das prises. O fato de terem

    sido detidos preventivamente, para evitar supostos e eventuais futu-

    ros atos de quebra da ordem ilegal, uma vez que no se pode punir

    previamente algum sob suspeita infundada de que ir cometer ato

    ilcito no futuro. Individualizao da conduta tambm impossvel

    nesses casos, configurando outra ilegalidade.

    Um caso emblemtico ocorreu no dia 1 de julho de 2014 quando

    dois advogados do coletivo Advogados Ativistas foram detidos arbi-

    trariamente pela Tropa de Choque ao questionarem porque alguns

    dos policiais estavam sem identificao enquanto monitoravam com

    cmaras filmadoras uma reunio aberta em uma praa em So Pau-

    lo. A reunio havia sido convocada para debater os eventos ocorridos

    durante o perodo da Copa do Mundo18, incluindo a represso e vio-

    lncia de agentes policiais.

    Segundo a verso da PM, os advogados teriam ofendido e agre-

    dido os policiais. No entanto, um vdeo divulgado pelo Coletivo Ob-

    servadores Legais demonstrou que eles apenas questionaram a falta

    de identificao dos agentes e que isso teria motivado a agresso e a

    deteno arbitrria.19

    16 | Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/sp-pm-avalia-acao-em-protes-to-como-sucesso-e-pede-desculpas,f52a1104b8064410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html17 | Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=2sIDkorQNYU18 | Fontes: http://advogadosativistas.com/corpo-estranho-em-praca-publi-ca-prende-advogados/; http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/advogados-ativis-tas-sao-presos-em-protesto-em-sp,9f9d0c15b34f6410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html19 | Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/07/advogados-dizem-ter-si-do-agredidos-e-coagidos-por-policiais-em-sp.html

    Em junho de 2015 houve a primeira condenao de policiais mili-

    tares por conta de uma deteno ilegal, baseada em flagrante forja-

    do, no Rio de Janeiro. Em 30 de setembro de 2013, o Major Pinto e o

    Tenente Bruno da PMRJ haviam forjado, conforme foi comprovado,

    um flagrante de porte de morteiro contra um manifestante adoles-

    cente, de idade inferior a 18 anos, tendo utilizado inclusive algemas

    durante a deteno de forma ilegal.

    A Relatoria de Liberdade de Expresso, da CIDH, assinala que policiais no podem prender manifestantes quando os mesmos esto agindo de forma pacfica e legalmente e assinala que a mera desordem no suficiente para justificar detenes20.

    No Comentrio Geral n 35 do Comit de Direitos Humanos da ONU, emitido em 2014, que foca na ampla temtica de liberdades pessoais, h uma sesso destinada a enumerao de situaes de restrio arbitrria e ilegal de tais liberdades. Dentre elas, destaca-se que: priso ou deteno como punio pelo exerccio legtimo de direitos garantidos pelo Acordo ser considerada arbitrria, incluindo liberdade de opinio e expresso, de reunio e de associao.21

    20 | Relatrio da Relatoria Especial da Comisso Interamericana de Direitos Humanos, sobre Manifestaes Pblicas como um Exerccio da Liberdade de Expresso e Liberdade de Reunio21 | Disponvel em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/244/51/PDF/G1424451.pdf?OpenElement

    PADRESINTERNACIONAIS

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 34 35

    2 V I O L A E S

    iii) PROIBIES PRVIAS POR DECISO JUDICIALAlm das violaes que o Estado comete durante as manifestaes,

    existem tambm aes que so prvias manifestao e que cerceiam

    igualmente o direito de protesto. Em geral, estes atos podem ser con-

    siderados como um tipo de censura prvia e ocorrem por meio de aes

    judiciais, como os Interditos Proibitrios, que probem de forma gen-

    rica e desproporcionada a realizao das manifestaes em determi-

    nados lugares e horrios, restringindo o direito de protestar.

    Em 22 de abril de 2015, o governo do estado de So Paulo, por

    meio do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de So

    A S R U A S S O B A T A Q U E

    Foto: Pedro Chavedar

    Paulo, entrou com um Interdito Proibitrio isto , uma ao para

    impedir uma possvel ocupao de espao de forma ilegal - contra

    o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de So Pau-

    lo pedindo que fossem proibidos de fechar as rodovias. A Justia de

    So Paulo concedeu liminar para impedir que o Sindicato realizasse

    protestos nas rodovias ou vias de acesso do Estado, sob pena de mul-

    ta no valor de R$ 100 mil. A justificativa foi a de que haveria conflito

    entre os direitos de greve e livre manifestao do pensamento e o

    direito liberdade de locomoo.

    Aps a deciso, o Sindicato dos Professores realizou novos pro-

    testos em rodovias e a Justia determinou ento a aplicao de multa

    no valor de R$ 300 mil.

    No ms seguinte, outra medida restritiva foi imposta pelo Poder

    Judicirio ao Sindicato dos Professores. Desta vez o governo do es-

    tado de So Paulo conseguiu por meio de uma deciso judicial que

    os professores fossem proibidos de divulgar a greve nas escolas. A

    deciso reformou uma liminar que garantia aos professores o direito

    de divulgar a greve nos intervalos, conversando com professores e

    colando cartazes.22

    22 | Fonte: http://educacao.estadao.com.br/blogs/paulo-saldana/justica-de-sp-proi-be-que-professores-grevistas-divulguem-greve-nas-escolas/

    DOIS ANOS APS AS JORNADAS DE JUNHO, O CENRIO QUE SE TEM

    O DE QUE ESTAS VIOLAES CONTINUAM A SER PERPETRADAS

    POR AGENTES DO ESTADO.

  • 36 37

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    Em Rio Preto, no interior do estado de So Paulo, o juiz da Infn-

    cia e Juventude, Evandro Pelarin, proferiu deciso em maro de 2015

    proibindo a participao de crianas e adolescentes que no estives-

    sem acompanhados dos pais ou responsveis legais em protestos

    marcados para o dia 15 daquele ms. O pedido foi feito por meio de

    representao pelo comandante da Polcia Militar de Rio Preto e re-

    gio, coronel Rogrio Xavier, e foi apoiado pelo Ministrio Pblico

    de So Paulo23. Segundo o juiz, a medida foi concedida com base na

    obrigao do Estado de proteger a criana e o adolescente, sem con-

    siderar que crianas e adolescentes tambm tem direito liberdade

    de expresso.

    Essas medidas cerceiam injustificadamente o direito ao protesto,

    que deve ser garantido pelo Estado independente de imposio de

    limitaes de lugar, horrio e contedo, a no ser aquelas condies

    presentes na Constituio Federal: que o direito de protestos seja

    exercido pacificamente, sem armas e com prvio aviso independen-

    te de autorizao autoridade competente (CF, art. 5, XVI).

    A proibio de protestos de forma indiscriminada no est em

    conformidade com um Estado Democrtico de Direito, em que o di-

    reito de protesto deve ser visto como uma forma legtima e essencial

    para o exerccio da cidadania e para a participao poltica.

    23 | Fontes: http://www.diariodaregiao.com.br/politica/an-dal%C3%B3-ser%C3%A1-palco-hoje-de-protesto-proibido-para-menores-1.14777; http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/juiz-proibe-menores-em-protesto-no-interi-or-de-sao-paulo,2745003f9421c410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html

    O princpio 5, da Declarao de Princpios sobre Liberdade de Expresso, da CIDH, estabelece que a censura prvia, a interferncia ou presso direta ou indireta sobre qualquer expresso, opinio ou informao atravs de qualquer meio de comunicao oral, escrita, artstica, visual ou eletrnica, deve ser proibida por lei e que as restries livre circulao de ideias e opinies, assim como a imposio arbitrria de informao e a criao de obstculos ao livre fluxo de informao, violam o direito liberdade de expresso.

    A Conveno sobre Direitos da Criana da ONU em seu artigo 13 assegura que a criana ter direito liberdade de expresso. Esse direito incluir a liberdade de procurar, receber e divulgar informaes e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou de qualquer outro meio escolhido pela criana.

    PADRESINTERNACIONAIS

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 39

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    iv) USO DE ARMAS LETAIS E MENOS LETAISARMAS MENOS LETAISO uso de armas menos letais como bala de borracha, spray de pi-

    menta, bombas de gs lacrimogneo e de efeito moral continua

    sendo um dos maiores problemas nos protestos, j que so usadas

    de maneira abusiva e sem procedimentos, causando leses em mani-

    festantes, comunicadores e transeuntes. Estas armas podem causar

    mutilaes, perda de viso e, ao contrrio do que se tenta sugerir,

    podem causar mortes. Pouco ou nada mudou desde o relatrio de

    38

    Foto: Rafael Bonifcio/

    Guerrilha GRR

    2013 elaborado pela ARTIGO 19 com relao ao uso de armas menos

    letais. Algumas medidas no sentido de regulamentar o uso foram

    propostas e/ou aprovadas (vide tambm Captulo 4 Avanos na

    Garantia da Liberdade de Expresso), mas na prtica a situao con-

    tinua a mesma ou ainda pior.

    A PONTE Jornalismo revelou no final de outubro de 2014 um do-

    cumento ao qual tiveram acesso, mas que havia sido classificado

    como secreto pela Polcia Militar do Estado de So Paulo. O docu-

    mento se referia ao Procedimento Operacional Padro (POP) 5.12

    que estabelece regras para a utilizao de armas com munio de

    elastmero (bala de borracha).24

    Conforme determina o documento, o policial deve identificar os

    agressores tropa, em meio aos manifestantes, preparar para o disparo

    direcionando para os membros inferiores do agressor ativo e respeitar o

    limite mnimo de 20 metros, atentando para a existncia de obstcu-

    los ou pessoas que possam ser atingidas.

    Alm disso, o documento ainda determina que o policial deve

    isolar a rea e retirar o indivduo do meio da multido (se possvel), socor-

    rendo ou providenciando o socorro aos feridos, aps o disparo ou da disper-

    so da massa.

    Por fim, o documento prev que a polcia deve conduzir os deti-

    dos, os materiais apreendidos, armas e munies ao Distrito Policial

    e registrar a quantidade e situao em que a munio de borracha foi

    utilizada por meio de um relatrio de servio operacional.

    O acompanhamento realizado pela ARTIGO 19 indica, contudo,

    que a Polcia Militar do Estado de So Paulo no tem respeitado seus

    24 | Fonte: http://ponte.org/pm-bala-de-borracha-documento-secreto/

  • 40 41

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    prprios protocolos para o uso deste tipo de

    armamento, realizando disparos de forma

    aleatria na direo de manifestantes, aci-

    ma da linha da cintura, a menos de 20 me-

    tros de distncia, sem prestar o socorro em

    seguida e sem realizar os devidos relatrios.

    Situaes como esta levaram a casos

    como o do ciclista W, tambm relatado pela

    PONTE Jornalismo, que foi atingido no olho

    por uma bala de borracha durante um ato do

    Movimento Passe Livre contra a tarifa em 16

    de janeiro de 2015. Segundo W, o policial mi-

    rou diretamente em sua direo e estava a

    menos de 10 metros de distncia25.

    No protesto dos professores do estado

    do Paran, em 29 de abril de 2015, a Polcia

    Militar utilizou 2.323 balas de borracha, cer-

    ca de 20 tiros por minuto, alm de 1.094 gra-

    nadas de efeito moral e lacrimogneo e 300

    projteis lacrimogneos de longo alcance. Os nmeros foram forneci-

    dos pela prpria Polcia Militar, em ofcio enviado ao Ministrio Pblico

    de Contas. Na operao foram gastos R$ 948 mil em munies e dirias

    pagas para deslocar policiais do interior para a capital26. O protesto re-

    sultou em 213 pessoas feridas, segundo a prefeitura de Curitiba.

    25 | Fonte: http://ponte.org/ainda-nao-sei-se-vou-voltar-a-enxergar-diz-nova-vitima-de-bala-de-borracha/26 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1635342-durante-protesto-pm-do-parana-deu-20-tiros-por-minuto-contra-professores.shtml

    O USO DE ARMAS MENOS LETAIS CONTINUA SENDO UM DOS MAIORES PROBLEMAS NOS PROTESTOS, SENDO

    USADAS DE MANEIRA ABUSIVA E SEM PROCEDIMENTOS, CAUSANDO LESES EM MANIFESTANTES, COMUNICADORES

    E TRANSEUNTES.

    Foto: Rafael Bonifcio/

    Guerrilha GRR

  • 42

    A S R U A S S O B A T A Q U E

    ARMAS LETAISO uso de armas letais tambm foi um dos graves problemas observa-

    dos nos protestos. Em alguns protestos entre janeiro de 2014 e junho

    de 2015 em So Paulo e no Rio de Janeiro houve registro do uso de

    armamento letal pela polcia, principalmente na capital carioca.

    Em um protesto em maro de 2014, na Favela da Grota, no complexo

    do Alemo no Rio de Janeiro, no qual os moradores se manifestavam con-

    tra prises realizadas injustamente na Favela Nova Braslia, o estudante

    Rodrigo Oliveira, de 20 anos, foi atingido por um tiro de arma de fogo no

    p, disparado por um policial, segundo ele, enquanto ia para a escola27.

    Tambm no Rio de Janeiro, em abril de 2014, durante um protes-

    to no morro do Pavo-Pavozinho relacionado morte do danarino

    Douglas Pereira - executado pela polcia, segundo inqurito, ao ser

    confundido com traficante -, houve represso da PM que culminou

    com a morte do jovem Edilson Silva dos Santos, de 27 anos, atingido

    por um tiro de arma de fogo na cabea.28 O soldado Hebert Nobre

    Maia, da Polcia Militar do Rio de Janeiro, foi indiciado por homic-

    dio doloso (intencional) pela morte do jovem29. Segundo moradores

    do local, neste mesmo protesto um menino de 12 anos foi baleado30,

    porm no foram divulgadas informaes suficientes para apurar as

    circunstncias e a situao de sade da criana31 .

    27 | Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-03-11/protesto-no-ale-mao-tem-confronto-entre-pm-e-manifestantes.html28 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1444184-pm-reforca-segur-anca-no-pavao-pavaozinho-no-rio-apos-morte-de-dancarino.shtml29 | http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2015/03/pm-e-indiciado-por-homici-dio-durante-manifestacao-contra-morte-de-dg.html30 | Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/04/policiamento-conti-nua-reforcado-em-copacabana-apos-morte-de-dancarino.html31 | Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/garoto-e-baleado-du-rante-protesto-em-copacabana

    43

    Em outro protesto no Rio de Janeiro, desta vez contra a Copa do

    Mundo, no dia 15 de junho de 2014, um policial civil paisana que pas-

    sava de carro desceu do veculo e empunhou arma de fogo no meio

    dos manifestantes e comunicadores. Ao arrancar com o veculo dis-

    parou dois tiros para o alto. A cena foi gravada em vdeo pelo Jornal

    A Nova Democracia32 . O mesmo vdeo mostra outro policial de moto

    efetuando disparos de arma de fogo para a frente, no se sabe contra

    quem. Aps a divulgao dos vdeos, os dois policiais foram impedi-

    dos de atuar em protestos33 .

    32 | Vdeo disponvel: https://www.youtube.com/watch?v=rV0xW5uw4og&fea-ture=youtube_gdata_player; Outras fontes: http://www.foxnews.com/sports/2014/06/15/brazil-police-officers-shoot-live-rounds-during-world-cup-protests/33 | Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,policiais-sao-afastados-apos-us-arem-armas-em-ato-no-rio,1513028

    2 V I O L A E S

    Foto: Gabriel Soares/Guerrilha GRR

  • 44 45

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    Em So Paulo, talvez o mais emblemtico caso envolvendo o uso

    de armamento letal em protestos tenha sido o do manifestante Fa-

    brcio Proteus Chaves, baleado por um policial militar no dia 25 de

    janeiro de 2014 durante um protesto na regio de Higienpolis.34

    Fabrcio foi atingido por dois tiros, um no trax e outro na virilha, e

    ficou cinco dias internado em estado grave na Unidade de Tratamento

    Intensivo (UTI) da Santa Casa. Fabrcio teve alta aps 16 dias de inter-

    nao, tendo perdido um dos testculos em decorrncia do ferimento.

    Vdeos de cmera de segurana de um prdio e de um posto de ga-

    solina da regio mostram que Fabrcio corria perseguido por policiais

    quando, em dado momento, se vira para eles e atingido duas vezes

    por tiros disparados por um dos agentes.35 Segundo os policiais, Fabr-

    cio teria tentado agredi-los com um estilete. Alm disso, a Secretaria

    de Segurana Pblica afirmou que o manifestante seria adepto da t-

    tica Black Bloc, verso que foi contestada por familiares e advogados.

    Nos vdeos divulgados no possvel concluir que Fabrcio portava um

    estilete, como alegaram os policiais, e a nica prova divulgada da pos-

    svel relao de Fabrcio com a ttica Black Bloc foi o fato de ele curtir

    as pginas relacionadas vertente no Facebook.36

    Na poca, a Defensoria Pblica do Estado de So Paulo assumiu

    o caso e a Corregedoria da Polcia Militar afirmou que iria investigar

    os trs policiais militares envolvidos na ao, contudo at o fim da

    34 | Fontes: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/homem-e-baleado-por-pms-em-sp-em-noite-de-protesto-contra-copa.html; http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/02/baleado-por-policiais-apos-protesto-em-sao-paulo-tem-alta.html; http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/corregedoria-vai-investigar-polici-ais-que-atiraram-contra-manifestante.html;35 | Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ohahllVUYtQ36 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1403458-video-mostra-mo-mento-em-que-jovem-e-baleado-por-pms-em-protesto-em-sp.shtml

    elaborao deste relatrio no foi possvel obter informao se a in-

    vestigao foi concluda.

    Alm das garantias e direitos previstos na Constituio Federal

    e tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, o uso de

    arma de fogo com munio letal contra Fabrcio fere o item 4 do De-

    creto Interministerial (Ministrio da Justia e Secretaria de Direitos

    Humanos) 4226/2010 sobre o uso da fora por agentes de segurana,

    que determina:

    4. NO LEGTIMO O USO DE ARMAS DE FOGO CONTRA PESSOA EM FUGA QUE ESTEJA DESARMADA OU QUE, MESMO NA POSSE DE ALGUM TIPO DE ARMA, NO REPRESENTE RISCO IMEDIATO DE MORTE OU DE LESO GRAVE AOS AGENTES DE SE-GURANA PBLICA OU TERCEIROS.

    Ainda que Fabrcio estivesse em posse de um estilete, no se jus-

    tifica o uso de arma letal, uma vez que trs policiais poderiam conter

    de forma menos lesiva um nico manifestante antes de recorrer

    arma de fogo, que deveria ser a ltima medida de conteno caso ele

    realmente oferecesse algum perigo real vida dos agentes de segu-

    rana ou de outros indivduos. Os tiros disparados na regio do trax

    e da virilha demonstram ainda mais a desnecessidade da ao e o

    despreparo dos policiais militares envolvidos, que poderiam ter cau-

    sado a morte do manifestante.

  • 46 47

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    O levantamento realizado pela ARTIGO 19 demonstra que a uti-

    lizao de armamento letal em protestos ocorre com maior frequ-

    ncia quando eles so realizados em comunidade pobres, principal-

    mente no Rio de Janeiro. Em geral, estes protestos so motivados

    por aes violentas da prpria polcia contra os moradores.

    Um ponto que vale ressaltar sobre esse tema a diferena de

    cobertura dos grandes veculos de comunicao em relao ao uso

    de armamento letal em manifestaes no centro das cidades e nas

    comunidades mais pobres. Os casos ocorridos em protestos nos

    grandes centros urbanos, tanto em So Paulo, quanto no Rio de Ja-

    neiro, tiveram uma cobertura mais detalhada dos acontecimentos,

    com acompanhamento ao longo dos dias subsequentes, como no

    caso de Fabrcio em So Paulo. No Rio de Janeiro, policiais que efe-

    tuaram disparos no protesto contra a Copa foram, inclusive, afas-

    tados do trabalho.

    J o uso de armamento letal pela Polcia Militar em protestos

    nas comunidades perifricas noticiado com muito menos deta-

    lhes e sem amplo acompanhamento por parte da maioria dos ve-

    culos da imprensa, como foi o caso de uma criana atingida durante

    protesto no Morro do Pavo-Pavozinho37 . A ARTIGO 19 buscou

    mais informaes sobre o estado de sade dessa criana para in-

    cluir nesse relatrio, porm verificou que o caso no recebeu cober-

    tura posterior da mdia. Esse comportamento da imprensa permite

    identificar certa banalizao e naturalizao do uso de armamento

    letal nessas comunidades, o que faz com que no sejam tratados

    37 | http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/garoto-e-baleado-duran-te-protesto-em-copacabana

    com tanto acompanhamento e apurao como quando ocorrem

    nas regies centrais e de classe mdia e alta.

    Mesmo quando noticiados, tais casos so relatados a partir de

    uma perspectiva na qual admite-se o uso de armamento letal com

    mais normalidade e naturalidade em reas perifricas e marginali-

    zadas do que quando utilizados em outros contextos de protestos.

    Relator Especial sobre Execues Extrajudiciais, Sum-rias ou Arbitrrias da ONU recorda que o gs no faz discri-minao entre manifestantes e no-manifestantes, pessoas saudveis e com problemas de sade e tambm alerta contra qualquer modificao na composio qumica do gs com o propsito de infligir dor severa nos manifestantes e, indireta-mente, nos transeuntes espectadores (A/HR/17/28).

    Segundo as Diretrizes para Liberdade de Reunio Pacfi-ca, da Organizao para Segurana e Cooperao Europeia, onde o spray de pimenta ou outros qumicos irritantes possam ser utilizados, procedimentos de descontaminao devem ser postos em prtica38.

    O documento da OSCE ainda ressalta que o uso de balas de borracha, cassetes, canhes dgua e outros mtodos violentos de controle de multides devem ser estritamente regulados. Alm disso, onde ferimentos ou mortes resultarem do uso da fora por agentes policiais, uma investigao independente, aberta, imediata, e efetiva deve ser estabelecida.

    38 | Disponvel em: http://www.osce.org/odihr/73405?download=true

    PADRESINTERNACIONAIS

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 49

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    v) VIGILANTISMONo Relatrio de Protestos de 201339, elaborado pela ARTIGO 19, foram

    analisadas as prticas de vigilantismo realizadas pelo Estado sobre os

    manifestantes. Em relao Polcia Militar, por exemplo, foi questio-

    nado o uso de cmeras filmadoras para identificao de manifestantes.

    O que verificou-se na prtica que, embora a filmagem dos pro-

    testos de uma forma geral possa servir como proteo aos manifes-

    tantes, quando ela feita por agentes policiais resulta em um efeito

    intimidador e inibidor da liberdade de expresso dos manifestantes

    e parece ter sido usada, em muitas situaes, exatamente para esse

    fim, independentemente de qualquer ao violenta ou ilegal por

    parte daqueles que eram alvo das filmagens.

    39 | Fonte: http://www.artigo19.org/protestos/violacoes.php

    48

    Ademais, em resposta a pedidos de informao realizados pela

    ARTIGO 19 poca, a maior parte dos rgos se esquivou, evitando

    responder qual seria o respaldo legal para a utilizao de cmeras

    por parte de policiais e qual seria a destinao dada s imagens. Em

    alguns casos, sequer houve resposta. Em outros, alegaram normas

    amplas e genricas que, supostamente, permitiriam essa prtica.

    A seguir, sero analisados os protestos ocorridos entre janeiro

    de 2014 e junho de 2015 sob a perspectiva da vigilncia e do monito-

    ramento de manifestantes.

    A ARTIGO 19 teve acesso a alguns inquritos policiais abertos

    contra manifestantes, durante o perodo abarcado por esse relat-

    rio. A partir da apreciao dos documentos, percebe-se que, para

    definir os acusados, a polcia usou como base a participao recor-

    rente de determinadas pessoas nos protestos, os depoimentos de

    terceiros e, principalmente, as declaraes e o comportamento dos

    investigados na internet.

    ABERTURA DAS INVESTIGAES E CRITRIOS PARA DEFINIO DE SUSPEITOSA base de operao da investigao policial em redes sociais se d

    pela chamada ronda virtual (nomenclatura utilizada nos autos dos

    referidos inquritos). Nos casos analisados, a ronda virtual tratou

    basicamente do trabalho manual de checar perfis de pessoas que es-

    to associadas a pginas que apoiavam os protestos e que eventual-

    mente defendiam a depredao de patrimnio ou manifestavam-se

    contra policiais (pginas na rede social Facebook com grande varia-

    Foto:Vitor Cohen/

    Guerrilha GRR

  • 50 51

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    o de contedos e matizes polticos e ideolgicos). Com isso, aliado

    s detenes para averiguao e depoimentos, a polcia foi refinando

    as informaes e definindo os alvos de investigao.

    Uma vez determinado quais seriam as pessoas investigadas

    com base nas verificaes feitas pelas rondas virtuais e mesmo de-

    tenes durante os protestos, foram realizados sucessivos pedidos

    de quebra de sigilo de comunicaes e de busca e apreenso para

    tentar confirmar o suposto vnculo criminoso. As quebras de sigilos

    telefnicos tiveram um papel central na tentativa de provar que os

    manifestantes-alvo estavam envolvidos de alguma maneira em ati-

    vidades por eles consideradas ilcitas. Tais autorizaes judiciais tem

    carter questionvel a partir do momento em que a relevncia das

    provas obtidas era discutvel. Baseavam-se em presunes que, em

    geral, diziam respeito um suposto comportamento violento e na

    ideologia dos manifestantes, observadas por meio das redes sociais.

    Faltaram indcios concretos que apontassem para a possvel prtica

    de crimes. Posteriormente, com os mandatos de busca e apreenso,

    foram obtidas provas materiais, como folhetos de protestos, jor-

    nais polticos de esquerda, roupas pretas, etc40.

    importante notar que terceiros tambm foram afetados pelas

    investigaes. Para definir quem seria intimado a depor a respeito

    dos acusados, os critrios de escolha pareceram exagerados. Pesso-

    as que simplesmente comentavam em pginas consideradas, pelos

    investigadores, apologticas violncia em redes sociais eram moni-

    toradas e viravam imediatamente suspeitos em potencial.

    Vale ressaltar que a questo do nvel de privacidade dos usurios

    40 | http://apublica.org/2015/05/um-preso-politico-no-brasil-democratico/

    na rede tambm interferiu nas investigaes e na definio dos acu-

    sados. Usurios com murais abertos e fotos disponveis eram facil-

    mente identificados e o trabalho de associao feito pelos agentes

    acabava agregando todas as pessoas que podiam estar relacionadas

    a um determinado ato investigado com grande grau de abstrao.

    QUEBRA DE SIGILONo que diz respeito quebras de sigilo, como as telefnicas j men-

    cionadas, os delegados de polcia buscaram cobrir todos os tipos de

    comunicaes privadas em que os suspeitos poderiam se engajar.

    Eventualmente, os juzes cederam aos pedidos e permitiram que

    fossem feitos diversos tipos de solicitaes s empresas respons-

    veis principalmente empresas de telecomunicaes, mas tambm

    provedores de servios na internet. A nica quebra de sigilo pronta-

    mente atendida foi a telefnica, que acabou ocupando grande parte

    das investigaes e das acusaes.

    Notou-se tambm que foram solicitadas diversas quebras de sigilo

    do e-mail e da movimentao dos perfis dos usurios no Facebook, mas

    no consta nos autos que a rede social tenha atendido aos pedidos.

    NO ACEITVEL QUE O MINISTRIO DA DEFESA ESTABELEA PADRES DE ATUAO EM MANIFESTAES

    CONSIDERANDO COMO INIMIGOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A

    POPULAO CIVIL QUE SAI S RUAS

  • 52

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    necessrio dar destaque aos diversos mandados de busca e

    apreenso que visavam a apreenso de dispositivos capazes de

    processamento ou armazenamento de dados e, ainda, de qualquer

    objeto que possa prestar-se de instrumento de ofensa integridade

    fsica. Alm disso, houve tambm autorizao judicial para que os

    policiais que coletassem os equipamentos eletrnicos dos manifes-

    tantes pudessem ter acesso s contas dos usurios que estivessem

    com senhas salvas nos dispositivos.

    Segundo a legislao nacional, os mandados de busca e apreen-

    so devem especificar e determinar, de forma justificada, os objetos

    passveis de apreenso. O seu cumprimento por parte das autorida-

    des policiais deve se ater estritamente ao que foi determinado pelo

    juiz, no podendo, assim, haver interpretaes extensivas. Conforme

    j supracitado, tais mandatos foram usados para recolher outros ti-

    pos de supostas prova que no podem ser enquadrados nestes ter-

    mos. O acesso s comunicaes digitais e telefnicas dependem de

    uma outra autorizao judicial, que deve ser especfica para quebra

    de sigilo do investigado, e deveriam ocorrer somente frente a indcios

    razoveis da autoria ou participao e quando a prova no puder ser

    feita por outros meios.

    PREPARADO PARA A GUERRA?O estado brasileiro vem desenvolvendo uma poltica de fortalecimen-

    to do seu aparato de cibersegurana por meio das Foras Armadas,

    com a criao do Centro de Defesa Ciberntica do Exrcito Brasileiro

    em 2012, fundado com o objetivo de prover segurana para as redes

    53

    pblicas e informaes do governo. O centro, criado pelo Ministrio

    da Defesa, dever receber R$ 400 milhes at 2015 para investimen-

    tos em seus projetos41.

    Alm disso, aes mais recentes mostram como o pas vem se

    preocupando mais e mais com essa questo. Exemplo disso foi a

    criao de uma Escola Nacional de Defesa Ciberntica42, projeto ela-

    borado pela Universidade de Braslia e que dever entrar em vigor

    nos prximos anos43.

    Em julho de 2013, em reportagem amplamente divulgada pela im-

    prensa, o general Jos Carlos dos Santos, oficial do Exrcito frente

    41 | Fonte: https://medium.com/brasil/por-dentro-do-cdciber-o-centro-de-defe-sa-cibernetica-do-exercito-brasileiro-40ce637d11942 | Fonte: http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2014/02/brasil-tera-esco-la-nacional-de-defesa-cibernetica43 | Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/brasil-tera-escola-nacion-al-de-defesa-cibernetica-15914957

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 55

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    54

    do CDCiber, revelou que o Centro estava realizando acordos com os

    Ministrios da Justia e da Defesa com o objetivo de coordenar e in-

    tegrar os esforos da segurana ciberntica desses grandes eventos,

    atravs do monitoramento de fontes abertas, como as redes sociais.

    Tal ao coordenada seria apenas uma atribuio temporria, apa-

    rentemente visando grandes eventos, como foi o caso da Copa do

    Mundo, em 2014, e da visita do Papa, em 201344.

    No contexto da Copa do Mundo, a ARTIGO 19 enviou pedidos de in-

    formao ao exrcito, mencionando a reportagem e solicitando maio-

    res informaes sobre o monitoramento das redes sociais, bem como

    a utilizao do Sistema Guardio - ferramenta de investigao que re-

    aliza monitoramento de dados e gravaes de voz, para anlise de au-

    toridades com poder de polcia45. Em resposta aos pedidos, o Exrcito

    44 Fonte: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/07/exercito-monitorara-re-des-sociais-durante-visita-do-papa-e-copa-de-2014.html45 | http://www.digitro.com/pt/index.php/component/content/article/89Itemid=1

    no se manifestou a respeito do monitoramento online durante a Copa

    e ainda negou a utilizao do Sistema Guardio46 , apesar da existncia

    da notcia e da declarao do prprio general do Exrcito.

    No possvel afirmar concretamente que os investimentos em

    ciberdefesa e cibersegurana do exrcito brasileiro objetivam investi-

    gaes e monitoramento de protestos. Porm, o fato de o exrcito se

    envolver em questes de segurana pblica deve ser analisado com

    cuidado, e ainda mais seu envolvimento no monitoramento de mani-

    festaes pblicas.

    Ao confrontarmos esse investimento em capacidade de moni-

    toramento de informaes virtuais com a Portaria do Ministrio da

    Defesa sobre Garantia da Lei e da Ordem47 (ver Captulo 3 Cri-

    minalizao), o problema fica mais evidente. A portaria estabelece

    os procedimentos para a atuao das Foras Armadas em distrbios

    civis - enquadrando movimentos sociais como foras oponentes - e

    foi publicada em janeiro de 2014, soando como uma resposta dire-

    ta aos protestos de 2013. Tal lgica de guerra poderia ser facilmente

    adaptada ao monitoramento online dos manifestantes.

    Dessa maneira, no pode ser visto como corriqueiro o fato de o

    Exrcito Brasileiro desenvolver um aparato de cibersegurana com

    capacidade de monitoramento de comunicaes sem a transparn-

    cia que se espera em uma sociedade democrtica. Tampouco acei-

    tvel que o Ministrio da Defesa estabelea padres de atuao em

    manifestaes considerando como inimigos movimentos sociais e a

    populao civil que sai s ruas exercendo o pleno direito de liberdade

    de expresso e manifestao.

    46 | http://www.artigo19.org/centro/esferas/detail/65747 | Portaria Normativa n 186/MD

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 56 57

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    AS FORAS DE SEGURANA SE COMPORTARAM DE MANEIRA

    AGRESSIVA FRENTE AOS PROTESTOS, DEMONSTRANDO DESPREPARO

    DO ESTADO EM LIDAR COM ESSA LEGTIMA FORMA DE EXPRESSO DOS SISTEMAS

    DEMOCRTICOS.

    vi) DESPROPORCIONALIDADE DE AES E EFETIVO POLICIAISAssim como nos protestos de 2013, a desproporcionalidade do efetivo

    policial e suas aes foram as principais demonstraes da postura

    do Estado com relao aos protestos ocorridos entre 2014 e 2015 em

    So Paulo e no Rio de Janeiro. A lgica de segurana dos protestos

    no se voltou para a proteo e bem estar dos manifestantes e comu-

    nicadores presentes nas ruas ou para garantir que as manifestaes

    pudessem transcorrer com tranquilidade. Mais uma vez, as foras de

    segurana se comportaram de maneira agressiva frente aos protes-

    tos, demonstrando despreparo do Estado em lidar com essa legtima

    forma de expresso dos sistemas democrticos.

    Isso fica evidenciado, a comear, pelos tipos de tropas policiais

    escolhidas para acompanhar as manifestaes: preparadas para li-

    dar com distrbios sociais e quebra da ordem, munidos de armas e

    aparatos repressivos que por si s j criam uma tenso entre mani-

    festantes e foras de segurana. A Tropa de Choque e a Cavalaria, por

    exemplo, so tropas que historicamente atuam em momentos de in-

    tensa represso policial. Assim como em 2013, elas foram deslocadas

    para acompanhar e intervir em muitos dos protestos ocorridos ao

    longo de 2014 e da primeira metade de 2015. O resultado muitas vezes

    foi uma atuao excessivamente agressiva, que pela truculncia com

    que estes agentes habitualmente agem foram incapazes de contro-

    lar indcios de tumulto sem criar situaes de violncia generalizada.

    Exemplo deste caos provocado pela prpria polcia nos protestos

    ocorreu durante manifestao organizada pelos moradores do Com-

    plexo do Alemo contra os sucessivos casos de violncia no local.

    Para conter os cerca de 300 manifestantes presentes, foram deslo-

    Foto:Gabriel Soares/

    Guerrilha GRR

  • 58 59

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    cados os agentes do Comando de Operaes Especiais (COE) - Bata-

    lho de Operaes Policiais Especiais (Bope), Batalho de Polcia de

    Choque (BPChq) e Batalho de Aes com Ces (BAC)48, que fizeram

    uso indiscriminado de gs lacrimognio e spray de pimenta contra os

    manifestantes que caminhavam empunhando bandeiras e lenos

    brancos simbolizando o pedido de paz.

    Em So Paulo, atos de truculncia e fora policial desmedidas

    tambm foram observados, por exemplo, durante ato contra aumen-

    to da tarifa no dia 27 de janeiro de 2015. A Polcia Militar reprimiu pes-

    soas dentro da estao de Metr Faria Lima, incluindo pessoas que

    no estavam no protesto, para, segundo eles, evitar que manifestan-

    tes pulassem a catraca do metr.

    Uma mulher grvida, que se identificou como Rafaela, de 29 anos,

    passou mal aps respirar os gases das bombas lanadas pela PM49.

    Devemos lembrar que o papel da fora policial nos protestos no

    o de estar presente para reprimir os manifestantes, mas, sim, o de

    fazer-se presente para proteg-los contra violncia fsica por parte

    de qualquer pessoa ou grupo que queira colocar fim manifestao e

    para terminar com eventuais conflitos com proporcionalidade, sendo

    capazes de atuar apenas no foco do problema garantindo que os ou-

    tros presentes no protesto, mas no envolvidos com violncia, pos-

    sam continuar se manifestando.

    O comportamento das foras de segurana ao longo dos protes-

    tos de 2013 geraram uma srie de questionamentos sobre a estrutura

    48 | Fonte: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-04-03/policia-militar-rep-rime-protesto-pacifico-no-complexo-do-alemao.html49 | Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/policia-usa-bombas-de-gas-em-estacao-de-metro-de-sp-apos-protesto-pacifico-15167400

    das polcias brasileiras, que mantm seu mesmo formato desde a di-

    tadura. Apesar da ampla repercusso pblica, na mdia e na socieda-

    de civil, e at de alguns indcios de que o tema comearia a avanar

    no mbito poltico com alguns projetos de lei ou grupos de trabalho

    na esfera federal, o assunto pouco avanou concretamente. Pelo

    contrrio, o que se viu ao longo dos anos seguintes foi a utilizao

    das mesmas tropas com o mesmo modus operandi no contexto de pro-

    testos e at um aprimoramento de tticas de segurana repressivas.

    Nos protestos contra a Copa do Mundo ocorridos em So Paulo

    em 2014, a Polcia Militar inaugurou uma nova ttica, chamada de en-

    velopamento, que consistia em deslocar tropas policiais para acom-

    panhar os protestos por todos os lados, isto , posicionadas no so-

    mente no entorno prximo dos manifestantes, mas tambm nas ruas

    paralelas e ainda nos locais para onde os protestos se dirigiam.

    Existem inmeros questionamentos a esta ttica. O primeiro

    deles a necessidade de tropas alocadas nas ruas paralelas, j que

    conforme mencionado anteriormente, a funo das foras de segu-

    rana garantir a proteo dos manifestantes e suprimir eventuais

    conflitos isolados que ocorram. O posicionamento nas ruas ao redor

    do protesto no condiz com esse objetivo. Alm disso, agentes de se-

    gurana armados e em grande quantidade criam uma sensao de

    intimidao nos manifestantes.

    Ficou claro em muitos dos protestos que este posicionamento

    era uma estratgia da Polcia Militar para conseguir cercar mani-

    festantes que se dispersavam aps alguma ao de represso feita

    pelas tropas que acompanhavam os protestos mais de perto. Uma

    ao orquestrada entre as foras de segurana mostra que a polcia

  • 60 61

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    considera a populao um alvo a ser enfrentado. A mesma ttica foi

    utilizada nos protestos convocados pelo Movimento Passe Livre em

    2015, contra o aumento da tarifa. Na manifestao do dia 16 de janei-

    ro, a manobra foi realizada antes mesmo do incio do ato, quando no

    havia qualquer indcio de violncia ou desordem50.

    Outro comportamento das foras de segurana que se repetiu

    nos protestos mais recentes e que j haviam sido observados em

    2013 - foi a prevalncia da garantia de outros direitos acima do direito

    de protesto e livre manifestao. A defesa do patrimnio pblico e

    privado e a defesa do direito de ir e vir seguiram sendo a prioridade

    dos agentes policiais. Mais de uma vez nos protestos ocorridos em

    So Paulo, por exemplo, comandantes policiais buscaram lideranas

    dos protestos a fim de traar um itinerrio previamente que prejudi-

    casse da menor maneira possvel o trfego da cidade. Na ausncia

    ou recusa de lideranas para organizar o itinerrio antecipadamente,

    ocorreram casos em que os comandantes policiais negaram o direito

    do protesto se iniciar ou seguir sem que esse prvio acordo fosse fir-

    mado. Esta deciso, alm de arbitrria, no est ao alcance de um co-

    mandante da polcia e viola a Constituio, que estabelece claramen-

    te que as manifestaes no devem carecer de autorizao prvia.

    50 | Fonte: http://www.otempo.com.br/cidades/mesmo-com-pol%C3%AAmi-ca-pm-volta-a-envelopar-manifestantes-na-pra%C3%A7a-sete-1.873546

    vi) MORTES NO CONTEXTO DE PROTESTOSNo perodo compreendido entre janeiro de 2014 e o ms de junho de

    2015, apurou-se a ocorrncia de sete mortes durante protestos pelo pas inteiro.

    SANTIAGO ANDRADEO cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Ildio Andrade, foi atin-

    gido na cabea por um rojo atirado por dois manifestantes em um

    protesto contra o aumento da tarifa de nibus no centro do Rio de Ja-

    neiro no dia 6 de fevereiro de 2014. Santiago foi submetido a cirurgia e

    ficou em coma induzido no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do

    Hospital Souza Aguiar51. Faleceu quatro dias depois.

    51 | Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/cinegrafista-atingi-do-por-rojao-em-protesto-no-rio-tem-morte-cerebral.html

    Fotos, da esq. para a dir.:Gabriel Soares/Guerrilha GRR e Pedro Chavedar

  • 62 63

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    TASNAN ACCIOLYNa mesma manifestao onde ocorreu o caso de Santiago Andrade,

    um vendedor ambulante de 65 anos, foi atropelado por um nibus.

    Tasnan Accioly, que no participava do ato, corria em meio confu-

    so causada pelo embate entre policiais e manifestantes quando o

    incidente aconteceu. Accioly foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros

    e levado para o hospital Souza Aguiar, mas no resistiu e morreu du-

    rante o atendimento mdico.

    EDILSON DA SILVA DOS SANTOSNo dia 22 de abril de 2014, durante um protesto no morro Pavo-Pa-

    vozinho, em Copacabana, Rio de Janeiro, motivado pela morte do

    danarino Douglas Rafael da Silva Pereira, Edilson da Silva dos San-

    tos, de 27 anos, foi baleado na cabea pela Polcia Militar e morreu

    antes de chegar ao hospital52.

    LUCAS DA LUZ ALVES O adolescente Lucas da Luz Alves, de 15 anos, foi atingido por dois

    tiros de revlver durante protesto contra o aumento da gasolina no

    Distrito Federal em 11 de fevereiro de 2015. Ele e cerca de 50 pessoas

    protestavam em um posto de gasolina na regio, abastecendo seus

    carros com valores simblicos, quando um frentista sacou o revlver

    que carregava na mochila e atirou no rapaz, que morreu no local.53

    52 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1444184-pm-reforca-segur-anca-no-pavao-pavaozinho-no-rio-apos-morte-de-dancarino.shtml53 | Fonte: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/02/frentista-mata-jo-vem-em-protesto-contra-preco-da-gasolina-no-df.html

    O PAPEL DA FORA POLICIAL NOS PROTESTOS NO O DE ESTAR PRESENTE PARA REPRIMIR OS MANIFESTANTES, MAS FAZER-SE PRESENTE PARA PROTEG-

    LOS CONTRA QUEM QUEIRA COLOCAR FIM MANIFESTAO

    CLBER ADRIANO MACHADO OURIQUESEm fevereiro de 2015, durante ato que integrava uma srie de protes-

    tos dos caminhoneiros contra aumento dos preos do leo diesel,

    contra as ms condies das pistas, pela valorizao dos fretes, di-

    reitos trabalhistas e mais segurana no transporte54, um caminho-

    neiro recusou-se a parar diante do bloqueio realizado na estrada e

    avanou sobre um manifestante. Clber Adriano Machado Ouriques,

    de 38 anos, morreu no local e o motorista fugiu sem prestar socorro55.

    LEIDILENE MACHADO / DANIEL VILA NOVALeidilene Machado e Daniel Vila Nova, trabalhadores rurais, morreram

    atropelados no dia 18 de maio de 2015 quando protestavam em local

    prximo a um canteiro de obras na rodovia Transamaznica. Ambos fo-

    ram atingidos por um carro que furou o bloqueio criado pelos manifes-

    tantes. Segundo as testemunhas, o veculo acelerou em direo s pes-

    soas que protestavam. Posteriormente, foi identificado como suspeito

    um operador de mquinas pesadas nas obras da Usina de Belo Monte.56

    54 | Fonte: http://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2015/02/camin-honeiros-entram-no-3-dia-de-manifestacao-no-oeste-paulista.html55 | Fonte: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/transito/noticia/2015/02/camin-hao-que-atingiu-manifestante-morto-em-protesto-e-achado-no-rs.html56 | http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2015/05/agricultores-mortos-em-protes-to-em-belo-monte-sao-sepultados-no-pa.html

  • 65

    2 V I O L A E SA S R U A S S O B A T A Q U E

    64

    Alm de continuar com as prticas violadoras de direitos humanos

    identificadas no relatrio de protestos de 2013, o Estado brasileiro re-

    alizou nos anos de 2014 e 2015 investimentos em novos armamentos,

    tticas e esquadres policiais para a represso de manifestaes.

    O investimento e aprimoramento do aparelho repressivo do Es-

    tado se deu em grande medida com vistas aos megaeventos esporti-

    vos (Copa do Mundo em 2014 e Olimpadas em 2016), a fim de obter

    um maior controle das manifestaes crticas a estes eventos.

    Em fevereiro de 2014, por exemplo, a Polcia Militar de So Paulo

    anunciou a criao da Tropa do Brao para atuar em protestos. Trata-

    se de uma tropa composta por policiais militares especializados em

    artes marciais e que atuariam sem o uso de arma de fogo para conter

    B) NOVAS ARMAS, TTICAS E INVESTIMENTOS

    Foto: Gabriel Soares/Guerrilha GRR

    manifestantes57. Alm disso, a polcia tambm inaugurou a tcnica

    conhecida como Caldeiro de Hamburgo ou Kettling, na qual dezenas

    de manifestantes so cercados de forma aleatria e impedidos de

    se locomover. A ttica de Ketling isola os manifestantes muitas ve-

    zes mantendo-os em confinamento por perodo indeterminado sem

    acesso a alimento, gua e instalaes sanitrias.

    Outra novidade da PM paulista para os protestos foi o traje ape-

    lidado de robocop. Trata-se de um equipamento que remete a uma

    armadura, feita de material resistente a agresses, incluindo capa-

    cete com viseira de acrlico, botas antiderrapantes, protetor facial e

    cobertura de couro no peito. O equipamento passou a ser utilizado

    pelos policiais em manifestaes desde maro de 201458.

    Tambm no incio de 2014, o estado de So Paulo anunciou a aber-

    tura do processo de licitao para a compra de 14 veculos blindados

    57 | Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/02/1411475-policia-militar-vai-usar-tropa-do-braco-em-protestos-em-sp.shtml58 | Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/05/pela-1-vez-policia-miliar-usa-traje-robocop-em-protesto.html

    Fotos: Rafael Bonifcio (esq.)

    e Francisco Toledo/Guerrilha

    GRR (dir.)

  • 66

    A S R U A S S O B A T A Q U E 2 V I O L A E S

    para atuao em manifestaes, incluindo

    quatro caminhes equipados com canho

    dgua para disperso de multides.

    A licitao ocorreu no final de junho59

    e a Hatehof Industries (Brand Group) Ltd.

    ser responsvel por fornecer oito blinda-

    dos quatro deles com os canhes de jatos

    dgua, chamados de veculos lanadores

    de gua de controle de distrbio. Os outros

    quatro so chamados de Wolf (lobo, em in-

    gls) e podem levar oito policiais cada um e

    sero utilizados pelos Comandos de Opera-

    es Especiais (COE) e Grupo de Aes Tti-

    cas Especiais (Gate).

    A Plasan Sasa Ltd foi a responsvel por

    fornecer seis veculos blindados fabricados

    em Israel para transportar 24 policiais cada

    um. A entrega j foi feita e os policias da Tropa

    de Choque j foram treinados para usar os novos veculos. O governo

    do estado declarou que o investimento nos veculos blindados foi de

    cerca de R$ 30 milhes, provenientes de recursos do Fundo de Incen-

    tivo Segurana Pblica (FISP), e devero ser utilizados pelo Bata-

    lho de Choque para manuteno da ordem pblica e tambm em

    aes de defesa civil, como catstrofes naturais e incndios60. Alm

    das viaturas, mais de R$ 14 milhes foram gastos com armas de fogo.

    59 | http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/12/pm-tera-blindados-com-jatos-da-gua-gas-e-ate-tinta-em-manifestacoes.html60 | Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia2.php?id=241392

    No incio de 2015, tcnica similar ao Kettling voltou a ser utilizada

    pela Polcia Militar em So Paulo, o chamado envelopamento, que

    consiste em formar cerco policial em torno de manifestantes, mesmo

    que a manifestao no apresente qualquer distrbio ou conflitos61.

    De acordo com o comandante da Polcia Militar de So Paulo, major

    Larry de Almeida Saraiva, a tcnica a melhor para manter a segu-

    rana do ato. Segundo ele, dessa forma, garantimos a separao

    entre a manifestao e as pessoas que passam pela via e temos o

    61 | Fonte: http://www.brasilpost.com.br/2015/01/16/tarifa-manifestacao_n_6488950.html

    67

    Foto: Pedro Chavedar

  • 68 69

    A S R U A S S O B A T A Q U E

    controle da ordem pblica62. A prtica, no entanto, contrria aos

    padres internacionais de direitos humanos e at mesmo ao Manual

    de Controle de Distrbios Civis da Polcia Militar, criado pela prpria

    Polcia Militar paulista, que estabelece que [a] multido no deve

    ser pressionada contra obstculos fsicos ou outra tropa, pois ocor-

    rer um confinamento de consequncias violentas e indesejveis63.

    Para entender melhor sobre os investimentos do Estado em equi-

    pamentos que poderiam ser utilizados para reprimir manifestaes,

    a ARTIGO 19 enviou em 14 de maio de 2015 um pedido de informao

    Secretaria de Segurana Pblica do Estado de So Paulo para saber

    quais equipamentos e armamentos foram adquiridos pela Polcia Mi-

    litar para atuao no contexto dos protestos populares e controle de

    multides, alm do valor gasto com tais aquisies.

    No dia 20 de maio, a Polcia Militar respondeu afirmando que a

    Portaria n PM6-003/30/13 classificou como secretos os dados sobre

    Planejamento e Execuo de Operaes de Inteligncia Policial.

    Com base nessa afirmao genrica, sem explicar o porqu da infor-

    mao solicitada ter sido enquadrada nesta categoria, a PM negou o

    acesso informao requerida pela ARTIGO 19. No apenas o direito

    de acesso da demandante foi violado, mas o de toda coletividade que

    no poder conhecer tais dados.

    Cabe lembrar que esta informao de relevante interesse p-

    blico, uma vez que se referem a aes envolvendo as manifestaes

    populares, que so um direito dos cidados, e envolvem ainda gastos

    62 | Mdia com a declarao do Comandante da Polcia Militar de So paulo: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1571645-pm-vai-cercar-manifestantes-du-rante-ato-contra-aumento-das-tarifas-em-sp.shtml63 | Fonte: http://www.jurdepaula.com.br/site/wp-content/uploads/2013/10/M-08-PM-Manual-de-Controle-de-Dist%C3%BArbios-Civis-CDC.pdf

    2 V I O L A E S

    de verbas pblicas incorridos pela polcia. A populao tem o direito

    de saber como o Estado se equipa para atuar durante as manifes-

    taes. O planejamento do Estado para garantir o exerccio do direito

    manifestao no pode ser considerado objeto de inteligncia poli-

    cial e assunto sujeito a confidencialidade.

    ALM DE CONTINUAR COM AS PRTICAS VIOLADORAS DE DIREITOS HUMANOS, O ESTADO BRASILEIRO

    REALIZOU NOS LTIMOS ANOS INVESTIMENTOS EM NOVOS

    ARMAMENTOS E TTICAS PARA A REPRESSO DE MANIFESTAES.

    Foto: Carolina Calcavecchia

  • 70 71

    A S R U A S S O B A T A Q U E 3 C R I M I N A L I Z A O

  • 72

    A S R U A S S O B A T A Q U E 3 C R I M I N A L I Z A O

    Diversas aes do Estado brasileiro em relao aos protestos observadas em 2014 e 2015 apontam para uma criminaliza-o da liberdade de expresso e manifestao. Tais prticas criminalizadoras, alm de representarem uma violao ao direito de

    protesto, se baseiam em geral no direito penal e em normas amplas,

    de linguagem pouco precisa, tendo grande potencial para ensejar

    abusos ou propiciar aes desproporcionais.

    importante ressaltar que o direito penal, por princpio consti-

    tucional e em respeito aos direitos humanos, deveria ser a ltima

    medida a ser utilizada - somente nos casos em que outras solues

    no forem possveis e quando h certeza de que o crime foi cometi-

    do. Infelizmente, essa medida que deveria ser excepcional tem sido a

    prtica do Estado brasileiro nos casos analisados a seguir.

    73

    INICIATIVAS NO LEGISLATIVO E NO JUDICIRIO BUSCARAM

    CRIMINALIZAR O DIREITO DE PROTESTO

    E OS PRPRIOS MANIFESTANTES.

    Foto:Gabriel Soares/Guerrilha GRR

  • 74 75

    A S R U A S S O B A T A Q U E 3 C R I M I N A L I Z A O

    Nos anos de 2014 e 2015 foram aprovados e se tornaram lei alguns

    projetos que restringem e/ou criminalizam o direito de manifestao.

    No estado de So Paulo foi aprovada, em 29 de agosto de 2014,

    a Lei 15.556/14 que probe em manifestaes e reunies pblicas o

    uso de mscara ou qualquer outro paramento que possa ocultar o rosto da

    pessoa, ou que dificulte ou impea a sua identificao. A lei probe ainda

    em manifestaes o porte de armas de fogo, armas brancas, objetos

    pontiagudos, tacos, bastes, pedras e armamentos que contenham

    artefatos explosivos e outros que possam lesionar pessoas e danifi-

    car patrimnio pblico ou particular64 .

    No seu artigo 5, determina que para preservao da ordem pblica

    e social, da integridade fsica e moral do cidado, do patrimnio pblico e

    particular, bem como para a fiel observncia do cumprimento desta lei, as

    Polcias Civil e Militar efetuaro as devidas intervenes legais.

    A lei s passaria a valer aps sua regulamentao, que deveria

    ocorrer em at 180 dias contados de sua publicao, entretanto at o

    momento a lei no foi regulamentada.

    No estado do Mato Grosso, foi sancionada em dezembro de 2014

    a Lei Estadual n 10.191/2014 que probe o uso de mscaras ou qual-

    quer outra forma de ocultar o rosto do cidado com o propsito de impedir-

    lhe a identificao.65

    No estado de Gois, por sua vez, a Lei 18.363/2014, aprovada em

    janeiro de 2014, estabelece normas para a realizao de eventos p-

    64 | Disponvel em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2014/lei-15556-29.08.2014.html65 | Disponvel em: http://www.al.mt.gov.br/busca_proposicao/?Codigo=18179

    LEIS APROVADAS

    blicos ou privados, mediante o cumprimento de requisitos que garan-

    tam segurana ao pblico participante e comunidade em geral.66

    Pela lei de Gois, eventos pblicos ou privados com motivao des-

    portiva, cultural, artstica, poltica, religiosa e social somente podero

    ocorrer aps o cumprimento de requisitos que garantam a seguran-

    a individual e patrimonial. A lei ainda determina que a Polcia Militar

    deve fiscalizar os eventos, visando impedir ou suspender a realizao

    de eventos que no atendam as condies estabelecidas na presente

    Lei e, por conseguinte, estejam colocando em risco a incolumidade.

    Aps polmica, o deputado Fbio Souza (PSDB), autor do projeto,

    esclareceu que a lei no coloca manifestaes populares sob o con-

    trole da PM, mas trata exclusivamente de festas, shows e eventos

    similares, inclusive quando so de carter religioso. O deputado afir-

    mou que iria propor alteraes para impedir interpretaes dbias.

    No entanto, o texto permaneceu sem alteraes.67

    66 | Disponvel em: http://www.gabinetecivil.go.gov.br/pagina_leis.php?id=1124867 | Fonte: http://al.go.leg.br/noticias/ver/id/123232/tipo/geral

    Fotos: Pedro Chavedar (esq) e Amanda Nogueira (dir)

  • 76 77

    A S R U A S S O B A T A Q U E 3 C R I M I N A L I Z A O

    Em maro de 2014, a Procuradoria Geral de Justia do Estado de Goi-

    s entrou com Ao Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Jus-

    tia de Gois contra a lei. A Corte Especial do Tribunal suspendeu sua

    aplicao em deciso liminar no dia 12 de maro de 2014, sob o argumen-

    to de que ela representaria um obstculo ao exerccio da cidadania. A lei

    est suspensa desde ento e a ao ainda pende de julgamento final.68

    Na Bahia, a Lei Municipal 8.645/2014 de Salvador instituiu sano

    administrativa para atos de vandalismo, sujeito multa administra-

    tiva de valor entre R$ 1 mil e R$1 milho, a ser aplicada pela Secretaria

    Municipal da Ordem Pblica. Alm disso, a lei determina que o muni-

    cpio poder firmar convnio com a Polcia Militar da Bahia ou outros

    rgos e entidades pblicas que possam contribuir com a fiscalizao

    e identificao dos autores dos atos de vandalismo69 .

    PROJETOS DE LEI CRIMINALIZADORESNo incio de 2014, o ento presidente da Cmara dos Deputados, Henri-

    que Eduardo Alves, anunciou que daria andamento a 10 projetos de lei

    sobre protestos que tramitavam na cmara desde 2013, para que fos-

    sem apensados em um s projeto, a tramitar em regime de urgncia.70

    Tratava-se de textos que em sua maioria proibiam o uso de ms-

    caras, aumentavam penas ou que atribuam tratamento diferencia-

    68 | Fonte: http://www.conjur.com.br/2014-mar-17/lei-goiana-proibe-manifes-tacoes-aval-policia-inconstitucional69 | Disponvel em: https://www.leismunicipais.com.br/a/ba/s/salvador/lei-or-dinaria/2014/864/8645/lei-ordinaria-n-8645-2014-institui-sancoes-administrati-vas-para-os-atos-de-vandalismo-e-da-outras-providencias70 | Fonte e relao dos Projetos de Lei: http://www2.camara.leg.br/camarano-ticias/noticias/SEGURANCA/461860-HENRIQUE-ALVES-QUER-VOTAR-PROJE-TOS-QUE-COIBAM-VIOLENCIA-EM-MANIFESTACOES.html

    do para crimes e atos de vandalismo ocorridos em manifestaes.

    Somente um projeto, dentre os 10, poderia ser analisado como po-

    tencialmente benfico ao direito de protestos, pois se destinava

    proibio do uso de armas letais em manifestaes e estabelecia a

    aplicao do princpio da no violncia e garantia dos direitos huma-

    nos no contexto de manifestaes e eventos pblicos (PL 6500/13).

    Apesar das declaraes do presidente da Cmara, os projetos no

    foram votados em regime de urgncia e tiveram pouca ou nenhuma

    movimentao no mbito das comisses pelas quais tramitaram. O

    PLS 7107/2014, que prope que seja considerado hediondo o crime

    cometido contra a vida, segurana e a integridade fsica do jornalista

    e profissional de imprensa no exerccio de sua atividade, e o PL 6500

    (citado no pargrafo acima) tiveram pareceres favorveis nas comis-

    ses em que tramitaram, mas no houve movimentao em 2015.

    Outros dois anteprojetos foram levantados, mas no se concre-

    tizaram. O primeiro foi entregue ao Senado pelo ento secretrio de

    Segurana Pblica do Rio de Janeiro, Jos Mariano Beltrame, em 12

    de fevereiro de 2014. O texto buscava tipificar o crime de desordem,

    com punio de at 12 anos de recluso quando da prtica resulte

    morte71. Este foi mais um dos projetos propostos aps a morte do ci-

    negrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade.

    O texto visava alterar o Cdigo Penal para estabelecer o crime de

    desordem para quem fosse flagrado agredindo ou cometendo qualquer

    ato de violncia fsica ou grave ameaa pessoa; destruindo, danificando,

    deteriorando ou inutilizando bem pblico ou particular; invadindo ou ten-

    71 | Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,beltrame-entrega-proje-to-que-tipifica-crime-de-desordem,1129610

  • 78

    A S R U A S S O B A T A Q U E 3 C R I M I N A L I Z A O

    FORAM ELABORADOS PROJETOS DE LEI QUE EM SUA MAIORIA PROIBIAM O USO DE MSCARAS,

    AUMENTAVAM PENAS OU ATRIBUAM TRATAMENTO

    DIFERENCIADO PARA CRIMES E ATOS DE

    VANDALISMO OCORRIDOS EM MANIFESTAES.

    tando invadir prdios ou locais no abertos ao pblico; obstruindo

    vias pblicas de forma a causar perigo aos usurios e transeuntes;

    a qualquer ttulo ou pretexto ou com o intuito de protestar ou ma-

    nifestar desaprovao ou descontentamento com relao a fatos,

    atos ou situaes com os quais no concorde, com pena de dois

    a seis anos de recluso.

    O segundo anteprojeto proposto no perodo foi entregue Casa

    Civil pelo ento ministro da Justia, Jos Eduardo Cardozo, no dia

    21 de fevereiro de 2014. O texto visava proibir o uso de mscaras em

    manifestaes, alm de aumentar punies para dano ao patrimnio

    pblico, leso corporal e homicdio ocorridos em protestos. Ambos

    os anteprojetos, porm, no tiveram continuidade72.

    Alm destes, alguns outros projetos de lei que tiveram movimen-

    taes entre 2014 e 2015 merecem ateno por apresentarem propos-

    tas que criminalizam o direito de manifestao.

    72 | Fonte: http://new.d24am.com/noticias/brasil/ministro-justica-entrega-proje-to-proibe-mascara-protesto/106759

    Um dos mais problemticos o PLS n 499/2013 que tipifica o cri-

    me de terrorismo, como o ato de provocar ou infundir terror ou pnico

    generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa vida, integridade

    fsica ou sade ou privao da liberdade de pessoa, com pena de re-

    cluso de 15 a 30 anos. No caso de ocorrncia de morte, a pena varia

    de 24 a 30 anos de recluso. O projeto ainda prev penas para o finan-

    ciamento do terrorismo, terrorismo contra coisa, incitao, grupos

    terroristas e favorecimento pessoal no ter