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As tendências do rádio na globalização e sob o impacto das novas tecnologias: a experiência da Rede Universitária de Rádio como exemplo de busca de espaço e função Valci Regina Mousquer Zuculoto Mestranda em Comunicação Social (PUC-RS) Bolsista da CAPES Professora de Radiojornalismo da UFSC Julho de 1996

As tendências do rádio na globalização e sob o impacto das ... · Octávio Ianni, professor da USP (Universidade de São Paulo) e autor dos também importantes livros "A Sociedade

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As tendências do rádio na globalização

e sob o impacto das novas tecnologias:

a experiência da Rede Universitária de Rádio

como exemplo de busca de espaço e função

Valci Regina Mousquer Zuculoto

Mestranda em Comunicação Social (PUC-RS)

Bolsista da CAPES

Professora de Radiojornalismo da UFSC

Julho de 1996

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Resumo - Um quase silêncio quanto ao espaço e ao papel do Rádio no processo da

globalização e inovação tecnológica faz pensar que mais uma vez se queira condenar este

veículo à morte, à obsolescência, como aconteceu quando do advento da televisão. Mas

também agora o rádio da sinais de que sobreviverá. E neste trabalho, pretendemos contribuir

com o debate, levantando algumas possibilidades de futuro para este meio de comunicação de

massa, através do relato da experiência da Rede Universitária de Rádio.

O rádio num mundo em transformação

Um mundo novo e muito diferente daquele no qual vivemos até bem poucos anos atrás,

por tantos já definido como completamente desterritorializado, está sendo gerado pela

globalização. E as novas tecnologias da informação e da comunicação consolidam-se entre os

principais instrumentos deste processo. O tema vem provocando um grande e polêmico debate

que se alastra por praticamente todos os cantos deste já não tão vasto mundo. Existem muitas

análises, definições e projeções bastante otimistas, dando conta de um admirável mundo novo,

com mais democracia, liberdade, conhecimento e riqueza. Outras são extremamente

pessimistas, apostando que o futuro próximo nada mais será do que a completa barbárie.

Também há aquelas que não negam o progresso positivo do processo sem, entretanto, deixar de

levantar os aspectos negativos como, por exemplo, as possibilidades concretas de que

continuarão existindo e até aumentarão as grandes parcelas de excluídos.

Nicholas Negroponte, uma das maiores autoridades em informática, adverte que "toda

tecnologia ou dádiva da ciência possui seu lado obscuro, e a digitalização não constitui

exceção. Na próxima década, veremos casos de abuso de propriedade intelectual e de invasão

de nossa privacidade. Enfrentaremos o vandalismo digital, a pirataria do software e o roubo de

dados. E, pior do que isso: testemunharemos a perda de muitos empregos para sistemas

totalmente informatizados..." (1995: 195). Mas também é Negroponte quem anuncia que "a

tecnologia digitalizada pode vir a ser uma força natural a conduzir as pessoas para uma maior

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harmonia mundial" (1995: 197).

Especificamente no campo da informação e das comunicações, o quadro do debate não

tem sido diferente. Há muito otimismo nas promessas de uma sociedade globalizada que,

através das novas tecnologias, terá ilimitados acessos à informação, à comunicação, inclusive

interativa, a novas formas e instrumentos de criação, ao conhecimento democratizado e, enfim,

socializado. Porém, ao mesmo tempo levantam-se as ameaças de perdas de identidades

regionais, nacionais e das liberdades individuais. Por isso, dia-a-dia tem crescido não apenas o

debate teórico como também a busca de respostas práticas sobre o papel e o espaço a ser

ocupado pelos meios de comunicação de massa neste processo. Afinal, qual será o futuro das

chamadas mídias tradicionais sob o impacto da inovação tecnológica?

Os satélites, a fibra ótica e as estações de micro ondas são inovações que já se

cristalizaram na mídia eletrônica, provocando profundas modificações, reciclagens e

garantindo papel e espa

ço para estes meios no novo mundo. Mas isto, em termos de debates e projeções, vem

acontecendo principalmente em relação a televisão.

Ignácio Romanet, em citação de Octavio Ianni no livro "A Sociedade Global" (1993:114),

decreta que "a televisão tornou-se uma mídia realmente ágil e, pela mediação dos satélites, de

alcance planetário... Encontramo-nos na virada da história da informação. No conjunto da

mídia... a televisão conquistou o poder. De agora em diante ela dá o tom, determina a

importância das novidades, fixa os temas da atualidade".

Entretanto, em nível de potencial, pelo menos por enquanto, nenhuma voz levantou-se

para tirar do rádio a característica de ser, entre os meios de comunicação de massa, o mais

popular, o mais abrangente em termos de alcance de público e ainda imbatível na velocidade

de distribuição de informações. Apesar disso, um quase silêncio a respeito do espaço e do

papel do rádio no processo da globalização e inovação tecnológica nos faz pensar que mais

uma vez se esteja querendo condenar este veículo à morte, à obsolescência.

Mas assim como aconteceu quando decretou-se a sua eliminação pelo advento da

televisão, também agora o rádio parece dar sinais de que sobreviverá. E acredito que não se

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poderia esperar algo diferente, tanto em relação ao rádio como quanto às demais mídias de

massa. Para tanto, basta recordarmos Negroponte, que assegura que as redes de computadores

"nunca serão um meio de comunicação de massa"(Veja, 1993: 7-10). Ou, ainda, lembrarmos

um dos teóricos da comunicação, Marshal Macluan, para quem as novas formas não excluem

as antigas.

Por concordar com Macluan e Negroponte neste ponto e também com base numa rápida

observação do panorama radiofônico brasileiro - formação de redes via satélite, especialmente

de emissoras comerciais, mas inclusive de rádios educativas de pequeno porte, e uma

proliferação de emissoras comunitárias apesar da proibição legal - é que concluo ser possível

prever que haverá papel e espaço para este meio no processo que o mundo atravessa. O que

ainda me parece difícil projetar é quais serão, exatamente, estes papéis e espaços.

Por enquanto, observações sobre o que vem ocorrendo na prática apontam que o rádio

brasileiro já demonstra que poderá utilizar as inovações tecnológicas para explorar mais o seu

até agora sub-utilizado potencial de imediatismo, instantaneidade, mobilidade de emissão e

recepção, alcance de público, penetração geográfica, tornando-se, assim, um importante

instrumento de comunicação na globalização. Conforme Adriano Duarte Rodrigues, "os

satélites de telecomunicações conferem hoje, ao rádio, condições extraordinárias de evolução

comparáveis às da televisão. Quer através da captação direta por antenas, quer através da

utilização de cabos coaxiais ou de fibra ótica, os satélites permitem maior facilidade e

fidelidade na ultrapassagem das barreiras locais, regionais e nacionais" (s.d.: 79).

Mas muito mais do que saber usar as novas tecnologias para garantir espaço e função,

através de experiências práticas, muitas ocorrendo de forma até intuitiva, o rádio brasileiro

parece demonstrar que pode também constituir-se em alternativa para responder justamente a

algumas das ameaças da globalização como, por exemplo, a de perdas das identidades. Ou,

quem sabe,

para participar da construção das novas identidades que surgirão na sociedade

globalizada.

Neste trabalho, pretendemos principalmente lembrar que o rádio também precisa, pelo seu

potencial, estar muito presente neste debate sobre a globalização e as novas tecnologias. Nem

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de longe temos a pretensão de fazer um diagnóstico completo sobre o que vem acontecendo

com a radiofonia brasileira neste processo e sobre quais são suas perspectivas. O que queremos

é contribuir com o debate, levantando algumas possibilidades de futuro para o rádio através do

relato da experiência da Rede Universitária de Rádio.

Resultado de discussões sobre a realidade e opções de futuro das emissoras universitárias

promovidas em encontros nacionais, a Rede já conseguiu ser uma das principais responsáveis

pela fundação, em outubro de 1995, da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio,

Televisão e Produtoras Universitárias. E, no debate da globalização e novas tecnologias, pode

constituir-se num dos exemplos de que pequenas emissoras têm como buscar saídas para

sobreviverem e continuarem - ou começarem - a cumprir uma função de manter identidades

regionais. No caso mais específico dos veículos universitários, a Rede parece apontar o início

de mais um caminho na já longa e nunca concluída busca sobre qual a função das emissoras

universitárias, se é ou não o de cumprir o tríplice objetivo da Universidade de ensino, pesquisa

e extensão.

Mas antes de relatarmos a experiência da Rede Universitária de Rádio, considero

importante tentar situar algumas tendências do debate brasileiro sobre a globalização, novas

tecnologias e o papel dos meios de comunicação, um debate de tantas incertezas e ainda poucas

respostas.

O papel dos meios de comunicação de massa

O tema globalização e novas tecnologias tem preocupado e dominado os debates e

análises de profissionais, estudiosos e pesquisadores de praticamente todas as áreas do

conhecimento. A área da Comunicação, com certeza uma das mais envolvidas e afetadas por

este processo, por isso mesmo é uma das que têm dedicado-se com afinco a este grande debate.

Durante o 27º Congresso Nacional dos Jornalistas, que debateu “O futuro do jornalismo:

função social, globalização, novas tecnologias”, o sociólogo Renato Ortiz, autor de uma das

mais importantes obras brasileiras a respeito do assunto - "Mundialização e Cultura", tratou de

definir a globalização como um processo social que atravessa nações e classes sociais, tendo

dimensões econômicas, tecnológicas, políticas e culturais. Para o professor da Unicamp, é um

processo produzido pelos homens que começou sua história ainda no século XVI, passando

pela Revolução Industrial. Portanto, não é um processo velho nem novo. Trata-se, conforme

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afirmou, de um "novo patamar histórico".

A partir do século XIX, a humanidade passou a viver a modernidade do Estado-Nação. E

agora, com a globalização, segundo Ortiz, estamos construindo a modernidade-mundo. Mas

para o sociólogo brasileiro, a globalização não levará à completa desterritorialização. Significa,

isto sim, o início de novas territorialidades. Na globalização, prevê Ortiz, teremos novas

desigualdades, novas formas de poder e dominação.

Octávio Ianni, professor da USP (Universidade de São Paulo) e autor dos também

importantes livros "A Sociedade Global" e "Teorias da Globalização", pregou a possibilidade

de construção do neo-socialismo, depois de explicar que o processo emergente que vive o

mundo hoje é de um capitalismo globalizado. E não se trata apenas de um processo econômico,

mas sim civilizatório, porque muda drasticamente o modo de vida, o modo de pensar.

"Em lugar das sociedades nacionais, a sociedade global. Em lugar do mundo dividido em

capitalismo e socialismo, um mundo capitalista, multipolarizado, impregnado de experimentos

socialistas. ... Os conceitos envelheceram, ficaram descolados do real, já que o real continua a

mover-se, transformar-se... Sob vários aspectos, pode-se dizer que aqui começa a história

novamente", afirma Ianni (1993:35).

Para ele, o que estamos vivendo é a emergência de uma sociedade civil mundial, num

processo que assim como acontece na Nação, não é pacífico, também ocorre com muitos

problemas. Vamos ter o agravamento da questão social, agora em nível mundial, com a

produção de um excedente populacional. Ianni alerta que parte da humanidade está virando

sucata. Ou seja, podemos prever que as antigas desigualdades recriadas ou adquirindo maiores

proporções, agora em escala mundial, e as novas produzidas ao longo do processo de

globalização, devem levar-nos a continuar com, ou até aumentar, as parcelas de excluídos.

"A globalização não apaga nem as desigualdades nem as contradições que constituem

uma parte importante do tecido da vida social nacional e mundial. Ao contrário, desenvolve

umas e outras, recriando-se em outros níveis, com novos ingredientes", explica Ianni

(1993:125).

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O sociólogo-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, em declaração à revista

Veja (1996:82), definiu assim este processo mundial: "a globalização está multiplicando a

riqueza e desencadeando forças produtivas numa escala sem precedentes. Tornou universais

valores como a democracia e a liberdade. Envolve diversos processos simultâneos: a difusão

internacional da notícia, redes como a Internet, o tratamento internacional de temas como meio

ambiente e direitos humanos e a integração econômica global".

Pois bem, aí estão definições ressaltando o positivo da globalização e das inovações

tecnológicas, e outras apontando também os muitos problemas que a sociedade global

enfrentará. E as perguntas que me ocorrem são de como se enfrentará as desigualdades e

dominações em escala global? Qual será o tratamento globalizado para temas como meio

ambiente e direitos humanos? Qual a informação que se receberá na comunicação globalizada?

De que forma os meios de comunicação vão atuar neste processo?

Ianni vê segmentos já reagindo ao que ele classifica de globalização de cima, que

podemos entender como aquela que recria ou produz novas desigualdades, injustiças, novas

formas de dominação, uma globalização anti-democrática. Como exemplos desta reação, Ianni

cita a ECO 92 e a Conferência de Pequim. Mas adverte que sobra um desafio: "sem

democratizar a mídia, nada feito".

O sociólogo atribui papel fundamental aos meios de comunicação porque neste processo,

formam a opinião pública em escala mundial. E a democratização se faz necessária porque

atuam de forma autoritária. Octavio Ianni chega a acusar a mídia de funcionar como intelectual

orgânico das classes dominantes. “...Juntamente com a imprensa, a mídia eletrônica passa a

desempenhar o singular papel do intelectual orgânico dos centros mundiais de poder, dos

grupos dirigentes das classes dominantes. Ainda que mediatizada, influenciada, questionada ou

assimilada em âmbito local, nacional e regional, aos poucos esta mídia adquire o caráter de um

singular e insólito intelectual orgânico articulado às organizações e empresas transnacionais

predominantes nas relações, nos processos e nas estruturas de dominação política e apropriação

econômica que tecem o mundo..." (1995: 95).

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Renato Ortiz também destaca o importante papel dos meios de comunicação,

argumentando que são "constitutivos na modernidade" e fundamentais no contexto cultural da

globalização porque "veiculam as formas de socialização". Explica que no processo da

globalização o que acontece é a mundialização da cultura. E para ele, "uma cultura

mundializada não implica o aniquilamento das outras manifestações culturais, ela cohabita e se

alimenta delas. Um exemplo: a língua" (1994: 27).

Igualmente envolvido neste debate, o professor de jornalismo Nilson Lage, da UFSC

(Universidade Federal de Santa Catarina), lamenta a triste sina dos futurólogos que, na sua

opinião, não conseguiram adivinhar o futuro "ao longo dessas décadas de transformações

acentuadas". Por isso, Lage admite que tudo pode acontecer e diz que faz prognósticos com

base na realidade atual, advertindo que são válidos somente se não surgirem importantes fatos

novos. E seus prognósticos também reforçam o papel decisivo dos meios de comunicação de

massa no processo em curso.

Para ele, nenhum setor da atividade humana modificou-se tanto por causa de

transformações tecnológicas do que o de informação e entretenimento. "Se considerarmos que

a televisão era, há 40 anos, uma curiosidade e que o rádio, há mais de 70 anos, disputava com a

mulher barbada o lugar de principal atração nos parques de diversões, poderemos ter uma idéia

do que acontece", diz Lage (1996:1). E avalia o que acontecerá nesta área, relacionando

dicotomias que caracterizam a sociedade globalizada e sob o impacto das novas tecnologias da

comunicação.

Uma dessas dicotomias é a que contrapõe, conforme Lage, a pluralidade de canais e a

unanimidade do discurso. Com a pluralidade de canais, temos um volume de informações cada

vez maior e nunca experimentado até hoje, mas seu conteúdo, pela unanimidade do discurso,

com certeza não oferece opções de escolha ao cidadão, nem permite que receba aquelas que

realmente lhe são necessárias. Na verdade, o grande volume de informações terminará, isto

sim, provocando a desinformação. Já a unanimidade do discurso também impede um fluxo de

informações realmente livre e com conteúdo plural que atenda as verdadeiras aspirações e

necessidades da sociedade. Lage resume bem esta questão afirmando: "por muitos anos

acreditamos que se houvesse grande variedade de canais de informação, o discurso social seria

plural e, em decorrência,

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mais democrático. Não é o que se verifica. Dezenas de rádios FM tocam o mesmo gênero

de música, e nada mais semelhante a um programa popular de televisão do que outro programa

popular de televisão. A nítida impressão que se tem, passando pelos canais de uma rede de tevê

por cabo, é que nada mais se tem a dizer. A avaliação do que é notícia também se padroniza de

maneira conveniente: por exemplo, qualquer greve que não tenha desdobramentos violentos ou

manifestações de espetaculosidade circense deixou de ser notícia. Isso é consensual e

corresponde à intenção de suprimir a greve, por si só, como instrumento de luta" (1996:3).

Outra dicotomia relacionada por Lage - globalização e regionalidade - ressalta ainda mais

as possibilidades dos meios de comunicação de massa no novo mundo. "A globalização é

pensada como processo econômico, do ângulo da produção e circulação de mercadorias. No

entanto, ela pressupõe que se mantenha sob rígido controle o fluxo de informações,

centralizadas em um punhado de empresas e instituições. A informação mundial transitava por

27 empresas-nódulos quando Ben Bagdikian escreveu 'The Media Monopoly', no começo da

década de 80. Chomsky e Herman, alguns anos depois, em 'Manufacturing Consent',

apontaram 23 destas corporações ainda ativas. Atualmente, após algumas fusões importantes,

serão 17 ou 18. Nos próximos anos, deverão reduzir-se ainda mais, com a tendência de se

aglomerarem em torno dos detentores de novas tecnologias de comunicação" (1996:2).

Mas também Lage acredita que haverá reação buscando manter as identidades. Seu

prognóstico é de que "a pressão da informação padronizada, oriunda de tão poucas geradoras e

tão parecidas entre si, a brutal invasão de produtos e idéias estranhas às culturas locais deverá

gerar ampla reação nacionalista, regional e étnica" (1996:2). E com toda certeza, uns dos

instrumentos fundamentais a esta reação são os meios de comunicação, já que, ao mesmo

tempo, também se constituem em instrumentos que favorecem a geração dessas dicotomias.

Podemos concluir que os meios de comunicação podem servir tanto para agravar as

questões problemáticas da globalização como para auxiliar no seu enfrentamento. O alerta que

Nilson Lage fez no Congresso dos Jornalistas não deixa dúvidas:

"O risco embutido em tal situação é o de esquecermos, diante das artimanhas do sistema

de controle social que domina, via investimentos, nossas empresas, a obrigação de fazermos

circular a informação na sociedade. Se falharmos nisso, teremos sociedades ainda mais

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marcadas pela incompreensão e pela ignorância. Sociedades impotentes, porque a informação é

o novo nome do poder." (1996: 3).

Os meios de comunicação, portanto, têm, todos, espaço e papel decisivos no processo da

globalização e da inovação tecnológica. E também fica mais do que claro que persiste, cada

vez com mais urgência e premência, a necessidade de democratização destes meios, uma

batalha que já se coloca há muito, nacional e regionalmente, e agora, adquire proporções de

nível mundial.

Rede Universitária de Rádio: buscando espaço e função nos novos tempos

"O problema com a tecnologia, quando se quer definir, ir mais a fundo, é que se acaba

falando da multiplicidade de inovações espetaculares, deixando-se num plano secundário as

ques

tões que mais nos interessam: a relação do homem com os novos instrumentos para

pensar, para criar e comunicar", reclama Carmen Gómez Mont no ensaio "Arte, Tecnologia e

Sociedade". Acho que é esta justamente uma das lacunas possíveis de se notar no quase

inexistente debate sobre quais os espaços e funções que o rádio pode encontrar no processo da

globalização e das transformações inovadoras nas tecnologias da comunicação. Que o rádio

pode e deve continuar existindo neste processo, conseguimos observar superficialmente apenas

girando o dial e ouvindo as diversas redes de emissoras comerciais brasileiras que transmitem

para todo o país informação jornalística, prestação de serviço e entretenimento.

A observação da sobrevivência garantida também é possível, por exemplo, nos números

do coletivo de emissoras comunitárias do Fórum Nacional pela Democratização da

Comunicação. O Brasil ouve hoje uma verdadeira explosão de rádios comunitárias, embora,

por lei, ainda estejam proibidas de operar (a legalização encontra-se em fase de discussão no

Congresso Nacional). O coletivo já conta com cerca de cinco mil dessas emissoras cadastradas

e à espera da legalização. E temos ainda, entre muitos outros, o exemplo da Rede Universitária

de Rádio como uma experiência que denota a movimentação da radiofonia em busca de

alternativas. Mas só o tempo e seus futuros resultados dirão se esta iniciativa é a necessária e

alcançará os objetivos a que se propõe.

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A primeira formação, via satélite, da Rede Universitária de Rádio foi acertada durante o II

Encontro Nacional de Rádios, Tevês e Produtoras Universitárias, ocorrido em maio de 1994,

em Florianópolis, Santa Catarina, dentro da já então antiga discussão sobre quais são, afinal, os

objetivos da radiodifusão universitária e educativa.

A proposta do sistema de radiofonia universitária, assim como da educativa, no plano

teórico sempre esteve voltada para o interesse social, no sentido de prestar um serviço

educativo e cultural. Porém, não há como negar que tais objetivos têm ficado no nível apenas

da proposta na maioria das emissoras ou das suas programações. E isto acontece, embora pelo

menos uma pequena parte dos dirigentes dessas emissoras se expresse como o professor de

radiojornalismo da Universidade Federal de Goiás, Luiz Signates, para quem "o rádio

educativo deve estar a serviço das maiorias, que, neste país, são constituídas dos excluídos de

diversos tipos. O rádio talvez seja o único meio de comunicação que prescinde absolutamente

da alfabetização para transmitir sua mensagem. Exclusivamente auditiva, a recepção

radiofônica dispensa a codificação de modo completo. ...é o melhor meio de se atingir as

grandes parcelas da população" (1995:2).

As discussões do II Encontro não resolveram as antigas contradições, erros, dúvidas,

problemas e desvios das emissoras universitárias. Muito menos chegaram a convergências

sobre a melhor forma de buscar saídas. Mas na decisão de formar a Rede, mesmo com cada

emissora mantendo objetivos específicos e particulares, as rádios pelo menos resolveram fazer

tentativas na prática.

Em julho de 1994, então, a Rede Universitária foi formada pela primeira vez, para a

cobertura radiojornalística da 46a Reunião Anual da SBPC - Sociedade Brasileira para o

Progresso da

Ciência, que aconteceu em Vitória , no Espírito Santo. Aquela primeira experiência

contou com

pouco mais de uma dezena de emissoras e produtoras universitárias, que além de transmitirem

a programação da Rede também enviaram profissionais, professores e estudantes para a

realização da cobertura. Sob o comando da Rádio MEC-Rio e transmitindo a partir da Rádio da

Universidade Federal do Espírito Santo, a Rede ainda funcionou na base do improviso, mas

durante todos os seis dias da SBPC manteve no ar, de hora em hora, das 9h às 18h, programas

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de cinco e 10 minutos que davam um panorama de tudo o que se discutia e se apresentava pela

comunidade científica e universitária brasileira.

Não apenas isso: diante do temor de diversas emissoras de que uma cobertura em rede

pudesse ficar descolada das diferentes linhas de programação adotadas pelas emissoras

universitárias, procurou permitir que cada equipe de profissionais e estudantes participantes da

cobertura mantivesse sua linguagem regional e produzisse suas matérias de forma que

pudessem ser entendidas pelas diversas camadas de público. E embora aquela primeira

experiência tenha funcionado ainda na base do improviso, acredito que serviu para demonstrar

que a Rede é uma iniciativa viável e capaz de cumprir objetivos que devem ser os da

Universidade e, portanto, também os seus: o ensino, inclusive o prático, a pesquisa, a extensão,

e no caso dos meios de comunicação universitários, o de divulgar a produção científica e

universitária visando a democratização do conhecimento.

Ainda em 1994, houve uma segunda formação da Rede, para a cobertura dos debates do

Plano Decenal de Educação, em Brasília. Foi uma atividade mais modesta, pois não conseguiu

a adesão de todas as instituições que haviam participado da primeira formação. Isto

principalmente porque as representações de cada instituição tiveram dificuldades financeiras

para viabilizar a participação.

Em julho de 1995, a Rede voltou a ser formada para fazer a mais completa cobertura

jornalística da SBPC, o que evidencia sua característica de poder transformar-se numa

alternativa democrática de divulgar informações importantes não veiculadas em profundidade e

extensão pelos demais meios de comunicação. Esta terceira experiência contou com uma

adesão ainda maior que a conseguida na primeira. Para a cobertura da 47a Reunião Anual da

SBPC, em São Luis do Maranhão, a Rede Universitária de Rádio trabalhou com cerca de 50

pessoas, entre professores, profissionais e estudantes de radiojornalismo. E sua programação

foi transmitida por 20 emissoras universitárias e educativas do país, incluindo a Rádio da

Universidade Federal do Maranhão, responsável pela geração da cobertura.

Desde a abertura da 47a Reunião da SBPC, no dia 9 de julho, até o seu encerramento na

noite do dia 14 do mesmo mês, a Rede veiculou um total de 50 boletins (programas de cinco e

15 minutos). Os programas foram produzidos e gerados diariamente, de hora em hora, da

manhã até o início da noite, divulgando para o país inteiro tudo o que foi discutido, mostrado e

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apresentado na SBPC. Por isso, houve, na própria SBPC, o reconhecimento de que se tratou da

maior cobertura jornalística da história das reuniões anuais da entidade. E esta terceira

experiência, na avaliação dos integrantes da Rede, transformou-se na consolidação de uma

proposta para a busca conjunta de saídas aos problemas e dilemas das emissoras universitárias.

Sem dúvida, a Rede também representou um caminho que levou à fundação da

Associação Brasileira das Emissoras de Rádio, Televisão e Produtoras Universitárias, em 5 de

outubro de 1995, durante o III Encontro Nacional destes veículos, em Goiânia.

Agora em julho, a Rede realiza sua quarta formação, cobrindo a 48a Reunião Anual da

SBPC, em São Paulo. Ainda não tem uma reflexão crítica conjunta mais organizada e contínua

sobre conseqüências já existentes e possibilidades de resultados ainda a perseguir. Mas

individualmente, como faço neste trabalho, ou conjuntamente em momentos esporádicos, já se

iniciou esta reflexão. Durante o III Encontro, por exemplo, o professor Luiz Signates se

intitulou "participante entusiasmado do trabalho de formação de redes altamente democráticas

como as que cobriram as duas últimas SBPCs". Mas deixou claro que este trabalho "só tem

sentido dentro de uma política mais ampla de programação concretizada em cada emissora

universitária".

"É que, além de expressar o fenômeno da globalização em curso, a formação de redes

obedece a um contexto bem definido. No âmbito das emissoras privadas, a lógica é a

financeira: redução de custos de produção e possibilidades de veiculação publicitária em

diversas praças, o que possibilitaria a captação dos grandes anunciantes. No âmbito das

emissoras estatais, a lógica é a política: união e estabelecimento de relações entre os 'staffs',

para viabilizar a sobrevivência do sistema na correlação de forças dentro do aparelho estatal",

justificou Signates (1995:1).

Sim, as redes são expressão e instrumentos da globalização e resultado das inovações

tecnológicas, a maioria servindo para favorecer a concretização das ameaças de comunicação

autoritária sem pluralismo de conteúdo, sem opções de escolha, e de perdas das identidades

regionais. Mas acredito que 'pools' como os da Rede Universitária servem para demonstrar que

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também podem transformar-se em meios de difusão democrática e respeitadores das

regionalidades. Podem pelo menos tentar contrapor-se "à realidade das redes de trama estreita,

lançadas e puxadas ( produzidas e programadas) com uma linguagem (audiovisual e/ou verbal)

de sotaques paulistano e carioca (quando não mundial) e de conteúdo nada estranho à época do

milagre econômico brasileiro", conforme reclamou o professor da Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Luiz Alberto Sanz, durante o mesmo III Encontro (1995:2).

Sanz igualmente observa, na experiência da Rede, um "ir contra a corrente", o que julgo

seja o exemplo positivo que ela dá sobre o papel do rádio e as saídas de sobrevivência para este

meio, especialmente às emissoras de pequeno e médio portes. Acho que a Rede aponta

caminhos, mas é urgente que faça a reflexão crítica conjunta e organizada, que defina com

exatidão seus propósitos e funções. É como alerta Sanz : "o desenvolvimento e a consolidação

do Sistema Universitário de Rádios, TVs e Produtoras, embrião de um vigoroso sistema

público do audiovisual, passa pela compreensão do seu caráter comunitário, solidário,

pluralista e igualitário. Não há futuro para ele se não agir em busca do diálogo autêntico, se

não transformar sua existência nessa procura - entre seus integrantes e com os parceiros e a

sociedade" (1995:2).

BIBLIOGRAFIA

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CARDOSO, Fernando Henrique. A Roda Global, in Veja, São Paulo, edição 1.438, ano 29, no

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