81

Asa palavra 23

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Asa palavra 23
Page 2: Asa palavra 23
Page 3: Asa palavra 23

© Anderson Lopes TavaresAndré Leonardo Prado CouraAndreia Amorim NederCamila Teresa MartucheliFernando César SilvaFlávia Maria Resende SilvaHeliete Lopes CamposHudson de Oliveira CambraiaKalahan Muniz de Oliveira VelosoJanaína Aparecida Palhares,Júlio César dos ReisLaisa Thalita Bernardino FelicíssimoLaura Diniz OliveiraLúcio Alves de BarrosLuis Carlos GontijoMarileide Soares FerreiraMarina PachecoTelesRafael Tallarico Renato Batista FernandesSirlei de Brito Ribeiro Stela Magalhães de AlmeidaTaisse June Barcelos Maciel RomanoThayne Silva VieiraVictor do Carmo Oliveira

Faculdade ASA de Brumadinho(www.faculdadeasa.com.br)

DiretoriasGeral: Sônia Aparecida Barcelos MacielAdministrativa: Alcimar BarcelosFinanceira: Avimar de Melo BarcelosAcadêmica: Sônia Aparecida Barcelos Maciel

Organização e Coordenação EditorialSofia Martins Moreira Lopes – Doutorandaem Estudos Linguísticos – professora universitáriaemail: [email protected]

Comissão EditorialSofia Martins Moreira Lopes

Conselho EditorialLúcio Alves de BarrosMaria Lúcia Resende Chaves TeixeiraRenato Batista FernandesSirlei de Brito RibeiroSofia Martins Moreira LopesValéria Costa Couto

Ficha Catalográfica Simone Aparecida Silva

Colaboradores TextosAnderson Lopes TavaresAndré Leonardo Prado CouraAndreia Amorim NederCamila Teresa MartucheliFernando César SilvaFlávia Maria Resende SilvaHeliete Lopes CamposHudson de Oliveira CambraiaKalahan Muniz de Oliveira VelosoJanaína Aparecida Palhares,Júlio César dos ReisLaisa Thalita Bernardino FelicíssimoLaura Diniz OliveiraLúcio Alves de BarrosLuis Carlos GontijoMarileide Soares FerreiraMarina PachecoTelesRafael Tallarico Renato Batista FernandesSirlei de Brito Ribeiro Stela Magalhães de AlmeidaTaisse June Barcelos Maciel RomanoThayne Silva VieiraVictor do Carmo Oliveira

Revisão GeralSofia Martins Moreira Lopes

Revisão EspecíficaResponsabilidade de cada autor

Projeto GráficoSofia Martins Moreira Lopes e Marconi Lage

Concepção de capa e folhas de seçãoSofia Martins Moreira Lopes e Marconi Lage

DiagramaçãoMarconi Lage Nonato

ImpressãoEditora Pampulha

Tiragem350 Exemplares

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

Asa-Palavra/ Faculdade ASA de Brumadinho.v. I. n.23 ago/dez 2015: Faculdade ASA, 2015.

SemestralISSN 18062857

1. Ensino Superior-Periódicos, 1. Faculdade ASA de Brumadinho.

CDU: 378

Apresentação

Este número da revista Asa-Palavra traz textos de várias vertentes do conhecimento científico, como de

costume. A arte da capa busca evidenciar o pensamento científico. Para ilustrar, trouxemos uma imagem produzida à

luz da célebre escultura do Pensador, de Auguste Rodin. Retrata um homem em meditação, de costas, mais voltado à

reflexão. A imagem somente em preto e branco representa um homem mais sóbrio, mais sério, em busca das respostas

para os questionamentos científicos. No fundo palavras aleatórias, soltas, mas no seguimento de um pensamento, como

um painel a ser contemplado, examinado, estudado.

A epígrafe traz a tão conhecida máxima de René Descartes, que destaca o pensamento como a única maneira

de o homem afirmar a sua existência neste mundo.

Os artigos de cada seção representam a diversidade do pensamento científico, nas diferentes áreas do

conhecimento. Desejamos que a leitura dos textos deste periódico incentivem o pensamento e a reflexão dos nossos

ilustres leitores.

Boa leitura a todos!

Sofia Martins Moreira Lopes

Coordenação Editorial

Page 4: Asa palavra 23

“Penso, logo existo.”(René Descartes)

Page 5: Asa palavra 23

Sumário

Democracia - Federalismo - Soberania

O PARADOXO POLICIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Lúcio Alves de Barros

Luis Carlos Gontijo ....................................................................................................................................... 15

A EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO MECANISMO DE APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA

Hudson de Oliveira Cambraia

Stela Magalhães de Almeida ........................................................................................................................... 35

EM QUE MEDIDA A DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER PROPOSTA PELO FEDERALISMO BRASILEIRO

CONTRIBUI PARA O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?

Laisa Thalita Bernardino Felicíssimo ................................................................................................................ 47

1865-2015: CENTO E CINQUENTA ANOS DO FIM DA GUERRA CIVIL AMERICANA

Janaína Aparecida Palhares

Rafael Tallarico

Sirlei de Brito Ribeiro ................................................................................................................................... 61

Legalidade - Relações de Consumo - Resiliência

LEGALIDADE ADMINISTRATIVA: UMA RELEITURA ENCAMINHADA À JURIDICIDADE

André Leonardo Prado Coura ......................................................................................................................... 71

A IMPORTÂNCIA DA TUTELA ADMINISTRATIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Kalahan Muniz de Oliveira Veloso

Andreia Amorim Neder ................................................................................................................................. 85

RESILIÊNCIA NO ÂMBITO DO PROFISSIONAL DE DIREITO CRIMINAL

Marina PachecoTeles

Taisse June Barcelos Maciel Romano

Thayne Silva Vieira ........................................................................................................................................ 97

Page 6: Asa palavra 23

Contabilidade - Controle - Qualidade - Empreendedorismo

CONTABILIDADE GERENCIAL: COMPARAÇÃO DA QUALIDADE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NOS

ENANPAD’S UM ESTUDO LONGITUDINAL

Marileide Soares Ferreira

Renato Batista Fernandes

Victor do Carmo Oliveira ............................................................................................................................. 109

FERRAMENTAS DE CONTROLE QUE EVITAM OS DESVIOS DE VERBAS PÚBLICAS E GARANTEM A

GOVERNABILIDADE.

Júlio César dos Reis ..................................................................................................................................... 121

UM DIAGNÓSTICO DA PERCEPÇÃO DOS CLIENTES EM RELAÇÃO A QUALIDADE DOS SERVIÇOS

PRESTADOS PELA CLÍNICA MÉDICA ALPHA LOCALIZADA EM ITAÚNA - MG

Heliete Lopes Campos

Anderson Lopes Tavares .............................................................................................................................. 129

CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL EMPREENDEDOR

Camila Teresa Martucheli ............................................................................................................................. 141

Plantas Medicinais

ESTUDO ETNOBOTÂNICO DE PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS EM PIRACEMA, MINAS GERAIS, BRASIL

Flávia Maria Resende Silva

Laura Diniz Oliveira e Fernando César Silva ................................................................................................... 151

Page 7: Asa palavra 23

Democracia - Federalismo - Soberania

Page 8: Asa palavra 23

15

O paradoxo policial no Estado democrático de direito

Lúcio Alves de Barros1

Luis Carlos Gontijo2

RESUMO: O processo de transição democrática no Brasil não suprimiu as diversas formas de violência policial nas

práticas de controle social e da criminalidade. A permanência de padrões de conduta autoritários e ilegais na polícia,

notadamente a militar, é um dos graves obstáculos à consolidação do Estado Democrático de Direito. Além disso,

a conduta policial é alimentada pelo legalismo jurídico que não é suficiente para regular e controlar o alto grau de

discricionariedade do ofício policial que tem resultado em abusos, violência, corrupção policial etc.

Palavras-chave: Violência Policial, Segurança Pública, Estado Democrático de Direito.

1. O ESTADO DE DIREITO E A DEMOCRACIA

A segunda metade da década de 1980 no Brasil foi marcada pela transição da ditadura para o governo civil

que culminou com a restituição do Estado de Direito. Com o fim do regime militar autoritário, a promulgação da

Constituição de 1988 inaugurou o retorno à democracia e o restabelecimento de governos civis democraticamente

eleitos. A nova ordem social trouxe a expectativa da conquista de direitos até então negados à maioria da população e

expandiu a participação política, o que deveria ter representado uma das principais vias para o alcance da inserção social

e da diminuição das desigualdades (O’DONNELL, PINHEIRO, MÉNDEZ, 2000).

No entanto, em que pese à sociedade brasileira e outras que compõem os países da América Latina terem

passado pela transição democrática, as práticas autoritárias governamentais não foram afetadas por profundas mudanças

políticas ou eleitorais. Segundo Pinheiro (2000, p. 11), “sob a democracia prevalece um sistema autoritário, incrustado

em especial nos aparelhos de Estado de controle da violência e do crime”. Nesse sentido, contrariamente as expectativas

manifestadas durante o movimento denominado “Diretas Já”, as mudanças operadas nos planos político e jurídico não

provocaram o estabelecimento de direitos e nem mesmo asseguraram a solução dos conflitos com base no Estado

de Direito. Entre as inúmeras questões que se referem às práticas não democráticas, a que se procura analisar neste

trabalho é a que versa sobre as práticas decorrentes do ofício de polícia que redundam em violência policial. Para chegar

a esta questão, é preciso dissertar sobre o contexto sócio-político que marcou a transição para a democracia no Brasil,

bem como a permanência de práticas consideradas ilegais no controle da violência e da criminalidade por parte dos

agentes estatais. Dito de outra forma, o âmago do problema é a questão da violência policial, ao qual se relacionam os

1 Professor na FAE (Faculdade de Educação) na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais). Doutor em Ciências Humanas pela UFMG. Organizador dos livros “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: ASPRA, 2006 e “Polícia, Política e Sociedade”. São Paulo: Ed Delicatta, 2014.2 Graduado em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2007), especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – RJ (2008), especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2009), mestre em Gestão Pública com ênfase em Segurança Pública e Defesa Social pela Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (FEAD).

Page 9: Asa palavra 23

1716

aspectos sócio-políticos e culturais, a fim de compreender a razão da permanência, no ofício de polícia, do uso ilegal da

força como forma de controlar os conflitos sociais e a criminalidade. Neste campo, Pinheiro (2000, p. 15) afirma que:

O novo Estado democrático, na maioria dos casos, não é mais diretamente responsável

por cometer esses abusos, mas a sua responsabilidade está no fracasso em controlar

as práticas arbitrárias de seus próprios agentes ou de lutar contra a impunidade,

consequência do funcionamento bastante precário do judiciário.

O emprego de métodos violentos e ilegais na solução dos conflitos sociais e da criminalidade vem contrariando

o Estado de Direito. Cumpre salientar que não se pretende simplesmente revelar abusos, mas deixar evidente a

necessidade de investimentos na gestão, na formação e na qualificação dos profissionais de segurança pública como

forma não só de prepará-los profissionalmente para proteger, preservar e prover o bem estar, a justiça e a integridade

física e moral de todos os segmentos da sociedade, mas, sobretudo, como pré-requisito para que se reduza o uso ilegal

da violência e se caminhe no sentido da construção de uma “polícia cidadã”.

Compreender o conceito de Estado e sua capacidade de dominação, mesmo que de forma resumida, se

faz necessário, dado que vários autores formularam conceitos sobre o tema. Neste sentido, pelo menos quanto aos

chamados elementos constitutivos do Estado (povo, território e governo), Lima (1951, p. 05) salienta que: “Estado

é uma nação politicamente organizada”. A implantação do estado democrático moderno nas sociedades capitalistas

ocidentais ocorreu com a necessidade do controle social. Na concepção de Silva (2001), Estado é uma ordenação que

tem por fim específico e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma população

sobre um dado território. A ideia de controle social, segundo Costa (2004, p. 96):

[...] nos remete à sociedade em seu conjunto e ao Estado como órgão central de controle.

O monopólio estatal da violência legítima é elemento fundamental para a noção de

controle social. Neste caso, a violência privada é vista como uma forma de rompimento

desse controle social. Este rompimento é atribuído à fragilidade e à ineficiência dos

instrumentos e mecanismos de controle social.

Com a legitimidade do Estado de Direito em 1988, o controle social passou a abrigar as garantias individuais e

coletivas dos cidadãos, as formas de participação representativa no Estado, por meio de organismos institucionais para o

exercício do controle sobre os governantes, e os seus direitos civis. Nesse sentido, a presença de liberdades individuais

oferece tanto a resistência como os limites para a legitimidade do controle exercido pelo aparelho estatal. Devido sua

importância para a compreensão do Estado de Direito como instrumento de racionalização ou institucionalização do

poder, cumpre transcrever as palavras de Weber (1982), seguramente das mais expressivas dentre quantas já foram ditas

sobre o tema:

[...] Em última análise, só podemos definir o Estado moderno sociologicamente em termos

dos meios específicos peculiares a ele, como peculiares a toda associação política, ou

seja, o uso da força física. “Todo Estado se fundamente na força”, disse Trotsky em Brest-

Litovsk. Isso é realmente certo. Se não existissem instituições sociais que conhecessem o

uso da violência, então o conceito de “Estado” seria eliminado, e surgiria uma situação

que poderíamos designar como “anarquia”, no sentido específico da palavra. É claro

que a força não é, certamente, o meio normal, nem o único, do Estado – ninguém o

afirma – mas um meio específico ao Estado. Hoje, as relações entre o Estado e a violência

são especialmente íntimas. No passado, as instituições mais variadas – a partir do clã –

conheceram o uso da força física como perfeitamente normal (WEBER, 1982, p. 98).

Sobre a temática Mendes (2008, p 41) argumenta que:

À luz do pensamento de Max Weber, de resto compartilhado pela generalidade dos

teóricos do Estado e dos cientistas políticos, o conceito de violência legítima é a pedra

de toque para a compreensão do Estado de Direito como instrumento de racionalização/

institucionalização ou, se preferirmos, de legitimação do exercício do poder.

Max Weber (1982) associa o conceito de Estado ao do monopólio da violência, cujas raízes se encontram

na concepção kantiana de Estado. Kant parte da distinção entre força e potência, recusando a identidade do Estado

como pura potência. Na mesma linha, recusa a identidade do Estado com o princípio da força institucionalizada, ou

seja, como o aparato institucional para realização da violência. O Estado, em Kant, é, por excelência, «a unificação de

uma multiplicidade de homens sob leis jurídicas” (KANT apud ADORNO, 2002, p. 06). Nesses termos, o Estado, do

mesmo modo do que outro agrupamento político exerce a dominação por meio do recurso à violência ou à ameaça de

seu emprego. No entanto, essa violência tem como característica sua legitimidade, porque é autorizada pelo direito. “É

isso que faz com que lhe seja possível diferenciar a força coatora do Estado do puro e simples recurso à violência para

impor a vontade de uns sobre outros” (ADORNO, 2002, p. 07).

Ainda segundo Adorno (2002), nas reflexões de Kant o direito aparece como o oposto da violência a respeito

das relações entre Estado, direito e violência. Todo o esforço kantiano é o de demonstrar que o oposto da violência

- sobretudo daquela que envolve a imposição da vontade de uns sobre outros em um contexto pré-estatal - não é a

ausência de violência, mas sim o direito.

Na obra de Bobbio (2000) verifica-se que este monopólio do uso da violência legítima se apoia na exclusividade

atribuída ao Estado para editar as normas válidas e de obediência compulsória. O autor argumenta que o ordenamento

jurídico é reconhecido e valorado socialmente, não existindo outra fonte jurídica do ordenamento estatal que não seja a

lei. Em decorrência, o poder estatal é um poder absoluto porque emerge como o único capaz de produzir o direito. Vale

dizer, produzir normas vinculatórias válidas para todos os membros de uma sociedade. Daí a identidade entre Estado,

poder e lei. Avança o filósofo italiano dizendo que:

Page 10: Asa palavra 23

1918

[...] o que distingue um sistema democrático dos sistemas não-democráticos é um

conjunto de regras do jogo. Mais precisamente, o que distingue um sistema democrático

não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem, mais ou

menos claras, mais ou menos complexas), mas sobretudo o fato de que estas regras,

amadurecidas ao longo de séculos de provas e contraprovas, são muito mais elaboradas

do que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje, quase por toda parte (BOBBIO,

2000, p. 77-78).

O estado racional weberiano é definido, ainda, como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o

monopólio do uso legitimo da força física dentro de determinado território” (WEBER, 1982, p. 98). O Estado assim

é a única fonte que possui o direito de uso da violência e se constitui “em uma relação de homens dominando homens”.

Esta relação é mantida por meio da violência legítima. Segundo o autor, para que um estado exista é necessário que um

conjunto de pessoas obedeça à autoridade delegada aos detentores do poder e, por outro lado, para que os dominados

obedeçam é necessário que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima. Observa-se

que para Weber (1982) existem dois elementos essenciais que constituem o estado: a “autoridade” e a “legitimidade”.

Para tanto, o ponto de partida de Weber (1991, p. 139) nos estudos sobre dominação é a noção de

“legitimidade”. A explicação do autor é clara e se alicerça em diversos conceitos, entre os quais o de “dominação” como

“a probabilidade de encontrar obediência para ordens especificas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas”

e que ocorre com “certo mínimo de vontade de obedecer”. Weber (1991) identifica nos critérios subjetivos os motivos

para a obediência. Porém, demonstra dois espaços distintos: (1) aquele ocupado pelo dominador ou autoridade e (2)

aquele ocupado pela maioria, os dominados. É neste último que se encontra o princípio de legitimidade. Weber (1991)

sustenta um “interesse na obediência” sugerindo uma voluntariedade por parte dos liderados:

Obediência significa, para nós, que a ação de quem obedece ocorre substancialmente

como se este tivesse feito do conteúdo da ordem e em nome dela a máxima de sua

conduta, e isso unicamente em virtude da relação forma de obediência, sem tomar em

consideração a opinião própria sobre o valor ou desvalor da ordem como tal (WEBER,

1991, p. 140).

É nesse contexto que se insere a célebre tese dos três fundamentos legítimos da dominação proposta por Weber

(1991): a tradição, o carisma e a legalidade. A dominação tradicional significa aquela situação em que a obediência se

dá por motivos de hábitos, costumes, moralidade etc. Nesse caso, a legitimidade das ordens se baseia na tradição ou

no livre arbítrio do senhor. É a relação de dominação cristalizada na cultura da sociedade.

O segundo tipo de dominação é a carismática. Nela, a relação se sustenta pela crença dos subordinados na

qualidade superior de um líder carismático. A legitimidade da dominação se dá por meio de uma relação comunitária

e emocional. Os “discípulos” se identificam com a causa e sentem-se bem com o “bem-estar” oriundo do líder. As

qualidades do líder podem ser tanto os dons supostamente sobrenaturais quanto a coragem e a inteligência inigualáveis.

O último tipo de dominação é a dominação legal, ou seja, por meio de leis, dos documentos e da burocracia.

Da mesma forma que os outros tipos de dominação, a dominação legal se baseia na crença de sua legitimidade. Nessa

situação, segundo Weber (1991, p. 141) obedece-se à lei “baseada em estatutos, obedece-se à ordem impessoal,

objetiva e legalmente estatuída e aos superiores por ela determinados, em virtude da legalidade formal de suas disposições

e dentro do âmbito de vigência destas”. São essas regras que determinam “quem” e “em que medida” as pessoas devem

obedecer. A dominação racional-legal se especifica por encontrar legitimidade no direito estatuído racionalmente. O

direito racional é um conjunto abstrato de regras a serem aplicadas em casos concretos. A administração racional

supõe o cuidado dos interesses individuais e coletivos segundo os limites da lei. O soberano está sujeito à lei. Há uma

ordem de caráter impessoal. Quem obedece não obedece à pessoa do soberano, mas obedece ao direito e o faz como

membro de uma coletividade. O exercício da autoridade racional depende de um quadro administrativo hierarquizado e

profissional, “separado” do poder de controle sobre os meios de administração. A administração racional se caracteriza

pela existência de uma burocracia. Correspondem ao tipo de dominação legal não apenas a estrutura moderna do

Estado, mas toda organização, empresarial ou não, que disponha de um quadro administrativo hierarquizado. Vale frisar

que o conceito de estado para o sociólogo alemão envolve, pelo menos, três componentes essenciais: a dominação, o

território e o monopólio legítimo da violência. Nas palavras de Sérgio Adorno e Wânia Pasinato (2007, p. 134):

É célebre a fórmula weberiana: no interior de um território delimitado, o Estado moderno

é justamente a comunidade política que expropria dos particulares o direito de recorrer à

violência como forma de resolução de seus conflitos (pouco importando aqui a natureza

ou o objeto que os constitui). Na sociedade moderna, não há, por conseguinte, qualquer

outro grupo particular ou comunidade humana com “direito” ao recurso à violência

como forma de resolução de conflitos nas relações interpessoais ou intersubjetivas, ou

ainda nas relações entre os cidadãos e o Estado. Aqueles que estão autorizados ao

uso da violência o fazem em circunstâncias determinadas, em obediência ao império

da lei, isto é, aos constrangimentos impostos pelo ordenamento jurídico. Legitimidade

identifica-se, por conseguinte, com legalidade, e legalidade constitui, por conseguinte,

o fundamento de um sistema jurídico confiável, isto é, um sistema cuja funcionalidade

e operações garantem previsibilidade de ações e resolução de conflitos segundo regras

reconhecidas como legítimas.

Sob essa perspectiva assevera Adorno (2002, p. 8) que:

[...] quando Max Weber está falando em violência física legítima, ele não está sob qualquer

hipótese sustentando que toda e qualquer violência é justificável sempre que em nome

do estado. Fosse assim, não haveria como diferenciar o estado de direito do poder

estatal que se vale do uso abusivo e arbitrário da força. Justamente, por legitimidade,

Weber está identificando limites ao emprego da força. Esses limites estão, em parte,

dados pelos fins da ação política que dela se vale. São duas as situações “toleráveis”: por

Page 11: Asa palavra 23

2120

um lado, emprego de força física para conter agressão externa provocada por potência

estrangeira e assegurar a independência de estado soberano; por outro, emprego da

força física para evitar o fracionamento interno de uma comunidade política ameaçada

por conflitos internos e pela guerra civil. Em nenhuma dessas circunstâncias, porém, a

violência tolerada desconhece limites.

Como se vê, os limites estão ditados pelos fundamentos que regem a dominação, ou seja, a tradição, o carisma

e a legalidade. Na sociedade moderna, a violência legítima obedece aos ditames legais e tem como escopo assegurar a

soberania de um Estado ou de um grupo, uma coletividade ou uma unidade ameaçada em sociedade. Assim, aqueles

que estão autorizados ao uso da violência - instituições encarregadas do controle social - encontram limites, os quais

são impostos pelo ordenamento jurídico pátrio (ADORNO e PASINATO, 2007).

2. A VIOLÊNCIA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O trabalho em apreço se dedicou à análise da violência resultante das mutações que ocorreram após a

restauração da democracia e do estado de direito no Brasil (1985 a 1988). Paradoxalmente, a democratização trouxe

em seu bojo complexos processos de exclusão social e econômica, resultantes de uma cultura herdada com bases no

autoritarismo e nas práticas de controle social. Para compreender a continuidade das práticas de violência na sociedade

brasileira, mesmo depois da redemocratização do país, é necessário trabalhar a noção de conflitualidade que se expressa

na forma da denominada “violência endêmica” e no “autoritarismo socialmente implantado”. A violência endêmica,

ambientada em um contexto de profundas desigualdades sociais e em um sistema de relações sociais assimétricas, não é

um fenômeno novo. Ela tornou-se complexa nas duas últimas décadas, em parte porque as últimas políticas econômicas

aprofundaram as desigualdades e condenaram milhões de pessoas da América Latina a viverem na pobreza e na exclusão

social (PINHEIRO, 1997). Já o autoritarismo socialmente implantado refere-se ao fato de que o autoritarismo, em

países como o Brasil e a Argentina, diz respeito não somente ao Estado, mas também a uma sociedade que se mantém

fortemente hierarquizada (O’DONNEL,1988).

O que há de comum nesses conceitos é o fato deles chamarem a atenção para a permanência dos conflitos

violentos como práticas de controle social feitas pelas políticas de segurança pública do Estado. As manifestações de

violência são aparentes, tanto a física, representada pelo dilaceramento do corpo e da carne ou “suplício do corpo”

(FOUCAULT, 1999b), quanto à violência simbólica, exercida sobre os dominados com o consentimento destes em

virtude de estarem presos ao hábito, ao costume e às tradições (CANCELLI, 2001). De certa forma, acreditava-se

que a violência estatal ou - de acordo com Martha K. Huggins (1983, 1998) - a violência oficial estava condenada ao

desaparecimento e ao controle, especialmente após a redemocratização. Esperava-se que os conflitos fossem resolvidos

a partir de leis votadas, aprovadas, postas em prática pelos governantes e respeitadas pelas elites, pelas instituições

responsáveis pela manutenção da ordem e pela população. No entanto, o inverso parece ter ocorrido. A violência cresceu

e se diversificou, ganhou notoriedade e passou a ser tratada como uma questão pública de grande e imprescindível

importância para a sociedade e para os governantes (BARROS, 2009).

Todavia, é preciso afirmar que, por um lado, permaneceram as denúncias de violência contra os direitos

humanos praticados principalmente pela ação dos agentes do Estado responsáveis pelo controle social. A polícia

continuou empregando, de forma generalizada e inadequada, a violência contra aqueles que passaram a ser considerados

“inimigos da sociedade”. Por outro lado, verificou-se uma verdadeira onda de conflitos litigiosos no seio da sociedade,

representada por assaltos a bancos e carros-fortes, sequestros, homicídios, execuções sumárias e todo tipo de crimes

contra a população segregada (PERALVA, 2000; PINHEIRO, 2000).

Nos decênios de 1980 e 1990 se acentuou o crescimento da violência policial contra a população pobre e em

repressão às lutas sociais no campo e na cidade, mas, fundamentalmente, no combate à criminalidade de modo geral.

Fato que vem fomentando a aparição de um estado penal, que, segundo Barros (2007), se caracteriza pela emergência e

maturação de um “Estado Policial” e penitenciário em detrimento de um Estado voltado para a manutenção da paz e da

justiça social. Esse descompasso entre democracia, Estado de Direito e crescimento da violência no Brasil e em outros

países que compõem a América Latina, produziu várias reflexões de intelectuais brasileiros e latinos sobre as condições

estabelecidas pela lei e a realidade tal como ela se manifesta. Segundo O’Donnell (1998, p. 41-71), a passagem de

um regime autoritário para o regime democrático se desenvolve em “transições”: a “primeira transição” se dá com

governos civis instalados legitimamente no poder por meio de eleições livres; a “segunda transição” se sustentava com

a institucionalização de práticas democráticas em todos os níveis do Estado. Ocorre que essa “segunda transição”

ficou incompleta em razão de inúmeros legados de um passado autoritário que persiste em fazer parte das relações

dos órgãos do Estado com a sociedade. A não efetivação dessa “segunda transição” se deve ao que O’Donnell (1988)

denomina de “autoritarismo socialmente implantado” e ainda não superado com a implantação da democracia formal.

De acordo com Pinheiro (1997), no Brasil - assim como outros países da América Latina - a violência é

“endêmica” forjada por relações hierarquizadas que encontram ressonância e legitimidade tanto no Estado como na

sociedade. Para ele, no país existe um enorme gap entre o que está escrito na lei e o que se encontra presente na

realidade brutal de sua “aplicação”. A violência continua sendo uma das principais formas de comunicação entre agentes

do Estado e das elites em relação à população marginalizada (PAIXÃO e BEATO, 1997; BELLI, 2004). Diante do

exposto, cabe frisar o paradoxo brasileiro: o país convive em tempos de democracia com instituições incapazes de conter

a violência e a criminalidade e o Estado - de Direito - sequer configurou as bases para a emergência e a maturação de

mecanismos de controle de suas instituições coercitivas.

Não é exagero afirmar que o Brasil é uma sociedade excludente. A realidade brasileira identificada pelo Censo

do IBGE de 2010, que teve dados divulgados em 16 de novembro de 2011 é a de que, na população, os 10% mais

ricos têm renda média mensal trinta e nove vezes maior que a dos 10% mais pobres. A diferença apontada pelo estudo

é um alerta para o risco do aumento das desigualdades, crescimento da violência, da criminalidade e da necessidade

da implantação de políticas públicas que, na prática, sejam resolutivas frente a problemas indicados pelo Censo (IBGE/

CENSO, 2010). Na tentativa de explicar a lacuna existente entre a legalidade formal e a cidadania, Caldeira (2000, p.

55-56) intitula a democracia vivenciada no Brasil de “democracia disjuntiva”, com fundamento no descompasso entre a

expansão da cidadania civil e a cidadania política:

Uma das principais contradições que marcaram o Brasil contemporâneo é a que existe

entre expansão da cidadania e deslegitimação da cidadania civil. De um lado, houve

Page 12: Asa palavra 23

2322

uma expansão real da cidadania política, expressa nas eleições livres e regulares, livre

organização de partidos, nova liderança política e funcionamento regular do legislativo

em todos os níveis, associados a liberdade de expressão e fim da censura aos meios de

comunicação. De outro, no entanto, há o universo do crime e um dos mais intrigantes

fatos da consolidação democrática brasileira: o de que a violência, tanto civil quanto

de aparatos do Estado, aumentou consideravelmente desde o fim do regime militar.

Esse aumento no crime e na violência esta associado à falência do sistema judiciário, à

privatização da justiça, aos abusos da polícia, à fortificação das cidades e à destruição

dos espaços públicos.

Como se vê, a sociedade brasileira está imersa em uma contradição: a democracia política acompanhada pelo

aumento da violência e descontrole da criminalidade que acarretam constantes abusos de autoridade e desrespeito aos

direitos humanos. Sobre este aspecto Costa (2004b, p. 94) argumenta que:

Algumas autoridades políticas e policiais, jornalistas e mesmo a população em geral

têm aceitado a ideia de que há uma tensão entre a manutenção da ordem e o exercício

democrático do poder por parte das polícias. O aumento das taxas de violência urbana

acabaria por forçar, de algum modo, um “endurecimento” das polícias na “luta contra o

crime”, o que acarretaria o uso mais frequente da força para realizar o controle social. Em

outras palavras, atribuem a variação na intensidade e no uso da força na atividade policial

à necessidade de controle social.

O grande problema é que, em decorrência do aumento da violência e da criminalidade, bem como da descrença

na justiça penal, se configure uma espécie de legitimação no agigantamento do poder discricionário do aparato policial.

O poder discricionário pode ser definido como a possibilidade do policial ter livre arbítrio na ação, ou seja, escolher

o método necessário para fazer cessar o conflito e manter a ordem. Este poder não é baseado apenas em preceitos

morais e individuais, mas é regido, também, por uma estrita obediência à lei. Com o aumento dos conflitos difusos nas

redes de sociabilidade (de classe, etnia, de gênero etc) e a crescente onda de criminalidade urbana violenta, os policiais

sentem-se submetidos às situações de “perigo de vida”, ao mesmo tempo, por meio de ações violentas de alguns de

seus membros, ameaçam à vida dos cidadãos à revelia da lei. “Nessa perspectiva, o trabalho policial se realiza sempre

na margem da vida, ou no limite da norma social, exercendo um poder de modo próximo ao excesso”. (TAVARES DOS

SANTOS, 1997, p. 162).

No contexto em tela, é lícito afirmar que não é ao acaso a atenção crescente conferida aos fatos considerados

violentos. Segundo Belli (2004), quer se olhe para a Europa, para os EUA, ou para os países emergentes, o tema da

violência tem garantido seu lugar privilegiado nas conversas, nas ruas, nos encontros entre familiares, na mídia e no

debate político. Todavia, a violência contempla várias faces devido à sua polissemia:

Gilles Lipovetsky (2005) analisa a violência em relação a dois campos: (1) as “violências selvagens” e (2)

“violências modernas”. Argumenta que, no primeiro caso, a violência dos homens – longe de se explicar a partir

de considerações utilitárias, ideológicas ou econômicas – orientou-se essencialmente em funções de dois códigos:

a “honra” e a “vingança”, os quais, foram afastados do cenário público no mesmo momento em que a modernidade

ganhou espaço. Portanto, a “época de ouro” da violência encontra-se na predominância de tais códigos, duas marcas

garantidoras de prestígio diante de determinado grupo. Esse grupo possuía maior relevância do que qualquer outro, ou

seja, o indivíduo só tinha valor quando pertencente a uma coletividade, em inter-relações, em uma configuração social

baseada no sangue. Com a legitimidade do Estado, o segundo caso analisado por Lipovetsky, a vingança foi substituída

pela punição estatal, entendida como uma justiça pública baseada em leis transparentes. A possibilidade da “violência

moderna” a partir do Estado afasta a ideia de vingança, a qual coloca em risco a estabilidade do poder. Não por acaso

passa a ser função do Estado as rédeas da punição e da justiça. O Estado policial é requisitado devido a desvalorização

das relações de violência face-a-face e pelo isolamento ou individualização das pessoas perante seus pares, por isso a

segurança pública cresce em importância no âmbito social, configurando um complexo processo de civilização.

Já para René Girard (1990) a violência é o elemento fundante de toda significação humana. Abstrai dessa

concepção que toda sociedade antes de se organizar teve que conter a “violência intestina”, e, a forma encontrada para

consecução desse propósito foi à instituição do sacrifício. O sacrifício permitiu as sociedades arcaicas um instrumento de

“catarse social”, possibilitando aos seres humanos despejarem sobre uma vítima sacrificial todos os desejos de vingança,

ódio e agressividade. Na perspectiva do autor, quando os ritos não conseguem produzir o equilibro da não violência

surge a crise sacrificial, ou seja, o homem recorre ao sacrifício como forma de estancar a violência sem controle. O os

sacrifícios - com todos os revestimentos simbólicos e mitológicos que agregam - representam uma batalha contra o

caos, o terror e a anomia social.

Chesnais (1981, p. 12) apregoa uma definição restrita do termo, o que o deixaria aparentemente incompleto,

pois excluída estaria a possibilidade da chamada violência psicológica ou a violência simbólica, assim propõe que:

A violência em sentido estrito, a única violência mensurável e incontestável, é a violência

física. É o atentado direto, corporal, contra as pessoas; ela se reveste de um triplo

caráter: brutal, exterior e doloroso. O que define é o uso material da força [...]. Dito de

outro modo, a característica principal da violência é a gravidade do risco que ela faz a

vítima correr. São a vida, a saúde, a integridade corporal ou a liberdade que estão em

jogo (tradução nossa).

Michaud (1989, p. 11-12) não se contenta com o conceito restrito de violência. Devido a polissemia do

termo, aposta em uma definição abrangente, a qual ajuda na delimitação do foco da análise aqui empreendida, vejamos:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira

direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus

variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses,

ou em suas participações simbólicas e culturais.

Page 13: Asa palavra 23

2524

Diante das perspectivas mencionadas e abstraindo-se a ideia formulada por Belli (1999), ao fazer uma

apropriação dos pensamentos de Émile Durkheim e de Max Weber, com vista à análise do problema da violência policial

no Brasil, patente fica que a violência policial se manifesta como violação aos estatutos legais que impõem limitação ao

poder de polícia do Estado e define direitos individuais básicos. O ponto de partida do trabalho organizado por Belli

(1999) é a evidência de que o Brasil dos anos de 1990 foi pródigo em exemplos de massacres, execuções sumárias e

tortura perpetrados pelas forças policiais.

Belli (1999) apresenta dois eixos que interessam investigar no que tange à violência policial. O primeiro,

com contribuições durkheimianas, diz respeito à justificação da violência, a qual parece derivar de uma concepção

generalizada sobre o crescimento da criminalidade urbana, que é tratada como doença e se faz necessário o uso de

“remédios” radicais como modo de evitar que o “mal” se espraie por todo o tecido social. Nesse sentido, citando

Caldeira (1996), Belli (1999) argumenta que:

O “mal”, no caso, é a criminalidade, que é vista como algo contagioso e difícil de ser

combatido caso tenha se apossado do corpo de um delinquente. A solução não poderia

ser mais radical: apoia-se a pena de morte como necessária e, no caso da classe média,

constroem-se barreiras simbólicas (preconceitos) e materiais (muros, cercas, condomínios

fechados) para isolar e proteger um espaço de convivência social dos perigos exteriores

(CALDEIRA apud BELLI, 2004b, p. 20).

De acordo com o mencionado, as categorias sociais identificadas como criminosas em potencial, geralmente

pobres, negros e jovens, são excluídas da comunidade moral e seus integrantes são na prática “desumanizados”. Essa

situação, em tese, justifica os atos de tortura e execuções sumárias praticadas pelos agentes coercitivos do Estado.

O criminoso é considerado um “caso perdido” e sem a mínima chance de ressocialização. Cardia (1995, p. 371)

identificou esse comportamento entre os defensores da pena de morte: “O ato criminal retiraria do criminoso seus

direitos e o colocaria fora da comunidade moral: os presos representam uma ameaça tão profunda que faz com que

sejam excluídos do mundo dos humanos. No limite da exclusão nega-se aos excluídos o direito à vida”.

Belli (1999) conclui o primeiro eixo demonstrando que a caracterização do crime e do criminoso que integram

o senso comum e justificam a violência policial contrastam com a postura do sociólogo Durkheim, cujo ponto de partida

reside justamente em despir-se das pré-noções e das paixões para observar o crime como um fato social dotado de

normalidade, uma vez que não existe sociedade que não conheça esse fenômeno.

A análise do segundo eixo tratado por Belli (1999), corroborado pelas contribuições weberianas, reside em

encarar o problema de um ponto de vista institucional, ou seja, trabalhar as evidências de que os aspectos institucionais

e da organização do aparelho repressivo podem servir de combustível à violência ilegal. Nesse sentido, a incapacidade

do Estado brasileiro de controlar as ações dos agentes públicos encarregados de aplicar a lei e a ordem conjuga-se com

a impunidade, ou seja, a incapacidade de punir os que praticam os delitos e os abusos. Segundo Belli (1999, p. 296):

O monopólio da violência legítima, que devia ser regulado por estatutos impessoais

aplicados por um corpo administrativo especializado e hierárquico, parece dar lugar a

uma quebra de facto desse monopólio quando os agentes públicos desconsideram os

estatutos legais que deveriam obedecer e administram uma concepção muito particular

de justiça.

Dito de outra forma, ao desconsiderar os estatutos legais, os agentes responsáveis pela segurança pública

navegam no vazio da impunidade e tecem os próprios mecanismos de julgamento e condenação. Uma “nova ética”

é produzida, a subcultura reproduz o imaginário da anomia social e abre-se o caminho para a violência ilegal, a

constituição de milícias, justiceiros e corrupção (HUGGINS, 1983).

É nesse contexto que se torna compreensível a pesquisa levada a efeito pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) no ano de 2010, a qual ressaltou a quase absoluta falta de credibilidade nas forças de segurança

pública estatuais, sustentando que a região Sudeste lidera a desconfiança. Nessa região, somente 03% dos entrevistados

afirmaram ter muita confiança nas polícias Militar e Civil e 75,15% disseram confiar pouco ou nada, conforme Tabela

1 a seguir:

Tabela 1 – Confiança nas polícias, por região (média para as polícias militar e civil).

Região Confio muito Confio Confio pouco Não confioCentro-Oeste 4,30% 37,05% 34, 20% 24,45%

Nordeste 5,80% 24,10% 43,45% 26,70%Norte 4,45% 26,15% 47,35% 22,00%

Sudeste 3,00% 21,80% 45,10% 30,05%Sul 3,40% 28,00% 43,95% 24,65%

Fonte: Pesquisa SIPS – IPEA, 2010.

Não ao acaso que as temáticas da gestão de segurança pública e da criminalidade e os respectivos mecanismos

de controle nunca foram tão debatidos. Consequentemente, nunca se exigiu tanto das organizações policiais em função

dos índices crescentes de criminalidade. Um bom exemplo é o caso de Minas Gerais. Segundo informações publicadas

no Jornal “O Tempo”, de 24/03/12, de acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Defesa Social

(SEDS), houve necessária mudança no comando da Secretaria, a qual faz parte das ações do governo para reverter

a “crise” instaurada na segurança pública estadual. Depreende-se do noticiário que uma onda de crimes e violência,

comprovada por estatísticas crescentes da criminalidade em 2011, na comparação com o ano anterior, desafiou as forças

policiais e assustou a população. A meta governamental seria a de reduzir os índices de crimes violêntos, que incluem

homicídios e tentativas, latrocínios (matar para roubar), estupros e roubos. Após cinco anos em queda, os números

teriam voltado a crescer em 2011. Foram registrados 277,78 casos por grupo de 100 mil mineiros, contra 250,52 em

2010. Na RMBH, o aumento foi de 14,5% e na capital, de 11,4%. Na comparação das estatísticas de assassinatos, a

elevação foi de 16,33% em Minas (de 3.201 óbitos, em 2010, para 3.754, em 2011) e de 21,9% em BH (de 641 para

782). Em apenas sete dos vinte e nove municípios mineiros com mais de 100 mil habitantes houve redução das mortes.

As ocorrências policiais relacionadas ao tráfico de drogas também aumentaram, passando de 43.641 para 51.192.

Page 14: Asa palavra 23

2726

Na presente conjuntura, é esperado debates nos meios de comunicação, nas ruas, nas esferas do governo, nas

academias de polícia e nos congressos acadêmicos sobre o papel da polícia na sociedade democrática. Tais discussões

sempre recaem na famosa fórmula de como enfrentar o problema da insegurança e da sensação de medo gerada por ela.

Vislumbra-se, de um lado, a sociedade civil cobrando a imediata solução dos crimes e a punição dos criminosos, bem

como a pronta atuação e a eficiência das forças policiais no enfrentamento das desordens. De outro lado, exige-se que

o labor de polícia e a repressão sejam exercidos com amparo no Estado de Direito e no respeito aos direitos humanos.

Contudo, essa reivindicação se mostra incompatível com a visão de algumas autoridades e lideranças policiais que

apostam em outras formas de prevenir e, se necessário, reprimir o que se entende por crime (COSTA, 2004a, 2004b;

SAPORI, 2007).

Essa incompatibilidade tem uma explicação histórica. As organizações policiais, criadas com a emergência

do estado moderno, estiveram mais próximas dos interesses das elites e da defesa da ordem pública, do que da defesa

dos direitos constitucionais e civis (CANCELLI, 1993, 2001; BARROS, 2005, 2014). No Brasil a ação policial esteve

associada à ideia do emprego da violência, da humilhação, do castigo e do suplício do corpo (PINHEIRO, 1997). A

naturalização e a banalização do emprego da violência ou do eufemismo “uso da força física” contra civis “suspeitos”

ou que cometeram algum crime e/ou contravenção, alimentaram a visão das autoridades que acreditam ser a violência

parte integrante da ação policial (RAMOS e MUSUMECI, 2005). Mais que isso, a violência chega a ser defendida e

incentivada pela população e pela sociedade (O’DONNELL, 1988). Nesse sentido, Sabadell (2008, p. 09) afirma que:

Devemos também levar em consideração a ambivalência da opinião pública diante da

polícia. Muitas pesquisas de opinião indicam que a população aprova a violência e

inclusive a tortura dos “suspeitos” como meio para combater a criminalidade, mesmo

de forma ilegal e violadora dos direitos fundamentais. Mas, ao mesmo tempo, a opinião

pública teme os abusos policiais. Temos aqui uma situação problemática que indica que

os aspectos ilegais da atuação policial são encorajados por parte da sociedade, que, em

seguida, reclama do comportamento policial.

Como salientado, a concepção de gestão de segurança pública, forjada durante o regime de exceção (1964

– 1984), não desapareceu com a redemocratização. Pelo contrário, ela deu mais vida a uma cultura marcada pela

arbitrariedade, pela corrupção e pela violência (CANCELLI, 2001; HUGGINS et al, 2006).

Prudente (2010), com amparo no relatório publicado em dezembro de 2009 pela ONG Humam Rights

Watch3, argumenta que “a polícia brasileira está entre a polícia que mais mata no mundo. Nunca policiais brasileiros

mataram tanto”. Segundo o autor, os dados são alarmantes:

Desde 2003 as Polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo, juntas, mataram mais de

11.000 pessoas em casos registrados como “auto de resistência seguida de morte”.

3 Relatório elaborado com dados coletados em dois anos de pesquisa, com 134 páginas e intitulado como “Força letal: violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo”. Publicado pela ONG Human Rights Watch. Dezembro de 2009. Disponível em: <http:www.hrw.org>. Acesso em: 02 de setembro de 2011.

São mais de 1.000 pessoas por ano. Em 2007, na Cidade de São Paulo, policiais em

serviço mataram uma pessoa por dia (377 casos/ano) e no Rio, três pessoas as cada

dia (1.330 casos/ano). Em 2008, no Rio de Janeiro, a cada 23 pessoas presas, uma foi

morta pela polícia (1.137 homicídios/ano). Isso representa que no Rio, um em cada cinco

homicídios tem como autor um policial (20%) (PRUDENTE, 2010, p. 154).

O trabalho organizado por O’Donnell, Pinheiro e Méndez (2000) reforça a tese sobre “O Não Estado de

Direito na América Latina”. Segundo eles, em muitos países deste continente, inclusive no Brasil, a volta ao regime

democrático de direito tensionou as relações entre a sociedade (em especial os pobres, os negros e os jovens) e

os agentes governamentais responsáveis pela ordem pública. De acordo com as pesquisas de Belli (2004a) e Costa

(2004b), tudo indica que as relações marcadas pela ilegalidade e pelo poder arbitrário do Estado estão longe de terem

um fim.

3. O PARADOXO DA POLÍCIA EM PLENA DEMOCRACIA

Não é preciso esforço para perceber os caminhos percorridos por nossa infante democracia. As duas últimas

décadas no Brasil foram marcadas por uma forma de violência incompatível com o Estado de Direito: a violência policial.

São vários os exemplos, cabendo citar dentre tantos, a ação dos policiais militares no estado de São Paulo em 2012,

na região de Pinheirinhos. O episódio tomou as manchetes dos jornais, os quais não deixaram de mostrar a crueldade,

a violência e a brutalidade policial; outro fato que também ocorreu em 2012 no mesmo estado foi o dos usuários de

crack. No caso, a Polícia Militar foi utilizada ostensivamente em uma clara amostra do uso da força bruta, da crueldade

e da violência em desfavor do “inimigo” indefeso e sem lugar. Forçosa é a lembrança do caso que ocorreu em Belo

Horizonte no Aglomerado da Serra. Na oportunidade, policiais militares em atividade assassinaram dois trabalhadores

pelo simples fato de serem suspeitos.

No passado ainda recente temos o caso da Favela Naval. Em janeiro de 1997, em Diadema (SP), policiais

militares espancaram diversos moradores e assassinaram um jovem. Também é digno de lembrança o caso de Eldorado

dos Carajás, no Estado do Pará em 1996, onde em um confronto entre a polícia e os sem terra foram mortos 20

agricultores e outros 44 ficaram feridos. E existem mais: em Corumbiara (RO), em 1995, a polícia militar entrou em uma

fazenda matando vários integrantes do Movimento dos Sem-Terra. Em Vigário Geral, no Rio de Janeiro, aconteceu uma

chacina em agosto de 1993, resultando na morte de 21 pessoas e quatro feridos. O massacre da Candelária, ocorrido

também no Rio de Janeiro, região central, em julho de 1993, é um episódio no qual os policiais militares assassinaram

08 crianças. Fechando as lembranças, cumpre apontar o massacre do Carandiru, na cidade de São Paulo em outubro

de 1992, quando foram mortos 111 detentos. Tais acontecimentos receberam a ressonância midiática e se tornaram

de conhecimento público. Existem, pois, aqueles casos que não foram registrados por negligência ou desconhecimento

das autoridades públicas. De qualquer forma tratam-se de violações dos direitos humanos que vão desde o abuso de

autoridade até assassinatos.

Nota-se que em relação ao debate acerca da violência e da criminalidade no Brasil é impossível não levar em

Page 15: Asa palavra 23

2928

consideração que grande parte dessa violência é levada a efeito pela própria polícia. Embora o surgimento e a expansão

das polícias em todo o mundo não autorizem os policiais a agirem à revelia do ordenamento jurídico, o uso da força é

garantido em todas as constituições modernas por meio do monopólio legítimo da violência. Foi devida a essa função

que as polícias surgiram, tendo como objetivo consolidar o Estado Moderno e a ordem liberal, assegurando, pelo menos

na teoria, a proteção dos direitos (HUGGINS, 1998; BRETAS, 1997a, 1997b; TAVARES DOS SANTOS, 1997).

Bretas (1997a) argumenta que a polícia teve sua origem atrelada ao próprio aparecimento do Estado Moderno

no século XVIII. Segundo Bittner (2003), o surgimento e a expansão das polícias para o Ocidente fazem parte de um

processo de construção e consolidação, na perspectiva liberal, do Estado de Direito. Monet (2006) argumenta que

a polícia surge para garantir que a possibilidade do uso legítimo da violência na solução dos conflitos ficasse restrita

ao âmbito do Estado. Nesse caminho, em diversas situações aponta para a possibilidade do uso da força como um

meio característico da atividade policial. O foco centra-se não apenas no monopólio formal do uso da violência, mas

na sua inserção no cotidiano, isto é, no uso prático que dela é feito. Assim, a relação da população com a polícia se

desenvolve tacitamente sob o signo da violência presumida. Dessa forma, foi de capital importância a criação de uma

instituição permanente, a qual se encarregasse da garantia da governabilidade e da proteção dos direitos relacionados

à vida e ao patrimônio das pessoas. A ideia, historicamente, foi publicizar a força repressora retirando-a do poder

privado de governos, reinados e ditaduras. A polícia é um órgão que nasce com a modernidade e, pelo menos no

campo ontológico, tem por princípio a proteção incondicional do cidadão, mesmo que este seja colocado em xeque pelo

próprio Estado.

A origem da polícia, de acordo com Bretas (1997a), se baseou na emergência e desenvolvimento de forças

repressoras assentadas nos “modelos” francês e inglês. O primeiro modelo, com características centralizadora, repressora

e autoritária se configurou no intuito da manutenção da ordem pública e segurança das instituições do Estado, associado

aos interesses do soberano e da aristocracia. Visava evitar a desordem social, garantir a governabilidade do Estado e

proteger a propriedade privada. Além disso, objetivava diminuir a criminalidade e a delinquência e proteger a população

de todo e qualquer tipo de desordem. O segundo modelo sugere uma polícia submetida ao controle dos cidadãos,

preocupada com a segurança da sociedade e aberta às críticas e a possibilidade de erro. O modelo inglês partiu da

organização da sociedade civil e a polícia nada mais era que uma garantidora da liberdade, que recebia da população

a confiança necessária para atuar em casos de desordem. Nesse contexto, tudo indica que a polícia no Brasil foi

influenciada pelo modelo adotado pela monarquia francesa do século XII.

No Brasil, entretanto, o poder de polícia passou a ser definido somente durante o período monárquico

(1822/1889), ou seja, com o Código Criminal Brasileiro (1830) e com o Código de Processo Criminal (1832).

Conforme menciona Holloway (1997, p. 32), “em 1841 a polícia se tornou o principal elemento institucional para

conter a desordem pública”. Por um longo período histórico, a missão da polícia era a de dar garantias aos governantes,

promover a repressão aos criminosos e aos movimentos sociais que lutavam por autonomia. Após a Proclamação

da República (1889), as polícias estaduais foram reestruturadas em cada estado da federação, sem perderem as

características de origem, ou seja, não cabia às polícias a proteção do cidadão; elas se constituíram como verdadeiros

“exércitos” privados, milícias, a serviço da manutenção da ordem sociopolítica vigente e a serviço dos interesses das

elites (BRETAS, 1997a; HOLLOWAY, 1997; BARROS, 2005).

Nas palavras de Fernandes (1974), foi em 1901 que se assistiu uma intensa modificação no cenário da força

pública. A polícia - em especial nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais - se

transformou em uma potente força militar local treinada pela “missão francesa”, a qual conseguiu constituir, na década

de 1930, no Estado de São Paulo principalmente, um “modelo de policiamento híbrido”, lançando mão somente de

mecanismos que visavam treinar, equipar, profissionalizar e institucionalizar a polícia em moldes militares.

Na perspectiva de Barros (2005), o Estado Novo, regime político brasileiro fundado por Getúlio Vargas, no

que concerne a ordem pública, tratou, com fundamento no Decreto 24.531, de 02 de julho de 1934, de colocar sob

o comando do governo federal o controle das forças públicas estaduais. Para isso, unificou o Código de Processo Penal

e as polícias passaram a ser subordinadas e fiscalizadas pelo Exército Brasileiro. O uso da violência, como monopólio

legítimo do Estado, foi levado às últimas consequências, tendo por alicerce “um caráter administrativo para a sociedade

enquanto um todo e um instrumento de poder pouco afável ao regime das limitações legais” (CANCELLI apud BARROS,

2005, p. 29). Nesse contexto, a polícia atuou em várias frentes sem perder características que se tornaram peculiares:

reprimir trabalhadores, perseguir mendigos, vadios, menores abandonados, comunistas, anarquistas, estrangeiros (os

alienígenas da Pátria) e controlar as fronteiras e a imigração no intuito de vicejar a “nacionalidade” e o “amor” ao país

(CANCELLI, 2001; BARROS, 2005).4

A Constituição de 1967 foi de suma importância na história das forças públicas militares estaduais. Nessa carta

foi extinta a Guarda Civil uniformizada e mantido o poder do Exército sobre a Polícia Militar. Por força do Decreto Lei

n. 667/67 a Polícia Militar ficou incumbida exclusivamente de executar o policiamento ostensivo e a manutenção da

ordem pública (BARROS, 2005).

Esse breve histórico mostra a influência militar na segurança pública e como ela esteve vinculada aos interesses

das elites dominantes e do Estado. A influência do Exército nas polícias é largamente responsável pelas práticas de

controle social com base na ideia de que existe um “inimigo interno” potencial na sociedade por trás de cada movimento

social de contestação, o que, de alguma forma, afronta à legitimidade das leis. Segundo Huggins (1998), o período

militar (1964/1984) reforçou essa concepção, a qual não desapareceu com a transição ao regime democrático. Em

seu trabalho, revela, inclusive, a influência dos Estados Unidos da América (EUA) na “profissionalização” das polícias

latino-americanas, o que fortaleceu ainda mais a ideologia de segurança nacional, bem como o autoritarismo, o emprego

de táticas militares no combate à criminalidade e o treinamento das polícias militares para “combater” os inimigos

internos do regime político militar. Essa política de controle social baseada em concepção e tática militares visando

“combater” os movimentos contestatórios e os delinquentes criminais continuou orientando as políticas de segurança e

de controle social durante todo o regime político militar, sendo evidentes os resquícios dessa ideologia mesmo após a

redemocratização do País a partir de 1985 (HUGGINS et al, 2006).

Vale ressaltar que a ideologia de “combate”, de destruição do inimigo interno, de tratamento fora dos limites

impostos pelo ordenamento jurídico pátrio, foi disseminada e influenciou não só as polícias, mas também à sociedade

civil. Prova disso se faz no momento em que aparecem defesas persuasivas no sentido de que “bandido bom é bandido

morto e enterrado em pé”. De todo modo, a sociedade corrobora, apesar de não confiar, o serviço considerado “sujo”

da polícia. Esta tem se travestido de “herói”, “justiceira” e “operacional” praticando a violência no intuito de “fazer

justiça”, eliminar “inimigos” e tomar território. Em geral, a polícia se respalda em uma consciência coletiva que aposta

4 No caso de Minas Gerais, a Polícia Militar aparece na visão de Cotta (2006) como uma instituição centenária emergente desde o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, em 09 de junho do ano de 1775, no distrito de Cachoeira do Campo, município de Ouro Preto. Tinha como missão guardar as minas de ouro descobertas na região de Vila Rica (atual Ouro Preto) e Mariana. A sua criação oficial na verdade se deu em 12 de dezembro de 1832, por deliberação da 17ª Sessão Extraordinária do Conselho de Minas Gerais, conforme consta no Arquivo Público Mineiro (BARROS, 2005).

Page 16: Asa palavra 23

3130

na punição, na indiferença e na intolerância. Fortalecida por anseios sociais autoritários ela busca “elementos suspeitos”

e passa a pautar suas condutas sem observar os limites legais e os direitos humanos (O’DONNELL, 1988; RAMOS e

MUSUMECI, 2005; SOARES, 2011).

Na conjuntura em apreço, seria de fundamental importância superar essa mentalidade conservadora de que

a polícia se presta a “combater” as categorias sociais identificadas como criminosas em potencial, geralmente pobres,

negros e jovens voltando seu esforço na proteção dos favorecidos economicamente e do Estado.

4. À GUISA DE CONCLUSÃO: A NECESSIDADE DA MUDANÇA DA CULTURA POLICIAL

Na concepção de Muniz (1999, p. 113), “o caminho mais frutífero para superar os entraves existentes” na

estrutura policial, principalmente para melhorar a qualidade dos serviços prestados pela Polícia Militar seria:

[...] a realização de intervenções tópicas no âmbito da cultura institucional, preservando a

estrutura militar que supostamente atenderia às exigências técnico-operacionais próprias

dos grandes meios de força. Esta proposta, em certa medida conciliatória com a tradição

institucional, visa eliminar, na medida do possível, os vícios e desvirtuamentos produzidos

pelo “militarismo”. Intervir na cultura militarista corresponderia ao empreendimento de

trazer a Polícia para o seu devido lugar, isto é, de transformar a polícia em Polícia,

enfatizando as diferenças radicais de propósito, doutrina, emprego da força, performance

etc. entre as forças comedidas voltadas para o controle social e as Forças Armadas

orientadas para o combate (MUNIZ, 1999, p. 113).

Essa seria uma forma de superar a influência da ideologia militar no trato dos problemas sociais, da violência e

da criminalidade, bem como uma maneira de profissionalizar o efetivo das Instituições Militares Estaduais (IME). Cumpre

mudar a “cultura organizacional” que observa o delinquente como “inimigo interno” da sociedade e da organização.

Para isso, tornaram-se de suma importância a capacitação e a qualificação do policial militar nos cursos de formação e

aperfeiçoamento.

Mas é bom salientar que não foi apenas a orientação militarizada que contribuiu para reforçar as práticas

violentas e autoritárias nas Instituições Militares Estaduais. Segundo Reiner (2004), a conduta do policial varia de

acordo com o público com o qual ele se relaciona. Sendo assim, com as classes desprestigiadas economicamente o

poder de polícia tende a ser discriminador, preconceituoso e arbitrário. E não é por acaso que o uso da força durante

o atendimento de uma demanda social para realizar averiguações ou prisões é parte inerente à profissão. Noutro giro,

quando a prestação de serviço se dá em prol das elites e das classes privilegiadas economicamente, o comportamento

policial é invertido, porque se corre o risco de ferir os interesses dessas camadas. Logo, o uso da força e o linguajar

autoritário tende a ser utilizado em larga escala somente em relação a população desprivilegiada no campo cultual,

político e econômico.

Para Skolnick (1966), citado por Reiner (2004, p. 135), ao discutir a cultura da polícia, a “personalidade

de trabalho” do policial é oriunda de uma subcultura socialmente gerada. Trata-se de uma resposta ao papel incerto e

abrangente da polícia: “duas variáveis principais, o perigo e a autoridade, que devem ser interpretados à luz de uma

pressão ‘constante’ de parecer eficiente”. Nesse sentido, a experiência policial é resultado da combinação de perigo com

autoridade e é o perigo que vai por em risco o emprego da autoridade. Dito de outra forma, o policial emprega o uso da

força (i)legal de acordo com a insegurança a que ele se sente submetido. Portanto, a cultura policial, especialmente no

Brasil e nos países da América Latina, estaria associada a determinados fatores que não deixam de constituir obstáculos

à consolidação do Estado Democrático de Direito. Dentre eles temos:

- a influência do militarismo que entende o criminoso e o delinquente como “inimigos internos” da sociedade

e do Estado (PINHEIRO, 1996, 1997, 2000; PAIXÃO, 1990).

- a influência da cultura autoritária que concedeu “autorização” para a polícia “combater” o crime e proteger

a sociedade do mito das chamadas “classes perigosas” (PAIXÃO, 1990; O’DONNELL, 1988a; HUGGINS,

1983, 1998; HUGGINS et al, 2006).

- as experiências cotidianas no trato com a violência e com a criminalidade alimentam a subcutura policial.

Fenômeno compreensível, pois é uma tendência em países de jovem democracia responder a violência com

mais violência (MUNIZ, 1999; BARROS 2005; MESQUITA NETO, 1999; BELLI, 2004a, 2004b).

- a formação da polícia brasileira baseada no “modelo de polícia francesa”: um modelo centralizador, repressor

e autoritário que se configurou no intuito da manutenção da ordem pública e segurança das instituições do

Estado (BRETAS, 1997a, 1997b).

É certo que a polícia detém o monopólio do emprego da violência no exercício de sua função quando esta

o exigir. Essa legitimidade lhe é conferida pelo Estado, o qual mantém a denominada instituição como instrumento de

manutenção da ordem e da paz. O uso da força se constitui de grande importância para a polícia, o problema se assenta

é na possibilidade de seu controle. Ato de difícil manejo, pois a discricionariedade, como característica fundamental

da ação policial, carece de mecanismos objetivos de controle. As experiências do “policiamento comunitário”, de

“proximidade”, de “interação”, de “solução de problemas” operam também neste sentido, mas logo são esquecidas em

casos de “desordem” social, mobilizações coletivas e ações em “aglomerados”, “comunidades” e “favelas”. Mudar a

subcultura policial continua sendo o grande empreendimento político, mas nada indica que as autoridades caminhem no

sentido das mudanças que o empreendimento comporta.

Finalmente, cumpre apontar para a incapacidade do Estado no controle das ações dos agentes públicos

detentores do monopólio da violência. A este fato, conjuga-se a impunidade de ações que ferem tanto os princípios

constitucionais como os mais elementares direitos humanos. Em tais casos, é de se esperar que, até que se apurem

as responsabilidades a violência policial prevaleça como justificativa e, por ressonância, que receba sua “legitimidade”

da “sociedade punitiva” que além de buscar bodes expiatórios acredita e que a violência das organizações policiais

é intrínseca ao próprio trabalho policial. A ideia de que a legislação - penal e disciplinar - é suficiente para conter e

controlar as arbitrariedades e os abusos resultantes da ação policial é ingênua. É preciso fomentar e qualificar o controle

Page 17: Asa palavra 23

3332

exercido por órgãos internos e externos (processos de accountability), haja vista que no desempenho de suas funções a

polícia goza de um alto grau de discricionariedade e de autonomia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Sérgio. Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: MICELLI, Sérgio (Org.).

O que ler na ciência social brasileira. 1970-2002. São Paulo: Anpocs. Ed. Sumaré; Brasília: Capes, 2002.

ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wânia. A justiça no tempo, o tempo da justiça. Revista Tempo Social, São Paulo, v.

19, n. 2, p. 131-155, Nov./2007.

BARROS, Lucio Alves de. O paisano, a política e a “comunidade”: a polícia na encruzilhada. Revista Brasileira de

Segurança Publica. Ano 3, ed. 5, Ago/Set 2009.

BARROS, Lúcio Alves de. Os “penalizáveis”, a política, a mídia e a polícia diante do estado democrático de direito. In:

BARROS, Lúcio Alves et.al. Polícia, Política e Sociedade. São Paulo: Ed. Delicatta, 2014.

BARROS, Lúcio Alves de. Polícia e Sociedade: um estudo sobre as relações, paradoxos e dilemas do cotidiano

policial. Tese apresentada ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

(FAFICH). Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, Abr. 2005.

BELLI, Benoni. Tolerância Zero e Democracia no Brasil. Visões da Segurança Pública na década de 90. São Paulo:

Ed. Perspectiva, 2004a.

BELLI, Benoni. Violência Policial e Segurança Pública: democracia e continuidade autoritária no Brasil contemporâneo.

Impulso, Piracicaba, v. 15, n 37, p. 17-34, maio/ago de 2004b.

BELLI, Benoni. Violência policial no Brasil: elementos para uma aproximação teórica a partir dos pensamentos de

Durkheim e Weber. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 7, n. 27, p. 295-308, Jul/Set., 1999.

BITTNER, Egon. Aspectos do Trabalho Policial. Trad. Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Ed. EDUSP, 2003.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

BRETAS, Marcos Luiz. Ordem na cidade. O exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro: 1907-1930.

Trad. Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1997a.

BRETAS, Marcos Luiz. Observações sobre a falência dos modelos policiais. Tempo Social. Revista de Sociologia da

USP. São Paulo: USP, FFLCH - v. 09, n. 01, maio 1997b.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Trad. Frank de

Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Ed. 34; EDUSP, 2000.

CANCELI, Elizabeth. A cultura do crime e da lei: 1889-1930. Brasília: Ed. UNB, 2001.

CANCELI, Elizabeth. O mundo da violência. A polícia da era Vargas. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993.

CARDIA, Nancy. Direitos Humanos e exclusão moral. Sociedade e Estado. Brasília, v. X, n. 2, p. 343-389, jul./dez.1995.

CHESNAIS, Jean-Claude. Histoire de La Violence. Paris, Editions Robert Laffont, 1981.

COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Como as democracias controlam as polícias. Novos Estudos – CEBRAP, São

Paulo, n. 70, p. 65-77, Nov. 2004a.

COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Polícia, Controle Social e Democracia. Entre a lei e a ordem. Rio de

Janeiro: FGV, 2004b.

COTTA, Francis Albert. Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Crisálida, 2006.

FERNANDES, Heloísa Rodrigues. Política de Segurança: força pública do Estado de São Paulo. São Paulo: Ed.

Alfa-Ômega, 1974.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis. Ed. Vozes, 1999.

GIRARD. René. A violência e o sagrado. Trad. Martha Conceição Gambini. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1990.

HOLLOWAY, Thomas H.. Polícia no Rio de Janeiro. Repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de

Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1997.

HUGGINS, Martha K. O Vigilantismo e o Estado: uma vista para o Sul e para o Norte. In Revista O Alferes - Academia

de Polícia Militar da PMMG. Belo Horizonte: n. 1, 1983.

HUGGINS, Martha K. Política e polícia: relações Estados Unidos/América Latina. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira.

São Paulo: Ed. Cortez. 1998.

HUGGINS, Martha K.; HARITOS-FATOUROS, Mika; ZIMBARDO, Philip G. Operários da violência: Policiais

torturadores e assassinos reconstroem as atrocidades brasileiras. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Brasília: Ed. UnB. 2006.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010. Fevereiro de 2012. Disponível em

< http://www.censo2010.ibge.gov.br/index.php>. Acesso em 22Fev2012.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (Ipea). Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre

Segurança Pública (SIPS). Março de 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/

SIPS/110330_sips_seguranapublica.pdf>. Acesso em 03Set2011.

LIMA, Euzébio de Queirós. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Ed. A Casa do Livro, 1951.

LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Trad. Therezinha Monteiro

Deutsch. Barueri, SP: Ed. Manole, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mátires Coelho,

Paulo Gustavo Gonet Branco. – 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.

MESQUITA NETO, Paulo. Violência policial no Brasil: abordagens teóricas e práticas de controle. In: CARVALHO,

José Murilo et. al. Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 130-148.

MICHAUD, Yves. A Violência. São Paulo: Ática, 1989.

MONET, Jean Claude. Polícias e sociedades na Europa. São Paulo. Ed. NEV/EDUSP, 2006.

MUNIZ, Jacqueline. Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser. Tese de Doutorado. IUPERJ: Rio de Janeiro, 1999.

Page 18: Asa palavra 23

3534

O’DONNELL, G.; MÉNDEZ, Juan E.; PINHEIRO, Paulo Sérgio (Orgs.) Democracia, Violência e Injustiça. O Não

Estado de Direito na América Latina. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2000.

O’DONNELL, Guilhermo. Contrapontos. A Democracia no Brasil. Dilemas e Perspectivas. São Paulo. Ed. Vértice. 1988.

O TEMPO. Belo Horizonte - MG, de 24/03/2012.

PAIXÃO, Antônio Luiz e BEATO, Cláudio Chaves. Crimes, Vítimas e Policiais. Tempo Social: Revista de Sociologia da

USP, vol. 09, n. 1, pp. 233-248, maio, 1997.

PAIXÃO, Antônio Luiz. A violência urbana e a sociologia: sobre crenças e fatos e mitos e teorias e políticas e linguagens

e... Religião e Sociedade, São Paulo, Centro de Estudos da Religião, n. 15 (1), p. 68-81, 1990.

PERALVA, Angelina. Violência e democracia. O paradoxo brasileiro. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000.

PINHEIRO, Paulo Sérgio de Moraes Sarmento. Introdução. O Estado de Direito e os não-privilegiados na América

Latina. In: MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guilhermo & PINHEIRO, Paulo Sérgio de Moraes Sarmento (Org.).

Democracia, violência e injustiça. O Não Estado de Direito na América Latina. Trad. de Ana Luiza Pinheiro. São

Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000.

PINHEIRO, Paulo Sérgio de Moraes Sarmento. O Passado não está morto: nem passado é ainda. Prefácio. In:

DIMENSYEIN, Gilberto. Democracia em Pedaços. São Paulo. Cia das Letras, 1996.

PINHEIRO, Paulo Sérgio de Moraes Sarmento. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias.

Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 43-52, maio 1997.

PRUDENTE, Neemias Moretti. A polícia que mata. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v.

11, n. 61, p. 154-157, Abr/Maio 2010.

RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de

Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

REINER, Robert. A política da polícia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), 2004.

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica. Introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008.

SAPORI, Luís Flavio. Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro. Ed. FGV. 2007.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 20ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001.

SOARES, Luiz Eduardo. Justiça: pensando alto sobre violência, crime e castigo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A Arma e a Flor - formação da organização policial, consenso e violência. In:

Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo: USP, FFLCH - v. 9 (1): 155-167, maio 1997.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UNB, 1991. Volume I.

WEBER, Max. Política como Vocação. In: GERTH, H.H. e MILLS, Wright C. (Org) Max Weber. Ensaio de Sociologia.

Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1982.

A EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO MECANISMO DE APRIMORAMENTO DA DEMOCRACIA

Hudson de Oliveira Cambraia1

Stela Magalhães de Almeida2

RESUMO: o presente artigo discorre sobre governos democráticos, suas vantagens em relação aos governos autocratas

e suas transformações para a adequação do desenvolvimento geográfico e demográfico de um Estado. Trata-se, ainda,

da Constituição como forma de limitação do poder do Estado e retrata as lutas ideológicas desde o Estado de direito

até o que hoje se entende como Estado democrático de direito. Por fim, pretende-se a proposição de uma análise crítica

sobre direitos sociais e falhas sobre participação efetiva no governo democrático.

Palavras-chave: Constituição; Educação; Democracia.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo visa analisar os princípios fundamentais de um governo democrático, considerando a premissa de

que o sistema democrático foi cunhado com o intuito de combater governos autocratas.

No contexto atual, o imaginário popular sobre o governo democrático tem perdido seu valor, na medida em

que crescem os discursos que não assimilam as vantagens do Estado democrático de direito. Como não consegue

perceber que o detentor do poder é o próprio povo, abre-se margem para discursos autoritários.

O presente artigo leva a uma reflexão sobre a necessidade de uma educação democrática, que contribua para a

formação de cidadãos e eleitores responsáveis. Considerando a importância do voto dentro de um governo democrático,

valoriza-se assim um princípio simples, como o ato de votar, de modo a permitir a eleição de representantes íntegros e

comprometidos com o desenvolvimento do Estado.

2. DEMOCRACIA

O desejo de uma forma de governo em que o povo tivesse voz ativa nas decisões políticas e sociais do Estado

fez nascer a chamada democracia. Entretanto, antes de compreender os reflexos de um governo democrático, é de suma

importância conceituar a palavra democracia.

GOULART relata sobre a tão conhecida oração de formatura discursada por João Mangabeira, que explica de

forma fiel o sentido de Democracia:

1 Mestre em Direito Público. Professor da Faculdade Asa de Brumadinho. Advogado. 2 Aluna do 2º Período da Faculdade Asa de Brumadinho.

Page 19: Asa palavra 23

3736

A democracia política é o regime constitucional de governo da maioria que, sobre a base

da igualdade política e da garantia das liberdades civis, assegura às minorias, com o seu

direito da representação, o de fiscalização e de crítica. (GOULART,1995, p.).

A partir deste conceito entende-se democracia como soberania e participação popular, onde o povo, de forma

direta ou representativa, exprime seus desejos.

Segundo Bobbio, a democracia surge a partir do desejo dos menos favorecidos (a população comum) de

acabar com o governo autocrata (onde o governo é baseado nas convicções de uma só pessoa) e de fazer surgir um

governo em que mais pessoas participassem das decisões.

Grande parte da história do pensamento político pode ser interpretada como uma

contínua tentativa de parte dos súditos de arrancar os véus, ou as viseiras, ou as máscaras

atrás das quais se escondem os detentores do poder, de ampliar a área do poder visível

em relação à área do poder invisível” (BOBBIO, 2000, p.388).

Mediante a reflexão de Bobbio, pode-se entender que, durante toda a história da vida política, a sociedade

teve o anseio de um governo onde todos pudessem participar e entender os fins os quais tomavam seus tributos. O

desejo de um governo responsável para com a sociedade, ao contrário que ocorria em épocas anteriores em relação a

prestação de contas para com o povo.

2.1 Vantagens da democracia

O governo democrático implica em si muitas vantagens para sociedade. Como esclarece Bobbio (2000 p. 384):

O fundamento de uma sociedade democrática é o pacto de não-agressão de cada um

com todos os outros e o dever de obediência ás decisões coletivas tomadas com base nas

regras do jogo de comum acordo preestabelecidas, sendo a principal aquela que permite

solucionar os conflitos que surgem em cada situação sem recorrer a violência recíproca.

(BOBBIO, 2000, p. 384).

Partindo dessa premissa, entende-se que a sociedade democrática baseia-se na ideia de que os indivíduos

devem se respeitar mutuamente e acatar as decisões coletivas. A partir destas normas coletivas são formuladas normas

preestabelecidas que operam o controle social, ditando direitos e deveres generalizados que atuam no intuito de

harmonizar os conflitos sociais.

Pode-se também observar as vantagens mencionadas por Dahl (2001, p. 73) sobre o porquê da escolha por

um governo democrático:

A democracia ajuda a impedir o governo de autocratas cruéis e perversos. A democracia

garante aos cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não-democráticos

não proporcionam (nem podem proporcionar). A democracia assegura aos cidadãos uma

liberdade individual mais ampla que qualquer alternativa viável. A democracia ajuda a

proteger os interesses fundamentais das pessoas. (DAHL, 2001, p.73).

A democracia por ser uma forma de governo embasada na participação, ajuda a impedir a implantação de

governos autocratas, que são caracterizados por serem governos em que seus líderes são impulsionados por interesses

pessoais, convictos da coerção e violência.

O governo democrático denota vantagens que viabilizam direitos aos cidadãos, proporciona a liberdade

individual e protege seus interesses, ajusta o desenvolvimento humano e promove igualdade nas relações políticas. Por

estes motivos, os países democráticos são mais propícios a alcançarem a prosperidade.

Diante das vantagens mencionadas, conclui-se que a democracia é a alternativa mais consentânea com a garantia

da dignidade das pessoas de forma equânime e, por isso, mais vantajosa que as demais. Por sua vez, os governos não

democráticos tendem a impedir a participação do cidadão, inviabilizando o exercício de direitos reconhecidos e impondo

excessivos deveres aos cidadãos – principalmente no que tange ao direito ao voto e à liberdade de expressão política.

2.2 Paradigma da democracia direta e democracia representativa

O governo democrático que se afirma na presente pesquisa é o relativo à execução da democracia indireta,

único modelo democrático viável na atualidade. Sabe-se que a democracia surgiu como mecanismo de participação

direta, mas aplicável a outro contexto historio. O principal exemplo de democracia direta foi a Grécia no século VI a.C.

A Grécia era composta por cidades independentes (cidades com governo próprio e autônomo), não como

atualmente, onde todos os gregos conviviam em um único território, porém subdivido em Cidades-Estado. Uma das

Cidades-Estado de maior destaque pela execução da democracia direta grega foi Atenas (DAHL, 2001).

Desde esta época os helênicos já interpretavam democracia como o poder do povo. A democracia grega pode

ser definida como democracia direta, uma forma governamental onde o cidadão pode intervir diretamente nas decisões

políticas (BOBBIO, 2000).

No âmago do governo ateniense havia uma assembleia popular, onde era possível a participação dos cidadãos.

Nesta assembleia os cidadãos podiam opinar na vida política da polis e através deste processo de votação influenciavam

diretamente as decisões políticas finais.

Pietro Costa (2010, p.212) descreve o governo ateniense da seguinte forma:

Page 20: Asa palavra 23

3938

No centro da vida política é colocada a assembleia dos politai, investida das decisões

supremas [...]. É essa forma de governo que torna possível a isonomia (a igualdade dos

cidadãos perante a lei) e a isegoria (o igual direito de tomar a palavra na assembleia);

é esta forma de governo que pode ser, enfim, indicada com o nome de democracia.

(COSTA, 2010, p. 212).

Devido ao fato de todos participarem da assembleia, era possível atestar a isonomia entre os pares, de tal modo

que todos eram iguais perante a lei. E isegoria, como bem definido por Bobbio (2000), “faz todos os indivíduos iguais

e igualmente dignos de governar”.

Contudo não eram todos os gregos que possuíam o direito de participar da assembleia, pois neste conceito de

“todos” restavam incluídos somente os cidadãos, assim considerados os homens com pais e mães atenienses. Ou seja,

pragmaticamente, todos eram poucos e somente estes poucos podiam participar da vida política da polis (BOBBIO, 2000).

Durante séculos o direito de participar restringia-se aos homens o que ocorreu em todas as democracias

surgidas até o século XX (DAHL, 2001). Por muitos anos, as mulheres foram privadas de muitos direitos devido a

um pensamento machista, onde o homem era o líder familiar e tomava decisões pelos seus e as mulheres eram vistas

somente com a função reprodutora.

A democracia ateniense por mais que se fizesse inovadora no seu momento histórico, ao implantar um governo

popular, sedimentou uma segmentação entre seres humanos que perduraria por séculos. Ademais, como afirma Dahl

(2001, p. 117), a democracia direta grega foi possível pelo diminuto tamanho das Cidades-Estado, o que as tornava

de fácil administração.

O tamanho tem grande importância na forma de democracia. O tamanho das Cidades-Estado tornava possível

uma democracia por assembleia, onde cada cidadão pudesse falar. Entretanto, com o nascimento dos Estados modernos

não foi mais possível se conceber uma democracia direta, visto que estes Estados se caracterizam pelas dimensões

geográficas exorbitantes e pelo elevado número de cidadãos.

A democracia representativa foi a alternativa possível. Na democracia representativa, os cidadãos (hoje homens

e mulheres) elegem seus representantes para deliberarem sobre as decisões fundamentais do Estado. Os representantes

são escolhidos pelo mecanismo das eleições, nas diversas formas já concebidas, mas sempre com o intuito de dar poder

decisório àquele que mais representa os votantes.

Poderíamos dizer que o sistema político inventado pelos gregos era uma democracia

primária, uma democracia de assembleia ou uma democracia de câmara de vereadores.

Decididamente, eles não criaram a democracia representativa como a entendemos.

(DAHL,2001, p. 117).

Mediante este conceito, pode-se compreender que a democracia grega foi o primeiro passo de uma democracia

moderna capaz de atingir territórios gigantescos e um imenso número de cidadãos. Ou seja, a democracia moderna

tem a democracia grega apenas como referencial histórico, mas sem qualquer conexão de sentido, visto que não há a

pretensão de replicar aquela realidade para este contexto.

3. CONSTITUIÇÃO

A constituição fez-se necessária para a organização do Estado. A constituição pode ser entendia como a

essência de um Estado.

A Constituição de um Estado pode ser entendida como um conjunto de normas com o objetivo de instituir

e fixar competências a órgãos estatais e estabelecer limites ao poder do Estado em favor do povo que vive sob sua

vigência. (MENDES, 2015, p.55-56).

A convivência social produz as mais variadas formas de relações humanas, sempre motivadas por valores

que o indivíduo empenha em realizar. Também é através dela que realizam atos de competição, de cooperação ou de

indiferença entre as pessoas, fruto da liberdade (GOMES, 2008).

Assim, conforme Gomes (2008), a liberdade é como uma qualidade indispensável ao próprio modo de ser do

ser humano e o convívio social demanda o exercício das múltiplas liberdades. Para que isso aconteça é necessário propor

limites que proporcionem a todos exercitar a liberdade de modo responsável.

Entretanto, a convivência social tende a ser conflituosa e se torna ainda mais com o incremento da complexidade

das sociedades contemporâneas. Contudo, tal fato não afasta o entendimento segundo o qual o que dá sentido à vida

humana é a esperança de que a felicidade seja possível.

Para assegurar este e outros valores, faz-se necessário um conjunto de normas jurídicas e, neste contexto,

surge a constituição para normatizar como vetor construtivo e interpretativo das leis, com o objetivo de viabilizar uma

sociedade harmoniosa e que visa ao bem comum (GOMES,2008).

São estas expectativas que podem aqui ser denominadas de esperança. E é graças a

esta que faz sentido falar em uma ordem jurídica que se expressa por meio de uma

Constituição prospectiva, isto é, preocupada não apenas em disciplinar os atos e fatos

presentes, mas também, em construir um futuro melhor para todos os que vivem sob sua

égide. E tal construção só é possível quando se desenvolve a consciência a respeito

dos fundamentos, valores e objetivos que compõem a essência da Constituição, trazidos

em linguagem normativa, isto é, em forma de regras e princípios jurídico-constitucionais

(GOMES,2008).

Para o autor, a Constituição pode ser entendida como a esperança em um futuro melhor, com uma sociedade

harmoniosa, pois a Constituição não se preocupa somente em disciplinar fatos e atos sociais, mas também em construir

um futuro melhor para todos que vivem sob a sua tutela. Para que isso ocorra, é necessário respeitar os valores e

princípios expressos na Constituição, traduzidos em linguagem normativa.

Page 21: Asa palavra 23

4140

4. ESTADO DE DIREITO

O Estado de direito pode ser entendido como o Estado da razão ou o Estado que se governa segundo a

vontade “geral” e que somente se busca o bem comum (MENDES, COELHO E BRANCO, 2008).

O Estado de Direito surgiu, primeiramente, com o objetivo de combater os abusos e impor limites aos Estados

absolutistas. Tais limites foram estabelecidos pelo Direito, consolidando o que se entende atualmente por legalidade

(MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p. 51)

Entretanto, a limitação imposta pela legalidade se evidenciou como uma limitação meramente formal,

desprovida de qualquer elemento que viabilizasse o controle do conteúdo da lei produzida. Ou seja, a legalidade

limitou o Estado pela necessidade de ação conforme a lei, mas não foi capaz de evitar a reprodução das desigualdades

existentes na sociedade.

Afinal a ideia de Estado de Direito surge no seio do jusnaturalismo e em coerência

histórica com uma burguesia cujas razões não são compatíveis com qualquer legalidade,

nem com excessiva legalidade, porém precisamente com uma legalidade destinada a

garantir certos valores jurídico-políticos, certos direitos imaginados como naturais que

assegurassem o livre desenvolvimento da existência burguesa.” (MENDES,COELHO E

BRANCO,2008, p.)

Observa-se através desta concepção que o Estado de Direito atendeu somente as exigências da burguesia, o

que levou a sua própria desagregação, pois este somente atendia aos interesses de uma só classe. (MENDES, COELHO

e BRANCO, 2008).

O Estado de Direito em seu âmago dava mais observância para a classe burguesa e, ao se abandonar a

monarquia medieval, o direito começa a proteger a burguesia, então a classe que começava a ganhar força e precisava

de um regime que possibilitasse a vida dos comerciantes.

Esta estrutura liberal do direito (dissonante da realidade desigual da sociedade) não se sustentou por muito

tempo, fazendo eclodir sistêmicas revoltas populares contra as iniquidades da desigualdade que a legalidade liberal

impunha. A insatisfação generalizada se dava pela total omissão do Estado na atenção de demandas básicas da população,

o que impedia a manutenção de um mínimo de dignidade – essencialmente das classes mais pobres.

Com intuito de superar as deficiências do Estado de Direito liberal-burguês, surgiram movimentos que

culminaram com a institucionalização do Estado Social de Direito, no qual a expressão social demonstra o propósito

de superar o individualismo e afirmar os direitos sociais. Contudo, houve uma insuficiência no Estado Social de Direito,

pois não conseguiu alcançar a desejada democratização econômica e social.

Para superação deste modelo surge então o chamado Estado Democrático de Direito, no qual em seu âmbito

se realizará a conciliação entre os valores da liberdade e igualdade (MENDES, COELHO E BRANCO, 2008).

4.1 O Estado Democrático de Direito

Como na democracia, no Estado Democrático de Direito o poder emana do povo. Atualmente este poder tem

relação com eleições periódicas e voto direto e secreto, onde os representantes eleitos têm mandatos periódicos, como

proclama entre outras a Constituição brasileira.

Nesta relação de poder e indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito no qual o Estado

assegura aos cidadãos não somente os direitos civis e políticos, mas também os direitos sociais, econômicos e culturais.

Além disso, há relevância da representação eletiva na coisa pública.

A essa luz, o princípio do Estado Democrático de Direito da qual extraem alguns princípios tais como:

separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), o do pluralismo político (preferências políticas), o da isonomia

(igualdade perante a lei), o da legalidade (onde o indivíduo não será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei), e o princípio da dignidade da pessoa humana (MENDES, COELHO E BRANCO, 2008).

Na democracia, a Constituição se orienta por princípios de justiça para minimizar as desigualdades materiais

e oferecer oportunidades e direitos para todos, principalmente os menos favorecidos. Este objetivo visa assegurar a

igualdade de oportunidades. Este princípio nos mostra que a democracia caracterizadora do Estado Democrático de

Direito é a democracia participativa (GOMES, 2008).

Segundo Gomes (2008), este modelo aqui defendido é a democracia participativa mesmo porque não pode

haver democracia, conforme já positivado na Constituição, sem a participação de todos. A lógica da democracia

participativa é a promoção da inclusão. A dimensão política da democracia participativa é a que convida a todos a

participar das discussões e decisões políticas do Estado.

Através desta dimensão, percebe-se a importância da Constituição em um Estado moderno e se evidencia neste

texto a consolidação dos valores essenciais para uma democracia. As constituições democráticas são repletas de direitos

universais, considerados fundamentais e indispensáveis no contexto jurídico instituído nas Constituições democráticas

(BONAVIDES, 2015, p. 383).

5. A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL DE IGUALDADE NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Não há como discorrer sobre direitos sociais assegurados no Estado Democrático sem citar igualdade.

Bonavides afirma que

De todos os direitos fundamentais a igualdade é aquele que mais tem subido de

importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de

ser, o direito-chave, o direito-guardião, do Estado social. (BONAVIDES, 2015, p.384).

Nesta linha de pensamento pode-se compreender que a igualdade tem se tornado o princípio para os Estados

Page 22: Asa palavra 23

4342

com preceitos do Estado Social. Ainda em seu livro Bonavides afirma ainda mais sobre o tema

A importância funcional dos direitos básicos, assinalada já por inumeráveis juristas do

Estado social, consiste pois em realizar a igualdade na Sociedade; “igualdade niveladora”,

volvida para situações humanas concretas, operadora na esfera fática propriamente dita e

não em regiões abstratas ou formais de Direito. (BONAVIDES, 2015, p. 387).

Estende-se então a amplitude de igualdade pelo teórico, não basta se ter uma igualdade formal, ou seja,

aquela expressa em lei. É necessário em um Estado Social a igualdade de fato, uma distribuição nivelada dos bens do

Estado, para que este seja capaz de manter a educação, saúde de qualidade, para toda população de forma igualitária

independente de região.

No Brasil, a igualdade é um dos direitos fundamentais menos observados, principalmente em seu âmbito

material, pois a desigualdade social evidente no ordenamento brasileiro produz reflexos na vida política social. Afinal,

perante a lei há igualdade, mas a realidade é bem diferente, pois alguns vivem na miséria extrema, de modo que a

igualdade, apesar de positivada, não se efetiva no seio social.

O Estado social necessita de intervenções que sejam capazes de nivelar as injustiças sociais.

6. O VOTO COMO FERRAMENTA DEMOCRÁTICA:

O voto se faz necessário para o contexto atual de democracia, porque é isonômico. Como é impossível a

democracia direta, conforme a premissa grega, a democracia indireta é o caminho de manutenção deste sistema.

Entretanto, o voto deve ser garantido, na medida em que a equivalência do valor do voto é fundamental para

manter o valor da democracia indireta. A garantia do voto, portanto, é entendida como fundamento essencial do sistema

democrático (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008).

Quando os eleitores vão às urnas e depositam diretamente a credibilidade no representante que julgam

apresentar melhores propostas e ideias que condizem não somente com o desejo individual de cada um, mas também

com o coletivo, onde prevalece o bem social.

No contexto atual observa-se uma utilização negativa deste direito. O voto tem sido utilizado muitas vezes como

mercadoria, onde alguns eleitores sem muito entendimento sobre o valor do voto este o “vendem”, a troco de cestas

básicas, quantias em dinheiro e até mesmo favores concedidos pelos candidatos. Através da desonestidade, políticos com

maior poder aquisitivo, conquistam de forma considerável um maior número de votos (REBOUÇAS, 2012).

Quando os eleitores praticam essa atitude pode-se entender que, de alguma forma os mesmos estão omitindo

seu pensamento político e perdendo a oportunidade de exercer a democracia que foi conquistada, porque deixaram de

praticar o exercício da liberdade de voto, momento “ímpar” para o cidadão participar diretamente da escolha de seus

governantes.

Há também candidatos que utilizam de forma errônea o financiamento disponibilizado para as campanhas

políticas, visto que estes recursos são retirados dos cofres públicos de forma indireta. Outro recurso comum na atualidade

são os investimentos das empresas privadas “doações” e patrocínios que enriquecem o marketing da propaganda política

eleitoral tornando-a mais atraente e induzindo o eleitor menos informado a aceitar suas propostas.

Desta forma candidatos com maior investimento em campanhas tendem a se sobressair sobre os adversários.

Conforme Rebouças, tal fato é possível no atual contexto brasileiro visto que “o partido político ou candidato pode, ao

requerer o registro de candidatura, estabelecer limites de gastos muito superiores aos seus adversários, sem que isso,

contudo, constitua qualquer abuso” (2012, p. 32).

Ocorre que as empresas que auxiliam estes candidatos não fazem isso simplesmente para auxiliar em uma

campanha política, pois esta ajuda esconde, por vezes, interesses privados que serão “cobrados” após a diplomação.

Assim, a educação política dos cidadãos se torna ferramenta fundamental para a consolidação de um ambiente

democrático e livre de influências indevidas no processo de representação política.

6.1 Educação política democrática como fator de consolidação da igualdade

Conforme verificado, um ambiente democrático é muito mais vantajoso para o cidadão, afinal o poder de uma

democracia emana do povo. Sendo assim, para solidificar os valores democráticos é necessário que o cidadão conheça

as formas de acesso à política, o que torna necessária uma educação para a cidadania (qualidade de cidadão, sujeito de

direitos civis e políticos dentro de um Estado). A população precisa exercer de forma consciente seus direitos.

Tendo uma noção das exigências inerentes a concretização de uma convivência democrática, percebe-se

então que a democracia tem em si um fator básico, qual seja, a educação. A mesma coloca-se no âmbito do Estado

Democrático de Direito como direito fundamental (posto que tem como fim dar as condições para o ser humano obter

uma vida plena e sadia).

Rawls enfatiza que a educação é capaz de proporcionar possibilidades ao sujeito não somente de apreciar

valores do âmbito cultural, mas também as de participar da vida política.

O valor da educação não deveria ser avaliado apenas em termos de eficiência econômica

e bem estar social. O papel da educação é igualmente importante, senão mais importante

ainda, no sentido de proporcionar a uma pessoa a possibilidade de apreciar a cultura

de uma sociedade e de tornar parte em suas atividades, e desse modo proporcionar a

cada indivíduo um sentimento de confiança seguro de seu valor próprio. (RAWLS,1997,

p.108).

Na democracia participativa, todos os componentes da sociedade são chamados a interpretar a Constituição e

compreendê-la e agir em favor da concretização das normas no meio social. Isso implica a educação para convivência

democrática (GOMES, 2008).

Page 23: Asa palavra 23

4544

Para Garcia (1998, p. 57) a finalidade da educação é: “forma para a liberdade que vem pelo conhecimento,

pela possibilidade de opções e alternativas; formar para cidadania, a plenitude dos direitos...”

A educação precisa ser orientada para a prática da democracia, como é visado no art. 225 do texto

constitucional, ao estabelecer que

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será provida e incentivada

com colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)

Por esse motivo, negar investimentos à educação é o mesmo que fechar as possibilidades de um país

subdesenvolvido de se tornar um país autônomo e democrático.

Esta relação de dependência foi ressaltada por Sampaio Dória (1946) e, através desta relação, pode-se

compreender, de forma sintetizada, duas formas de se governar. A primeira é a dos governos que impõe seus desejos

àqueles que por eles são governados. A outra forma é dada quando os governados, ou seja, os cidadãos, impõem suas

aspirações aos seus governos.

Ainda segundo o mesmo autor, nos governos autocratas, quanto mais o povo torna-se ignorante melhor é

para seus governantes. Afinal, um povo ignorante não reivindicara direitos. Já nas democracias, quanto mais elevada a

qualidade da educação melhor, na medida em que se qualificam as demandas sociais.

A partir do momento que um Estado se proclama democrático, este assume um compromisso com a educação,

para que o povo tenha consciência de seu destino e do seu status de cidadão. Contudo, apesar da solidez do discurso

sobre a educação, a mesma se evidencia, ainda, como um problema crônico para a consolidação da democracia.

(DÓRIA, 1946).

Desta forma, deve-se destacar que a educação democrática é instrumento fundamental para a consolidação

da democracia, pois os cidadãos necessitam ser esclarecidos para exercer melhor seus direitos dentro de um Estado

Democrático, sobretudo na hora que os mesmos vão eleger seus representantes. A educação também promove

a formação do indivíduo, tornando-o mais preparado para a vida pessoal e profissional, diminuindo, com isso, as

desigualdades materiais ainda existentes.

Portanto, verifica-se que a educação de qualidade em um ambiente democrático inicia um ciclo virtuoso, na

medida em que promove a formação do indivíduo como cidadão. Esta cidadão, formado em termos sociais, pessoais e

profissionais, é capaz de deliberar criticamente sobre o ambiente político em que vive e sobre as ações dos governos a

que é submetido.

Esta reflexão democrática leva a um crescente “filtro” nas escolhas governamentais, de tal forma que é o próprio

cidadão responsável por determinar os rumos do Estado, na medida em que decide quem são seus representantes.

Logo, a qualidade da educação de um povo reflete direta e gradativamente na qualidade do seu governo. Quanto mais

democrática e acessível a educação de um Estado, melhores serão seus cidadãos e, consequentemente, melhor será

seu governo.

7. CONCLUSÃO

A democracia é o regime de governo com maior âmbito de aplicabilidade no mundo, por denotar em si

diversas vantagens comparadas com outras formas de governo. Por se tratar de um governo onde o povo elege seus

representantes, se faz necessário o voto. No contexto atual, o voto ainda não alcançou o seu verdadeiro sentido em uma

democracia, pois esta ferramenta democrática persiste em ser utilizada como moeda de troca.

Um dos fundamentos mais evidentes para a manutenção desta realidade é a falta de acesso à educação, ainda

mais à educação democrática, aos cidadãos. Este déficit educacional permite que mazelas pessoais seja usadas como

mercadoria para a compra de votos e o desvirtuamento da democracia.

Contudo esta errônea utilização do voto não pode ser analisada pela perspectiva de que os eleitores são

“ignorantes”. O Estado Democrático deve se empenhar cada dia mais no suprimento do mínimo existencial dos seus

cidadãos, ou seja, o suprimento das necessidades básicas da população.

Este mínimo existencial deve incluir educação democrática de qualidade, com o objetivo de formar cidadãos

capazes de agir e refletir sobre o ambiente político em que estão inseridos. Assim, a participação política e as escolhas

dos representantes refletirão um ato consciente e crítico, capaz de efetivamente possibilitar uma constante melhora do

Estado.

Conclui-se que, um governo democrático que visa a prosperidade deve estar atento a dar o mínimo existencial

aos cidadãos para que a falta de recursos pessoais não os leve a cometer erros provoquem reflexos inconsequentes á

toda vida política de um Estado, e inevitavelmente para a vida política do próprios cidadão, cabendo ao Estado também

atentar que é de suma obrigação da democracia proporcionar uma educação de qualidade.

Aplicando estes preceitos, a democracia promoverá aos cidadãos uma possível ascensão à uma vida política e

consciente que influi para que o Estado progrida e, juntamente com ele, o pensamento político do povo.

Page 24: Asa palavra 23

4746

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo

Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. – 9° reimpressão.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo. 2015.

BRASIL, Constituição. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988

COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia: ensaios de história do pensamento jurídico. /Pietro Costa. /

Curitiba: Juruá, 2010.p.

DAHL, Robert A. Sobre a democracia. tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

DÓRIA, Sampaio. Comentários à Constituição de 1946. São Paulo. Max Limond, S/D.

GARCIA, Márcia. A nova lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito

Constitucional e Ciência Política. São Paulo, abril-junho, 1998.

GOMES, Sergio Alves. Hermenêutica constitucional: um contributo á construção do Estado Democrático de direito.

Curitiba: Juruá, 2008.

GOULART, Clovis de Souto de. Formas e sistemas de governo: Uma Alternativa para Democracia Brasileira. Porto

Alegre: CPGD-UFSC,1995.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 10.ed. ver e ataul. São Paulo: Saraiva, 2015.

MILAGRES, Marcelo de Oliveira. ABUSO DE PODER NO PROCESSO ELEITORAL. Revista Brasileira de Estudos

Políticos, Belo Horizonte, n. 100, jan./jun. 2010, p. 155-172.

MONTEIRO, Vitor Borges; LEITE FILHO, Paulo Amilton Maia. NO BRASIL AS ELEIÇÕES SÃO LIVRES DA INFLUÊNCIA

DO PODER ECONÔMICO?. Revista Economia & Desenvolvimento, 2005, Vol.4 n.1

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

REBOUÇAS, João Batista Rodrigues. ABUSO DE PODER ECONÔMICO NO PROCESSO ELEITORAL E O SEU

INSTRUMENTO SANCIONADOR. Revista Eleitoral TRE/RN – Volume 26, 2012. p. 29-40

Em que medida a descentralização do poder proposta pelo federalismo brasileiro contribui para o paradigma do Estado Democrático de Direito1

Laisa Thalita Bernardino Felicíssimo2

Palavras-chave: Federalismo. Descentralização. Estado Democrático de Direito.

Resumo: este estudo tem por objetivo analisar em que medida a descentralização do poder proposta pelo federalismo

brasileiro contribui para o paradigma do Estado Democrático de Direito. Para o alcance dessa meta, o caminho percorrido

abarca inicialmente a Teoria do Estado, no qual se busca uma melhor compreensão do que consiste a expressão Estado

Democrático de Direito e do termo federalismo; posteriormente, uma remissão à Teoria da Constituição, inserindo no

contexto da análise o princípio da subsidiariedade, doutrina acerca dos poderes implícitos, bem como sobre o poder

constituinte derivado decorrente e em seguida, uma remissão ao Direito Constitucional, quando se trata da atribuição

de competências aos entes federados, principalmente no que concerne ao município.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o advento do Estado Democrático de Direito,

construído sob os alicerces dos direitos fundamentais e dos ideais democráticos, a forma federativa de Estado não

poderá ser abolida, já que essa corresponde a uma das cláusulas pétreas presentes no artigo 60 da mesma Constituição.

Assim ocorreu na história brasileira, quando o Estado Unitário se tornou Estado Federal em 1891, a partir de

uma descentralização do poder, fato este que concedeu autonomia aos entes federados para se auto-organizarem, no

que diz respeito às questões administrativas, financeiras e políticas. Ressalte-se, entretanto, que apesar da característica

do federalismo brasileiro se pautar pela descentralização, tal fenômeno não corresponde à característica essencial do

federalismo.

A característica essencial do federalismo é a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências

legislativas constitucionais nos entes federados.

Nosso federalismo é bastante inovador, uma vez que compreende características peculiares que o diferencia

do modelo norte-americano, como será demonstrado mais adiante. Trata-se de uma distribuição de poder aos entes

federados, de forma a sempre possibilitar uma via de mão dupla, que permite o percurso do poder, ora o centralizando,

ora descentralizando entre os entes federados, tudo a depender da melhor forma de alcance do que a população almeja.

Entretanto, apesar de o federalismo brasileiro ter se fortificado, ao longo dos anos, a partir da via que permite

1 Versão reduzida e atualizada da Monografia apresentada à Faculdade Mineira de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - unidade Coração Eucarístico, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito em Dezembro de 2013. Orientadora: Wilba Lúcia Maia Bernardes.2 Advogada, graduada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Unidade Coração Eucarístico.

Page 25: Asa palavra 23

4948

a centralização e a descentralização do poder, como se observa na nossa atual Constituição, quando institui o Estado

Democrático de Direito e quando postula a distribuição do poder para os entes federados, não se pode esquecer que

na prática, o nosso federalismo ainda é extremamente centralizado.

Desse modo, o resquício histórico que fica para a nossa geração é a discussão da real descentralização do

poder proposta pelo federalismo, já que o Estado Federal é posterior a um Estado Unitário, sendo este possuidor de

uma tradição centralizadora e autoritária que deve ser abandonada pela federação moderna no Estado Democrático de

Direito.

Apontar em que medida, juridicamente necessária para a sua devida e adequada compreensão, um federalismo

descentralizado contribui para o paradigma do Estado Democrático de Direito, não retirando, entretanto, os benefícios

da centralização, é o objeto do presente estudo.

2. REMISSÃO À TEORIA DO ESTADO

O Estado Federal corresponde a uma das formas de Estado. Segundo José Afonso da Silva (2005, p.98), “é

do modo de exercício do poder político em função do território que teremos o conceito de forma de Estado”. Por aqui

já se depreende que referida definição demonstra a relação intrínseca entre o poder político e o território que compõe

o Estado, o que reforça o anseio do presente estudo, que pretende demonstrar, sem pretensão de originalidade, a

noção de poder distribuído pelo Estado, sendo este democrático e de direito. Ou, para já designar um formato mais

descentralizado, o poder distribuído aos estados e municípios democráticos de direito.

2.1 Estado Democrático de Direito

Segundo Ronaldo Bretas de Carvalho Dias (2004, p. 152), na primeira metade do século XIX, os doutrinadores

alemães conceberam o Estado de Direito como Estado de Direito racional, desenvolvendo ideias básicas que culminavam

no desenvolvimento da teoria do Estado de Direito, como a rejeição do Estado como criação divina; a vinculação da

atividade do Estado com garantia da liberdade individual; o reconhecimento de direitos básicos da cidadania, a partir da

organização do Estado, com base em princípios racionais e o acatamento do princípio da divisão dos poderes, sendo

este último objeto de estudo do presente trabalho.

Ainda segundo o mesmo autor, já no século XX, identificam-se elementos basilares do Estado de Direito,

tais como a lei expressando a vontade geral, emanada da função legislativa e exercida com a participação indispensável

dos representantes do povo; a divisão dos poderes do Estado, entendida como sendo separação das suas funções,

quais sejam, a função legislativa, governamental e jurisdicional e os direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos

reconhecidos. (DIAS, 2004, p.153).

O Estado de Direito possui regras referentes ao exercício do poder do Estado e ao mesmo tempo, regras que

possibilitam que os indivíduos defendam seus direitos contra as supostas arbitrariedades do Estado. (DIAS, 2004,p.153)

Karl Larens (1991, p.674), defende que no século XX, o Estado de Direito passou a ser considerado como

princípio, tendo em vista que este corresponde em ideia jurídica geral, da qual se orienta a concretização ulterior como

por um fio condutor. Dias (2004, p.154) ressalta que surgiram diversos subprincípios que reforçavam a ideia trazida

pelo supramencionado princípio, tais como a legalidade da administração pública, a vinculação do legislador a direitos

fundamentais do povo, da independência dos juízes, do pleno acesso à jurisdição, da proibição da retroatividade de leis

desvantajosas e da intromissão arbitrária no status jurídico do indivíduo.

Os mencionados subprincípios concretizaram com maior solidez o que se intitulava como Estado de Direito,

no sentido de legalizar aquilo que era almejado pelo povo, ou em outras palavras, almejado pelo Estado.

Aderindo aqui à ideia trazida por José Joaquim Gomes Canotilho (1999, p.85-86), e que foi reforçada

por Dias (2004, p.154-155), afirma-se que o Estado de Direito é também um Estado Constitucional, vez que o

constitucionalismo se desenvolveu a partir dos processos constituintes americano e francês, afirmando o princípio da

constitucionalidade da ordem jurídica.

Percebe-se que o Estado se vincula ao Direito, através da constitucionalidade da ordem jurídica, de forma que

as leis representam a vontade do povo. A Constituição passou a ser considerada como a lei que rege o Estado. Nas

palavras de Dias (2004, p.155), o Estado se submeteu às regras do Direito e ficou estruturado por leis, principalmente a

lei constitucional, havendo portanto uma estreita relação entre dois princípios, quais sejam, a “democracia” e o “Estado

de Direito”, o que justifica a expressão Estado Constitucional Democrático de Direito.

Oportuno também ressaltar o porquê do termo “paradigma” quando se menciona Estado Democrático de

Direito. Thomas Kuhn, já dizia que “paradigmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante

algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.” (KUHN,

2003, p.13)

Observa-se, entretanto, que Dias (2004, p.157) aponta que não considera adequado utilizar referido termo

na área científica do Direito, “com o propósito de expressar o conjunto das ideias determinantes e estruturadoras das

figuras jurídico constitucionais Estado de Direito e Estado Democrático de Direito”. Para referido autor, tais figuras não

devem ser compreendidas como modelos ou padrões estanques.

O mesmo autor ressalta, entretanto, que apesar de apoiar preferencialmente a ideia de que Estado de Direito e

Estado Democrático de Direito são verdadeiros princípios conexos e normas jurídicas constitucionalmente positivadas,

ele admite a utilização do termo paradigma, desde que “paradigma do Estado de Direito” e “paradigma do Estado

Democrático de Direito”, sejam compreendidos como sistemas jurídico-normativos consistentes.

Desse modo, em que pese a discussão sobre a utilização ora de princípio, ora de paradigma, a finalidade

da utilização “Estado Democrático de Direito” é carregar consigo a essência do Direito, no sentido da vinculação do

Estado com as leis e principalmente com a Constituição e a essência da democracia, no sentido de que o poder emana

do povo. Resumindo, no Estado existe um poder político legitimado pelo povo e uma limitação do Estado decorrente

do direito.

Page 26: Asa palavra 23

5150

2.2 Federalismo

Em sua obra “Federação e Federalismo”, Wilba Lúcia Mais Bernardes (2010, p. 16) filia-se à idéia de que o

Federalismo deve ser entendido a partir do pluralismo apresentado por Habermas, de modo a defender as concepções

individuais da vida digna, como também as várias formas de identidade social e coletiva.

Existe uma afinidade de pretensão da presente obra com a obra da supracitada autora no sentido de que se

compartilha em ambos os trabalhos o objetivo de informar que “é no contexto desse Estado Democrático de Direito

que entendemos se inserir o Federalismo que deve ser visto como um princípio que se acomoda aos pressupostos da

existência democrática” (BERNARDES, 2010,p.22).

Ou seja, entende-se o Federalismo como uma ferramenta imprescindível para efetivo estabelecimento do que

o Estado Democrático de Direito almeja. A mesma autora acrescenta:

O Federalismo assenta-se em bases comunitárias e em bases individuais que professam

tanto interesses privados como se guiam por identidades sociais compartilhadas (as

diferenças de cultura, religião, situação econômica, política ou jurídica não são entraves

ao federalismo, ao contrário, o estimulam). (BERNARDES, 2010, p.6)

De acordo com Luiz Quadros de Magalhães (2002, p.77-78), caracteriza-se nosso federalismo ser formado

por três esferas de poder, sendo conhecido como federalismo de três níveis, ao incluir o Município como um ente

federado, além de ser conhecido como centrífugo, ou seja, aquele federalismo oriundo de uma distribuição de poder

aos entes federados, de forma a sempre buscar a descentralização do poder.

Desse modo, utilizando analogicamente o termo centrífugo, entende-se que houve uma distribuição do

poder estatal para os outros entes federados, sendo que estes entes, uma vez receptores do poder disseminado,

possuem autonomia para se auto-organizarem por leis, governantes e orçamentos próprios, desde que respeitem

a soberania federal.

Já o federalismo centrípeto, conhecido como federalismo clássico e/ou norte americano, possui uma lógica

contrária à apresentada para o federalismo centrífugo. No federalismo centrípeto, houve uma efetiva união de Estados

que abriram mão de sua soberania, para formação de novas entidades territoriais.

Adotou-se na doutrina de José Luiz Quadro Magalhães (2002, p.64), uma classificação atualizada das formas

de Estado. Tais formas de Estado mostram a necessidade do surgimento das características que são do Estado Federal

e ao mesmo tempo reforçam as ideias propostas de que a descentralização estruturada do poder aos outros entes

federados contribui para a melhor proximidade com o povo e com as realidades locais.

Nessa classificação existem quatro formas de Estados, sendo que duas delas apresentam subdivisões: Estado

Unitário, Estado Regional, Estado Autonômico e Estado Federal.

Ressalte-se aqui o Estado Federal, sendo este o mais importante para o presente estudo, sem retirar, entretanto,

a relevância da análise das outras formas de Estado, para que seja verificada ao longo dos anos e das criações de

formas de Estado, a crescente necessidade de aquisição aos entes federados de maior autonomia nas decisões políticas,

econômicas e administrativas, para que fossem sanadas com maior eficiência as demandas do anseio local.

Neste sentido, José Luiz Quadros Magalhães (2002, p.78), explica que no Estado Federal, os entes

descentralizados detêm competências administrativas, legislativas ordinárias e legislativas constitucionais. Está se diante

aqui da característica essencial do Estado federal que corresponde à competência legislativa constitucional.

José Luiz Quadros Magalhães finaliza a discussão no sentido de que “o nosso federalismo é um dos modelos mais

centralizados, bastando, para confirmar esta afirmativa, ler a distribuição de competências legislativas e administrativas

nos arts. 21 a 24 da Constituição Federal de 1988”. (MAGALHÃES, 2002, p. 78).

Após a leitura dos artigos 21 a 24 da Constituição Federal, há que concordar com o autor no sentido de que

existe um rol considerável de competências legislativas e administrativas concentradas. Entretanto, o que se defende

na presente obra é que outros dispositivos constitucionais propiciam a via de mão dupla, no sentido de permitir a

centralização e a descentralização do poder a depender do melhor alcance de uma finalidade que justifica o Estado ser

democrático e de direito.

3 REMISSÃO À TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

A proposta a seguir corresponde ao entendimento do princípio da Subsidiariedade, da doutrina dos poderes

implícitos e um breve enfoque sobre o poder constituinte derivado decorrente.

3.1 Princípio da Subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade é defendido por José Alfredo de Oliveira Baracho e possui uma forte relação

com o federalismo, razão pela qual foi objeto de estudos do presente trabalho.

O governo local, desde sua efetivação, assume grandes projeções, de forma a estruturar quadros políticos,

administrativos e econômicos que repercutem nos outros entes da federação. Nesse exercício, o governo das entidades

federativas pode promover ações que mitigam a desigualdade social, criam condições de desenvolvimento e de qualidade

de vida. Assim, identifica-se uma administração pública de qualidade quando ela se compromete com as necessidades

sociais e é aberta à participação solidária da sociedade, melhorando as entidades federativas. (BARACHO, 1997, p. 19)

O autor menciona a respeito da descentralização, quando defende que “a descentralização, nesse nível,

deverá ser estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo

tipo de crescimento e melhorias sociais.” (BARACHO, 1997, p.19). O autor ainda complementa que “as burocracias

centrais, de tendências autoritárias, opõem-se, muitas vezes, às medidas descentralizadoras, contrariando as atribuições

da sociedade e dos governos locais.” “(BARACHO, 1997, p.19).

Nesse sentido, em que pese a dedicação atual ao entendimento do que seja o princípio da subsidiariedade,

importante destacar, como o autor o fez, a importância e os benefícios trazidos a uma sociedade quando ela pode

mostrar e efetivar seus anseios, do seu modo, com suas peculiaridades respeitadas.

Page 27: Asa palavra 23

5352

No mesmo sentido, segundo Baracho (1997, p. 30), a descentralização é um domínio predileto de aplicação

do princípio da subsidiariedade, já que a essência do princípio da subsidiariedade é descobrir como a “organização

complexa pode-se dispor de competências e poderes” (BARACHO, 1997, p. 31).

Assim, aceitar o princípio da subsidiariedade corresponde à admissão da ideia de que as autoridades locais

também devem dispor de poder. (BARACHO, 1997, p. 31).

O autor demonstra com propriedade que ao mesmo tempo em que o princípio da subsidiariedade intui a idéia

de Estado, intui também a ideia de que não deve haver a absorção de todos os poderes da autoridade central. Assim,

“a modificação da repartição de competência, na compreensão do princípio de subsidiariedade, pode ocorrer com as

reformas que propõem transferir competências do Estado para outras coletividades.” (BARACHO, 1997, p. 31). Nesse

sentido, defende-se aqui a transferência de competência às coletividades. Ressalte-se que:

Nem sempre o princípio de subsidiariedade dá resposta precisa a todas essas questões.

Ele fixa apenas o essencial, quando visa a orientar uma reforma, uma política, indicando

direção, inspirada na filosofia da descentralização. [...] Na elaboração de seu significado,

natureza e demais aspectos, quanto à descentralização, entende-se que se deve ampliar a

liberdade e os poderes das demais coletividades, por alguns denominados de territoriais,

sem sacrificar o que é essencial nas funções do Estado. (BARACHO, 1997, p. 31-32)

Adaptando o citação supramencionada à proposta do presente trabalho, filia-se ao autor no sentido de que

devem ser reforçadas e utilizadas as vias constitucionais que permitem a descentralização do poder. As entidades

menores devem ter voz para divulgar seus anseios e possuir possibilidade de efetivá-los.

Inclusive, segundo José Alfredo de Oliveira Baracho:

A justificação do Federalismo é feita por motivações racionais, sendo que a doutrina

elenca pontos essenciais como: 1) o federalismo preserva a diversidade histórica e a

individualidade; 2) facilita a proteção das minorias; 3) aplica o princípio da subsidiariedade.

[...]; 4) o federalismo é um meio de proteção da liberdade. [...]; 5) o federalismo encoraja

e reforça a democracia, facilitando a participação democrática; 6) a eficiência é, também,

considerada como uma das razões que justificam o federalismo. (BARACHO, 1997, p.

43-44).

Tal citação corrobora com a idéia de que o federalismo é um contribuinte essencial para a melhor interação

entre o aspecto coletivo e individual do Estado, entendendo-se como aspecto coletivo a própria concepção abstrata

de Estado e o motivos que justificam sua formação e aspecto individual, o anseio dos menores grupos e de forma mais

fragmentada, as vontades dos cidadãos.

3.2 Teoria dos poderes implícitos

A Teoria dos Poderes Implícitos possui como precedente ocaso americano McCULLOCH v. MARYLAND

(1918), da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Como bem ressaltado por Pedro Lenza (2013, p. 169), o Ministro Celso de Melo expôs uma explicação

digna de nota sobre a referida teoria quando em um julgamento expressou que “a outorga de competência expressa

a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral

realização dos fins que lhe foram atribuídos” (BRASIL, 2007).

Nesse sentido, entende-se que para o alcance dos fins que foram atribuídos a determinado órgão estatal, os

meios utilizados para o alcance daquele estão incluídos no rol de outorga de competência.

Pedro Lenza (2013, p.169) acrescenta que “os meios implicitamente decorrentes das atribuições estabelecidas

de modo explícito devem passar por uma análise de razoabilidade e proporcionalidade” (LENZA, 2013,p.169).

Interessante observar aqui a fundamental importância da hermenêutica, para o estabelecimento razoável e proporcional

de tal princípio, quando posto em prática nas decisões.

O propósito da menção do referente princípio é que apesar de as vezes a autonomia da União não está

descrita, ela permanece da União.

3.3 Poder Constituinte Derivado Decorrente

A partir da característica essencial do federalismo (existência de um poder constituinte decorrente ou de

competências legislativas constitucionais nos entes federados), importante relacionar o exposto até então desenvolvido

no presente estudo com o poder constituinte derivado decorrente.

Desse modo, de acordo com De Plácido e Silva (2008, p.568), “o poder Constituinte [...] designa a

Assembléia Nacional Constituinte, ou o poder supraconstitucional, composto de representantes do povo, encarregado

da elaboração da Carta Magna.”

De acordo com Marcelo Galante (2005, p. 33), o poder constituinte é aquele que proporciona a elaboração

de uma Constituição em substituição à anterior.

Nessa baila, o referido autor destaca que a Constituição possui o objetivo de individualizar o Estado, no

sentido de imposição de elementos e características. Entretanto, o autor pondera que o trabalho exercido pelo poder

constituinte originário não é imutável. Assim, todas as vezes em que for necessária a alteração do texto constitucional,

o próprio texto constitucional deve prever os critérios e limites para essa reestruturação. (GALANTE, 2005,p.34). O

autor observa:

Como a vontade de todo poder constituinte é de que sua criação constitucional se

perpetue, ele mesmo contempla formas de revisão e emendas ao texto constitucional,

Page 28: Asa palavra 23

5554

como também cria o poder constituinte derivado, sempre respeitando limites, para

não se perder a finalidade constitucional instituída pelo Poder Constituinte Originário.

(GALANTE, 2005, p. 34)

Percebe-se que se não fosse da maneira supramencionada, todas as vezes em que se cogitasse a hipótese de

alteração da Constituição, uma nova Constituição teria que ser editada.

O poder constituinte derivado reformador e o poder constituinte derivado decorrente são espécies, dos quais

o poder constituinte derivado é gênero. O poder constituinte derivado reformador é “o poder que altera as normas

constitucionais.” (GALANTE, 2005, p. 35). Existem duas hipóteses de alteração, quais sejam: a revisão constitucional

prevista no artigo 3º dos Atos e das Disposições Constitucionais Transitórias e as Emendas à Constituição, previstas no

artigo 60 da Constituição Federal.

Sobre as Emendas Constitucionais, cite-se que “como essas modificações são exteriorização do poder

constituinte derivado, encontram limites dispostos pelo constituinte originário, consagradas no artigo 60 da Constituição.”

(GALANTE, 2005, p. 35).

Dentre os limites, ressalte-se aqui, de forma proposital, os limites materiais, dispostos no §4º do artigo 60 da

Constituição, ocasião em que se percebe a proteção constitucional à forma federativa de Estado.

Assim, depreende-se que não existiria poder constituinte derivado decorrente se não fosse o federalismo.

Como se trata de uma cláusula pétrea, a forma federativa de Estado não poderá ser alterada. Os Estados possuem

portanto, autonomia para se organizarem por leis, governantes e orçamentos próprios, com a ressalva de que devem

respeitar a soberania federal. (GALANTE, 2005, p. 36).

4. REMISSÃOAO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Uma vez demonstrada a característica do termo federalismo e a classificação do poder “constituinte derivado

decorrente”, passa-se à inserção no direito constitucional brasileiro, para melhor compreensão da nova terminologia

aqui apresentada, qual seja: Brasil como um Estado Federal Democrático de Direito.

Existe, portanto, um Estado, cuja forma federativa está intrinsicamente relacionada com o poder constituinte

derivado decorrente e este, totalmente vinculado a uma estrutura que pretende mostrar que o poder sai do povo e volta

ao povo, quando seus anseios são conquistados. E o que se pretende defender aqui é maior proximidade com o povo,

quando se atribui autonomia ao menor ente, qual seja, o município.

4.1 Autonomia municipal

Segundo pondera José Luiz Quadros de Magalhães (2002, p.80), alguns autores têm rejeitado a ideia do

município como um ente federado.

Mas ainda segundo o autor, os argumentos utilizados, como a ausência de representação no senado,

impossibilidade de se falar em união histórica de municípios e ausência de Poder Judiciário no município, são frágeis diante

da característica essencial do federalismo que é a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências

legislativas constitucionais nos entes federados.

Nesse sentido, de acordo com Anna Cândida da Cunha Ferraz, em sua obra Poder Constituinte do Estado

Membro:

A descentralização vertical do poder impõe e exige Constituições locais ao lado da

Constituição Federal. A limitação vertical do poder constitui requisito de significativa

relevância para a garantia das liberdades públicas, apresenta-se como extraordinária

técnica de governo e, para usar a famosa expressão de Loewenstein “opera como antídoto

indispensável frente à uniformidade da vida no mundo, que de forma crescente se faz

cada vez mais rotineiro e conformista”, na medida em que tende a preservar e a fortalecer

as peculiaridades culturais de um dado território. Essa limitação, todavia, só é estável na

medida em que a descentralização do poder tenha fulcro numa Constituição Federal e se

concretize nas Constituições parciais, de forma tal que cada entidade dotada de poder

não possa, sem modificações de ambas as Constituições, ser eliminada; ou, em outras

palavras, a entidade não possa ter sua condição estatal modificada senão pela intervenção

do poder constituinte (local ou nacional).(FERRAZ, 1979, p. 62-63)

Apóia-se à idéia da autora no sentido de que não há que se falar em respeito às peculiaridades culturais

quando não se exige a descentralização. Constituições locais ao lado da Constituição Federal não corresponde a um

distanciamento da proposta Estatal, mas pelo contrário, é um instrumento de efetivação porque permite unificar o que é

diverso, desencadeando assim um maior alcance de privilegiados, com suas particularidades enaltecidas através de uma

maior identidade com a Constituição mais próxima.

Destaca-se a percepção de Carmem Lúcia Antunes Rocha, citada por Sérgio Ferrari, ao fazer um breve

comentário a respeito da evolução da autonomia municipal no Direito Brasileiro:

Então, pergunta-se ao norte americano de onde ele é, e ele vai dizer de Nova Yorque, da

Pensilvânia, da Carolina do Sul, ou do Texas, etc. Pergunte ao brasileiro de onde ele é e

ele vai te responder: eu sou de Jijoca, eu sou de Belo Horizonte, eu sou de Porto Alegre.

A referência dele e aquilo que o atinge é o Município, é a cidade. É a cidade no sentido

mais pleno de sua vivência pública, da sua vivência social. Este é um dado que não pode

ser desconsiderado. (ROCHA apud FERRARI, 2003, p.150).

Mendes e Branco (2011, p. 829) salientam a forma equilibrada de federalismo, quando existe uma distribuição

Page 29: Asa palavra 23

5756

contrabalanceada de competências. Assim, em que pese a estrutura de distribuição de competências encontrada em

nossa Constituição, não há que se falar na esfera prática em equilíbrio, tendo em vista que o que falta é a adequada

hermenêutica para que também seja identificada a via da descentralização no texto constitucional.

Mendes e Branco (2011, p. 832) ainda ponderam sobre o fato de os Estados assumirem a forma federal. Informam que um território amplo possui a propensão de ostentar diferenças ao que se refere ao desenvolvimento cultural. Por isso, tendo o Estado federal necessidade de realizar anseios nacionais, há que se dar “voz ativa” a um governo local para realizar anseios locais, estando este mais próximo e atento às peculiaridades existentes.

Relacionando a discussão da autora Wilba Lúcia Maia Bernardes ao tema ora exposto, acerca do município,

nota-se que:

A possibilidade de participação dos componentes associados, sejam eles de que monta

forem, como Estados- Membros ou Municípios, é positiva, pois, evidentemente, reforça

a noção de pluralismo e diversidade que são inerentes ao objetivo- distribuição territorial

de poder- e ao fundamento- realizar os ideais do federalismo- da federação, no entanto,

não caracteriza a essencialidade da federação. Nesse sentido, o fato de determinado

Estado não adotar uma estrutura bicameral federal de Legislativo não lhe retira sua

qualidade essencial de federação.(BERNARDES, 2010, p.116, destaque nosso).

Nesse meandro, concorda-se com a autora que o objeto aqui exposto neste tópico, como primordial à

discussão, qual seja, a participação do município, não há que se falar que corresponde à característica essencial do

Federalismo, mas há que se afirmar que a sua participação se adequa à noção de pluralismo e diversidade que são

inerentes ao objetivo do federalismo. Em relação à descentralização, a autora complementa:

Entendemos que a previsão da participação das entidades federadas na formação da

vontade nacional é um arranjo do federalismo relativo ao seu enfoque “descentralização”,

que pode e deve ser adotado, pois, conseguindo cumprir seus objetivos, reforça o papel

das coletividades associadas como sérios atores políticos e sociais das sociedades do

século XXI. (BERNARDES, 2010, p. 116)

Depreende-se a partir dessa facção textual da autora que a alternativa para intitular as coletividades como

autores políticos e sociais só de dá através da descentralização. A autora finaliza:

Neste arranjo constatamos a idéia natural de expansão de legitimidade com a possibilidade

de mais um canal de abertura para a participação dos cidadãos nos níveis de poder e

de fortalecer a idéia de pertença criando mais laços sociais. Podemos dizer que está

aí também previsto outro ponto de acesso ao Poder Público. Nesse sentido, é salutar

o estímulo de se criarem outros modos de participação das entidades federadas na

formação da vontade nacional, ainda que não formais.

(BERNARDES, 2010, p.116)

O estímulo à participação das entidades, mesmo que não formais, corresponde à hermenêutica ainda pouco

aclamada para lidar com sapiência com o texto constitucional, no sentido de alcançar a melhor adaptação do texto e da

teoria constitucional à realidade social.

José Luiz Quadros Magalhães expõe que:

A partir da Constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantém sua autonomia,

como conquistam a posição de ente federado, podendo, portanto, elaborar suas

Constituições municipais (chamadas pela Constituição Federal de leis orgânicas), auto-

organizando os seus Poderes Executivo e Legislativo e promulgando sua Constituição

sem que seja possível ou permitida a intervenção do Legislativo estadual ou federal para

a respectiva aprovação. O que ocorrerá com as Constituições municipais será apenas

o controle a posteriori de constitucionalidade, o mesmo que ocorre com os Estados

membros. (MAGALHÃES, 2002, p. 80).

Relacionando o Município com o princípio da subsidiariedade, Baracho expõe que:

A subsidiariedade concretiza-se no Município, desde que o indivíduo não é(sic) um ser

abstrato, mas concreto, onde aparece como cidadão, usuário, vizinho, contribuinte,

consorciado e participante direto na condução e fiscalização das atividades do corpo

político, administrativo e prestacional. (BARACHO, 1997, p. 44).

Com o exposto, procura-se também demonstrar a certeza da afirmação de que a representação popular é o

grande condão que une a proposta do federalismo com o Estado Democrático de Direito, uma vez que instrumentaliza

a possibilidade do anseio popular ser efetivado.

5. CONCLUSÃO

A ordem constituída com a promulgação da Constituição de 1988 só pode ser pensada e aplicada em relação

com o poder que a constituiu. Nesse sentido, destaca-se que a forma federativa é uma cláusula pétrea, em conformidade

Page 30: Asa palavra 23

5958

com o poder que a instituiu.

Mesmo que não tenha sido analisado criteriosamente o conceito de democracia, que pode ser traduzido

classicamente como soberania popular e governo da maioria, a sua ideia foi lançada em vários momentos da presente

produção textual, principalmente no que concerne ao entendimento do Estado Democrático de Direito, em cujo

ordenamento jurídico o conceito de democracia possui uma complexidade que não se limita ao conceito clássico.

Após analisar a lógica didática de compreensão dos termos Federalismo, poder constituinte derivado decorrente

e Estado Democrático de Direito, percebe-se que existe uma estrutura teórica bem embasada, com fundamentos que

alcançam o anseio popular, com a ressalva de que alguns caminhos hermenêuticos fogem deste elogio, como o excesso de

atribuições imputadas á União, sendo que a solução poderia seria encontrada justamente pelo caminho contrário, como

mostrado pela dissecação do princípio da subsidiariedade e sua intrínseca relação com o federalismo e descentralização.

Repita-se, ambas as vias federativas são fundamentais. A centralização não perde espaço. A defesa aqui,

entretanto, é o destaque do real contributo da descentralização, de modo a impedir que a via federativa passe a figurar

meramente como “via de mão única”, deixando de lado a possibilidade de deixar o poder seguir em direção a quem é

seu dono, qual seja, as comunidades com suas peculiaridades, e de um modo mais particularizado ainda, os cidadãos.

Observa-se na prática uma realidade, que só não alcança o auge do preceito teórico constitucional porque não

existe uma interpretação adequada. Destaca-se aqui, por sua vez, a interpretação adequada, quando se estabelecem

meios, mesmo que informais, de maior proximidade do poder aos entes municipais.

Desse modo, faz-se necessário efetivar o município como ente federado e melhorar a dinâmica entre os entes

federados, como observado nos desafios do federalismo fiscal brasileiro, de modo a evitar desperdícios de recursos, de

energia e de conflitos entre os entes.

Em que pese a visão de município ser pequena em relação ao Estado, não se pode esquecer que a visão de

Estado também é pequena, na visão de mundo. E mesmo assim, nosso Estado quer ser ouvido. Desse modo, o sistema

de poder deve ser pensado desde o município, que é o ente menor.

Assim, justificada está a existência do Estado Federal quando este Estado se vincula totalmente ao paradigma

Democrático de Direito e vice-versa. Enquanto não houver essa intrínseca relação de ambos os conceitos, não haverá a

superação da mácula histórica de Estado Unitário que o Brasil ainda carrega consigo.

Uma vez superada essa mácula histórica, haverá a trajetória correta do poder, que é aquela na qual o poder sai

do povo, abrange um ente maior que redistribui esse poder, de forma que o mesmo poder, com a mesma intensidade,

volta às mãos do povo com uma outra “vestimenta”: a satisfação de seu anseio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense,

1997.

BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Federação e federalismo: uma análise com base na superação do Estado Nacional e no

contexto do estado democrático de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26.547-MC/DF, Rel.Min. Celso de Melo, julgado em 23/05/2007. Diário de

Justiça, Brasília, 29 maio 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo468.

htm>. Acesso em: 10 out. 2013.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CARRÉ DE MALBERG, Raymond. Teoria general del Estado. México: Fondo de Cultura Económica, 1948.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição : direito constitucional

positivo. 16. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

DIAS, Ronaldo Bretas de Carvalho. Fundamentos do Estado Democrático de Direito. Revista da Faculdade Mineira de

Direito, Belo Horizonte, v.7, n.13/14, p. 150-163, 1º/2º sem. 2004.

FERRARI, Sérgio. Constituição Estadual e Federação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Poder constituinte do estado-membro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.

GALANTE, Marcelo. Direito constitucional. São Paulo: Barros, Fischer e Associados, 2005. (Para aprender Direito; 4).

GALUPPO, Marcelo Campos. Os princípios jurídicos no estado democrático de direito: ensaio sobre o modo de sua

aplicação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, 36 n.143, p.1-18, jul./set. 1999.

GRECO, Marco Aurélio; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Desafios do federalismo fiscal brasileiro.Revista do Instituto

dos Advogados de São Paulo, São Paulo, Ano 1, n. 2, p.97-104, jul./dez. 1998. Disponível em: <http://www.

terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/86>. Acesso em: 10 out. 2013.

GUEDES, Odilon. Para atender às reivindicações dos que foram à luta, Revista Le Monde Diplomatique Brasil, n. 74,

p. 6-7, set. 2013.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7.ed.São Paulo: Perspecticva, 1975.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1997.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. t. 2.

MARTINS, Cristiano Franco. Princípio federativo e mudança constitucional.limites e possibilidades na Constituição

Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2003.

MENDES, Gilmar Ferreira.BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional.São Paulo: Saraiva, 2011.

Page 31: Asa palavra 23

6160

RAMOS, DircêoTorrecillas (Coord.). O federalista atual: teoria do federalismo. Belo Horizonte: Abraes Editores, 2013.

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes Rocha; MORAES, Filomeno. (Coord.). Direito constitucional contemporâneo. Belo

Horizonte: Del Rey, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro:

Forense, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed.São Paulo: Malheiros, 2006.

1865-2015: CENTO E CINQUENTA ANOS DO FIM DA GUERRA CIVIL AMERICANA

Janaína Aparecida Palhares1

Rafael Tallarico 2

Sirlei de Brito Ribeiro3

Palavras Chave: Estados Unidos da América do Norte, Guerra Civil, Democracia, Soberania e Federação

Resumo: O ano de 2015 assinala os cento e cinquenta anos do fim da Guerra Civil Americana. Os EUA, após o

conflito, se tornaram a maior federação do mundo, o que conduziu a ser a maior democracia do planeta nos séculos

XX e XXI. É o maior exemplo da luta pela igualdade e liberdade dentro de uma nação, servindo como uma “cidade na

colina” para a História Mundial. A democracia americana levou à prosperidade econômica e à valorização da condição

humana dentro da nação, uma vez que o Estado de Direito, que é o Estado Racional, é aquele que abriga os direitos

e garantias fundamentais da pessoa humana, algo que os EUA conhecem muito bem desde a independência em 1776.

Representam o caminhar do espírito universal na constante busca de liberdade e democracia.

A História Mundial é a expressão do caminhar do Espírito Universal na constante busca pela liberdade e

justiça.O homem sempre lutou contra a escravidão e as forças que tentaram domina-lo. É no Ocidente que os primeiros

passos para o reconhecimento da igualdade e liberdade foram dados para a afirmação da condição humana, pois o ser é

racional. Não há diferença entre o ser e o pensar, pois apenas o homem possui a capacidade de raciocínio e o raciocínio

está apenas no homem.

O arbítrio individual deve ceder lugar para o arbítrio de alguns, sendo que após a Revolução Francesa de

1789, todos se tornam livres, ou seja, senhores do seu próprio arbítrio.

Foi na Antiga Grécia que os primeiros passos para a liberdade de alguns foram encontrados. Esta nação é o

berço da civilização ocidental. O ser começa a se identificar consigo mesmo através das leis e da participação política, o

que se deu na polis. A primeira raiz do Estado de Direito começa a germinar, apesar da escravidão que lá existia. Este

foi um fato com o qual o próprio Aristóteles conviveu.

Os gregos foram grandes filósofos e os primeiros pensadores da ciência política, tal qual a conhecemos hoje.

Todavia, foram os romanos que sistematizaram o Direito como ciência e o Estado como máximo ético.

Em Roma, o indivíduo livre vê reconhecida a sua personalidade. O escravo não tem a sua própria moral,

1 Autora é aluna da 04º Período do Curso de Direito da Faculdade Asa de Brumadinho.2 O autor é bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É mestre em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais. É professor de Direito Internacional Publico, Direito Econômico, Filosofia do Direito, Hermenêutica e Argumentação e Sociologia Jurídica da Faculdade Asa de Brumadinho e da Faculdade de Sabará. Advogado militante em Direito Empresarial e em Direito Criminal.3 A autora é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do oeste de Minas. Pós Graduada na Faculdade de Sete Lagoas. Mestre pela Seek (Chile) e Universidade Americana (Assunção). Coordenadora do curso de Direito e do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade ASA de Brumadinho.É advogada militante em Direito Civil.

Page 32: Asa palavra 23

6362

pois ele segue exclusivamente a moral do seu senhor. Existem leis, tribunais e pretores que asseguram a vigência das

instituições romanas e a liberdade dos cidadãos romanos. O Estado em Roma é o máximo ético, porque apenas ele

é capaz de garantir o reconhecimento da liberdade em si e para si. Não há liberdade na natureza, pois nela não há

dialética, ou o constante movimento do devenir.Nela apenas se encontra um conjunto de entes organizados, não a

sociedade civil politicamente organizada.

Pelas ruas de Roma caminhava o espírito universal da liberdade, através das trilhas da razão que visa sempre

o reconhecimento e a reconciliação para valorização do ser.

O jus gentium é a afirmação do direito romano como instrumento axiológico para fazer valer a personalidade

do homem em todos os cantos do império, inclusive nas províncias. Os estrangeiros, em suas relações com os romanos,

e entre si, tinham garantidos os seus direitos, apesar de conquistados. É um prenuncio da dignidade da pessoa humana,

ainda na antiguidade clássica.

Em 180 DC o imperador Marco Aurélio estendeu a cidadania romana a todos os integrantes do império,

fossem eles os habitantes de Roma ou os habitantes das províncias. Foi a conhecida Pax Romana. O espírito universal

começa a se conhecer a si mesmo.

Na Idade Média o espírito se torna estranho a si mesmo. O peso da religião no agir humano, impede a reflexão

e a decisão pelo próprio arbítrio. Um fator alheio e externo à pessoa humana torna-se preponderante para delinear o

destino de parcela da humanidade. Foram mil anos de escuridão, que toda via não apagaram definitivamente as luzes

estrelares da razão. Grandes pensadores como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino se fizeram presentes,

contribuindo para o enriquecimento do conhecimento humano e do conceito de justiça.

A religião cristã teve papel fundamental na universalização do conceito de pessoa humana. Foi uma cisão

moral dentro do direito romano.

``A consciência filosófica grega desenvolveu o conceito moral de justiça ; com efeito a

justiça é akrotés e torna possível o transito do indivíduo para o cidadão, que, por sua vez

torna possível realizar a eudaimonia, ou a perfeição segundo o ideal de formação do

homem grego no período da Sophia científica. O Estado como se percebe em Platão

(principalmente em As Leis e A República) e em Aristóteles (Ética a Nicômaco) tem

uma finalidade ética strictu sensu: Formar ou educar eticamente o cidadão para ser útil

à comunidade.

A consciência jurídica romana formulou o conceito de justiça jurídica e, ao identificar

direito e justiça, pôs o político a serviço da pessoa de direito, concebendo o direito

como o máximum ético.Para os gregos a justiça é assunto da ética, ao passo que para

os romanos ( o que Kelsen parece não ter percebido) é tema do direito; o conceito de

justiça é jurídico.``(SALGADO, 2006 ,pg 4)

Com a Queda de Constantinopla em 1453 DC, se finda a Idade Média e inicia-se a Idade Moderna. Foi o

período das grandes navegações e dos descobrimentos. A atividade comercial se avoluma, e as relações entre os Estados

se estreitam, exigindo uma diplomacia mais eficiente e propícia para o estabelecimento das praticas mercantis.

As potências europeias buscam novas fontes de matérias primas, o que implicou na conquista de novos

territórios. É descoberto o Novo Mundo. A Inglaterra passa a colonizar as Treze Colônias da América do Norte. O

espírito universal da liberdade caminha da Europa para o Novo Mundo.

Os colonizadores ingleses cruzaram o atlântico chegando à América do Norte, principalmente no Velho

Domínio da Virgínia.

O comércio com o Velho Mundo era importante para o abastecimento da colônia. As relações comerciais

acabaram estimulando a identidade própria de cada uma das Treze Colônias.

Os emigrantes Europeus buscavam maiores oportunidades econômicas, alem da liberdade religiosa e política.

Os Puritanos foram as pessoas que mais chegaram ao novo mundo, fugindo das perseguições religiosas.

A maioria dos colonos era inglesa, mas havia também holandeses e alemães.

No sul da colônia predominava uma sociedade basicamente agrária.

No interior das colônias da Nova Inglaterra predominava os debates políticos.Repeliam-se as práticas que

impediam a liberdade religiosa.

Em 1704 foi lançado o primeiro jornal da colônia do Norte. Havia uma impressora, e o espírito da liberdade

se fazia sentir.

Um dado fundamental da colonização das Treze Colônias foi o rei ter transferido a administração do Novo

Mundo para companhias particulares. Representantes eleitos das colônias decidiam a respeito da criação de impostos.

Havia muito mais autogoverno se comparado com as outras colônias da América. Pode se falar em uma independência

política dos colonos da América do Norte.

``O funcionamento desse processo e a maneira por que ele lançou os fundamentos

de uma nova nação foram descritos com muita vivacidade, em 1782, pelo agricultor

J. Hector Sant John Crèvecoeur, de nacionalidade francesa, em suas Cartas de Um

Fazendeiro Americano:``O que é, então, o americano, esse novo homem? Ou é europeu

ou então descendente de europeus, e daí essa estranha mistura de sangue que não se

encontra em qualquer outro país... Eu poderia indicar uma família cujo avô era inglês,

casado com uma holandesa, com um filho casado com uma francesa e cujos quatro filhos

são casados com mulheres de diferentes nacionalidades. O americano é aquele que,

deixando para traz todos os antigos preconceitos e maneiras, adota tudo novo para a

nova maneira de viver que escolheu, o novo governo a que obedece e a nova posição

que ocupa...`` ( Departamento Cultural da Embaixada dos Estados Unidos da América.

Ano Desconhecido,pg 21)

Page 33: Asa palavra 23

6564

A forma de colonização das Treze Colônias levou à paixão incessante de independência. As colônias adquiriram,

com o passar do tempo, muita força econômica e cultural. As melhores terras do litoral foram ocupadas e os imigrantes

da Europa iam cada vez mais ocupando o sertão.

As colônias nunca se sentiram totalmente subordinadas à coroa britânica. Tentavam manter uma distância

honrosa da autoridade do parlamento britânico. A legislação da colônia ia cada vez mais se americanizando, ficando

menos inglesas.

Os colonizadores e os fazendeiros lutavam pela independência. A coroa britânica começou a ter dificuldades

para coobrar impostos.

Devido ao tamanho do Império Inglês, a coroa britânica começou a ter dificuldades de administrar os territórios

colonizados. Revoltas começaram a estourar nas colônias da América do Norte. Não se aceitava o aumento abusivo de

impostos.

Em 4 de julho de 1776 é adotada a Declaração de Independência, anunciando uma nova nação baseada na

liberdade individual.

``A Declaração da Independência significou algo muito mais importante e de muito maior

alcance do que uma simples notícia pública da separação. As suas ideias inspiraram um

fervor da massa pela causa americana, pois instilava no homem comum um sentimento de

sua importância inspirava-o para a luta pela liberdade individual, pelo auto governo e um

lugar digno na sociedade.`` (Departamento Cultural da Embaixada dos Estados Unidos

da América. Ano Desconhecido, pg 40)

A França desde a Declaração de Independência havia se colocado contra a Inglaterra, tendo recebido de

braços abertos os líderes do movimento de independência. Os ideais de independência foram tomando forma de lei. O

impacto maior foi das ideias democráticas, com amplo efeito sobre as Constituições Estaduais. Garantiu-se em alguns

Estados o direito de portar armas de fogo e a inviolabilidade de domicilio.

Necessário se fazia o estabelecimento de uma União entre os Estados. Para realizar e concretizar este fato, os

estadistas americanos favoreceram a Tripartição de Poderes, para o equilíbrio político. O pensamento de Montesquieu

é aplicado em toda nação recém-criada.

``Os estadistas do século XVIII, que se reuniram em Philadelphia, eram favoráveis

aos conceitos de Montesquieu quanto ao equilíbrio de poder na política. Tratava-se

de um princípio já reforçado pela experiência colonial e os escritos de Locke, que eram

conhecidos da maioria dos delegados. Essas influências levaram à convicção de que

deveriam ser estabelecidos três ramos de governo iguais e coordenados. Os poderes

executivo, legislativo e judiciário deveriam ser harmoniosamente equilibrados de tal modo

que nunca um pudesse prevalecer sobre os outros. Os delegados concordaram que o

legislativo deveria consistir de duas casas, da mesma forma que os legislativos coloniais

e o Parlamento inglês``(Departamento Cultural da Embaixada dos Estados Unidos da

América. Ano Desconhecido, pg 50)

A maioria dos Estados já seguia a separação dos poderes. George Washington foi nomeado presidente dos

EUA em tinta de abril de 1789. Foi dado um incentivo enorme para o fortalecimento comercial e a ocupação do oeste.

Foram criados o Departamento de Estado e o do Tesouro.

A partir de 1812 os EUA foram recebidos como uma nação em pé de igualdade com as demais, na sociedade

internacional. Propugnava-se por uma nação com alto progresso social e econômico. Mas havia uma grande diferença

entre os Estados do Sul e o Estados do Norte. Aqueles baseavam a produção na mão de obra escrava e no latifúndio,

enquanto os últimos buscavam a industrialização e a liberdade comercial.

Nos meados do século XIX a escravidão era uma celeuma que dividia a nação norte- americana. A escravidão

era uma instituição cruel e que dividia a nação.

Abraham Lincoln considerava a escravidão uma doença a ser extirpada da nação. Com a sua eleição como

presidente dos EUA em quatro de março de 1861, sete Estados do Sul declaram separação da União. Começa a Guerra

Civil. O Norte tinha vinte e três Estados, e o Sul onze Estados. Batalhas sangrentas ocorreram e centenas de milhares

de vidas foram ceifadas.

Em primeiro de janeiro de 1863, o Presidente Lincoln emancipou todos os escravos nos Estados rebeldes,

para que se unissem ao Norte.

Os exércitos do Norte eram liderados pelo general Grant, e os exércitos do Sul pelo general Lee. A precipitada

entrada dos confederados na Pennsylvania atropelou os propósitos de vitória do Sul, pois sofreram pesadas baixas. O

exercito de Grant ia se apossando cada vez mais dos territórios do Sul, cujos exércitos iam batendo em retirada.

Os EUA se tornaram, a partir do fim da Guerra de Secessão, a maior federação do mundo, tendo um governo

com um núcleo constitucional bem definido, e dirigido pelos princípios e valores democráticos.

Após o final da Guerra Civil em 1865 o presidente Lincoln buscou a unidade do país, sem qualquer espírito

de revanche ou vingança para com os derrotados do Sul. Em 1866, o Congresso Americano já discutia a concessão aos

negros dos plenos benefícios da cidadania, o que foi referendado pela Emenda XIV à Constituição, principalmente no

ano de 1870 por todas as legislaturas estaduais.

O Sul, uma sociedade baseada no trabalho escravo, tinha muitos problemas a serem resolvidos. Uma

reconstrução do Sul se fazia necessária.

O fim da Guerra Civil Americana acelerou a industrialização de todo o país, principalmente para a auto

exploração do ferro, do vapor e para o processo contínuo de investimentos na ciência.

A indústria cresceu a passos largos, expandindo as fabricas por todo os EUA. Empresas Industriais

independentes começaram a se fundir, e essa foi uma tendência que pode ser observada durante a Guerra Civil.

Em nível de sociedade empresarial, desenvolveram-se a sociedades anônimas, que buscavam um enorme

Page 34: Asa palavra 23

6766

reservatório de capital e a sua continuidade praticamente por tempo ilimitado.

Empresas de petróleo e comunicações se estenderam por todo o país. Os EUA se tornaram um colosso

industrial de proporções planetárias.

As oportunidades no Oeste se multiplicaram. Fazendeiros e agricultores ocuparam as planícies e os vales, com

grande auxílio das máquinas ceifadeiras. As dificuldades existentes no século XIX foram eliminadas pela mecanização do

campo.

A partir de 1914 os EUA, já a maior federação e democracia do mundo começam a ter um maior papel na

política internacional. Sem abandonar totalmente o isolamento, começam a agir, através de seus valores, para o equilíbrio

das relações internacionais. A democracia americana, cujos fundamentos se encontram no ocaso da Guerra Civil em

1865, serviu de modelo para todo o mundo, a começar dos países europeus, que passaram a adotar a democracia na

suas constituições, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.

Ficou conhecida como wilsonismo a política americana exterior baseada em valores, entre eles a democracia.

O fim da Guerra Civil Americana legara aos EUA o imperativo moral de manutenção da ordem, sempre dentro do

modelo democrático. A última década do século XX confirmou a alta posição moral dos EUA e seu objetivo de expandir

a democracia.

O ano de 2015 marca os 150 anos do fim da Guerra Civil Americana, e os EUA permanecem a maior

democracia constitucional do planeta.

``No mundo pós- Guerra Fria, o idealismo americano necessita do levedo da análise

geopolítica, para achar seu caminho no labirinto das novas complexidades. Não será

fácil. Os Estados Unidos recusaram-se a dominar mesmo quando detinham o monopólio

nuclear e desprezaram o equilíbrio de poder mesmo quando empreenderam como

durante Guerra Fria – o que era na verdade uma diplomacia de esferas de interesse. No

século XXI os Estados Unidos, assim como outras nações, devem aprender a navegar

entre a necessidade e a escolha, entre as constantes das relações internacionais e os

elementos sujeitos ao arbítrio dos estadistas.`` ( KISSINGER, 2012,pg 763)

Os EUA souberam trazer para si o núcleo da História Mundial. Através de uma contribuição sem precedentes

para a sociedade internacional, tomaram a liderança das decisões mundiais, com alto teor moral e responsabilidade.

É difícil se exigir que todas as nações do mundo sigam o modelo de democracia dos EUA. Porém, quando se

pensa em direitos humanos, parâmetros mínimos de instituições estatais devem se fazer presentes em todos os Estados,

principalmente os ocidentais.

A Guerra Civil Americana lastreou os EUA com a essência da democracia, não apenas na sua política

interna, mas também na exterior, visando a criação de uma sociedade internacional que reconheça a soberania dos

Estados, sem, contudo, permitir que tal atributo venha violar a dignidade da pessoa humana. A ONU é a maior

garantidora dessa assertiva.

Os EUA vão assim construindo o seu caminho, com a própria caminhada, e levando com eles a humanidade

para o progresso, a paz e a prosperidade.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

- DEPARTAMENTO CULTURA DA EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Panorama da História dos

Estados Unidos. Ano Desconhecido.

- KISSINGER, Henry. Diplomacia.Editora Saraiva. São Paulo,2012.

- SALGADO, Joaquim Carlos. A Ideia de Justiça no Mundo Contemporâneo. Editora Del Rey.Belo Horizonte,2006.

Page 35: Asa palavra 23

6968Legalidade - Relações de Consumo - Resiliência

Page 36: Asa palavra 23

7170

LEGALIDADE ADMINISTRATIVA: UMA RELEITURA ENCAMINHADA À JURIDICIDADE

André Leonardo Prado Coura1

RESUMO: O presente artigo objetiva esboçar o panorama evolutivo do princípio da legalidade administrativa, desde a

limitação do exercício da função administrativa à lei stricto sensu, até o desenvolvimento do conceito de juridicidade,

diretriz orientadora do comportamento administrativo. A legalidade concebida sob os auspícios revolucionários do

liberalismo clássico – pretensa limitação do exercício do poder –, sofreu drásticas alterações ao longo do curso histórico,

sobretudo após o segundo pós-guerra, na segunda metade do século XX. Os influxos do pós-positivismo cuidaram de

emprestar ao constitucionalismo força capaz de operar influência por sobre a interpretação e aplicação normativas em

todos os campos da ciência jurídica e, particularmente, sobre o Direito Administrativo, importando ao presente estudo

os efeitos daí advindos para a compreensão contemporânea da legalidade administrativa. A concepção de limitação do

poder estatal – e, consequentemente, do medium pelo qual se manifesta, isto é, a Administração Pública –, desloca-

se do conceito de legalidade, assim compreendida a estrita vinculação à lei, para desaguar na ideia de juridicidade,

concebida como a vinculação ao direito, entrelaçamento sistêmico e cogente de regras e princípios informados

pelos preceitos constitucionais. Estruturado como pesquisa teórica descritivo-compreensiva de viés bibliográfico, o

trabalho pretende esboçar a linha evolutiva responsável pelo giro compreensivo haurido do princípio da legalidade

administrativa.

PALAVRAS-CHAVE: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; JURIDICIDADE; EVOLUÇÃO

TEÓRICA.

1. INTRODUÇÃO

“Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite [...]” (DI PIETRO,

2010, p. 64). Durante muito tempo, a assertiva ora reproduzida figurou como cânone orientador da investigação

científica jus-administrativista, além de princípio norteador da interpretação e aplicação do direito à Administração

Pública, levadas a efeito pelos juízes e tribunais brasileiros.

Dir-se-ia que a divisão principiológica essencial entre o comportamento público e o privado encontra

nascedouro na oposição entre legalidade e autonomia privada, sendo esta a possibilidade de fazer o particular tudo

aquilo que, por lei, não lhe seja defeso e, aquela, por sua vez, a limitação que faz o comportamento da Administração

Pública jungido ao comando da lei.

A legalidade, classicamente concebida como limitação à manifestação do poder estatal, vem à tona como

elemento central para a consolidação da noção de Estado de Direito, passando a cumprir, na acepção liberal, a função

1 Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Professor da Faculdade ASA de Brumadinho. Advogado.

Page 37: Asa palavra 23

7372

de “garantia dos particulares contra a atuação estatal [...]”, conforme acentua Eros Roberto Grau (2008, p. 172).

O desenvolvimento da noção de legalidade, no paradigma liberal, encontra apoio na necessidade de

justificação e preservação dos interesses econômicos da sociedade burguesa, fundada na autonomia privada e na não

ingerência estatal nas relações travadas entre particulares, ficando qualquer restrição ao pleno exercício da liberdade e

da propriedade adstrito à existência de lei que lhe sirva de lastro.

Grau (op. cit., p. 173, grifos do autor), quanto às origens liberais da legalidade, anota que “O princípio da

legalidade é desde então visualizado em termos estritamente formais, como corolário da separação dos poderes,

importado exclusivamente a oposição de um limite à atuação do Estado”.

A derrocada do absolutismo monárquico apontava para a necessidade de um instrumento idôneo a evitar a

repetição dos totalitarismos perpetrados pelo recém-enclausurado leviatã, elegendo-se para tal mister a própria lei, no

afã da autorregulação do mercado e de um Estado gendarme que apenas assegurasse a manutenção do direito formal

burguês – autopoiese do sistema capitalista laissez-faire. 2

Com a orientação absenteísta do paradigma liberal, o Estado e o exercício do poder por ele levado a efeito,

deveriam encontrar na lei – expressão da soberania popular, assim compreendida a articulação dos interesses burgueses

– as fronteiras assecuratórias do gozo pleno dos direitos afirmados no contexto revolucionário da última quadra do

século XVIII, caros à dinâmica de afirmação do capital. A legalidade figura, portanto, como salvaguarda do indivíduo

perante o Estado.

O império da lei, nos idos daquele paradigma liberal, passa a enfrentar crescente desconforto conceitual,

demandado drástica releitura na medida em que às funções repressivas do Estado, somam-se as funções prestacionais,

a reboque das quais despontaria o paradigma social do Estado de Direito.

Érico Andrade, delineando as origens próprias do Direito Administrativo, acentua que

Na origem, o maior desenvolvimento do direito administrativo se dá, como não poderia

deixar de ser, no âmbito do modelo de Estado francês, pois representa o direito do

Executivo, busca a afirmação do Poder Executivo e das suas prerrogativas. Nasce assim

como direito especial do Executivo, entendido como poder privilegiado. Mas depois

se desenvolve no sentido de intercalar um componente liberal, dirigido à proteção do

cidadão e, mais tarde, no Estado social, para instrumentalizar a ingerência do Estado na

economia. (ANDRADE, 2010, p. 161-162).

O princípio da legalidade passa, portanto, a não mais comportar a leitura rasa de vinculação do Estado à lei,

precisamente em razão de que ele, Estado, já não está adstrito apenas à afirmação e velamento das liberdades negativas

do indivíduo, mas é instado a ir além para conferir substância ao direito formal burguês mediante o fornecimento de

prestações aos particulares.

2 Sobre o emprego da expressão laissez-faire ao longo do curso evolutivo histórico e econômico, cf. KEYNES, J. M. The end of laissez-faire. Oxford: Hogarth Press, 1926. Disponível em: <http://www.panarchy.org/keynes/ laissezfaire.1926.html>. Acesso em: 18 mar. 2013.

Desta alteração material na dinâmica de desenvolvimento do Estado, emerge a insuficiência da concepção da

legalidade como mera oposição de limites à atuação estatal, dado que, para a compreensão e atendimento das novas

premências, novas leituras se impõem.

Germana de Oliveira Moraes, nesse sentido, elucida que

A superação do Estado Liberal, com advento do Estado Social, alterou as relações entre

o Poder Legislativo e o Poder Executivo, pois este passou a ter uma postura mais ativa,

na feição do Estado prestacional de serviços públicos, em contraposição ao Estado

absenteísta do liberalismo. A assunção pelo Estado de novos encargos, passou a justificar

o aumento da competência normativa e a ampliação da área de autonomia do Poder

Executivo, a quem a lei conferiu, ipso facto, maior grau de discricionariedade ou de

liberdade de atuação. (MORAES, 2004, p. 27-28, grifos do autor).

A par da edificação do Estado-prestador, cuja dinâmica transcende a ideia de administração repressiva para

desaguar na de administração-providência, a viragem hermenêutica verberada, principalmente, no segundo pós-guerra,

propõe novas orientações à concepção sistêmica dos ordenamentos jurídicos, conforme noticia Luís Roberto Barroso:

O direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia no positivismo jurídico.

A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não

correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam

a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o Direito. Seus

operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos

vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. (BARROSO, 2003, p. 325-326).

A perspectiva pós-positivista alcança, assim, o constitucionalismo e a hermenêutica constitucional, promovendo

“uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito”, alçando a principiologia e as regras constitucionais ao

centro dos ordenamentos jurídicos. (op. cit., p. 326).

O referido autor, em digressão histórica acerca do papel desempenhado pelos princípios em diversos contextos

histórico-sociais, esclarece, ainda, que

Os princípios, como se percebe, vêm de longe e desempenham papéis variados. O que

há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua

normatividade.

Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos

valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus

postulados básicos, seus fins. (BARROSO, 2003, p. 327, grifos do autor).

Page 38: Asa palavra 23

7574

Corroborando a compreensão contemporânea do Direito por princípios, acentua Germana de Oliveira

Moraes que, “como fruto da constante e renovada relação dialética entre os Poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário, o ‘direito por regras’ do Estado de Direito cedeu lugar, no constitucionalismo contemporâneo, ao ‘direito

por princípios’”. (2004, p. 25).

A Constituição passa a ser, portanto, o paradigma interpretativo a orientar toda e qualquer “movimentação

jurídica” havida no ordenamento, seja ela endógena (processo legiferante e emanação de atos normativos) ou exógena

(interpretação e aplicação de normas e princípios). “A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição

consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo”, conforme observam J. J.

Gomes Canotilho e Vital Moreira. (apud BARROSO, 2003, p. 340, grifos do autor).

Partindo de tais premissas, as normas constitucionais recebem novo tratamento e enfoque nuclear vocacionados

à normatividade, à eficácia e à irradiação de efeitos para todo o ordenamento, efeito reverberado na concepção de

legalidade atinente à atividade da Administração Pública, cujo caminhar parte da noção de estrita vinculação ao comando

da lei, para atingir a observância do amplo espectro do Direito, isto é, da ordem jurídica informada pelas normas e

princípios constitucionais pelos quais permeada, conforme assevera Érico Andrade:

[...] a Administração e o direito administrativo, mais do que qualquer outro ramo do

direito, estão em relação essencial com a Constituição. Nesse contexto, a Administração

não pode ser entendida sem os valores constitucionais. Deve ser sempre qualificada

constitucionalmente. Chega-se a afirmar que o direito administrativo é o direito

constitucional concretizado. (ANDRADE, 2010, p. 165).

Diante de tão severas transformações, a legalidade, enquanto princípio norteador do comportamento

administrativo, não se sustenta sob as antigas bases de vinculação estrita à lei, mormente porquanto a própria

Administração veja cada vez mais ampliado o seu espectro de atuação prestacional, em detrimento da clássica atuação

de império, conforme adverte Grau:

Desnuda-se, destarte, o sentido eminentemente liberal do princípio [da legalidade], até

nossos dias preservado, na medida em que a doutrina reitera ser ele dotado do sentido

de impedir que o Executivo possa estabelecer, por ato seu, restrições à liberdade

e à propriedade dos indivíduos e que a razão mesma do Estado de Direito é a

defesa do indivíduo contra o Poder Público; e que a fórmula, por excelência,

asseguradora desse desiderato descansa na tripartição do exercício do poder.

Ignora-se inteiramente que o Estado moderno não é apenas titular de jus imperii, mas

também agente do fornecimento de prestações aos particulares. (GRAU, 2008, p. 173,

grifos do autor).

Sinteticamente esboçado o panorama evolutivo atravessado pelo princípio da legalidade, cumpre delinear com

maior proximidade cada uma das eleitas etapas integrantes do referido processo evolutivo no presente estudo, avaliando

os contornos da legalidade estrita, a extensão de seu sentido pela reorientação da interpretação constitucional a reboque

do pós-positivismo e, por fim, o ponto de chegada fincado na juridicidade.

2. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ADMINISTRATIVA

2.1 A legalidade stricto sensu: posicionamento e crítica

Conforme acentuado, a noção estrita de legalidade administrativa (fazer o que a lei determina) ainda encontra

certo conforto no cenário jus-administrativista brasileiro, fruto de compreensões sedimentadas por construções

doutrinárias que, inobstante a envergadura das contribuições que legaram ao desenvolvimento da particular área do

Direito, não estão infensas a releituras mais consentâneas à orientação constitucional ora cogente à ordem jurídica, bem

como às novas demandas da Administração Pública e do cidadão.

Hely Lopes Meirelles, ainda em 1986, sobre o princípio da legalidade administrativa, lecionara que

A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público

está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências

do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar [...].

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei.

Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública

só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa “pode fazer

assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. (MEIRELLES, 1986,

p. 61, grifos do autor).

Em que pese a precedência da colacionada lição ao próprio Texto Constitucional de 1988, sustenta-se, ainda

hoje, na literatura jurídica, a noção liberal-hermética do princípio da legalidade, noção esta presente, e. g., no magistério

de Celso Antônio Bandeira de Mello que, sublinhando os rigores do referenciado princípio, acentua:

No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de

Direito e, pois, no sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente

nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem

ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula

para que o Executivo se evada de seus grilhões. [...].

Page 39: Asa palavra 23

7776

Nos termos do art. 5º, II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”. Aí não se diz “em virtude de” decreto, regulamento, resolução,

portaria ou quejandos. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a Administração não poderá

proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada

em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer,

não lhe é possível expedir regulamento, instrução, portaria ou seja lá que ato for para

coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou

imposição que o ato administrativo venha a minudenciar. [...].

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão

o que a lei determina.

Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a

Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. (BANDEIRA DE

MELLO, 2009, pp. 102/103-105).

O desenho doutrinário ora reproduzido reverbera, ainda forte, na jurisprudência brasileira. Tome-se, por

oportuno, o Recurso Especial n.º 1.215.714 / RJ, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, cuja ementa, à guisa

de exemplo, calha ao caso:

[...] 3. “Os atos da Administração Pública devem sempre pautar-se por determinados princípios, entre os

quais está o da legalidade. Por esse princípio, todo e qualquer ato dos agentes administrativos deve estar em total conformidade com a lei e dentro dos limites por ela traçados” [...] (BRASIL, 2012).

Sem embargo da função que originariamente lhe comete, o princípio da legalidade clama, na contemporaneidade, pela revisão não só do seu espectro ou amplitude, mas também da sua seletividade, isto é, do modus que lhe orientará a incidência.

Massimo Severo Giannini (apud GRAU, 2008, p. 174) assevera que o princípio, hodiernamente, afigura-se “mais limitado num certo aspecto, porém, mais afinado em outro: atém-se à atividade administrativa enquanto esta se exprime em atos que possuem conteúdo autoritário”.

É precisamente o conteúdo da atividade administrativa o elemento crucial na definição dos contornos atribuíveis à legalidade que a deve orientar, na medida em que, conforme a natureza da ação pública, as lentes de compreensão do referido princípio serão deslocadas da vinculação estrita ao comando da lei, para a observância holística do ordenamento jurídico, aplicando-se o princípio, no segundo caso, de modo equânime quer ao particular, quer à Administração Pública.

Casos há em que o exercício de autoridade da Administração se volta à limitação da esfera dos particulares, mediante a imposição de restrições à liberdade ou propriedade do cidadão. Justifica-se, em tais casos, a observância da vinculação ao comando da lei em sentido estrito, precisamente no intento de salvaguardar o cidadão frente à atividade

“agressiva” ou de império contra ele direcionada, em franco resgate ou perpetuação da noção que originariamente

impregna o princípio da legalidade.

Com efeito, o “agir autoritário” é atividade essencial e indissociável do Estado, perseguidor e mantenedor

precípuo do interesse público. Entretanto, a atividade administrativa exorbita, em muito, os (hoje) estreitos limites do

jus imperii, cometido que está o mesmo Estado-autoridade a um infindável plexo de atividades que não se amoldam,

ou sequer demandam, o exercício daquele poder ou “força”. É o caso de toda e qualquer atuação administrativa que

não ostente interferência ou limitação direta no patrimônio jurídico do cidadão, como a atividade de programação do

Estado ou de prestação de serviços públicos em favor dos administrados.

Pretender adstringir a atuação administrativa apenas à observância de lei stricto sensu é vendar olhos para a

abissal diferença, intrínseca e extrínseca, das situações retratadas. Se a atuação estatal nunca pôde ou poderá prescindir

de certa medida de autoridade (a qual tende a se recolher ao mínimo indispensável à preservação do interesse público),

em seu detrimento, cresce a demanda por uma atuação estatal que dispensa o exercício do poder de império, voltada à

participação competitiva na economia, à atividade empresarial, à organização e estruturação de corpos administrativos

e à entrega de prestações aos cidadãos.

Neste desenvolver dicotômico das atividades administrativas, a releitura do princípio da legalidade afigura-se

como única lente capaz de corrigir a míope (porém indispensável) compreensão clássico-liberal ainda arraigada no

direito brasileiro.

Érico Andrade, resgatado a doutrina italiana, anota com particular precisão que

A reserva de lei, nesse sentido, é destacada quando se trata de regular atividade de

autoridade da Administração, que se exercita para limitar a esfera dos privados. Todavia,

desse princípio de legalidade vigente para o exercício do poder de autoridade, imperativo,

não se pode generalizar para, por meio dele, abarcar toda a atividade administrativa na

lei, ou seja, comprimir, conter, toda a atividade administrativa na lei, inclusive aquela

não-autoritária, ou ainda, por exemplo, a atividade prestacional da Administração,

desenvolvida a benefício do cidadão.

A Administração é submetida, estrita e rigorosamente, à lei nas matérias exigidas pela

constituição. [...].

A doutrina italiana, então, encontra um duplo sentido para o princípio da legalidade:

num, mais geral, quando a Administração não exerce o pode de autoridade em face

dos privados, ou seja, quando não impõe restrições e limitações aos cidadãos,

independentemente do consentimento destes, a legalidade é entendida de forma mais

genérica, como submissão da Administração a regramento prévio, que pode ser a lei, a

Constituição, a normativa comunitária, o regulamento. Trata-se, pois, de submissão da

Administração não à lei em sentido estrito, mas ao direito, à regra de direito.

O princípio da legalidade, todavia, tem outro sentido mais estrito, de submissão

da Administração à lei propriamente dita, quando se trata de exercício do poder de

autoridade, para interferir diretamente na esfera jurídica de terceiros. Nessa hipótese, sem

a anterior previsão e disciplina legal, a Administração não pode atuar autoritativamente,

Page 40: Asa palavra 23

7978

impondo comando a terceiros. [...].

Aparece, então, a distinção entre a legalidade como endereço e a legalidade como

garantia. (ANDRADE, 2010, pp. 256-257-258, grifos do autor).

A proposta conceitual vem a pleno socorro da situação enfrentada. Compreendida como garantia, a legalidade

consubstanciará a gênesis dos limites da atuação administrativa, na medida em que, agindo no exercício do poder de

autoridade e com o fito de imposição ou restrição direcionada a terceiros, a Administração deverá guardar observância

da lei em sentido estrito. Em outros termos, o comportamento administrativo gravoso à esfera do particular somente

encontrará legitimidade se respaldado em prévia previsão ou autorização legal.

A concepção estreita da legalidade atua, assim, como verdadeira garantia do cidadão em face das investidas do

Estado, relegando a atuação pública aos ditames e limites preconizados pela particular espécie normativa.

Por outro lado, a compreensão da legalidade como endereço traduz a noção de que a Administração não se

vincula, apenas e tão somente, à lei, mas a todo o ordenamento jurídico vigente e, ao fim e ao cabo, ao Direito, o que

converge necessariamente à vinculação da Administração aos preceitos constitucionais, estes verdadeiros tradutores das

demais espécies normativas componentes do ordenamento jurídico.

Tem-se, portanto, que em razão da inauguração e esgotamento dos paradigmas precedentes, cada qual em

razão de particulares entropias, o Estado de Direito fundado em valores democráticos encontra, na pós-modernidade, o

seu terreno de instalação e desenvolvimento, agregando-se aos cometimentos do antigo Estado meramente autoritário,

atividades outras para as quais a observância da legalidade estrita não se justifica.

Compreender o Estado fundado não apenas na juridicidade e controle que dimanam do constitucionalismo,

mas também na efetivação dos valores democráticos, importa superar a concepção do próprio Estado como mero

adjuvante mantenedor de liberdades negativas (roupagem há muito ida nos auspícios do liberalismo clássico), para

concebê-lo como agente de viabilização e fomento dos multifacetados projetos de vida boa alimentados pelos cidadãos.

Dada a insuficiência de vinculação da Administração ao comando da lei, bem como o alargamento do espectro

de atuação estatal, o princípio da legalidade afasta-se (porém sem deixá-la por completo) da sua concepção originária,

para ser polarizado entre aquela e o conceito de juridicidade. Qual um imã de sobressaltada potência, a “legalidade-

juridicidade” cuida de atrair, para os seu campo de aplicação, a maior parte do comportamento administrativo.

2.2 Da legalidade à juridicidade

Perscrutados os caminhos percorridos pelo princípio da legalidade, bem como os movimentos de ampliação

conceitual a ele correlatos, cumpre investigar o ponto de chegada desta caminhada, iniciada nos ditames estritos da

legalidade – concebida no âmbito do Estado liberal gendarme –, para alcançar a noção de juridicidade, vinculação da

Administração a toda a ordem jurídica e, sobretudo, à Constituição.

Maria João Estorninho, identificado a profunda alteração na ideia de legalidade já na passagem do Estado

liberal para o Estado social de Direito, anota que

[...] o princípio da legalidade sofre algumas alterações fundamentais que importa aqui

ter presentes.

A primeira dessas novas características traduz-se no facto de a ideia de subordinação

à lei ser completada ou mesmo substituída pela ideia de subordinação ao Direito [...]

significando, em bom rigor, “um princípio de juridicidade da administração”, segundo

o qual todo o Direito e, desde logo, todas as regras e princípios da ordem jurídico-

constitucional devem ser tomados em conta na actividade da Administração Pública.

(ESTORNINHO, 2009, p. 175).

Sem embargo da complexidade atinente à aplicação do princípio – em sentido estrito, à atividade administrativa

“agressiva” e, em sentido amplo, às demais atividades “não-agressivas”, constitutivas ou estruturantes, conforme se

sustenta no presente estudo –, a noção de juridicidade parece acrescer-se ao conceito de legalidade. A compreensão

não suplanta, mas, antes, agrega à ideia originária contida no princípio, a vinculação das atividades administrativas –

conforme o conteúdo – à completude do ordenamento.

Paulo Otero, traçando os contornos evolutivos jurídicos e políticos do princípio da legalidade, identifica

[...] uma via de rotura do mito da omnipotência da lei face à Administração Pública e

da consequente menoridade ou inferioridade da Constituição perante a lei no âmbito

da função administrativa: em vez da eficácia operativa das normas constitucionais estar

sempre dependente da lei na sua vinculatividade para a Administração Pública, tal

como se encontra subjacente ao pensamento liberal oitocentista, a lei deixou de ter

hoje o monopólio habilitante da actividade administrativa, registrando-se que a aplicação

da Constituição à Administração Pública e pela Administração Pública não exige

necessariamente a mediação legislativa.

Houve aqui como que um processo de autodeterminação constitucional face ao poder

legislativo nas suas relações com o poder administrativo: a Constituição emancipou-se da

lei no seu relacionamento com a Administração Pública, passando a consagrar preceitos

que, sem dependência de intervenção do legislador, vinculam directa e imediatamente as

autoridades administrativas. Compreende-se, neste preciso sentido, que se afirme [...],

que os órgãos e agentes administrativos, além de subordinados à lei, estejam também

subordinados à Constituição. (OTERO, 2007, p. 735).

Page 41: Asa palavra 23

8180

O princípio da legalidade merece, portanto, uma leitura orientada no sentido de que a Administração não se

vincula apenas à lei, mas ao ordenamento jurídico impregnado pelos preceitos constitucionais. Santamaría Pastor (2009,

p. 54, tradução nossa), particularmente quanto ao significado geral do princípio, conceitua-o como “manifestação

primeira e essencial do Estado de Direito [que] evoca a ideia de que a Administração deve atuar, em todo caso, com

sujeição ao ordenamento jurídico [...]”.

Acrescenta, ainda, o referido autor, que no contexto espanhol, a própria Constituição3 cuidou de determinar

à Administração que atue “com vinculação plena à Lei e ao Direito” (SANTAMARÍA PASTOR, 2009, p. 55, tradução

nossa, grifos do autor), a reboque do que conclui, em duas frentes, que

A Administração deve observar as leis emanadas do Parlamento, mas também todas

demais normas que integram o ordenamento jurídico: a Constituição, as normas de

Governo com força de lei [decretos legislativos], os tratados e convenções internacionais,

o costume, os princípios gerais de direito e também, naturalmente, os regulamentos [...].

Por sua vez, a plenitude de sujeição às normas refere-se à completa juridicidade da

ação administrativa, isto é, que o Direito é um parâmetro constante de toda a atuação

da Administração Pública: nada se pode fazer na Administração à margem do Direito,

que há de constituir um critério permanente (embora, evidentemente, não o único) de

toda sua atividade. (loc. cit., tradução nossa, grifos do autor).

García de Enterría e Fernández, corroborando a ampliação do espectro da legalidade, enfatizam a sua

convolação em juridicidade, decorrência da submissão da Administração a todo o ordenamento jurídico e, por fim, ao

Direito:

[...] não há no Direito espanhol nenhum “espaço franco ou livre de Lei” em que a

Administração possa atuar com um poder ajurídico e livre. Os atos e as disposições

da Administração, todos, devem se “submeter ao Direito”, devem ser “conformes” ao

Direito. O desajustamento, a desconformidade, constituem “infração do Ordenamento

jurídico” e lhes priva efetiva ou potencialmente [...] de validade.

[...] o Direito condiciona e determina, de maneira positiva, a atuação administrativa,

a qual não é valida se não atende à previsão normativa. (GARCÍA DE ENTERRÍA;

FERNÁNDEZ, 2011, p. 464, tradução nossa).

3 Cf. ESPANHA, Constituição (1978). Madri, 27 dez. 1978. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/c onstitucion/indice/index.htm>. Acesso em: 18 mar. 2013, que em seu art. 103.1., dispõe: “A Administração Pública serve com objetividade os interesses gerais e atua de acordo com os princípios de eficácia, descentralização, desconcentração e coordenação, com sujeição plena à Lei e ao Direito.”. No original: La Administración Pública sirve con objetividad los intereses generales y actúa de acuerdo con los principios de eficacia, jerarquía, descentralización, desconcentración y coordinación, con sometimiento pleno a la ley y al Derecho.

Note-se que a literatura jurídica estrangeira (conforme as visitas pontuais a autores de origem portuguesa

e espanhola empreendidas pela presente investigação), cuida de apontar para uma ressemantização do princípio

da legalidade, cuja noção essencial calcada na figura da lei, passa a mirar-se não apenas naquela particular espécie

normativa, mas no conjunto sistêmico de normas e princípios componentes da ordem jurídica, com especial destaque

para a Constituição.

O comportamento da Administração Pública volta-se, portanto, à observância plena do Direito, transmudando-

se a legalidade, enquanto fundamento e limite da atuação administrativa, em juridicidade, verdadeira diretriz de

enquadramento da Administração à Constituição e às demais fontes de direito por ela recepcionadas, ou sob sua égide

(e à sua conformidade) originadas.

Érico Andrade observa que, com o descortinar da juridicidade,

A Administração se liberta, de certa forma, da concepção tradicional, teórica, fantasiosa e

inviável da legalidade como parâmetro para todo e qualquer atuar administrativo e passa

a se submeter ao direito em geral. A legalidade passa a ser entendida, nesse aspecto,

como legalidade-endereço: o endereço, ao qual se submete a Administração, não é só

aquele da lei, em sentido estrito, mas um endereço mais amplo, do direito em geral.

A nova ideia de juridicidade acaba por redefinir o Estado, partindo-se para o Estado

Constitucional, em que o culto à constitucionalidade se sobrepõe ao da legalidade, pura

e simples. (ANDRADE, 2010, p. 259).

Com efeito, o “culto à constitucionalidade” a que alude Andrade, representa força motriz de vital importância

para a viragem no conceito de legalidade, precisamente em função da constitucionalização do direito, vivenciada pelo

fortalecimento hermenêutico e normativo dos documentos constitucionais (e, consequentemente, do constitucionalismo)

no período contemporâneo despontado na segunda quadra do século passado.

Elucidando o fenômeno referenciado – constitucionalização do direito –, Barroso orienta que

A locução constitucionalização do direito é de uso relativamente recente na

terminologia jurídica e, além disso, comporta múltiplos sentidos. [...].

A ideia de constitucionalização do direito aqui explorada está associada a um efeito

expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia,

com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os

comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a

condicionar a validade e o sentido de todas as normas do Direito infraconstitucional.

Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes,

inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. [...]

No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a

Page 42: Asa palavra 23

8382

discricionariedade e (ii) impor-lhe deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento

de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição,

independentemente da interposição do legislador ordinário. (BARROSO, 2007, p. 28,

grifos do autor).

A vivificação dos preceitos constitucionais fragiliza a assertiva, atribuída a Otto Mayer, de que “O Direito

Constitucional passa e o Direito Administrativo permanece”.4 Em verdade, o Direito Constitucional permanece como

lente de interpretação, e mais, como crivo de legitimidade da legislação infraconstitucional e de toda e qualquer

movimentação administrativa levada a efeito sob sua égide.

A Administração, nesse contexto, deve ser liberta dos estreitos grilhões da Lei para, no ordenamento jurídico

lato sensu considerado (juridicidade), encontrar terreno fértil para a emanação dos seus atos, os quais, ali germinados,

encontrarão legitimidade e esteio para operar efeitos condizentes com o paradigma democrático de Estado de Direito

preconizado pela Constituição da República.

3. CONCLUSÕES

O princípio da legalidade já não comporta, em sua conformação originária, as premências da atuação

hodiernamente levada a efeito pela Administração Pública. Se na vigência do espírito liberal oitocentista que outrora

informara o Estado de Direito, o aludido princípio era vocacionado à garantia das liberdades negativas do indivíduo

frente às investidas estatais, atualmente as novas demandas do cidadão e do próprio Estado passam a perquirir profunda

releitura daquele princípio nuclear do Direito Administrativo.

Potestade do particular para fazer tudo aquilo que não lhe seja defeso por lei, e vinculação da Administração

a fazer apenas o que a lei autorize, são conformações já insustentáveis da legalidade, divorciadas da profunda viragem

constitucional que, a reboque dos movimentos neoconstitucionalistas emergidos no pós-positivismo, cuidaram

de reorientar a compreensão do ordenamento jurídico, ora permeado e traduzido pelos preceitos constitucionais,

mergulhados que estão na normatividade e efetividade.

O princípio da legalidade, na toada de constitucionalização do direito e, principalmente, do Direito

Administrativo, atravessa verdadeira metamorfose, esquivando-se cada vez mais da concepção liberal que desde as

origens o impregnara, para admitir nova roupagem fundada na plena vinculação do comportamento administrativo não

apenas à Lei, mas a todo o ordenamento jurídico, isto é, na juridicidade.

Entretanto, a aludida metamorfose não há de transformar o princípio da legalidade por inteiro, uma vez que a

noção de juridicidade não suplanta a concepção garantística da legalidade, mas, ao revés, a ela se congrega.

Sobretudo com a viragem paradigmática do Estado social de Direito, em que do Estado se demandam medidas

4 No sentido de uma indissociável interpenetração e interdependência entre Direito Administrativo e Direito Constitucional, cf. TÁCITO apud MAFFINI, Rafael Da Cás. O Direito Administrativo nos quinze anos da Constituição Federal. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador. n. 2, p. 10, abr.-jun. 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2-ABRIL-2005-RAFAEL%20CAS%20 MAfINNI.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2013, lecionando que “[...] assim como o direito administrativo encontra suas bases no antiplano das Constituições, estas se tornarão inoperantes, como meras Cartas de Princípios, sem o socorro do direito administrativo, que fará do sonho a realidade, da norma programática a efetividade da prestação administrativa, como duas faces que se completam na concretização dos ideais de justiça e igualdade social”.

prestacionais aptas a conferir substância à igualdade formal burguesa pós-revolução, à Administração Pública não

mais é dado assegurar, apenas, a garantia de liberdades negativas, direcionando-se, ainda, a atividades outras que não

demandam, ou sequer são compatíveis ao exercício do jus imperii.

Nesse contexto, precisamente o conteúdo e os reflexos da atuação administrativa é que orientarão a amplitude

cognitiva do princípio da legalidade, a merecer leitura restritiva, na medida em que a atuação se volte à imposição ou

restrição da esfera do particular; ou ampliativa, na medida em que se volte a desideratos não gravosos ao patrimônio

jurídico do cidadão.

Ao socorro do argumento, a doutrina italiana verbera os conceitos de legalidade-garantia e legalidade-

endereço, concebida esta a vinculação da Administração ao ordenamento jurídico lato sensu considerado (e.g., leis,

atos normativos, regulamentos, decretos, tratados internacionais e, principalmente, a Constituição), e aquela, por sua

vez, à observância de lei em sentido estrito, a respaldar o atuar da Administração.

Assim, quando a atuação administrativa revelar natureza “agressiva”, impactando diretamente a esfera do

particular, mediante a restrição de direitos ou a imposição de sanções ou cominações, a observância do princípio da

legalidade orientar-se-á pela concepção hermética de vinculação à lei em sentido estrito, fazendo as vezes de verdadeira

“garantia” do cidadão frente à atuação autoritativa do Estado.

De outro modo, pode o agir administrativo se voltar a cometimentos outros que não a ingerência direta na

esfera do particular, como ocorre nas atividades de estruturação e organização da própria Administração, ou mesmo

na entrega de prestações aos cidadãos mediante a viabilização de serviços públicos. Neste cenário, em que a atuação

estatal se revele constitutiva ou “não-agressiva”, o comportamento administrativo estará “endereçado” não apenas à Lei,

mas a todo o ordenamento jurídico, informado pelas normas e princípios constitucionais.

A clivagem conceitual do princípio da legalidade (compreendido em sentido estrito como garantia do cidadão

em face das atividades administrativas que diretamente o atinjam, e em sentido alargado nos demais casos), aponta,

como sustentado, para a sua polarização interpretativa e de aplicação.

Nesse plano de forças, o campo de atração operado pela concepção de “legalidade como endereço” destaca-

se sobre a compreensão clássica do princípio, mormente em função de que, no Estado de Direito democrático pós-

moderno, a face gendarme do Estado se comprime no estreito rol de atividades imanentes à sua própria conservação

e à conservação das liberdades elementares do indivíduo, parcela (hoje) mínima do extenso plexo de cometimentos

imputados à Administração Pública, embora, frise-se, indispensável.

Em que pese a circunscrição da atuação “agressiva” do Estado ao mínimo indispensável, a Administração,

ainda aí, não se esquiva de observar a juridicidade. Em outros termos, a vinculação a todo o ordenamento jurídico e,

ao cabo, ao Direito, é premissa básica de legitimidade da atuação administrativa, sendo tal vinculação qualificada ao

patamar de legalidade stricto sensu naqueles casos em que o agir público revele-se diretamente incidente, de modo

gravoso, por sobre o cidadão.

No ponto de chegada, o princípio da legalidade recebe renovada compreensão, agregando-se ao seu conteúdo

primário a vinculação holística ao Direito e, sobretudo, à Constituição, sob cujas luzes a Administração Pública deve se

encontrar plenamente conforme o ordenamento jurídico, submetendo-se (exclusivamente) ao núcleo rígido da legalidade

apenas nas situações em que interfira autoritativamente sobre o cidadão, situações estas identificáveis mediante a

aferição da natureza da atuação e a avaliação prognóstica de seus efeitos.

Page 43: Asa palavra 23

8584

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Érico. O Mandado de Segurança: A Busca da Verdadeira Especialidade (Proposta de Releitura à Luz da

Efetividade do Processo). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional

transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

______. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o trinfo tardio do Direito Constitucional no Brasil.

Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: Nova Dimensão Jurídica. ano 23, n. 1, jan. 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo e Processual Civil. Militar. Critérios de remoção não previstos em

lei. Criação por meio de portaria. Recurso Especial (1.215.714/RJ). Recorrente: Agnaldo Dutra da Silva. Recorrida:

União Federal. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. 12 de junho de 2012. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/

revistaeletronica/ita.asp?registro=201001802765&dt_publicacao=19/06/2012>. Acesso em: 18 mar. 2013.

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

ESPANHA, Constituição (1978). Madri, 27 dez. 1978. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/constitucion/

indice/index.htm>. Acesso em: 18 mar. 2013.

ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado: Contributo para o estudo da actividade de direito privado

da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 2009.

GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. v. 1. 15. ed.

Madri: Thomson Reuters, 2011.

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 172.

KEYNES, J. M. The end of laissez-faire. Oxford: Hogarth Press, 1926. Disponível em: <http://www.panarchy.org/

keynes/laissezfaire.1926.html >. Acesso em: 18 mar. 2013.

MAFFINI, Rafael Da Cás. O Direito Administrativo nos quinze anos da Constituição Federal. Revista Eletrônica de

Direito do Estado. Salvador. n. 2, p. 10, abr.-jun. 2005. Disponível em:<http://www.direitodoestado.com/revista/

REDE-2-ABRIL-2005-RAFAEL%20CAS%20

MAfINNI.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2013.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.

OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra:

Almedina, 2007.

SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. Principios de Derecho Administrativo General. 1. v. 2. ed. Madri: Iustel, 2009.

A IMPORTÂNCIA DA TUTELA ADMINISTRATIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Kalahan Muniz de Oliveira Veloso1

Andreia Amorim Neder2

RESUMO: O presente artigo visa mostrar a evolução do consumidor ao longo dos anos, a importância de se ter uma

legislação específica que o resguarde e a necessidade de se ter uma Tutela eficaz para garantir seus direitos, impedindo,

portanto, prováveis excessos dos fornecedores.

Palavras-chave: evolução do consumidor, Código de Defesa do Consumidor, Tutela Administrativa nas relações de

consumo.

1. INTRODUÇÃO

As relações de consumo sempre fizeram parte da nossa história. Desde os primórdios existia uma relação de

troca de mercadorias entre os homens para satisfazer às suas necessidades.

Valle (2005) aborda em seu artigo:

Desde os tempos remotos nossos antecedentes praticavam algum tipo de comércio,

inicialmente ocorreu com uma troca de objetos (escambo), quase sempre em troca de

comida ou algum objeto que lhe fosse útil. Mais tarde, com a fixação do homem a terra,

este passou ter interesses, começou a visar lucro em suas transações. (VALE, 2005)

Na pré-História tudo que o homem precisava para sobreviver era produzido em sua terra.

O excedente era trocado por produtos que não tinha em sua terra, com outros grupos de

pessoas,em uma espécie de escambo. Esse sistema durou muitos séculos.

Com a evolução do homem essatroca de mercadorias cresceu e surgiu a necessidade de criar regras para

manter a ordem dessa relação de troca. Alguns produtos eram mais procurados do que outros, fazendo com que seu

valor fosse diferenciado. A partir dessa alta procura, esses produtos passaram a ter valor de moeda, servindo não só

como elemento de troca como também elemento avaliativo de valores. A exemplo dessa prática, temos o gado, o sal e

diferentes tipos de grãos. Essas mercadorias ficaram conhecidas como Moeda-Mercadoria.

1 Discente do primeiro período do Curso de Direito da Faculdade ASA de Brumadinho.2 Mestre em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara, Advogada, Professora da Faculdade ASA de Brumadinho

Page 44: Asa palavra 23

8786

Valle (2005) diz que:

As primeiras moedas de metal, tal como conhecemos hoje, surgiram na Lídia (atual

Turquia), no século VII a.C., onde o valor dessa era representado pela nobreza do metal

usado em sua confecção, como o ouro e a prata.(VALE, 2005)

As primeiras moedas surgiram com o objetivo de facilitar essa transação comercial, uma vez que seu transporte

era mais acessível do que a Moeda-Mercadoria.

2. TERMINOLOGIAS PONTUAIS NAS PRÁTICAS COMERCIAIS

2.1 Consumo

A palavra consumo deriva do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar, destruir, e do inglês

consummation, que significa somar, adicionar. (BARBOSA; CAMPBEL, 2007 p.21)

Consumo significa gastar, consumir, usar mercadorias e serviços para satisfazer as necessidades e desejos

humanos. (FERREIRA, 2010 p.193)

Para Almeida (2010, p.17) “O consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano”. Todos, desde

o nascimento, são consumidores, independentemente de classe social. O consumo acontece por vários motivos, indo

desde a necessidade de sobrevivência até o consumo pelo simples desejo de possuir algo.

O consumo é um fenômeno sociocultural. É influenciado por diversos fatores como a participação do

consumidor, campanhas publicitárias cada vez mais envolventes e o aumento da oferta de produtos.

O consumo é primordial para a economia. Concretiza a satisfação de determinada demanda através da

utilização de determinado bem.

2.2 Relação de Consumo

A relação de compra e venda de produtos ou prestação de serviços entre consumidor e fornecedor configura

relação de consumo.

As relações de consumo são bilaterais, ou seja, de um lado está o fornecedor, representado pelo fabricante,

produtor, comerciante ou prestador de serviços, e do outro lado o consumidor. (ALMEIDA, 2010, p. 17,18)

Nos últimos tempos houve um enorme crescimento das relações de consumo. Isso fez com que a hipossuficiência

do consumidor, ou seja, a vulnerabilidade em relação ao fornecedor fosse percebida, o que culminou na necessidade de

proteção jurídica do consumidor. (ALMEIDA, 2010, p 18,19)

2.3 Consumidor

Consumidor é qualquer indivíduo que adquire um bem ou serviço em benefício próprio ou de outrem.

Do ponto de vista econômico, consumidor é o destinatário de bens e serviços, seja para uso próprio ou na

intermediação para repasse a outros fornecedores. (FILOMENO,2004, p.34)

Do ponto de vista psicológico, consumidor é o indivíduo sobre o qual estudam as reações que o mesmo tem

em relação aos bens e serviços, com o intuito de individualizar os critérios para a produção a fim de atender de forma

eficiente as necessidades do consumo. Nesse aspecto, o objetivo é investigar as circunstâncias subjetivas que levam esse

consumidor a escolher determinados produtos ou serviços. (FILOMENO,2004, p.34,35)

Do ponto de vista sociológico, consumidor é qualquer indivíduo de uma determinada classe social, que se

utiliza de bens e serviços. Nesse sentido a melhor qualidade de vida é evidenciada pelo consumo dos bens e serviços

de melhor qualidade, proporcionado por um bom poder aquisitivo. (FILOMENO,2004, p.,35)

O consumidor pode ser classificado como individual, ou seja, quando ele consome os bens e serviços

unitariamente como, por exemplo, compra de artigos domésticos, ou coletivo, que é quando esse consumidor é

representado por um grupo de pessoas, como por exemplo casos de recall de determinados veículos, onde todos os

compradores são beneficiados.

2.4 Recall

A palavra recall é de origem inglesa e significa “chamar de volta”. Quando o fornecedor vê a necessidade

de informar ao consumidor a existência de riscos provocados pelo uso do produto comercializado, ele vem a público

informar sobre esse risco e, ao mesmo tempo, se disponibilizar a recolher o produto e solucionar o vício em questão.

(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA)

No Brasil, o recall começa a funcionar após a edição da Lei n. 8.078/90, que criou o Código de Defesa do

Consumidor. (NUNES, 2009, p. 164)

Através desse instrumento, o fornecedor procura impedir, ainda que tardiamente, que o consumidor sofra com

prováveis danos ou perdas provocados pelos vícios dos produtos comercializados por ele. (NUNES, 2009, p. 164)

O recall é mais utilizado em produções em série, como fabricação de automóveis, brinquedos,

medicamentos, etc.

2.5 Comércio

O termo comércio origina do latim “commercium”, e refere-se à troca voluntária de produtos e serviços entre

produtores e consumidores, com o objetivo de colocar em circulação produtos, objetivando o lucro. (ACQUAVIVA,

2014, p. 122)

Page 45: Asa palavra 23

8988

O comércio pode ser formal, ou seja, fornecedores legalmente estabelecidos, registrados e que contribuem

com os impostos devidos, ou informal, que são fornecedores não registrados, que não recolhem impostos.

O comércio informal acarreta grande prejuízo na economia do país, uma vez que este comércio trabalha com

produtos falsificados e contrabandeados, o que, além de impedir o crescimento da economia, pode causar danos à

saúde de quem consome tais produtos, já que os mesmos não passam por nenhum controle de qualidade. (INSTITUTO

LEGISLATIVO BRASILEIRO)

2.6 Fornecedor

A palavra fornecedor deriva do francês “fournir” que significa fornecer, prover. Engloba toda pessoa ou empresa

que abastece algo a outra empresa ou comunidade. (FILOMENO,2004, p.,51)

O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, dispõe que:

Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,

bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990, p. 792)

Define-se por fornecedor todo aquele que, mesmo sem personalidade jurídica, fornece bens e serviçosao

consumidor, mediante remuneração, independentemente desses bens e serviços serem produzidos ou montados,

importados ou exportados, distribuídos ou comercializados ou que sejam prestação de serviços públicos ou privados.

2.7 Produto

Produto é todo bem durável ou não durável, que se possa usar, comprar ou experimentar. É tudo que resulta

do processo de produção ou fabricação. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 69)

Bens duráveis são os que geralmente sobrevivem a muitos usos. São bens tangíveis, feitos para durar, como

por exemplo, refrigerador. Os bens duráveis, entretanto, não são eternos, eles se desgastam ao longo do tempo devido

ao uso.(CAVALIERI FILHO, 2010, p. 69,70)

Bens não duráveis são os que são consumidos em pouco tempo de uso, como por exemplo produtos

alimentícios. São bens tangíveis que acabam ou desaparecem com o uso regular. (CAVALIERI FILHO, 2010, p.70)

2.8 Serviço

Entende-se por serviço qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, como

serviços bancários, financeiros, etc. Essa remuneração pode ser direta, através de uma contraprestação, ou indireta, ou

seja, quando o fornecedor recebe vantagens indiretas.(SANSEVERINO, 2002, p. 124,125)

Remuneração direta é aquela que o consumidor efetua uma remuneração ao fornecedor pelo serviço ou

produto prestado, tornando o fornecedor responsável por todos os riscos que sua atividade possa produzir. (OLIVEIRA,

2014, p. 118)

Remuneração indireta parte de um pressuposto de que toda atividade do fornecedor objetiva vantagem

econômica. Engloba as atividades que têm falso caráter “gratuito”, como brindes, milhagens, prêmios e transporte de

idosos acima de 65 anos. (OLIVEIRA 2014, p. 118).

Os serviços públicos também estão sujeitos às regras do consumo já que o art. 22 do CDC dispõe que

“os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de

empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

(BRASIL, 1990, p. 792)

Os danos causados ao consumidor provenientes de defeitos na prestação de serviços públicos, como

fornecimento de água e energia, deverão ser ressarcidos. (SANSEVERINO, 2002, p. 126)

3. A EVOLUÇÃO DO CONSUMIDOR E SEUS DIREITOS

3.1 A evolução histórica do consumidor no mundo

O ser humano sempre consumiu produtos e serviços visando a sua sobrevivência, como, por exemplo, caça,

pesca e a troca de mercadorias que acontecia desde os primórdios da civilização, mas o direito do consumidor só foi

considerado como disciplina jurídica a pouco tempo.

O crescimento do consumo massificado de produtos e serviços como o que se tem hoje, foi o fator determinante

que gerou a preocupação em se criar uma legislação protetiva que resguardasse o consumidor desprotegido diante das

novas situações advindas desse crescimento, como por exemplo abusos praticados pelos fornecedores. (SANSEVERINO,

2002, p. 13)

O primeiro registro de uma legislação que tinha por objetivo regulamentar a relação de consumo é o Código

de Hamurabi (2.300 a.C.), que era um conjunto de leis que incorporava, dentre outras, a famosa Lei de Talião (olho por

olho, dente por dente).

Esse Código estabelecia que aresponsabilidade de supervisão dos negócios realizados eram do Palácio, uma

vez que era a instituição máxima da época, e as punições aplicadas por seus representantes eram severas, como, no caso

de desabamento com vítimas fatais, o empreiteiro, além de refazer a construção, era punido com sua morte, no caso do

Page 46: Asa palavra 23

9190

referido desabamento ter vitimado o chefe da família, ou, no caso de morte de outro membro dessa família, morreria

o membro correspondente na família do empreiteiro, ou seja, se morresse o filho do contratante, morreria o filho do

contratado e assim sucessivamente. (KOSTESKI, 2004)

Na Índia, no século XIII, O Sagrado Código de Manu, previa multa e punição, além de ressarcimento dos

danos causados aos consumidores, àqueles que adulterassem gêneros (Lei 697), ou seja, adulterassem o que era

ofertado para consumo, ou entregassem alguma coisa inferior à combinada ou vendessem bens da mesma natureza por

preços diferentes (Lei 698).

A busca por proteção ao consumidor sempre foi perseguida, conforme comenta Newton de Lucca (2008):

Sempre houve, ao longo dos tempos, numerosas manifestações voltadasà proteção dos

consumidores, desde o direito romano. Mas, tratava-se de algo isolado, fragmentado

e anódino, sem nenhuma relação com a realidade do poder econômico dos agentes

produtores, como efetivamente ocorreu a partir da década de 60. (LUCCA, 2008, p.48)

No Império Justiniano (527-565 d.C.), os vendedores eram responsáveis pelos vícios dos produtos, ou seja,

eram responsáveis por algum problema no produto comercializado por eles, que dificultasse o seu uso ou consumo,

mesmo se os desconhecessem. A boa fé do consumidor era o norte utilizado nas ações de ressarcimento dos valores

pagos, ocasionados pelos referidos vícios. O fornecedor ficava a mercê do consumidor, não tendo nenhuma defesa caso

o consumidor fosse desonesto. Se o vendedor tivesse ciência do vício, a devolução passava a ser o dobro do valor

recebido anteriormente por ele, uma vez que, por ter concretizado a venda mesmo sabendo do vício, configurava má

fé de sua parte.

Já no período romano clássico (130 a.C-230 d.C.), os vendedores eram responsáveis pelos vícios dos produtos

desde que ele tivesse ciência do mesmo. Existia em Roma diversas leis que asseguravam a intervenção do Estado no

comércio, visando garantir direitos iguais a todos, conforme menciona Prux (1998):

No período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais

como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais

abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal

distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano de 270 da nossa era, determinando

que fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado.(PRUX, 1998, p. 79)

Na França de Luiz XI, em 1481, quem vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso

ou misturasse água no leite para aumentar os lucros, eram punidos com banhos escaldantes. Essa prática procurava

defender o consumidor dos possíveis atos enganosos da época.

Os primeiros movimentos pró-consumidor surgiram no final do século XIX e início do século XX nos países

que estavam em franco desenvolvimento industrial, como a França, a Alemanha, a Inglaterra e, principalmente os

Estados Unidos da América.

Em 1890, o governo dos Estados Unidos da América, durante o Movimento progressista, que foi um

movimento de reforma ocorrido durante a Reconstrução após a Guerra Civil Americana e a entrada dos Estados

Unidos da América na primeira Guerra Mundial, fez a primeira tentativa de limitar a concorrência das empresas através

da edição da Lei Sherman Antitruste.Essa Lei tinha como objetivo reprimir as fraudes no comércio, além de práticas

desleais, como o cartel de preços, que é quando as empresas se unem para determinar os preços e as condições do

mercado, eliminando a concorrência e elevando os preços,enquanto que o monopólio, consagra-se quando a oferta de

mercadoria ou serviço é controlada apenas por um grupo.O acusado de praticar essas fraudes e as práticas desleais era

julgado por delito de ofensa, e poderia ser condenado em penas de multa ou prisão. (FERREIRA, 2010, p.145,515)

Mas a Lei Sherman não foi de fato aplicada e em 1914 foi criado a Federal Trade Commission e a Lei Clayton

antitruste com o objetivo de proteger efetivamente o consumidor.

A Lei Clayton tratava de práticas de concorrência desleal, como discriminação de preços, contratos de

exclusividade, aquisição de empresas ou parte delas com o objetivo de criar monopólio, e ainda pessoas que pertenciam

ao Conselho administrativo de empresas concorrentes. (SANTOS,2008)

A Federal Trade Commissiontinha como objetivo principal aplicar as leis antitruste e defender os interesses

do consumidor. Era dotada de amplo poderes investigatórios e tinha acesso a todos os documentos e livros contábeis.

Destacava-se na investigação de fraudes que envolviam propaganda enganosa. (ALMEIDA,2010, p. 23,24)

Em 1891 Josephine Lowell criou a New York ConsumersLeague, uma associação de consumidores que

tinha por objetivo a luta por melhores condições de trabalho e contra a exploração do trabalho feminino em fábricas

e comércio. Essa associação elaborava “listas brancas” que continham nomes dos produtos que os consumidores

deveriam preferencialmente escolher, já que as empresas que o produziam e comercializavam respeitavam os direitos dos

trabalhadores, como salário mínimo, carga horária razoável, condições básicas de higiene, dentre outros. (CAVALIERI

FILHO, 2010, p. 4)

Em 1899 Florence Kelley reuniu as associações de Nova York, Boston, Chicago e Filadélfia para criar a Liga

Nacional dos Consumidores com o objetivo de proteger as mulheres e crianças nas fábricas de algodão, utilizando a

força dos consumidores mais voltadas para uma causa social do que para defesa de bons produtos. (CAVALIERI FILHO,

2010, p. 4,5)

Em 1906 Upton Sinclair publica o Romance socialista intitulado “A Selva” que descreve de forma detalhada

as condições de fabricação dos embutidos de carne e o trabalho dos empregados nos matadouros de Chicago, expondo

os perigos e as precárias condições de higiene que afetavam tanto os trabalhadores quanto a qualidade do produto

final. Essa obra repercutiu tanto que décadas de resistência foram vencidas e o então Presidente Roosevelt, sancionou a

primeira lei de alimentação e medicamentos, a PureFoodandDrugAct- PFDA, em 1906, e da lei de inspeção da carne,

a meedInspectionAct, em 1907. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 5)

A lei de alimentação e medicamentos proibia a comercialização de alimentos, bebidas e drogas adulteradas.

(SILVA, 2003)

A lei de inspeção de carne estabelecia que as embalagens que acondicionavam os produtos deveriam constar

a identificação do seu conteúdo. (COSTA, 2011)

Somente na década de 60 que o consumidor é efetivamente reconhecido como sujeito de direitos específicos

Page 47: Asa palavra 23

9392

tutelados pelo Estado. Em 15 de março de 1962, o então Presidente norte americano John Kennedy fez um

pronunciamento ao Congresso, onde enumerou os Direitos do Consumidor que iriam desde estabelecer segurança dos

bens e serviços para o uso a prática de preços justos, o que foi grande desafio para o mercado.

Para o Presidente Kennedy o direito à saúde traduzia-se basicamente na proteção dos consumidores contra a

venda de produtos que poderiam causar risco à saúde ou à vida.(CAVALIERI FILHO, 2010, p. 5)

Em 1973, em sua 29ª sessão, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas - ONU reconheceu os

direitos fundamentais do consumidor, como segurança, integridade física, informação e respeito à dignidade humana,

assegurando que esses direitos se tratavam de um direito humano, social e econômico, de igualdade do mais fraco,

ficando resguardado das relações desleais frente aos fornecedores. Nesse mesmo ano, a Assembleia Consultiva do

Conselho da Europa elaborou a Carta de Proteção do Consumidor, através da resolução nº 543, que traçava as diretrizes

básicas para a prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 6)

Em 1985 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU,após dois anos de negociações

com o Conselho Social e Econômico, editou a resolução n. 39/248 de 10-04-1985, sobre a proteção do consumidor,

adotando uma série de diretrizes que tinham por finalidade guiar os países, especialmente aqueles em desenvolvimento,

a fim de que as utilizassem na elaboração ou no aperfeiçoamento das normas e legislações de proteção ao consumidor.

(CAVALIERI FILHO, 2010, p. 6)

As diretrizes arroladas na resolução n. 39/248 tinham como objetivo: ajudar os países fornecer uma

proteção adequada à sua população como consumidores; facilitar a produção e distribuição de padrões de respostas

para as necessidades e desejos de consumidores; encorajar a ética aqueles encarregados da produção e distribuição

de mercadorias e serviços para os consumidores; ajudar os países a coibir práticas comerciais abusivas em todos os

negócios nos níveis nacionais e internacionais que poderiam afetar os consumidores; facilitar o desenvolvimento de

grupos de consumidores independentes; incentivar a cooperação internacional no campo de proteção ao consumidor;

encorajar o desenvolvimento de condições de mercado as quais proporcionem aos consumidores uma maior opção de

escolha a preços mais baixos. (FILOMENO, 2004, p. 27,28)

As diretrizes arroladas na resolução n. 39/248 propiciou o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor

em face do fornecedor, o que levou os países, principalmente os em desenvolvimento, a fortalecer suas políticas de

proteção ao consumidor, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.

3.2 Consumidor no Brasil: Marco histórico

Por mais de 300 anos, período compreendido entre o século XVII até o ano de 1822, as Ordenações Filipinas,

publicadas em 1603, regeu o Ordenamento Jurídico Privado no Brasil. (VIEGAS; ALMEIDA, 2011)

No Livro V das Ordenações Filipinas, é possível encontrar uma norma de proteção ao consumidor, ainda que

indireta, onde punia quem praticasse a usura (juros exorbitantes), com degredo para a África, ou seja, ele era banido

para a África. Outra punição dispunha que se a pessoa falsificasse qualquer mercadoria e se a falsificação valesse um

marco de prata, o falsificador deveria pagar com a morte. (VIEGAS; ALMEIDA, 2011)

As Ordenações Filipinas são uma compilação jurídica, fruto da união das Ordenações Manuelinas com as leis

extravagantes em vigência. (MACIEL, 2006)

As Ordenações Filipinas, juntamente com outras leis e decretos promulgados pelos reis de Portugal até 26 de

abril de 1821, foram mantidos em vigor pela Lei Imperial de 20-10-1823 e só foram revogados em 1-1-1917, com o

surgimento do primeiro Código Civil Brasileiro. (VIEGAS; ALMEIDA, 2011)

No Brasil, a preocupação com as relações de consumo surgiu a partir das décadas de 40 e60, quando foram

criadas leis para regulamentar o consumo. Dentre estas leis estão a Lei 1221/51, denominada lei da economia popular,

a Lei Delegada n. 4/62, que dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição

de produtos necessários ao consumidor, a Constituição de 1967, ementa n. 1 de 1969 que consagrou a defesa do

consumidor. (VIEGAS; ALMEIDA, 2011)

Foi apenas em 1990 que o Congresso Nacional elaborou a Lei 8.078 de 11-9-1990, conforme orientação de

nossa Carta Magna, criando o Código de Defesa do Consumidor, em vigência até os dias atuais.

4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUAS PRINCIPAIS MUDANÇAS

Desde que entrou em vigência em 11-3-1991, o Código de Defesa do Consumidor foi alterado através de Leis

e Medidas Provisórias, com o intuito de assegurar cada vez mais os direitos do consumidor. (ALMEIDA, 2010, p. 27)

A primeira alteração foi a Lei n. 8.656, de 21-5-1993, que alterou a redação do art. 57, determinando

que o Poder Executivo regulamentasse as sanções administrativas, que vão desde uma simples multa, interdição do

estabelecimento até a intervenção administrativa, em 45 dias e atualizasse o valor da multa periodicamente, respeitando

os critérios vigentes à época. (ALMEIDA, 2010, p. 27,28)

A segunda alteração foi a Lei n. 8.703, de 6-9-1993, que determinava que a multa não seria inferior à

duzentas e nem superior à três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), que é um fator de

correção dos impostos no Brasil, ou à um índice equivalente que o substituísse. “O valor mínimo passava ser duzentos

e não trezentos e o BTN – Bônus do Tesouro Nacional foi substituído pela Ufir”. (ALMEIDA, 2010, p. 28)

A terceira alteração foi a Lei n. 8.884, de 13-6-1994, que alterou o art. 39 do CDC, incluindo nas práticas

abusivas a recusa de venda de bens ou prestação de serviços mediante pronto pagamento, exceto nos casos de

intermediação de leis especiais (inc. IX) e elevação dos preços sem um motivo plausível (inc. X). Essa Lei transforma o

Conselho Administrativo de defesa Econômica – CADE, em autarquia e altera também a Lei n. 7.347/85, art. 1º, V, e

5º, II. (ALMEIDA, 2010, p. 28)

O consumidor passa a ter o direito de adquirir o produto, por um preço justo e impede o fornecedor de ofertar

o seu produto, mediante o pronto pagamento pelo consumidor.

A quarta alteração foi a Lei n. 9.008, de 21-3-1995, que criou o Conselho Federal Gestor de Fundo de

Defesa dos Direitos Difusos, CFDD, com a finalidade de gerir o Fundos de Defesa de Direitos Difusos (FDD), e incluiu

como prática abusiva “deixar de especular prazo para cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação do seu termo

inicial a seu exclusivo critério.” (art. 39, inc. XII). (ALMEIDA, 2010, p. 28)

Page 48: Asa palavra 23

9594

O fornecedor, a partir dessa alteração, fica obrigado a informar o consumidor da data efetiva da entrega do

produto ou serviço, propiciando a ele ao consumidor o direito de concordar ou não com o prazo estabelecido.

A quinta alteração foi a Lei n. 9.298, de 1-8-1996, que estipulava, através da mudança do art. 52 do CDC, que

as multas de mora, que é uma taxa percentual sobre o atraso de pagamento de um título de crédito em um determinado

período de tempo, advindas da inadimplência, não poderia ultrapassar 2% (dois por cento) do valor da prestação.

A sexta alteração foi a Lei n. 9.870, de 23-11-1999, que inseriu como prática abusiva no art. 39 do CDC a

“aplicação de índice ou fórmula de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.” (inc. XI). Foram reconhecidas

como legítimas as associações representativas, como associações de alunos, de pais de alunos e responsáveis, que tinham

como propósito garantir os direitos dos consumidores previstos no CDC. (ALMEIDA, 2010, p. 28)

A sétima mudança foi a Lei n. 11.785, de 22-9-2008, que determinava que os contratos de adesão, que é

o contrato redigido somente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu

conteúdo, fossem redigidos de forma clara e objetiva, com caracteres ostensivos e legíveis, cuja fonte (tamanho) mínima,

utilizada nos contratos seria corpo 12, para facilitar a leitura do consumidor e consequentemente não induzi-lo ao erro.

(ALMEIDA, 2010, p. 29)

A oitava alteração foi a Lei n. 11.989, de 27-7-2009, que acrescentou ao art. 31 do CDC o parágrafo único

que determinava que as informações contidas em produtos refrigerados deveriam ser gravadas de forma indelével, ou

seja, não poderiam apagar ao serem refrigeradas. (ALMEIDA, 2010, p. 29)

Dois decretos, em termos de legislação complementar, foram editados para garantir a efetiva implementação

do Código de Defesa do Consumidor. O primeiro foi o Decreto n. 2,181, de 20-3-1997. Que estabelecia as normas

gerais da aplicação das sanções administrativas, previstas no CDC, revogando o Decreto n. 861, de9-7-1993. O

segundo foi o Decreto n. 1.306, de 9-9-1994, que regulamenta o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e dispõe sobre

sua finalidade, definição dos recursos, composição e competência do Conselho Gestor, além de outras providências.

Com a criação desse Decreto, foi revogado o anterior, o Decreto n. 407, de 27-9-1991, por se tratar do mesmo

assunto. (ALMEIDA, 2010, p.29).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tutela nas relações de consumo é perseguida desde os primórdios da civilização. Sempre se buscou leis que

propiciasse a defesa do consumidor em face dos fornecedores. As punições para as desigualdades nessa relação, na

idade antiga, eram, muitas vezes, extremas. Quem buscasse obter vantagens nessa relação de consumo, eram punidos

com mutilações e, muitas vezes, pagavam com a própria vida.

O Estado, no período clássico romano, intervia no comércio, aplicando leis protetivas, que lhe dava direito a

distribuir cereais abaixo do preço de mercado, priorizando indigentes, objetivando garantir direitos iguais a todos.

A criação do Código de Defesa do Consumidor foi um marco importante na nossa história, pois promoveu

um fortalecimento da relação de consumo, mostrando que o consumidor, parte hipossuficiente nessa relação, não está

desamparado pela lei.

A vida moderna é regida pelas relações de consumo. Os contratos estão presentes na vida da população

todo o tempo. Do despertar ao adormecer existem contratos para se cumprir. Isso se tornou uma exigência do mundo

moderno, daí a necessidade de se ter leis que garantam direitos e deveres de seus usuários.

Com a Criação do Código de Defesa do Consumidor, foi inserido na Constituição Federal a defesa

do consumidor como um dos direitos fundamentais do homem. A obrigação do Estado em tutelar o direito do

consumidor é primordial para garantir o equilíbrio nas relações de consumo. Essa tutela, seja individual ou coletiva,

garante que os direitos básicos do consumidor sejam respeitados pelos fornecedores, impedindo abusos por eles

praticados anteriormente.

Hoje a tutela administrativa é bem difundida no Brasil. O consumidor conta com órgãos administrativos que

o auxiliam na busca de ter seus direitos garantidos, como PROCONS, Juizados Especiais Cíveis e Delegacias de Defesa

do Consumidor. Nesses órgãos, o consumidor, conta com serviços de informações, esclarecimentos, além de contar

com todo um suporte jurídico que lhes garantam a solução de sua demanda mais justa possível. As relações de consumo

são mais saudáveis, uma vez que tanto o consumidor, parte hipossuficiente nessa relação, como o fornecedor, parte

que depende da boa-fé do usuário de seus produtos e serviços, têm seus direitos garantidos por lei e, com isso, o

desenvolvimento econômico tornou-se cada vez mais dinâmico, em conformidade ao Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 9 ed. São Paulo: Método, 2014

ALMEIDA, João Batista de. A proteção Jurídica do Consumidor. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ANDRADE, Priscilla Guimarães. O acesso à Justiça: A efetividade dos Juizados Especiais Cíveis. Ago 2013. Disponível

em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=11523>. Acesso em 21 abr 2015.

BARROSO FILHO, José. A Tutela penal das relações de consumo. Salvador. jun 2007. Disponível em: <http://www.

direitodoestado.com/revista/REDE-10-ABRIL-2007-JOSE%20BARROSO.pdf>. Acesso em 21 abr 2015.

BENJAMIM, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do

Consumidor. 4 ed. Ver. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL, Código do Consumidor (1990). IN: CURIA, Luiz Roberto; CÉSPEDES,Lívia; NICOLETTI, Juliana. Vade

Mecum Saraiva, 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2010.

COSTA, Leopoldo. Exploração do trabalhador nos matadouros de Chicago. Out 2011. Disponível em:<http//

strsvaganza.blogspot.com.br/2011/10/condições-dos-matadouros-de-chicago>. Acesso em: 06 abr 2015.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa.8 ed. Curitiba: Positivo, 2010.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor.7 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

Page 49: Asa palavra 23

9796

INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO. A responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. Disponível em: <http//

saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=17651>. Acesso em: 15 mar 2015.

KOSTESKI, Graciele. A história das relações de consumo. 2004. Disponível em:<http://www.direitonet.com.br/artigos/

exibir/1769/A-historia-das-relacoes-deconsumo. Acesso em: 06 abr 2015.

LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

MACIEL, José Fábio Rodrigues. Ordenações Filipinas: considerável influência no direito brasileiro. 04 set 2006.

Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/ordenacoes-filipinas--consideravel-influencia-no-

direito-brasileiro/484. Acesso em 07 abr 2015.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/saude-e-seguranca/

o-que-e-recall>. Acesso em: 19 Abr 2015.

OLIVEIRA, Júlio Mores. Direito do Consumidor Completo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014.

PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade Civil do Profissional Liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo

Horizonte: Del Rey, 1998.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do Fornecedor. São

Paulo: Saraiva, 2002.

VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; ALMEIDA, Juliana Evangelista de. A historicidade do Direito do Consumidor.

jul 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=9820&n_link=revista_artigos_

leitura>. Acesso em: 22 fev 2015.

Resiliência no âmbito do profissional de Direito Criminal

Marina PachecoTeles1

Taisse June Barcelos Maciel Romano2

Thayne Silva Vieira3

Resumo: A definição da compreensão autêntica de resiliência tem permeado cada vez mais nos ambientes profissionais.

Literatos diversos sustentam que as teorias acerca da capacidade individual de superar adversidades de vida podem

abalar as bases do positivismo de um profissional que atua sob pressão psicológica. O presente trabalho tem o objetivo

de conduzir um ensaio considerando as avaliações primorosas já realizadas sobre a representação legítima, em especial,

de Paula Berrett, Sabbag e Fribog. Avesso à intenção de induzir a sociedade no curso de se apresentar uma visão

vitimizada do advogado criminalista, este trabalho objetiva sustentar o debate feito no estudo de caso- Resiliência e

controle de estresse em juízes e servidores públicos no Brasil- pelo Boletim Academia Paulista de Psicologia (2009).

Procuraremos demonstrar como o conceito de resiliência revela lacunosidade do eixo comportamental da Psicologia

dentro da temática aqui descrita, e salientar como essa oportunidade de estudo pode ser um elemento de progresso

para a Psicologia e o Direito. Pretendemos revelar nessa discussão sobre como o protótipo educacional e a edificação de

hábitos que alicerçam um comportamento assertivo ao advogado da área penal e o desenvolvimento de sua resiliência,

que a temática parece merecedora de uma investigação mais detalhada.

Palavras-chave: resiliência, comportamento, advogado criminalista.

1. INTRODUÇÃO

Constantemente, as pessoas se deparam com as alterações do comportamento humano decorrentes das

próprias escolhas, que podem acarretar uma série de consequências, tais como ansiedade, estresse e depressão.

Afere-se que, durante a vida, 51,2% das mulheres e 60,7% dos homens vivenciam ao menos um episódio

de vigor traumático (Peres, Mercante & Nasello, 2005). Todavia, atualmente compreende-se que situações de

comprometimentos severos não determinam, por si só, uma progressão de vida abalada.

No âmbito profissional não é diferente. Os valores e comportamentos estão difundidos na ética, sendo estes

uma complementação para a aquisição ou o desenvolvimento da resiliência. Por meio desta característica, entende-se

que os acontecimentos em si não são os grandes causadores dos problemas, mas uma forma com que a situação é

percebida pelo sujeito que processa os fatos como um desafio para o autoconhecimento.

Discorrer sobre resiliência é algo novo no campo da psicologia, mas que de fato introduz uma significável

1 Psicóloga pela Universidade FUMEC, MG- Especialista em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral, MG- Especialista em Terapias Cognitivas pelo Instituto WP, RS- Ouvidora e Coordenadora do Núcleo de Apoio ao Discente na Faculdade ASA de Brumadinho.2 Graduada em Direito pela Faculdade ASA de Brumadinho- Mestranda em Proteção dos Direitos Fundamentais- Advogada- Professora de cursos técnicos na Faculdade ASA de Brumadinho.3 Bacharelanda em Direito e bolsista no projeto FAPEMIG pela Faculdade ASA de Brumadinho.

Page 50: Asa palavra 23

9998

contribuição ao campo do comportamento humano. “Os estudos sobre o tema datam de menos de trinta anos e as

definições não são tão precisas, mas em geral salientam os processos de enfrentamento e de superação de crises e

adversidades.” (POLETTO; KOLLER, 2006, p.12).

Inúmeros estudos que abordam o prazer e sofrimento no trabalho, bem como seus desdobramentos

psicossomáticos, declaram existir consequências da raiz do trabalho sobre o psíquico do colaborador. Segundo Sobagg

(2012), a resiliência pode ser aprendida mediante esforço disciplinado, seja em indivíduos, organizações ou sociedades.

Infere-se a existência de ideias equivocadas a respeito do profissional do direito que lida com crimes e uma

espécie de julgamento velado deste profissional na luta pelos direitos fundamentais de seu cliente e, que não raras vezes,

pode ser considerado um delituoso.

A dinâmica do trabalho, para Vieira et al (2013, p.270), interfere na vida do colaborador, visto que o trabalho não se resume simplesmente à relação empregatícia, mas sim [...] “no trabalhar, ou seja, um modo específico de envolver

a subjetividade, o próprio corpo, e o modo de exercer o trabalho real em face do prescrito”.

Neste sentido, o profissional do direito criminal também é susceptível a adoecimentos. Lidar com esta área

exige pulso firme e é necessário saber tratar com os sentimentos e emoções.

Atualmente, o indivíduo influenciado pelos meios de comunicação, sob o ensejo de que se está cravando uma batalha pela categórica aplicação do direito e por uma coletividade justa, parece estar tentado a sentimentos de injustiça,

desconfiança e aversão para com o advogado criminal, que passa, pois, a ser tratado com descrédito. Estes sentimentos podem alcançar além do contexto profissional do advogado criminalista, estendendo-se à sua vida privada.

Há diversos fatores que dificultam o exercício da profissão pelo advogado, tais como prazos fatais, quantidade

de processos e jurisprudências mas, especialmente, a ideia de defesa dos contraventores e o preconceito sofrido, gerando desgaste no desempenho deste importante papel de defesa do indivíduo. Denota-se, portanto a importância da resiliência a estes profissionais criminalistas às diversas situações relatadas e por eles vivenciadas.

Nesse contexto, o artigo se propõe a discutir a resiliência, buscando na produção científica o suporte para a

análise da sua importância no âmbito do profissional de direito criminal.

2. RESILIÊNCIA

A Resiliência é uma forma em que o ser humano diante dos acontecimentos da vida consegue superar e se reestabelecer sobre as adversidades vivenciadas e também a aprender a lidar com situações de extremo estresse.

Tornar-se psicologicamente imune ou não sucumbir-se às violências de outros seres humanos são diálogos

oriundos de uma diversidade de obras. A resiliência costuma ser classificada por vertentes de “suporte social” e “habilidade” ou possibilidade do indivíduo, forças internas relacionadas aos traços de personalidade e temperamento.

Resiliência é uma abordagem teórica de um conceito extraído da física e muito usado pela engenharia e que representa a capacidade de um sistema de superar o distúrbio imposto

por um fenômeno externo e inalterado. Do Houaiss- Dicionário da língua Portuguesa – é a propriedade de retornar à forma original após ter sido submetido a uma deformação ou

de se readaptar à má sorte, às mudanças (do latim resilientiae, part. Pres. Pl. neut. De

resiliere, “recusar vivamente”). (ANTUNES, 2003).

Cada indivíduo se determina como é ou como deseja ser visto. “A vida consiste, pois, numa organização

provisória e funcional, que pode ser modificada pelas circunstâncias.” (BRISSON; PREDEAU, 2010, p.76).

Todos os indivíduos desenvolvem capacidades de enfrentamento perante acontecimentos indesejáveis, mas pode acontecer de muitas delas não saberem lidar com eficácia diante do momento em questão. “Resiliência não é uma

característica fixa, ou um produto, pode ser desencadeada e desaparecer em determinados momentos da vida, bem

como estar presente em algumas áreas e ausente em outras.” (POLETTO; KOLLER, 2008, p. 408).

Nas palavras de Pinheiro (2004):

Consideramos a palavra resiliência a partir da origem etimológica. Do latim resiliens, significa saltar para trás, voltar, ser impelido, recuar, encolher-se, romper. Pela origem inglesa, resilient remete à ideia de elasticidade e capacidade rápida de recuperação.

A compreensão para a formação de resiliência é basicamente o conjunto do social(relação interpessoal) e o

processo intrapsíquico (intrapessoal) que possibilita o desenvolvimento de uma vida sadia, independente do ambiente ser saudável ou não.

3. O PROFISSIONAL DE DIREITO CRIMINAL E A ÉTICA

O Direito Penal, segundo Nucci (2012, p.25) “é um conjunto de normas jurídicas voltada à fixação dos limites

do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes

à sua aplicação”. Nesse contexto, encontram-se os indispensáveis advogados criminais (Lei Nº8.906/94- Estatuto da OAB- art.2º- o advogado é indispensável à administração da justiça), com o respaldo da Constituição Federal da

República que, no art.5º, garante os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa a todos os cidadãos.

O Estatuto da OAB- Ordem dos Advogados do Brasil- determina:

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de

incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.

Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com

Page 51: Asa palavra 23

101100

dolo ou culpa.

Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável

com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.

Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no

Código de Ética e Disciplina.

Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para

com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do

patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.

Corroborando o cenário psicossocial no qual o profissional do direito criminal está inserido: “A ética é uma teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de

comportamento humano”. (VÁZQUEZ, 2002, p.30).

De acordo com Cortella (2007), as pessoas têm ética dado o momento em que possuem princípios e valores

com senso de justiça sobre algo que seja correto ou não, inclusive desenvolvendo a capacidade de decidir o que é

melhor para si mesmas. Na prática do exercício profissional, comportamentos que engrandecem as relações humanas devem ser imperiosamente aplicados para que ambas as partes percebam aprazimento dos serviços prestados numa relação de ganhos recíprocos.

Conforme relata Capez (2004), é da dignidade da pessoa humana que nascem os princípios orientadores e

limitadores do Direito Penal, trazendo melhor convívio e bem-estar à sociedade. O profissional que busca obter e ofertar

excelência no desempenho de sua atividade deverá realizá-lo com dedicação, respeitabilidade e eficiência. Visto que o

ser humano dedica, em geral, a maior parte de seu dia ao trabalho, a ponderação com a atividade realizada precisa se

tornar costumeira e satisfatória, através de comportamentos plácidos.

A conduta profissional deve estar ajustada a um sistema de responsabilidade, dogmas e deveres inerentes que

amparem o reflexo do especialista. Portanto, conclui Sá (1996, p.92) que “a ética é condição essencial para o exercício de qualquer profissão.” Na prática, a ética profissional está relacionada à correta aplicação de princípios e valores,

evitando-se prejuízos para todos os envolvidos na ação e proporcionando o bem comum.

Em aconselhamento a seu amigo Evaristo de Moraes, perseguido por aceitar a defesa do acusado que era seu inimigo e mandante de um assassinato que comoveu o país, o jurista Rui Barbosa respondeu na carta “O dever do

advogado” (1911), respaldando a situação de confusão moral do companheiro:

Recuar ante a objeção de que o acusado é ‘indigno de defesa’, era o que não poderia

fazer o meu doutor colega, sem ignorar as leis do seu ofício, ou traí-las. Tratando-se de

um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda

quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a

prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão

também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas.

A ética do profissional de direito criminal gera impacto na vida de outras pessoas e, em especial, à sua própria

vida, sendo inescusável o senso de equidade e virtude moral no entendimento genuíno da aplicação das leis vigentes.

3.1 CONSEQUÊNCIAS BENÉFICAS DA RESILIÊNCIA

Reconhecendo o papel das habilidades cognitivas através dos estudos dos quais participou, Seligman (1991)

tornou conhecido o Penn Resilience Program (PRP), em que eram treinados professores e crianças até treze anos a

proporcionarem uma abordagem resiliente a adversidades. O sucesso obtido nesse programa favoreceu sua ampliação

para adultos em diversas atividades profissionais, estudantes universitários, adolescentes e, atualmente, tem sido adotado

por instituições educacionais e empresas de diversos países, com o objetivo de melhorar as estratégias de enfrentamento

de problemas sociais, aumentar a produtividade e reduzir o índice de adoecimento por depressão nessas instituições

(Reivich & Shatté, 2002).

Os referenciados pesquisadores da Universidade da Pensilvânia concluíram que os processos relativos ao

pensamento afetam absolutamente as habilidades associadas à resiliência, tais como a regulação emocional, o controle

de impulsos, a análise causal, o otimismo, o senso de autoeficácia, a empatia e o “reaching out” (aproveitamento

de oportunidades). Os significados adotados pelo modelo proposto por Reivich & Shatté (2002), são apresentados

descrevendo as habilidades nos seguintes termos:

1. Regulação emocional: habilidade do indivíduo em manter-se calmo diante de adversidades. Um repertório bem

desenvolvido nessa direção facilita a manutenção de bons relacionamentos, favorece o sucesso profissional e

pessoal e auxilia o indivíduo quanto a cuidados com a saúde física;

2. Controle de impulsos: habilidade de se postergar o recebimento de gratificações. Comportamentos dessa

natureza auxiliam na avaliação de situações desafiadoras antes de qualquer ação, o que permite ao indivíduo

fazer melhores escolhas quanto a estratégias de enfrentamento;

3. Análise causal: julgamento de problemas e identificação de causas de forma não engessada. Retomando Seligman

(1991), as pessoas cujo estilo explicativo é o de permanência e generalização, em geral, não vislumbram

qualquer meio para modificar a situação, o que provoca um sentimento de desamparo e desesperança;

4. Otimismo: forma afirmativa e confiante de enxergar as coisas, acreditando que as contingências possam trazer

mudanças para melhor; habilidade de lidar com a adversidade e edificar uma perspectiva positiva em relação

ao futuro. (Knapp, 2005).

5. Autoeficácia: astúcia em desempenhar satisfatoriamente algo que lhe seja requerido. Crédito em sua aptidão de

conquistar sucesso e resolver intercalços. Diante do insucesso em determinada atividade, pessoas com bom

nível de autoeficácia tendem a aceitar que a estratégia utilizada pode não ter sido a mais assertiva e que existem

outras possibilidades, com as quais, no escopo de atingir o novo resultado, poderá se abrir mão da ideia inicial;

6. Empatia: pode ser exercida por meio da observação e interpretação de comportamentos não verbais como

expressões faciais, tons de voz e postura corporal. “A capacidade de se colocar no lugar do outro”;

Page 52: Asa palavra 23

103102

7. Conceito de reaching out, apresentado por Reivich e Shatté, pode ser compreendido como uma disposição

para galgar novos desafios e experiências diante do aproveitamento de oportunidades.

Permeando a tentativa de entender o sujeito que frequentou o curso das ciências jurídicas em sua capacidade

de enfrentar infortúnios ou reveses inerentes à profissão que ocasionam situações de estresse severo ou traumas

potencializados, ou seja, o advogado criminalista que lida com crimes diversos, inclusive hediondos e como convive

com as emoções do dia-a-dia, apresenta-se uma introdução dos benefícios ao pensamento psicocomportamental de

resiliência sob a perspectiva dos fatores de proteção, preditivos principais dessa habilidade, segundo a Escala de

Resiliência para Adultos por Friborg et al. (2006), conforme verifica-se na Tabela 1.

Tabela 1Fatores da Escala de Resiliência para Adultos – RSA

Fatores Noções ou ideias reunidas

Percepção de si Mesmo Confiança nas próprias capacidades, autoeficácia e visão positiva e realista acerca de si mesmo.

Futuro Planejado Visão otimista do próprio futuro, certeza de que pode ser bem-sucedido e habilidade de planejamento e estabelecimento de metas claras e alcançáveis.

Competência SocialHabilidade em iniciar contatos verbais e ser flexível em interações sociais, criar novas amizades e sentir-se à vontade em ambientes sociais, bem como à presença ou ausência de um estilo de interação social.

Estilo Estruturado Capacidade de organização do próprio tempo, estabelecimento de objetivos e prazos e orientação pessoal para a manutenção de regras e rotinas na vida diária.

Coesão Familiar Qualidade da relação em família, em termos de comunhão de valores e visão de futuro, de união, lealdade e simpatia mútua.

Recursos SociaisSuporte social oferecido por pessoas que não fazem parte do núcleo familiar (amigos ou colegas de trabalho, por exemplo), e que propicia o sentimento de coesão, a simpatia, o encorajamento e a ajuda em situações difíceis.

Fonte: Friborg, O., Hjemdal, O., Rosenvinge, J. H., Martinussen, M., Aslaksen, P. M., & Flaten, M. A. (2006). Resilience as a moderator of pain and stress. Journal of Psychosomatic Research, 61, 213-219.

A Tabela 1 explicita os fatores de invulnerabilidade e invencibilidade que podem positivar intervenções

psicológicas promovidas no cenário do profissional do direito criminal, não sendo um atributo fixo do indivíduo sucumbir-

se à situação potencializadora do estresse. Desta forma, aprimoram-se a qualidade de vida e a saúde do profissional.

Corroborando com Seligman (1991) e Friborg (2006), o programa Resiliência para Adultos, desenvolvido por

Paula Barrett, é utilizado pelos departamentos de Saúde, Educação e Formação de governos de países desenvolvidos e

auxilia adultos a desenvolver competências gerais de vida, tais como consciência emocional, mindfulness (atenção plena

no momento presente), empatia, otimismo, utilização do pensamento como ferramenta para mudar o comportamento,

quebra de hábitos resistentes, atenção para os aspectos positivos da vida, pensar em termos de resiliência quando

confrontado com uma situação difícil, confiança, identificação de mentores, tornar-se um membro da comunidade

(sociabilidade), formação de redes de apoio, capacidade de compromisso, resolução de conflitos, definição de metas

realistas, planejamento e implementação, preparação a longo prazo, atenção aos sinais físicos de estresse e capacidade

de celebrar os sucessos.

No perfil de estilos propostos por Seligman (1991), indivíduos que apresentam comportamentos indicadores

de maior resiliência são aqueles que têm flexibilidade cognitiva e são hábeis em identificar todas as causas significativas

das adversidades que enfrentam, sem se sentirem presos a qualquer estilo explicativo. São pessoas realistas, na medida

em que não ignoram os fatores permanentes e de grande extensão. Essas pessoas não costumam perder tempo

pensando em eventos ou circunstâncias que fogem ao seu controle; ao contrário, destinam seus recursos pessoais para

comportamentos e atitudes que possam solucionar problemas ou enfrentar fatores que estejam sob seu controle (Reivich

& Shatté, 2002).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na linha de estudos de interação dinâmica entre recursos emocionais internos e externos, os diálogos dos

pesquisadores referenciados nessa revisão extrapolam fronteiras, mas ainda são insuficientes entre os campos do saber.

São interlocuções que instituem uma direção permanente a diversas pesquisas e perspectivas de conhecimento aplicáveis

aos dias atuais.

Ressalta-se, no entanto, um estudo de caso sobre resiliência e controle de estresse em juízes e servidores

públicos no Brasil, datado de 2009, pelo Boletim Academia Paulista de Psicologia.

Os levantamentos de publicações de pesquisas nacionais sobre resiliência apontam um crescimento expressivo

do estudo sobre a resiliência, praticamente triplicando numa média de cada cinco anos, considerando os primeiros

estudos desde 1977, segundo evolução divulgada pelo Jornal Interamericano de Psicologia, Porto Alegre, 2006.

Todavia, o tema nos âmbitos profissionais e/ou ocupacionais, sobre intervenção/e prevenção e sobre a perspectiva

psicossocial em adultos, ainda mostra-se menos permeado se comparados ao temas relacionados à teoria/ conceito e

outras pesquisas que envolvem estudos com crianças, adolescentes e professores.

Através de novos estudos com divulgação de dados é possível demonstrar a relevância dos autores aqui citados

e a conveniência acerca de sua ideologia na contemporaneidade, fomentando-se novas questões e contingências, fora

do eixo conceitual, vislumbrando-se uma contribuição analítica com amostras e resultados palpáveis que possam traçar

um comparativo entre os profissionais dessa área quando treinados sob os fatores de proteção que fundamentam o

equilíbrio promotor de resiliência e os profissionais que não detêm esta característica desenvolvida.

Alicerçando o Estado Democrático de Direito, o advogado criminal coloca-se a serviço da aplicação da Lei,

defendendo o Direito e a Justiça. Assim, todos têm direito a uma defesa, e sobre os ombros do advogado criminal incide

esta honrosa tarefa.

A ideia de coresponsabilidade está contida no contexto da resiliência, que é considerada um tipo de assistência

e que pode ser aprimorada. O advogado do direito penal, portanto, opera ao lado de um ser humano com biografias e

tragédias vividas. E por assim ser, é digno de amparo e de respeito por toda a sociedade.

Segundo o ex-Desembargador Vladimir Freitas (2011), “Em poucas palavras, o operador do Direito, seja qual

Page 53: Asa palavra 23

105104

for a profissão escolhida, terá dificuldades no caminho. Superá-las com otimismo, analisar a ocorrência, ver se não

contribuiu para o problema e aproveitar a lição que dela possa extrair, é forma de superação e crescimento. A resiliência

será o fator principal do sucesso. Portanto, resiliente no mundo jurídico é quem suporta uma situação de flagrante

injustiça, de pressão, de sofrimento, e consegue dela tirar proveito”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Celso. Resiliência: A construção de uma nova pedagogia para uma escola pública de qualidade.

Petrópolis,RJ: Vozes, 2003.

BARBOSA, Rui; prefácio de Evaristo de Morais Filho. – 3. ed. rev. – Rio de Janeiro : Edições Casa de Rui Barbosa,

2002. 56 p. 1. Barbosa, Rui – Deveres dos advogados. I. Fundação.

BARBOSA, G. S. Resiliência em Professores do Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série: Validação e Aplicação do

“Questionário do Índice de Resiliência: Adultos – REIVICH – SHATTÉ/BARBOSA”. 2006. 331 f. Tese (Doutorado em

Psicologia Clínica) – Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar do Programa de Estudos de Pós-graduados em

Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

BRISSON; PREDEAU, Luc; Jean-François; tradução Claudia Berliner: Vocabulário de Platão. – São Paulo: WMF Martins

Fontes, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1.

CORTELLA, M. S.; TAILLE, Y. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. Rio de

Janeiro: Vozes, 2007.

CORTELLA, M. S.; TAILLE, Y. Nos labirintos da moral. Campinas: Papirus, 2007.

CULLEN, M. (2011). Mindfulness-based interventions: an emerging phenomenon. Mindfulness 2, 186–193 10.1007/

s12671-011-0058-1.

KNAPP, P.. Vulnerabilidade Cognitiva e Resiliência. Curso ministrado no 5º Congresso da Sociedade Brasileira de

Terapias Cognitivas, Rio de Janeiro, RJ. 2005

NUCCI, Guilherme de Souza.Manual de direito penal: parte geral: parte especial. – 8 e.d. São Paulo: Revasta dos

Tribunais, 2012.

PERES, J. F. P. & Nasello, A. G. (2005). Promovendo resiliência em vítimas de trauma psicológico. Revista de psiquiatria

do Rio Grande do Sul, 27, (2), 131-138. Recuperado em 28 de agosto de 2015 de www.scielo.br/scielo.php?script=

sciarttext&pid=S010181082005000200003&Ing=pt&nrm=iso.

POLETTO, S. H.; KOLLER; M.. Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e proteção. Disponível

em http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n3/a09v25n3.pdf recuperado em 13 de setembro de 2015.

PINHEIRO, D. P. N. (2004). A resiliência em discussão. Psicologia em Estudo, 9 (1), 67-75.

SABBAG, Paulo Yazigi. Resiliência: Competência para enfrentar situações extraordinárias na sua vida profissional. – São

Paulo: Elsevier, 2012.

SELIGMAN, M. E. P.. Learned Optimism. New York: Pocket Books. 1991

Friborg, O., Hjemdal, O., Rosenvinge, J. H., Martinussen, M., Aslaksen, P. M., & Flaten, M. A. (2006). Resilience as a

moderator of pain and stress. Journal of Psychosomatic Research, 61, 213-219.

Hjemdal, O., Friborg, O., Stiles, T., Rosenvinge, J. H., & Martinussen, M. (2006). Resilience predicting psychiatric

symptoms. Clinical psychology and psychotherapy, 13, 194–201.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez: tradução de João Dell’Anna. Ética. 23ª e.d. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

VIEIRA, Fernando de Oliveira; MENDES,Ana Magnólia; MERLO, Álvaro Roberto Crespo (Orgs.). Dicionário crítico de

gestão e psicodinâmica do trabalho. Curitiba: Juruá, 2013.

Page 54: Asa palavra 23

107106

Contabilidade - ControleQualidade - Empreendedorismo

Page 55: Asa palavra 23

109108

Contabilidade Gerencial: Comparação da qualidade da produção científica nos EnANPAD’s um estudo longitudinal

Marileide Soares Ferreira1

Renato Batista Fernandes2

Victor do Carmo Oliveira3

Resumo: O objetivo deste estudo consistiu-se em identificar as características bibliométricas da Contabilidade

Gerencial (CG) nos EnANPADs de 2007 à 2011.Desta forma, buscou-se compreender em quais áreas/temas de CG

estão concentradas as publicações, bem como analisar e descrever os principais aspectos das referências bibliográficas,

número de autores por artigo, número de páginas de cada estrutura e indicação de quais tópicos obtiveram maior

relevância no escopo dos trabalhos publicados nos últimos anos. Nesse corte longitudinal de cinco anos, foram

analisados 105 artigos com base nas técnicas de análise bibliométrica e pesquisa documental sendo esta pesquisa

empírico-analítica, exploratória, na qual se utilizou de métodos estatísticos descritivos, para que se pode-se comparar

os dados da pesquisa através de uma base de dados criada anteriormente por Araújo et. al. (2009) replicando o método

por estes utilizado. Conforme a análise de resultados verificou-se que os autores brasileiros seguem a tendência de

replicar os estudos internacionais em CG, onde o tema Contabilidade de Custos foi preponderante. Percebeu-se um

predomínio de autores do sexo masculino, apesar de ser crescente a participação feminina, o que pode ser verificado e

que está participação feminina vem se mantendo após os anos. Também, há uma tendência de queda seja da quantidade

e qualidade das pesquisas individuais, sendo as mais freqüentes de dois ou três autores e quatro autores. Finalmente,

pode-se observar uma tendência a tradicionais instituições de ensino do país a dominarem as publicações na área de

Contabilidade Gerencial e percebe-se que uma queda na quantidade de artigos submetidos e avaliados e publicados na

área de CG nos EnANPADs.

Palavras-chave: Contabilidade Gerencial. Bibliometria. Produção Científica.

Abstract: This study consisted in identifying the characteristics of bibliometric Managerial Accounting (CG) in 2007 to

ENANPADs 2011.Desta way, we sought to understand in which areas / topics are concentrated CG publications, as well

as analyze and describe the major aspects of references, number of authors per paper, number of pages of each structure

and indication of which topics have gained more importance in the scope of works published in recent years. In this

slitting five years, were analyzed articles 105 based on analysis techniques bibliometric document research and which is

empirical and analytical research, exploration, which was used for descriptive statistical methods, so that it can compare

the survey data through a database previously created by Araújo et. al. (2009) replicating the method used by them.

According to analysis results verified that the Brazilian authors follow the trend of international studies replicate in CG,

where the topic Cost Accounting was predominant. We noticed a predominance of male authors, although increasing

female participation, which can be verified and that is female participation has remained after year. Also, there is a

1 Graduada em Ciências Contábeis pela Faculdade ASA de Brumadinho. 2Mestre em Administração Professor da Faculdade ASA de Brumadinho.3Mestre em Administração Professor da Faculdade ASA de Brumadinho.

Page 56: Asa palavra 23

111110

downward trend in the quantity and quality of individual research, the most frequent being two or three writers and

four authors. Finally, one can observe a tendency to traditional educational institutions of the country to dominate

the publications in the area of Managerial Accounting and realizes that a fall in the number of articles submitted and

evaluated and published in the area of CG in ENANPADs.

1. INTRODUÇÃO

A análise documental de publicações permite identificar padrões de produção científica associados a

características e tendências expressas numa determinada área de conhecimento. Tendo em vista a área de Contabilidade

Gerencial e seus eixos temáticos, este estudo analisou 105 artigos, publicados entre 2007 e 2011, nos anais dos

EnANPAD’s, a fim de avaliar quantitativamente os delineamentos de pesquisa utilizados pelos trabalhos ao longo do

período e analisar tendências expressas em termos de padrões de estratificação e cooperação na área de Contabilidade.

Ressalta-se assim, a importância de tal produção, decorrente das diversas áreas do conhecimento e, em

especial, sobre Contabilidade Gerencial (CG), que para Iudícibus (1998) está direcionada única e exclusivamente para a

gestão da empresa, buscando suprir informações que sejam válidas e efetivas na tomada de decisão do administrador. Os

resultados de pesquisas sobre CG também são apresentados em revistas, periódicos e encontros científicos nacionais,

ou seja, nesse aparato para a divulgação científica. No entanto, devido a relevância dos Anais do EnANPAD, assume-se

o pressuposto de os ensaios, artigos refletem os resultados dos principais centros do país. A conseqüência natural disso

é referência para estudos dessas áreas, realizados no âmbito acadêmico brasileiro.

Para ampliação da fronteira do conhecimento em CG, realiza-se o estudo bibliométrico que de acordo com

Cardoso et al. (2005) permite avaliar a produção do conhecimento, a qual analisa as referências bibliográficas e as

publicações; é uma ferramenta para verificação dos fenômenos da comunicação científica, a qual mostra-se como um

método útil para se avaliar os impactos das teoria e autores, demonstrando as variações e suas tendências.

O conhecimento dos resultados avaliativos sobre as publicações pertinentes as áreas, como a CG, contribui

para a reflexão, explicação, discussão, análise e sua consolidação, sobre o caráter científico. Leite Filho et al. (2008)

observa-se que os impactos e benefícios gerados, bem como os gargalos, determinando a evolução da área ao longo do

tempo, contribuem para produção científica de um país. Dessa forma, o conhecimento das características do perfil dos

articulistas, bem como a natureza do caráter epistemológico dos trabalhos em CG amplia suas potencialidades teóricas

e maior progresso empírico nas áreas de investigação. Tal aspecto ainda pode contribuir para discussão sobre o corpo

substantivo de conhecimento e sobre as idéias de autores tais como Zimmerman (2001), Hopwood (2002), Lukka e

Mouritsen (2002) entre outros.

No Brasil vários autores têm destacado em diferentes enfoques sobre contabilidade em suas pesquisas, foram

encontrados os seguintes autores: Oliveira (2002) analisou as características dos periódicos brasileiros de contabilidade;

Mendonça Neto et al. (2007) estudaram a distribuição, as características metodológicas, a evolução, a temática e a

produtividade em contabilidade de 1990 a 2003, nos periódicos nacionais A. Cardoso, Pereira e Guerreiro (2007)

tratou sobre o perfil das pesquisas em contabilidade e controle gerencial relacionadas a contabilidade de custos em nos

EnANPADs de 1998 a 2003; Silva, Albuquerque e Gomes (2008) fizeram uma pesquisa a fim de discutir a controvérsia

do paradigma econômico na pesquisa empírica em contabilidade gerencial proposta por Zimmerman.

Destaca-se ainda o trabalho de Faro e Silva (2008) que fizeram um estudo bibliométrico para mapear a

produção acadêmica de CG de 1997 à 2007 nos principais periódicos internacionais, e o artigo de Araújo et. al. (2009)

que realizou um estudo bibliométrico sobre CG. Este último artigo será objeto de comparação desta pesquisa sobre as

publicações brasileiras nos EnANPADs.

Desta forma, o objetivo geral deste artigo é fazer uma investigação bibliométrica das publicações brasileiras

sobre CG nos 5 últimos eventos do Encontro Nacional da Associação de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração

(EnANPAD), a fim de se estabelecer uma comparação com os resultados da pesquisa de Faro e Silva (2008) sobre

periódicos internacionais.Este artigo ainda objetiva revisar e comparar a evolução dos estudos em Contabilidade

Gerencial através de uma comparação com os estudos realizados por Araújo et. al. (2009) que realizaram um estudo

Bibliométrico da Produção Científica sobre Contabilidade Gerencial publicado no XV Semead-USP.

Para tanto, além desta introdução, que apresenta a contextualização e objetivos da proposta central, este

artigo está dividido em mais quatro seções: na segunda seção que faz-se uma revisão da literatura sobre o Contabilidade

Gerencial, apresentando estudos anteriores; na terceira seção descreve a metodologia utilizada da pesquisa empírica, a

quarta apresenta à análise de resultados e, por fim, na quinta seção descrevem-se as considerações finais e referências

presentes no estudo.

2. BASES TEÓRICAS RELATIVAS À PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM CONTABILIDADE GERENCIAL

Em geral, as pesquisas desenvolvidas na área de Contabilidade de 2002 a 2008, buscaram identificar e

analisar diferentes aspectos nesta área a fim de se conhecer suas características e, ainda, comparar alguns resultados

encontrados com trabalhos anteriores, sobretudo observando-se as variações que ocorreram. Em geral os autores têm

seguido os passos convencionais na metodologia em relação ao controle de variáveis, aplicações de leis aferição para de

resultados.

Analisando mais de perto algumas evidências metodológicas, práticas e conceitual e possível traçar um

perfil dos trabalhos científicos em CG. Assim, este trabalho insere completando as discussões já existentes na área.

Essencialmente, foram detalhados os aspectos mais gerais acerca da investigação empírica.

Em particular, Oliveira (2002) analisou 874 trabalhos de 1990 à 1999 em periódicos brasileiros. Constatou

que o tema CG foi o mais freqüente entre todos. Cita que na década de 80, nos principais periódicos internacionais

(norte-americanos), cresceu a quantidade de trabalhos sobre CG e, que sua pesquisa confirmou que esse tema também

foi o mais pesquisado no Brasil no mesmo período. Em relação aos autores, houve o predomínio dos vinculados as IES

da região Sudeste (49,14%). A maior parte dos autores são professores de graduação ou de pós-graduação (77%),

sendo que os mestres e doutores perfazem 48,90%.

Ainda, confirmou a tendência observada em estudos de outras áreas do conhecimento (CASTRO e

SCHWARTZMAN, 1986) de prevalência de investigações de autoria individual, para atender aos seus interesses pessoais.

Kroenke e Cunha (2003) pesquisaram 1.130 trabalhos, e destes foram selecionados 53 em EnANPADs, além

de 161 no Congresso USP, entre 2004 e 2007. Neste último, a maioria das pesquisas é feita por 2 autores. Enquanto

Page 57: Asa palavra 23

113112

isso, no EnANPAD os estudos com 3 ou mais autores foram a maioria. Em geral, 42,3% dos trabalhos tinham três

ou mais pesquisadores, ficando em segundo lugar com 39,4%, os artigos com 2 autores. Visualizou-se também que

58,33% das pesquisas tiveram abordagem qualitativa.

Conforme Mendonça Neto et al. (2004) a área de CG, juntamente com a Contabilidade de Custos, foi

responsável pela maior parte das publicações com 23,3% dos trabalho estudados entre 1990 e 2003 nos periódicos

nacionais A Qualis/Capes. Alguns aspectos metodológicos foram verificados: em relação ao (1) tipo de pesquisa, 41,7%

dos artigos foram descritivos; (2) sobre a estratégia, 33,3% correspondem a uma parcela experimental; e no que tange a

análise, 40,9% foi expositivo. Já a quantidade de articulistas por artigos, 46,67% possuía somente um autor e, 41,66%

dois autores.

Leite Filho (2006) pesquisou as publicações sobre Contabilidade em vários meios de comunicação científica,

dentre eles os EnANPADs de 1997 à 2004, onde foram encontrados 239 artigos. Destes, 51% foram de dois autores e

21,3% de um autor. Constatou-se que 70,8% dos autores eram do sexo masculino. Observou-se ainda que esse gênero

foi o mais participativo em todos os veículos de publicação analisados. Esses resultados reafirmam o que foi constatado

por Silva et al. (2005) em relação a maioria de autores masculinos nos periódicos da área contábil.

Cardoso, Pereira e Guereiro (2007) estudaram 170 artigos sobre CG, com o objetivo de traçar o perfil da

Contabilidade de Custos publicados nos EnANPADs de 1998 à 2003. Neste período, 6,85% dos trabalhos foram de

CG e 1,29% de Custos. Nesta última área, 53,1% das pesquisas tinham a participação de 2 autores. Em relação aos

métodos, com 27% os modelos de aplicações foram preponderantes. Os trabalhos aplicados representaram 62,5%, uma

parcela bem significante. As bibliografias mais utilizadas foram os livros com 64,4%, ficando os periódicos em segundo

com 18,8%.

Coelho e Silva (2007) analisaram 336 artigos nos EnANPADs de 2001 à 2006 das áreas de Contabilidade e

Controle Gerencial. Em 151 artigos (44,94%) abordaram-se temas relativos à Controladoria Gerencial. Percebeu-se um

aumento na quantidade de publicações nesta área no decorrer dos anos. Aproximadamente 50% dos trabalhos tinha

participação de 2 autores. Já as pesquisas qualitativas representaram 51,19% do total. Com 59,22% as pesquisas que

utilizaram survey se destacaram.

Barbosa et al. (2008) pesquisaram 124 artigos da Revista Brasileira de Contabilidade de 2003 à 2006. Em

59% deles houve a presença de um só um autor, além de prevalência de 72% autores masculinos. O tema “Ensino e

Pesquisa da Contabilidade”, foi responsável por 23% das áreas analisadas. Identificou-se que 68% das pesquisas foram

desenvolvidas por mestres e doutores. Em relação aos aspectos metodológicos, 60% dos artigos não os especificavam.

Quanto as referências bibliográficas, os livros foram as referências preponderantes com 44% de freqüência, seguidos

pelos sites da Web com 14%. Por último, Faro e Silva (2008) analisaram no período de 1997 à 2007, 239 trabalhos

sobre CG, em 5 periódicos internacionais mais relevantes em Contabilidade. O Britânico Accounting, Organizations

and Society (AOS), com 113 artigos foi o mais representativo, seguido do The Accounting Review (AR) com 43 e

o Journal of Accounting and Economics com 33. Esse artigo contribuiu sobremaneira como fonte de referência e

comparação da pesquisa desenvolvida neste artigo.

De forma geral, os resultados das pesquisas sobre Contabilidade a partir da década passada assinalam que

o tema CG foi o mais abordado e crescente entre todos, desde então, acompanhando a tendência de pesquisas

internacionais. Em segundo esteve a Contabilidade de Custos. Houve um predomínio de autores vinculados as IES da

região Sudeste, sendo a maior parte professores de graduação ou de pós-graduação, mestres ou doutores, além de

prevalecer a autoria individual. Grande parcela dos artigos foram descritivos, experimentais e expositivos. Já em 2003,

as pesquisas com 2 autores ou mais passaram a preponderar, sobretudo, nos EnANPADs. Apesar de existirem várias

pesquisas do tipo survey, a abordagem qualitativa foi a mais freqüente. Além disso, os autores do sexo masculino foram

a grande maioria na área contábil, corroborando Silva et al. (2005).

Os modelos de aplicações foram os mais freqüentes e as pesquisas aplicadas se destacaram. Os livros foram

as referências mais consultadas, seguido pelos periódicos em segundo, os quais deram lugar aos sites da Web nos

últimos anos. Já a Revista Brasileira de Contabilidade apontou que os trabalhos com só um autor foram maioria, o que

contrapõe a tendência de trabalhos na área de Contabilidade. E finalmente, observa-se que o tema “Ensino e Pesquisa da

Contabilidade” foi o mais explorado. Já um dado preocupante é que a metodologia não foi descrita em mais da metade

dos trabalhos, o que se mostra como um problema para uma possível reprodução dos mesmos por outros autores.

Cada qual analisa diferentes aspectos em busca de se conhecer as produções científicas em contabilidade e,

também, em Contabilidade Gerencial, seja em eventos importantes, ou, quer seja em periódicos brasileiros reconhecidos

pela significante qualidade, os quais, por essência, selecionam os melhores trabalhos da área. Dessa forma, as pesquisas

que buscam identificar o perfil das publicações brasileiras, têm se concentrado nos meios de comunicação científica de

maior relevância.

3. METODOLOGIA

Os aspectos metodológicos para o delineamento do presente estudo pode ser classificado como descritivo-

quantitativo, uma vez que busca descrever características e relacionamentos existentes no processo de produção

científica da área de Contabilidade Gerencial, utilizando-se, para tanto, um conjunto de categorias analíticas, mensuradas

objetivamente e apresentadas, em grande medida, sob a forma de resultados quantificáveis (NEUMAN, 1997; SELLTIZ

et al, 1974).

Para isso, optou-se como estratégia de pesquisa a pesquisa documental caracterizada, segundo Moreira (2005),

como um processo de levantamento, verificação e interpretação de documentos que, no presente estudo, compreendeu

o conjunto de artigos publicados ao longo dos anos de 2007 a 2011 nas áreas de Contabilidade, Contabilidade

Gerencial e Controladoria, hoje reunidas como Divisão Acadêmica do Encontro Anual da ANPAD (EnANPAD).

Os artigos foram selecionados por possuírem classificação “A” no sistema Qualis da Capes (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e por representarem importantes espaços de comunicação acadêmica na

área. Compreenderam a população desse estudo, 105 artigos dos Encontros Nacionais da ANPAD.

Cada artigo, além de ter registrado seus dados de autoria, foi classificado de acordo com as seguintes categorias

de análise: (1) número de artigos publicados por período, evento e eixo temático; (2) método de pesquisa (qualitativo,

quantitativo ou multi-método); (4) instituição de origem dos autores; (5) unidade federativa de origem dos autores.

Esses dados foram dispostos em valores absolutos e percentuais, calculados anualmente ou com base nos

períodos de 2007 a 2009 e de 2010 a 2011. A escolha por esta divisão ocorreu, tanto para facilitar o processo de

Page 58: Asa palavra 23

115114

interpretação e análise, como também para diminuir a oscilação no número de artigos publicados no decorrer do tempo;

além disso, após a avaliação do padrão de cooperação e das tendências relacionadas ao tipo, método e estratégia de pesquisa no decorrer dos anos, a opção por reunir os artigos em dois períodos mostrou-se mais adequada seguindo o critério de maior similaridade entre os anos agrupados.

Após a classificação dos artigos selecionados, os dados foram tabulados e analisados com o apoio do programa Microsoft Excel® e SPSS® 13. As análises realizadas procuraram descrever a área com relação às categorias analíticas mencionadas acima e comparar como os padrões de publicação se comportaram ao longo de diferentes períodos tanto em termos do delineamento dos estudos quanto com relação a aspectos ligados à produtividade e cooperação entre autores.

Complementarmente, procurou-se ainda avaliar a estratificação da produção na área em termos de instituições e unidades federativas. Algumas observações devem ser destacadas em relação à condução das análises. A média de autores por artigo foi comparada entre períodos, tipo de pesquisa, método empregado e eixos temáticos. Para a contagem das instituições mais prolíficas e do número de artigos por UF, levou-se em conta somente a filiação do primeiro autor dos artigos, admitindo-se que não há impacto significativo sobre os resultados que justificasse a inclusão das demais filiações de autoria.

No que diz respeito à pretensão de se verificar se algumas instituições apresentam enfoque mais acentuado em relação às demais quanto a eixos temáticos, tipo ou método de pesquisa adotado, realizou-se a análise de correspondência múltipla. Por se tratarem de categorias de análise de caráter qualitativo, não possibilitando a utilização de testes paramétricos, considerou-se adequada a aplicação desse procedimento. Além disso, essa técnica permite avaliar a interdependência entre as variáveis e objetos por meio de escalonamento em diversas dimensões (HAIR et al, 2005), o que converge com o objetivo de diferenciar as instituições com base nas dimensões mencionadas acima.

Com base nesses procedimentos metodológicos, apresentam-se os resultados da análise da produção científica na área de Contabilidade Gerencial no período de 2007 a 2011, primeiramente por meio da descrição quantitativa de indicadores de produção nos eventos estudados e depois a partir das características dos delineamentos de pesquisa utilizados, deixando-se para o final a análise de padrões de cooperação e estratificação por instituição e unidade federativa.

4. Análise dos Resultados

A fim de se conhecer os aspectos bibliométricos das publicações científicas, foram realizadas pesquisas nas últimas 5 edições do congresso brasileiro EnANPAD, entre 2007 e 2011. Através da distribuição de artigos indicada no Gráfico1, analisaram-se 105 artigos provenientes de 309 autores que publicaram na área.

GRÁFICO 1: Distribuição de artigos por anoFONTE: Dados da pesquisa.

Observa-se No EnANPAD de 2007 concentrou-se quase 36% de todas as publicações, mas, é necessário

ressaltar, como já anteriormente exposto, que as áreas de Contabilidade Externa e Gerencial não tinham sido desvinculadas

na divisão acadêmica àquela época. Assim, mostra se prejudicada a comparação da quantidade deste ano com o período

posterior. Já entre 2010 e 2011, com a divisão das áreas, a diferença foi estatisticamente insignificante, havendo um

empate técnico na quantidade de artigos. Porém, em 2008, houve um decrescimento de 8,77% nas publicações. O

mesmo não aconteceu em 2009, quando ocorreu uma redução 7,6% nos artigos aceitos no evento.

GRÁFICO 2: Relação de autores pelo gênero

FONTE: Dados da pesquisa.

Destaca-se os dados encontrados na pesquisa de Araújo et. al. (2009); que verificou que a pesar da hegemonia dos autores masculinos no decorrer do período - destaque para 2004 quando eles representaram 80% do total - a partir de 2005 esse quadro vem mudando e ela tem se reduzido. Essa hegemonia foi percebida pelas pesquisas de Leite Filho (2006) e Barbosa et al. (2008). Em compensação, as autoras quase dobraram sua participação em 2007 com um expressivo incremento de 85%. Assim, a diferença de participação dos gêneros nas pesquisas em CG, que em 2004 era de 75%, caiu para 51% em 2008, o que demonstra que o interesse das mulheres pela área de CG tem se ampliado. Diante disso, conhecer os motivos que impulsionaram essa mudança de paradigma, mostra-se relevante para analisado em pesquisas futuras sobre CG.

O que foi verificado por Araújo et. al. (2009) em relação a participação feminina em pesquisas sobre a temática Contabilidade Gerencial praticamente se manteve a média calculado no qüinqüênio se manteve a mesma proporção encontrado no referido estudo no ano de 2008.

GRÁFICO 3: Quantidade de autores por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

Page 59: Asa palavra 23

117116

A tendência observada na média do período de 2007 a 2011 é a de serem realizados trabalhos com 3 autores

(34%), 2 autores (30%) e 4 autores (21%). Esta tendência pode ser explicada pela exigência dos referidos cursos de

pós-graduação existentes no país que trabalham a comunicação acadêmica orienta por professores-doutores e seus

orientandos nos cursos lato e strictu sensu.

GRÁFICO 4: Metodologia dos autores por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

Com relação aos aspectos metodológicos utilizados pelos autores para confecção de seus artigos a média

observada nos anos de 2007 a 2011 a preferência metodológica se deu a método de estudo de caso (59%) seguido

pela pesquisa bibliográfica (14%) e a pesquisa de campo (14%). A escolha por estes métodos se deve ao fato dos

instrumentos de coleta de dados utilizados por estes autores ao longo do qüinqüênio por se tratarem de pesquisas

qualitativas.

GRÁFICO 5: Região dos autores por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

A concentração dos artigos publicados nos EnANPAD’s de 2007 a 2011 em relação a autoria esteve mais

presente nos estados do Sudeste (65%), onde o fomento a pesquisa é mais incentivado no território nacional, seguido

pela região Sul (16%) e Nordeste (9%). A tabela a seguir refere-se a estruturação dos artigos pelo número de páginas

que estão em média sendo compostos por 15 páginas por artigo. Nota-se uma maior preocupação em relação à análise

de resultados no períodos analisados um crescimento de 3,72 para 5,4 em número de páginas.

2007 2008 2009 2010 2011Introdução 1,51 1,44 1,55 2,22 2,4

Desenvolvimento 5,1 5,15 4,21 4,09 3,63Metodologia 1,93 1,38 2,18 1,86 1,95Resultados 3,72 3,23 4,34 4,63 5,4Conclusão 1,05 1,32 0,78 1,09 1,18Referências 1,57 1,92 2,34 1,77 1,9

Total de páginas 14,88 14,44 15,4 15,66 16,46

TABELA 1: Estruturação das páginas por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

GRÁFICO 9: UF dos autores por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

Percebe-se através dos dados apresentados pelo gráfico 9 a maior concentração dos autores que publicaram

pesquisas sobre Contabilidade Gerencial estão situados no estado de SP (56%), seguido por MG (14%), PR (9%) e SC

(7%) e os estados do Nordeste (12%).

GRÁFICO 10: IES dos autores por artigo

FONTE: Dados da pesquisa.

Page 60: Asa palavra 23

119118

Dentre as instituições de ensino superior mais prolíferas destacam-se a USP (45%) das publicações no período

de 2007 a 2011, seguida pela UFMG (7%), UFSC (7%) e UFPR (6%).

5. CONCLUSÃO

Com a utilização dos dados da pesquisa, constatou-se um decrescimento da área de CG tanto com relação à

quantidade de artigos publicados quanto no número de autores e instituições atuando na produção de trabalhos. Parte

desse decrescimento decorre da criação dos eixos temáticos de Contabilidade Gerencial e Controladoria subdivisões do

EnANPAD atraindo uma menor quantidade de trabalhos para a discussão de assuntos nesses âmbitos.

Com relação ao delineamento dos estudos da área, o que se percebeu foi a predominância de trabalhos

empíricos amparados sobre métodos qualitativos de pesquisa, especialmente estudos de caso. Ao longo do período

analisado, no entanto, foi possível notar que estudos quantitativos vêm ampliando espaço, principalmente por meio de

análises do tipo bibliométrica e outros tratamentos estatísticos robustos para tratamento dos dados.

O crescimento de estudos quantitativos e o apego das pesquisas qualitativas a estudos de caso, somados

ao baixo índice de pesquisas multi-métodos e ensaios teóricos, suscitam reflexão sobre a maturidade da área. Por um

lado, podem representar, respectivamente, preocupação além do aspecto exploratório e aproximação com a realidade

organizacional, mas sob outra ótica, podem indicar fragilidade da pesquisa por recaírem em falácia epistemológica

ou revelarem pouco esforço em transferibilidade, atendo-se mais à apresentação de casos do que à acumulação do

conhecimento nesse ponto, por mais de 59% dos trabalhos terem optado por estudos de caso pode-se questionar ainda

se os trabalhos decorrem da escolha do problema ou da predefinição da estratégia de pesquisa. Até que ponto isso

ocorre e se sofre influência da estrutura de fomento à publicação promovida pelos programas de pós-graduação e outros

agentes institucionais como Capes, ou ainda, se é reflexo da existência de “tradições” de pesquisa na área, são questões

a serem discutidas em novos estudos.

A análise de produção revelou ainda que, embora em escala maior do que encontrado na pesquisa de Araújo

et. al. (2009), a área apresenta um pequeno número de instituições e unidades federativas produzindo a maior parte

dos trabalhos. Essa estratificação indicou concentração da produção em estados da região sul e sudeste, estando às

instituições mais prolíficas localizadas no estado de São Paulo, principalmente a USP que deteve 45% das publicações

sobre CG que curiosamente responde por apenas uma pequena parcela dos estudos teóricos, orientando-se mais para

artigos empíricos.

Tal constatação leva a acreditar que a agenda de pesquisa em CG privilegia fenômenos organizacionais dessas

regiões pelo fato de ser realizada pesquisas através de estudo de caso, deixando em segundo plano problemas que

ultrapassem esses limites regionais.

Por ser um canal de publicação, qualis “A” acredita-se também que novos autores visualizam a possibilidade de

expor suas pesquisas e acabam permanecendo no campo nos períodos seguintes.

Entretanto, mais relevante parece ser sua participação no debate teórico sobre CG, concentrando mais de 60%

desse tipo de produção, o que revela a importância do encontro seja na sistematização do conhecimento desenvolvido

na área, seja no direcionamento de agenda para futuras pesquisas sustentadas por diferentes quadros teóricos.

Outro aspecto indicativo de sua importância no desenvolvimento da área diz respeito à promoção da cooperação

entre pesquisadores e à maior dispersão geográfica da produção, já que foi possível perceber um aumento significativo do

componente principal da rede de autores, dois, três até quatro; além da menor concentração de publicação decorrente

desse grupo, valendo essa observação também para instituições e unidades da federação.

Além disso, os dados aqui dispostos consideraram apenas o congresso EnANPAD, não incluindo periódicos

ou outras formas de produção científica, não explorando também outros fatores com potencial influência sobre os dados

analisados.

De qualquer modo, os resultados dispostos neste artigo apresentam aspectos relevantes que descrevem o

comportamento da área nos últimos anos, apontando tendências e levantando questões sobre seu futuro, de modo

que se acredita ter contribuído com reflexões acerca de seu desenvolvimento, especialmente no direcionamento dos

próximos congressos e encontros temáticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO. E. A.T.; OLIVEIRA, V. C.; CASTRO SILVA, W.A. Estudo Bibliométrico da Produção Científica sobre Contabilidade Gerencial. Seminários em Administração – XV Semead . 2009.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO (ANPAD). Disponível em: <www.anpad.org.br>. Acesso em 30/11/2012.

BARBOSA, E. T.; ECHTERNACHT, T. H. S.; FERREIRA, D. L.; LUCENA, W. G. L. Uma Análise Bibliométrica da Revista Brasileira de Contabilidade no Período de 2003 à 2006.

Disponível em: <http://www.congressoeac.locaweb.com.br/artigos82008/618.pdf>. Acesso em: 11 set 2012.

CARDOSO, R. L.; MENDONÇA NETO, O. R.; RICCIO, E. L.; SAKATA, M. C. G. Pesquisa Científica em Contabilidade entre 1990 e 2003. Revista de Administração de Empresas. v. 43. Jun, 2005.

__________, R. L.; PEREIRA, C. A.; GUERREIRO, R. Perfil das pesquisas em Contabilidade de Custos Apresentadas no ENANPAD no Período de 1998 à 2003. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba. v. 8, n. 3, p. 177-198, 2007.

COELHO, P. S.; SILVA, R. N. S. Um Estudo Exploratório sobre as Metodologias Empregadas em Pesquisas na Área de Contabilidade no EnANPAD. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/contabilidade/article/view/5056/4591>. Acesso em:

05 out 2012.

FARO, M. C. S. C.; SILVA, R. N. S. A Natureza da Pesquisa em Contabilidade Gerencial – Análise Bibliométrica de 1997 à 2007 nos Principais Periódicos Internacionais. In: EnANPAD, 32. 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2008.

Page 61: Asa palavra 23

121120

IUDÍCIBUS, S. Contabilidade Gerencial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

KROENKE, A.; CUNHA, J. V. A. Harmonização Contábil: Um Estudo Bibliométrico no

Congresso Usp e EnANPAD de 2004 à 2007. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/semead/11semead/resultado/an_resumo.asp?cod_trabalho=743>.

Acesso em: 11 set 2012.

LEITE FILHO, G. A. Padrões de Produtividade de Autores em Periódicos e Congressos

na Área de Contabilidade no Brasil: Um Estudo Bibliométrico. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos62006/84.pdf>. Acesso em: 17 set 2012.

MENDONÇA NETO, O. R.; CARDOSO, R. L.; RICCIO, E. L.; SAKATA, M. C. G. Estudo sobre as Publicações Científicas em Contabilidade: uma Análise de 1990 até 2003. In: ENANPAD, 28. 2004, Curitiba. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2004.

_________________, O. R.; RICCIO, E. L.; SAKATA, M. C. G. Dez Anos de Pesquisa Contábil no Brasil: Análise dos Trabalhos Apresentados nos EnANPADs de 1996 à 2005. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 49, n.1, jan./mar. 2009.

OLIVEIRA, M. C. Análise dos Periódicos Brasileiros de Contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças – USP. São Paulo. n. 29, p. 68-86, maio/ago, 2002.

SILVA, F. C. C.; ALBUQUEQUE, K. S. L. S.; GOMES, S. M. S. Discussão sobre a Controvérsia do Paradigma Econômico na Pesquisa Empírica em Contabilidade Gerencial. In: Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração, 32. 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2008.

MOREIRA, S. V. Análise documental como método e como técnica. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas,

2005. Cap. 17, p. 269-279.

NEUMAN, L. W. Social research methods: qualitative and quantitative approaches. Boston: Allyn & Bacon, 1997.

SELLTIZ; JAHODA; DEUTSCH; COOK. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: EDUSP, 1974.

FERRAMENTAS DE CONTROLE QUE EVITAM OS DESVIOS DE VERBAS PÚBLICAS E GARANTEM A GOVERNABILIDADE.

Júlio César dos Reis1

RESUMO: O atual cenário político e econômico do país demonstra claramente as consequências da utilização inadequada

das verbas públicas. A falta de recursos sinaliza para aumento e criação de novos impostos, tributos e contribuições o

que poderia ser evitado com o uso adequado dos valores já arrecadados aos cofres públicos. Em todas as esferas de

governo existem órgãos e departamentos responsáveis por fiscalizarem o gasto do dinheiro público, mas mesmo assim,

frequentemente surgem notícias de novos desvios. Alguns destes órgãos são conhecidos pelos brasileiros como o TCU

– Tribunal de Contas da União, que realiza trabalhos de auditorias com objetivo de validar as prestações de contas e

evidenciar quaisquer atos fraudulentos contra os cofres públicos. Esse artigo apresenta os tipos de crimes cometidos, as

ferramentas de controle existentes e as mudanças propostas para as demonstrações contábeis públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Controle, Desvios, Verbas Públicas, Governabilidade.

INTRODUÇÃO

São muitos os males que afetam a governabilidade de um município, estado ou país, mas o principal agente

negativo é o desvio de verbas públicas, através dos atos de corrupção, fraudes, propinas, dentre outros. Um dos maiores

desafios dos chefes do poder executivo em todo o país é o combate a esta grave e reiterada prática tão nociva.

Nos últimos anos, as notícias de desvios de dinheiro dos caixas públicos viraram rotina nos veículos de

comunicação. Uma boa parte deste dinheiro é desviado de recursos que deveriam ser utilizados nas áreas da saúde,

educação, previdência social, investimento em infraestrutura, dentre outros. Em contrapartida, o Governo tenta

estabilizar as contas com o aumento da arrecadação. Uma das alternativas é o retorno da CPMF – Contribuição

Provisória sobre a Movimentação financeira, que seria de 0,20% (ao invés de 0,38% da extinta contribuição) e teria

como objetivo socorrer a Previdência Social responsável pela manutenção de milhões de aposentadorias e auxílios

previdenciários. De acordo com Motta(2013), o público espera da administração pública o melhor atendimento de suas

demandas sociais, pelo uso eficiente de recursos e transparência dos atos.

Nada disso deveria acontecer se, não houvesse tantos desvios. O problema é que as pessoas utilizam das

falhas dos controles exercidos sobre o dinheiro público e praticam os atos libidinosos acima descritos, em detrimento

aos seus próprios interesses. O fato é que, em qualquer segmento, seja público ou privado, os controles exercidos sobre

os bens é que asseguram a sua correta utilização.

Os controles são, portanto, medidas preventivas que impedem a utilização de bens públicos ou privados

1 Professor do Curso de Graduação em Ciências Contábeis da FACULDADE ASA de Brumadinho. Graduado em Ciências Contábeis pela PUC Minas. Especializado em Auditoria Externa pela UFMG. Especializado em Controladoria e Finanças pela UFMG

Page 62: Asa palavra 23

123122

em desacordo com a sua finalidade. Desta forma, uma verba ou um bem público só pode ser utilizado em favor de

toda sociedade enquanto um bem privado só pode ser utilizado por quem lhe é de direito e propriedade. Por isso, os

controles representam uma ferramenta imprescindível para garantir a governabilidade, assegurando ao chefe do poder

executivo a disponibilidade do recurso, financeiro ou material, para utilização nos projetos do governo.

Além do controle sobre o recurso, é importante uma análise sobre a apresentação das demonstrações

financeiras do Governo. Essas demonstrações evidenciam o resultado obtido em um determinado período, Superávit

ou Déficit, e assim como nas empresas privadas, a busca pelo resultado positivo (superávit) é uma prioridade dos

administradores públicos. O CFC – Conselho Federal de Contabilidade emitiu em 2008 várias Resoluções com objetivo

de orientar e padronizar os procedimentos para elaboração das demonstrações das entidades do setor público.

OS PRINCIPAIS CRIMES COMETIDOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Primeiramente, é necessário conhecer os meios pelos quais as verbas públicas são desviadas e, em segundo

momento, será tratado o assunto principal: as ferramentas de controle.

O Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 institui o Código Penal brasileiro que no seu título XI trata

dos crimes contra a administração pública. Neste artigo serão apontados os principais atos que promovem os desvios

de verbas públicas, a saber:

• Peculato

• Emprego irregular de verbas ou rendas públicas

• Corrupção passiva

• Tráfico de influência

a) Peculato

Art. 312 do Código Penal – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem

móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão de cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheiro.

É importante observar que o peculato é um crime praticado somente pelo funcionário público, que pratica atos

em razão da função que ele exerce ou seja, peculiar, enquanto se o crime for praticado por um particular (pessoa que

não exerce cargo público) é tipificado como crime de furto de acordo com o art. 155 do Código Penal. Entretanto, se o

crime for praticado em conjunto, funcionário público junto com o particular, este é equiparado a um funcionário público

para efeitos penais e por isso, ambos respondem pelo crime de peculato (RODRIGUES, 1999). A pena, ainda de acordo

com o Código Penal no art. 312 é de reclusão pelo período de 2 a12 anos e multa.

b) Emprego irregular de verbas ou rendas públicas

Art. 315 do Código Penal – Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei.

Neste caso, o servidor deixa, portanto, de observar o destino da verba especificado em lei orçamentária e o

faz de forma diferente. Este ato diverge do citado no item anterior pois neste, o servidor não tem como objetivo obter

vantagens e sim, comete um erro ao destinar uma verba para um fim não estabelecido em lei. A pena, de acordo como

o Código Pena no artigo 315 é de detenção pelo período de 01 a 03 meses ou multa.

Embora não seja um crime, à primeira vista, tão grave do ponto de vista punitivo, pode acarretar muitos

problemas à população. Imaginemos que uma verba está destinada através de dotação orçamentária para a construção

de um posto de saúde e o responsável pelos recursos, destina uma parte ou todo ele para a construção de uma escola.

Alguns moradores poderiam aprovar a obra, entretanto, se a demanda do local era na área de saúde, uma escola não

atenderá aos anseios desta comunidade.

c) Corrupção passiva

Art. 317 do Código Penal – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que

fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Pena: reclusão de 01 a 08 anos e multa.

A corrupção é um ato que só perpetua em função da existência dos que a aceitam, denominados corrompidos.

Os agentes da corrupção passivas são, em sua maioria, pessoas que detém informações privilegiadas ou tem acesso

às que tem. Desta forma, utilizam-se da situação para obter vantagem indevida, muitas vezes representada pelo

recebimento de dinheiro, em troca de algum favor.

É importante fazer distinção de corrupção passiva do crime de tráfego de influência tratado no próximo item.

d) Tráfico de influência

Art. 332 do Código Penal - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa

de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Pena: reclusão de

2 a 5 anos e multa.

Os crimes citados anteriormente: peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas e corrupção

passiva são praticados exclusivamente por servidor público, enquanto o tráfico de influência pode ser praticado por

qualquer pessoa.

Este crime esta relacionado com as vantagens obtidas por uma pessoa através de informações obtidas junto ao

servidor e ou, a influência exercida sobre este.

Page 63: Asa palavra 23

125124

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL - LRF

A administração pública requer ferramentas que a auxilie no trato dos bens públicos não só na administração de

recursos financeiro, mas também dos recursos humanos, naturais, culturais, dentre outros. No campo da administração

dos recursos financeiros, a principal ferramenta de governo é a Lei de Responsabilidade Fiscal criada através da Lei

Complementar nº 101 em 04 de maio de 2000.

O art. 163 da Constituição Federal no inciso V dispõe sobre uma das atribuições da Lei Complementar que é

a de: “V - Fiscalização financeira da administração pública direta e indireta.”

A Constituição Federal determinou, portanto, o instumento necessário, entre outros, para a fiscalização

financeira dos gastos da administração pública, que é a Lei Complementar. Especificamente, a LC 101/2.000 que

estabelece as normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal que apresenta no seu

parágrafo 1º:

A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em

que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbio das contas

públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a

obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas

com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações

de crédito, inclusive por antecipaçao de receita, concessão de garantia e inscrição em

Restos a Pagar.

A LC 101/2.000 é responsável pela normatização do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias -

LDO, da Lei Orçamentária Anual e da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas. Estes são os principais

pilares dos governos e são responsáveis por garantirem:

• O equilíbrio entre as receitas e despesas

• Critérios e formas de limitação de empenho

• Normas relativas ao controle de custos

• Compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas da LDO

• Execução do orçamento aprovado em lei

Como podemos observar no parágrafo 1º da LC 101/2.000, outra forma de equilibrar as contas públicas

é o controle da renúnica de receitas. Esta renúncia ocorre quando o Governo, através de lei, concede benefícios às

empresas como subvenções, subsídios, isenções e imunidade tributária, fazendo com que ocorra uma redução dos

saldos dos cofres públicos. Outra renúncia praticada é a redução de alíquotas, isenção ou imunidade na tributação de

algum produto, apesar de que, a equipe econômica do Governo em algumas destas situações busca outra fonte de

receita que pode ser, por exemplo, o aumento da alíquota de outro produto com ou sem relação com o beneficiado.

O equilíbrio entre receitas e despesas é assim apresentado por Costa (2009):

O equilíbrio fiscal e a política monetária em geral devem ser estabelecidos em função das prioridades nacionais,

em consonância com os ciclos econômicos, o contexto internacional e a conjuntura.

Quanto as normas de controle descritas na LC 101/2.000, destaca-se a afirmativa de Rezende (2009):

(...) são típicos das políticas de controle fiscal a modernização das auditorias, dos

sistemas de prestação de contas, controle orçamentário, das formas de pagamentos,

dos controles sobre salários, sobre promoções, vantagens, gratificações e, especialmente

sobre a contratação de servidores públicos. O controle é o mecanismo decisivo para que

se possa atingir maior performance fiscal.

Por causa da LRF, muitos projetos de Governo não podem ser executados, assim como o atendimento as

reinvindicações de aumentos salarias, investimentos em infraestrutura, saneamento, etc. Isso ocorre porque, o executivo,

precisa atender ao disposto na Lei para que, mesmo praticando um ato bem visto junto aos eleitores, não seja penalizado

pelo descumprimento da Lei.

O objetivo da LRF não é só punir os administradores públicos, pois para estes, existem leis específicas, a LRF

visa, portanto, corrigir o rumo da administração pública limitando as receitas, dando transparência às ações de governo

e obrigando aos administradores a serem responsáveis pelos seus atos (CRUZ, et al, 2001). Outra interpretação de

CRUZ (2002) é que a LRF dita a norma para proteger a ordem cronológia dos eventos evitando o apelo populista de

lançar novos projetos antes da conclusão dos antigos.

FERRAMENTAS DE CONTROLE

Uma das funções da LRF é a de acompanhar de forma sistêmica o desempenho mensal, trimestral, anual e

plurianual de um determinado governo (CRUZ, et al, 2001). Entretanto, a lei por sua natureza regulamentadora, não

pratica ação e sim, determina o que deve ser feito, por isso, surge a figura do Tribunal de Contas da União – TCU.

O TCU é portanto, um órgão importantíssima neste processo de transparência dos gastos públicos e tem

como principal objetivo o julgamento das contas a ele apresentadas. Algumas das competências do tribunal de contas

de acordo com a Lei nº 8.443/1992 são:

a) Julgar as contas dos administradores e os responsáveis pelos bens públicos

b) Proceder a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial

das unidades dos poderes da União

Page 64: Asa palavra 23

127126

c) Apreciar a prestação de contas do Presidente da República

d) Acompanhar a arrecadação da receita da União através de inspeções e auditorias

e) Apreciar a legalidade nas contratações de pessoal

f) Calcular e ficalizar a entrega dos fundos de participação

g) Emitir parecer prévio sobre as contas do Governo Federal

h) Decidir sobre denúncias encaminhadas por qualquer cidadão, sindicato, associação

ou partido político

Uma das principais ferramentas utilizadas pelo TCU para cumprimento do seu papel é a realização de auditorias.

De acordo com CRUZ (2002), o auditor precisa planejar o trabalho de auditoria com foco nos registros administrativos

e contábeis. Este planejamento, que faz parte da rotina de trabalho deste profissional, tem por objetivo a adequação

do trabalho a ser realizado considerando os resultados a serem alcançados. É importante ressaltar que neste caso, é

necessário que o auditor detenha conhecimento profundo dos objetivos da LRF, já detalhado no subtítulo anterior.

O Conselho Federal de Contabilidade – CFC, na sua Resolução 1.135/08, define que:

Controle interno sob o enfoque contábil compreende o conjunto de recursos, métodos,

procedimentos e processos adotados pela entidade do setor publico (...) e que deve ser

exercido em todos os níveis da entidade do setor público.

Uma mudança que traria grande avanço no controle seria uma maior divulgação e publicação dos relatórios

do tribunal o que incentivaria na população a pratica da vigilância (CRUZ, 2002). Atualmente este assunto já está

mais avançado e existem diversos instrumentos para que o cidadão acompanhe as contas públicas. O problema talvez

seja a falta de interpretação da informação que o contribuinte normal possui. As nomeclaturas “empenho, dotação

orçamentária, superávit ou déficit, receita patrimonial” entre tantas, são praticamente desconhecidas pela grande

maioria. Faz-se necessária uma mudança ou adaptação dos relatórios apresentados com a utilização de nomes mais

“populares”. Outra ação mitigadora seria a ampla distribuição da prestação de contas via informativo impresso nos

principais locais de acesso dos grandes públicos e principalmente a veiculação em meios eletrônicos.

MODERNIZAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES DAS ENTIDADES PÚBLICAS

Assim como ocorreu nas demonstrações das empresas privadas com o advento da Lei 11.638/2007 que

promoveram mudanças na Lei 6.404/76, o setor público iniciou um processo de modernização de suas demonstrações

contábeis e/ou financeiras. O CFC através da publicação de diversas Resoluções, disponibilizou modelos e as normas

obrigatórias para a adequação da contabilidade públicas às normas internacionais de contabilidade, como demonstrado

no quadro abaixo:

Quadro 1 – Resumo das principais resoluções para o setor público

Fonte: Site do CFC – adaptado pelo Autor.

Com isso, espera-se que os usuários dessas demonstrações obtenham informações adequadas, modernizadas

e, principalmente, elaboradas de forma a atender quanto à qualidade, transparência, harmonização das normas

internacionais e a transparência da informação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que existem ferramentas, essas são apropriadas mas, a falta de uma fiscalização mais rigorosa e

constante, da punição exemplar daqueles que praticam atos danosos ao bem público como um todo, são os principais

fatores que facilitam os desvios e impedem a governabilidade.

Serão necessários novos investimentos em órgãos de controle, ferramentas eletrônicas para auditorias dos

processos mas, principalmente, a mudança da mentalidade e da cultura. O país precisa passar por uma mudança radical

na ideologia de sua população e do fortalecimento dos valores éticos, políticos e sociais, sendo a educação, a principal

ferramenta para essa mudança.

Enquanto isso não acontecer, continuaremos a eleger gestores e contratar funcionários públicos frutos de uma

sociedade permissiva e que busca somente os seus próprios interesses.

Page 65: Asa palavra 23

129128

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.

br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 23 out 2015.

BRASIL. LEI Federal nº 8.443 de 16 de julho de 1992. Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União. Disponível em

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8443.htm>. Acesso em 23 out 2015.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº. 1.128/08. Disponível em <http://www2.cfc.org.br/

sisweb/sre/Default.aspx>. Acesso em 23 out 2015.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº. 1.129/08. Disponível em <http://www2.cfc.org.br/

sisweb/sre/Default.aspx>. Acesso em 23 out 2015.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº. 1.130/08. Disponível em <http://www2.cfc.org.br/

sisweb/sre/Default.aspx>. Acesso em 23 out 2015.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº. 1.132/08. Disponível em <http://www2.cfc.org.br/

sisweb/sre/Default.aspx>. Acesso em 23 out 2015.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº. 1.135/08. Disponível em <http://www2.cfc.org.br/

sisweb/sre/Default.aspx>. Acesso em 23 out 2015.

COSTA, Frederico Lustosa da. Contribuição a um projeto de reforma democrática do Estado. RAP. Rio de Janeiro. n.

44, mar/abr 2010.

CRUZ, Flávio da, JUNIOR, Adauto Viccari, GLOCK, José Osvaldo, HERZMANN, Nélio, TREMEI, Rosângela. Lei de

Responsabilidade Fiscal Comentada. 2ª.ed. São Paulo:Atlas, 2001.

CRUZ, Flávio da. Auditoria Governamental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MOTTA, Paulo Roberto de Mendonça. O Estado da arte da gestão pública. RAE. São Paulo. V. 53. n. 1, jan/fev 2013.

NBR 6023:2002 – Informação e documentação – Referências - Elaboração. Disponível em < http://www.usjt.br/arq.

urb/arquivos/abntnbr6023.pdf> Acesso em 23 out 2015.

NEVES, Silvério das, VICECONTI, Paulo Eduardo V. Contabilidade Avançada. 14ª. ed.São Paulo: Frase Editora, 2005.

REZENDE, Flávio da Cunha. Desafios gerenciais para a reconfiguração da administração burocrática brasileira.

Sociologistas. Porto Alegre. Ano 11. n.21.jan/jun. 2009.

RODRIGUES, Mário Cezar dos Santos. Crimes contra a administração pública. 1ª ed. Belo Horizonte: Edições Ciências

Jurídicas,1999.

Um diagnóstico da percepção dos clientes em relação a qualidade dos serviços prestados pela Clínica Médica ALPHA localizada em Itaúna - MG

Heliete Lopes Campos1

[email protected]

Anderson Lopes Tavares2

[email protected]

Resumo: Toda organização que direciona sua prestação de serviços – com o intuito de garantir a satisfação do seu

cliente – demonstra sua capacidade empreendedora e seu moderno e eficaz entendimento quanto à qualidade que

precisa proporcionar à sua clientela, do ponto de vista da mesma. Neste sentido, este estudo foi desenvolvido na referida

clínica, especializada em tratamentos médicos na área de ginecologia, que conta hoje com um elevado fluxo diário de

pacientes em busca de soluções para diversas patologias ligadas a especialidade. A situação problemática do estudo

foi: diagnosticar a percepção da qualidade dos serviços prestados aos clientes da Clínica Médica ALPHA. O objetivo

principal deste estudo foi diagnosticar a percepção da qualidade dos serviços prestados aos clientes da Clínica Médica

ALPHA. Dentro deste propósito os objetivos específicos foram: mensurar a percepção da qualidade do atendimento,

através da aplicação de questionário aos clientes da Clínica; traçar o perfil dos usuários dos serviços da referida

clínica; compreender os fatores que influenciam positiva ou negativamente na qualidade dos serviços. Através das visitas

realizadas por um dos pesquisadores, foi possível verificar que a ALPHA é preocupada em avaliar e medir a satisfação

de seus clientes disponibilizando questionários para este fim. Várias urnas são distribuídas pelas recepções da clínica e

abertas quinzenalmente, onde os resultados são analisados pelos coordenadores de relacionamento com o cliente que

dão feedback aos seus colaboradores e os orientam para o melhor atendimento ao público.

Palavras-chave: Serviços; Qualidade; Satisfação

1. INTRODUÇÃO

As implicações da mudança de uma economia amparada pela produção industrial, para uma baseada na

prestação de serviços, na percepção de Campos (2006) são surpreendentes. Nesse novo cenário, ganha destaque a

ênfase em qualidade que é relevante e primordial no setor de serviços, fazendo com que, assim, surja à necessidade das

organizações desenvolverem um entendimento apurado sobre a qualidade na prestação de serviços e busquem sempre

priorizar o alcance máximo da satisfação de clientes.

Conforme esclarece Hoffman; Bateson (2003) os indivíduos têm se tornado cada vez mais exigentes

ao contratarem ou utilizarem qualquer tipo de serviço. Sabendo disto, as organizações, almejando crescimento,

competitividade e aumento de lucratividade, têm utilizado como estratégias: focar e superar a expectativa dos clientes;

investimento na qualidade do atendimento prestado.

1 Mestre em Administração de Empresas2 Mestre em Administração de Empresas

Page 66: Asa palavra 23

131130

Retomando Campos (2006), a organização que direciona sua prestação de serviços – com o intuito de garantir

a satisfação do seu cliente – demonstra sua capacidade empreendedora e seu moderno e eficaz entendimento quanto

à qualidade que precisa proporcionar à sua clientela, do ponto de vista da mesma. Portanto, torna-se essencialmente

necessário conhecer os valores que contam mais para os clientes, com relação aos produtos que lhes são oferecidos.

Acredita-se que os valores mais importantes para os clientes são aqueles que lhes proporcionam maior satisfação. Neste

sentido, o conhecimento e total aplicação destes valores devem ser os elementos orientadores da estratégia de qualquer

organização, tanto para atuar no ambiente externo, como para organizar sua estrutura interna.

Após levantamento bibliográfico, realizado por Campos desde meados de 2006, constata-se que os

estabelecimentos de prestação de serviços em saúde devem estar preparados para receber pessoas sensibilizadas, em

fase de sofrimento e que precisam de um atendimento que haja empatia, solidariedade, habilidade, além de conhecimento

técnico e científico que poderá ajudar este cliente a solucionar seu problema.

Na clínica médica localizada em Itaúna - MG, aqui denominada pelo nome fictício de AlPHA, apesar de não se

possuir dados formais, não é diferente. Os seus usuários têm exigido maior atenção e melhoria na prestação dos serviços

tanto dos médicos quanto do seu quadro de funcionários. Neste sentido, este estudo foi desenvolvido na referida clínica,

especializada em tratamentos médicos na área de ginecologia, que conta hoje com um elevado fluxo diário de pacientes

em busca de soluções para diversas patologias ligadas a especialidade. A situação problemática do estudo foi: qual a

percepção da qualidade dos serviços prestados aos clientes da Clínica Médica ALPHA?

O termo cliente traz, geralmente, a ideia de um relacionamento comercial – de compra e venda, por exemplo

– que não se aplica necessariamente a todos os tipos de públicos. Nas relações de compra e venda muitas organizações

utilizam-se, para a sedução do cliente, de estratégias em que a transparência e a ética não são favorecidas. Segundo

Campos (2006), se tal fato não é saudável entre uma empresa e seus consumidores, da mesma forma pode-se afirmar a

respeito dos serviços médicos, os quais os cidadãos são seus principais usuários. Estes têm o direito de um atendimento

digno e eficaz, já que o serviço não é gratuito.

Acredita-se que a realização deste diagnóstico, representa uma contribuição para a sociedade, pois todas

as pessoas são clientes de alguma empresa e a qualidade na prestação destes serviços é de interesse de todos uma

vez que não envolve apenas o valor econômico, mas principalmente a expectativa da realização de necessidades e

desejos.Também, faz-se importante na medida em que faculta aos indivíduos uma ferramenta que lhes possibilitem o

conhecimento detalhado das principais situações que envolvem a relação órgão prestador de serviços médicos e cidadão

usuário desses serviços. Em outras palavras, analisar a percepção dos clientes da Clínica Médica ALPHA, representa, de

certa forma, um compromisso com o bem-estar público em geral.

O objetivo principal deste estudo foi diagnosticar a percepção da qualidade dos serviços prestados aos clientes

da Clínica Médica ALPHA. Dentro deste propósito os objetivos específicos foram: mensurar a percepção da qualidade

do atendimento, através da aplicação de questionário aos clientes da Clínica; traçar o perfil dos usuários dos serviços da

referida clínica; compreender os fatores que influenciam positiva ou negativamente na qualidade dos serviços.

As hipóteses que balizaram o desenvolvimento desta pesquisa foram: perceber que o atendimento realizado

com qualidade satisfaz os clientes; o atendimento realizado com qualidade retém e fideliza os clientes; por fim, o

atendimento sendo realizado com qualidade poderá não satisfazer os mesmos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Serviços

Serviços é definido por Lovelock e Wright (2005, p. 5) como sendo “atividades econômicas que criam valor e

fornecem benefícios para os clientes em tempos e lugares específicos, como decorrência da realização de uma mudança

desejada no - ou em nome do - destinatário do serviço”.

Segundo Grönroos (2009), serviços são processos nos quais um conjunto de recursos de uma empresa

interage com os clientes de modo a criar valor para as atividades e processos do cliente. No marketing de serviços o

foco não está nos produtos, mas nos processos de criação de valor dos clientes, de onde o valor surge para eles e é

por eles percebido.

Hoffman; Bateson (2003) asseveram que os serviços são: predominantemente intangíveis; não podem ser

analisados através de contato com os mesmos antes de uma decisão de compra, ou seja, o cliente primeiro compra para

depois perceber se fez uma boa escolha, ou não. Quando os clientes decidem comprar um serviço para atender uma

necessidade, normalmente passam por um processo de compra, que é constituído por três etapas distintas: pré-compra,

encontro de serviço e pós-compra. O processo pré-compra envolve a decisão de comprar e usar um serviço. Após isso,

acontece à etapa do encontro do serviço, onde ocorre a interação entre o cliente e o fornecedor. A etapa do pós-compra

envolve o processo de compra do serviço, na qual o cliente avalia a qualidade do serviço e sua satisfação ou insatisfação

com o resultado (LOVELOCK; WRIGHT, 2005).

Ainda, para Lovelock e Wright (2005) os serviços são ricos em atributos de experiência e confiança e pobres

de atributos de procura, isso aumenta o desafio dos gerentes de serviços, que devem proporcionar algo que realmente

agrade e satisfaçam os clientes. A importância dos gerentes conseguirem atender as expectativas dos clientes é por

questões do retorno obtido pela empresa de serviço, pois clientes satisfeitos são mais propensos a repetirem as compras

ou a serem fiéis. Ao contrário dos clientes insatisfeitos que não permanecerão comprando o serviço e transmitirão a

outros sua insatisfação quanto ao serviço da empresa.

2.2 Prestação de serviços

A prestação de serviço, normalmente, caracteriza-se por personalizar o “produto”. Desta maneira, as

organizações devem dispor de produto e fornecedores de serviços que se adequem as expectativas dos consumidores.

Afinal, a satisfação dos clientes, depende de aspectos tangíveis e intangíveis que impactam na impressão que o cliente

tem do mesmo. Por isso, é necessário que se tenha qualidade dos serviços através do treinamento, da motivação dos

funcionários e do gerenciamento dos procedimentos que ocorre durante todo o contato com o cliente.

Para Hoffman e Bateson (2003), prestação de serviços está ligada a operações interagindo profissionais e

consumidores destacando uma das principais características de serviços que é o envolvimento do cliente no processo.

Na prestação de serviços o foco está em servir o cliente e consequentemente a lógica sugere que as empresas busquem

Page 67: Asa palavra 23

133132

competitividade apoiando as pessoas que servem estes consumidores. Desta forma pode-se dizer que prestação de

serviços associa operacionalidade com marketing, pois é necessário um bom planejamento deste para definir um projeto

operacional eficiente.

O serviço, apesar de suas características de intangibilidade (não resulta na posse de um bem), para que

haja sua realização é necessário a transformação de conhecimento, tecnologia e habilidades. A intangibilidade e a

presença do cliente durante o processo produtivo do serviço exigem meios apropriados de gestão dos processos

envolvidos, tem-se a necessidade de maior personalização dos procedimentos. Isto não impede que os processos

sejam de certa forma padronizados e gerenciados, com o propósito de garantir a satisfação dos clientes e a qualidade

dos serviços (VELHO, 1995).

2.2.1 Qualidade na prestação de serviço

Para Hoffman e Bateson (2003) a qualidade dos serviços não pode ser administrada da mesma forma que a

de bens, considerando que o cliente de serviços é um participante do processo de produção e o controle da qualidade

com base na eliminação de defeitos antes que o cliente veja, é impossível. Sendo assim, a qualidade do serviço não é

um objetivo ou programa específico que possa ser implementado e concluído, ela deve ser diariamente parte sistemática

da gestão e produção de serviço.

A qualidade do serviço é o grau em que um serviço atende ou supera as expectativas do cliente. Se os clientes

percebem a entrega efetiva do serviço como melhor do que o esperado, ficarão contentes; se ela estiver abaixo das

expectativas, ficarão enraivecidos e julgarão a qualidade de acordo com seu grau de satisfação com o serviço.

Quando um prestador de serviços faz promessas exageradas, eleva demasiadamente as expectativas dos

clientes, e consequentemente, eles perceberão que estão obtendo baixa qualidade. Mesmo quando o nível da qualidade

dos serviços prestados é alta, se não houver um equilíbrio entre as expectativas dos clientes e as experiências do

prestador de serviços, a qualidade percebida pelos clientes será baixa (GRÖNROOS, 2009). O cliente só perceberá

a qualidade do serviço se o mesmo conseguir atender as suas expectativas. Ainda assim por serem, em sua maioria,

intangíveis, os clientes ainda tem dificuldade em avaliar a qualidade do serviço mesmo após a sua utilização.

De acordo com Hoffman e Bateson (2003) existem muitas dificuldades em implantar e avaliar a qualidade do

serviço. Para os clientes, não importa se o serviço é bom, se ele falha repetidamente, este o perceberá como de baixa

qualidade. Ao contrário do marketing de bens onde o produto é avaliado no final, o cliente não avalia o serviço só

porque gosta ou não do resultado, mas também avalia o prestador e suas habilidades interpessoais.

Lovelock e Wright (2005) asseveram que após os clientes comprarem e consumirem o serviço ocorre a

comparação entre a qualidade esperada com aquilo que realmente obtiveram. Quando os clientes recebem um serviço

que está acima do nível de qualidade esperado seu desempenho é considerado de qualidade superior. Se a qualidade

de serviço cair dentro da zona de tolerância, será considerado adequado. Mas, se a qualidade do serviço cair abaixo do

nível de serviço adequado pelos clientes, ocorrerá uma lacuna na qualidade.

A qualidade do serviço oferece um meio de alcançar o sucesso entre empresas concorrentes com produtos

semelhantes. Os benefícios ligados à qualidade do serviço são aumento da participação no mercado e as compras

repetidas. Em resumo, para prestar serviços de qualidade, os fatores mais importantes são: entendimento detalhado das

necessidades do cliente, empenho dos provedores de serviço em oferecer qualidade e sistemas de prestação de serviço

projetados para apoiar a missão de qualidade geral da empresa.

Ao julgarem a qualidade de um serviço, os clientes o analisam com base em experiência de um serviço anterior,

esse critério de avaliação são as expectativas, que são influenciadas por suas próprias experiências anteriores como

clientes de um determinado fornecedor de serviço, com serviços concorrentes no mesmo ramo, ou com serviços afins

de ramos diferentes, ou mesmo influenciadas pela comunicação boca a boca ou a propaganda.

Grönroos (2009, p. 68) menciona que a “qualidade é frequentemente considerada como uma das chaves

do sucesso. Afirma-se que a vantagem competitiva de uma empresa depende da qualidade, e o valor, de seus bens e

serviços.” A qualidade, portanto, pode ser o principal diferencial competitivo de uma organização.

2.3 Atendimento

Segundo Zenone (2010) hoje o tempo e estresse são dois elementos importantes no desenvolvimento de uma

estratégia de atendimento e fatores determinantes para aumentar o grau de conveniência percebido pelo cliente, também

é necessário que o mesmo conheça diversas informações sobre o produto, a marca e a empresa, através dos meios

de comunicação. Com isso temos a identificação das necessidades dos clientes, a informação, o grau de conveniência

e o valor percebido como atributos para compor a estratégia de atendimento, tendo uma empresa orientada para a

qualidade do atendimento.

A qualidade do atendimento deve ser fruto da qualidade do relacionamento com todos os envolvidos (clientes,

fornecedores, parceiros, colaboradores, acionistas e sociedade em geral), através da Tecnologia da Informação, aplicada

com o objetivo de tomar decisões de marketing e recursos humanos para o atendimento, buscando a satisfação do

cliente (ZENONE, 2010).

Kotler e Keller (2006) alertam que as empresas estão adotando uma ferramenta de grande importância

de relacionamento com cliente que é a Gestão do Relacionamento com o Cliente (CRM). Essa ferramenta visa o

gerenciamento cuidadoso de todas as informações sobre os clientes, com o intuito de manter vínculos mais fortes com

eles a fim de maximizar sua fidelização. O CRM permite que as organizações ofereçam um excelente atendimento ao

cliente e agreguem valor para eles.

2.3.1 Satisfação do cliente

Segundo Las Casas (2009) atualmente há uma maior valorização do cliente em função da grande divulgação

de técnicas de qualidade total que tem inicio com o entendimento das expectativas dos consumidores. Também há um

foco maior na valorização do cliente devido a concorrência acirrada que está existindo, uma vez que estes estão exigindo

mais das organizações.

Page 68: Asa palavra 23

135134

Após efetuar uma compra o consumidor pode ficar satisfeito ou insatisfeito e desenvolver um comportamento

pós-compra. O que leva o cliente a ficar satisfeito ou insatisfeito está na relação entre as expectativas e o desempenho

percebido do produto ou serviço. Se o produto ou serviço não atender as expectativas, o consumidor fica desapontado,

se atender ele fica satisfeito e se ultrapassa fica encantado.

Para Hoffman e Bateson (2003) a satisfação do cliente está ligada a expectativa deste quando procura um

serviço. Esta expectativa pode ser atendida ou não, se for confirmada, significa que o cliente está satisfeito. Quando não

for, o autor dá o nome de expectativa quebrada, porém nem sempre quando se fala em quebra, significa que é negativa,

pois existe também a quebra de expectativa positiva que é quando esta é atendida excessivamente.

Para melhorar os níveis de satisfação do cliente, uma empresa deve inicialmente pesquisar o quanto seus

clientes atuais estão realmente satisfeitos ou insatisfeitos. Uma maneira comum de medir a satisfação é pedir aos clientes

que, primeiro, identifiquem quais fatores são importantes em sua satisfação e, depois, avaliarem o desempenho de um

fornecedor de serviço e seus concorrentes nesses fatores. (LOVELOCK; WRIGHT, 2005, p. 113).

A organização deve elaborar um questionário com perguntas adaptadas para a necessidade de cada situação

e logo depois aplicá-la e fazer a avaliação do que o cliente esta achando dos serviços prestados . Conforme esclarecem

Kotler e Armstrong (2007) a satisfação do cliente é a chave para construir relacionamentos duradouros com eles – para

mantê-los, cativá-los e colher o valor deles ao longo do tempo. Os clientes satisfeitos repetem a compra, falam bem do

produto para outras pessoas, prestam menos atenção às marcas e à propaganda dos concorrentes e compram outros

produtos da empresa.

Para Hoffman e Bateson (2003) a empresa ganha a partir de sua preocupação com a satisfação de seus clientes,

mesmo sabendo que satisfazer clientes não é uma tarefa fácil. Um dos benefícios citados pelos autores é a propaganda

boca a boca que tem a vantagem de ser de graça e se traduz em novos clientes. Acreditando que clientes satisfeitos

compram com mais frequência e com isto, maior é a possibilidade de retê-lo, confirmando aí a fidelização do cliente.

Ainda de acordo com Hoffman e Bateson (2003) as organizações que conseguem alto índice de satisfação

de cliente, têm também os melhores ambientes para se trabalhar, pois os funcionários vêem de forma muito positiva o

retorno dado pelas pesquisas apontando este índice de aprovação. As empresas que conseguem alto índice de satisfação

são beneficiadas também em relação à competitividade, pois os clientes satisfeitos pagam mais caro pelo serviço,

provando que o preço não é o mais importante no momento de uma decisão de compra.

As organizações de serviços bem sucedidas baseiam seus esforços na melhoria da qualidade, tentando atingir

as expectativas dos clientes e satisfazê-los, além de ouvir sempre seus clientes e funcionários, para obterem o melhor

resultado possível.

2.3.2 Retenção de clientes

Segundo Hoffman e Bateson (2003) existe uma perspectiva em relação à retenção do cliente muito maior

do que a satisfação do mesmo, considerando que reter clientes é muito mais barato do que conquistar novos. Para

ele, além da medição da satisfação são necessárias medidas adicionais que avaliem as expectativas do cliente em

evolução, a probabilidade de compras futuras na empresa e a disposição do cliente para realizar negócios com empresas

concorrentes.

Os esforços de marketing da organização na base de clientes existentes têm como intenção estabelecer

relacionamentos de longo prazo, em vez de procurar novos clientes. É necessário entender suas expectativas e suas

exigências para oferecer um serviço com diferencial diante da concorrência e repensar o negócio em busca de inovação

para surpreendê-los (HOFFMAN; BATESON, 2003).

Ponte (2008) consideram que relacionamentos longos com seus clientes aumentam os lucros da empresa.

Sabendo reter clientes estratégicos as organizações podem chegar a aumentar seus lucros em 100%. Os autores

apontam que para evitar que clientes sejam perdidos é necessário apresentar performance superior a dos concorrentes,

solicitando feedback informativo dos clientes que estejam deixando a empresa, desta forma é possível detectar pontos

fortes e fracos em sua prestação de serviços e consequentemente investir em melhoramento continuo.

Conforme Hoffman e Bateson (2003) as empresas que investem em marketing de conquista, com a estratégia

de descontos e promoções, tentando crescer rapidamente aumentando o seu volume de vendas certamente serão

levadas a morte. Considerando que os clientes atraídos por tais promoções na primeira oportunidade em que depararem

com um atrativo maior oferecido pela concorrência, com certeza vão mudar de lado. Levando a empresa a repensar seu

negócio como dito anteriormente. Com isto, percebem-se mais uma vez que reter o cliente é muito mais importante do

que atrair o cliente.

Reichheld e Sasser Jr. (1990) abordam também o custo da perda de um cliente e mostram que as empresas

não sabem e nem calculam a relevância deste dado, pois se o fizessem certamente passariam a fazer avaliações exatas

dos investimentos necessários para não perdê-los. Ainda, conforme os autores, a retenção de cliente, reduz os custos

e aumentam os lucros, considerando que o cliente fidelizado se mostra disposto a pagar mais caro por um serviço

que confia e, além disto, fazem propaganda gratuita para a empresa através de diálogos com amigos e familiares,

aumentando o fluxo de lucro gradual ao longo deste relacionamento.

Para Hoffman e Bateson (2003) este é um assunto controverso, pois alguns especialistas acreditam que não

compensa reter clientes em algumas situações. No geral, os esforços de retenção devem ser utilizados após análise

criteriosa quanto à reputação deste cliente, se esta reputação não vai atingir negativamente a imagem da empresa.

Quando satisfazem suas exigências podem colocar a qualidade dos serviços e principalmente quando o negócio não é

mais rentável entre as partes.

3. METODOLOGIA

A metodologia científica tem como objetivo apontar o método utilizado para chegar a um determinado

conhecimento. Na atualidade, os cientistas e filósofos defendem a existência de diversos métodos de estudo que são

determinados pelo tipo do objeto a investigar e pela classe de proposições a descobrir (GIL, 1999).

Page 69: Asa palavra 23

137136

3.1 Caracterização da pesquisa

Propôs-se para este estudo a abordagem quantitativa, pois buscou uma evidência conclusiva, e requereu

imparcialidade por parte das pesquisadoras, sendo aplicada para coleta de dados um questionário aos clientes da Clínica

Médica ALPHA, para análise estatística das opiniões dos clientes.

Em relação aos fins do estudo, Gil (1999, p. 27) salienta que “[...] é o conjunto de procedimentos intelectuais

e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”. Dessa maneira, esta pesquisa utiliza o método descritivo, pois

buscou descrever a percepção dos clientes da ALPHA em relação aos serviços prestados por seus colaboradores,

especificamente telefonistas, recepcionistas e brevemente equipe médica.

O método utilizado na pesquisa é o hipotético dedutivo considerando que ele procura uma solução através de

hipóteses, teorias e eliminação de erros. Este método não leva a uma verdade absoluta, mas aprimora o conhecimento

das ciências factuais. Afinal, das hipóteses formuladas deduzem-se consequências que deverão ser testadas (GIL, 1999).

No que se refere aos meios de investigação, a pesquisa baseou-se no estudo de caso. Segundo Vergara (2000,

p. 49), o mesmo é circunscrito a uma ou poucas unidades, entendidas estas como: uma pessoa, família, produto,

empresa, órgão público, comunidade ou país, com caráter de profundidade e detalhamento.

3.2 Unidade de análise da pesquisa

Para esta pesquisa, o objeto de estudo foram os clientes da Clínica Médica ALPHA. A escolha dessa empresa

deveu-se primeiramente ao seu ramo de atividade, já que quase todos os estudos sobre qualidade e prestação de

serviços contemplam outras áreas econômicas. Outro fator que acabou sendo importante na escolha da unidade

empírica refere-se à facilidade de acesso à organização, seus clientes, profissionais e informações, visto que este é fator

crítico para a obtenção de dados representativos da unidade pesquisada.

3.3 Abordagens e Instrumento de Pesquisa

Definiu-se, para a coleta de dados, o questionário, por ser este um meio útil e eficaz para obtenção de

informações em intervalo de tempo relativamente curto. A escala compõe-se de 21 questões; divididas em quatro

seções, variando de três a oito questões cada.

A primeira seção procurou conhecer o perfil demográfico e profissional dos respondentes. Sendo elas: gênero,

faixa etária, estado civil, faixa salarial mensal, número de filhos, escolaridade, forma de pagamento da consulta (particular

ou convênio) e por fim, com que frequência comprarem à Clínica Médica ALPHA.

Já a segunda seção foi composta por cinco questões destinadas a avaliar o atendimento prestados pelas

telefonistas em relação a: atendimento, cordialidade, conhecimento e domínio das tarefas executadas, finalizando com

“as principais características que estas devem ter”.

A terceira seção, composta pelo mesmo número e quesitos da segunda seção analisavam o atendimento

prestado pelas recepcionistas. A quarta e última seção foi composta por três questões que mensuravam a percepção dos

cliente em relação à qualidade do atendimento de acordo com o atendimento recebido pelas telefonistas / recepcionistas.

Sendo elas: “de acordo com o atendimento recebido pelas telefonistas / recepcionistas da Clinica ALPHA, você a

indicaria a um amigo ou parente?”; “caso você fique satisfeito com o atendimento do médico, mas não tiver um bom

atendimento por parte das atendentes e recepcionistas você continuaria frequentando a Clínica ALPHA?” e por fim “em

sua opinião, existe algum aspecto em que a ALPHA precisa melhorar com relação ao atendimento das telefonistas e

recepcionistas?”.

4. APRESENTAÇÃO DOS DADOS

4.1 Apresentação e análise descritiva das variáveis demográficas

O estudo foi realizado por meio de censo envolvendo clientes de uma clínica privada que presta serviços

médicos na área de ginecologia. Foram distribuídos 70 questionários, entretanto, 69 destes foram devolvidos, o que

pode demonstrar o interesse dos pesquisados em contribuir com a organização pesquisada.

Notou-se uma predominância do gênero feminino (100%), esse dado já era esperado visto que os serviços

prestados pela ALPHA são destinados em sua maioria às mulheres. Quanto à faixa etária, verificou-se predominância

de clientes adultos no conjunto dos respondentes, tendo-se 47% de 31 a 60 anos de idade. Quando se analisaram os

grupos em específico, o percentual mais alto foi de 21 a 30 anos de idade (26%). Constatou-se, também, que 23% dos

respondentes estavam na faixa etária acima de 60 anos.

Esse perfil adulto certamente se refletiu na prevalência de indivíduos casados, em sua maioria (29%), indivíduos

com ensino superior (graduação), sendo que 14% deles possuíam alguma especialização e 4% o mestrado concluído.

Verificou-se também uma igualdade de porcentagem (1%) no que tange à formação de tecnólogo, não respondeu,

doutorado e ensino fundamental completo.

Observou-se similaridade referente à faixa salarial, na qual 22% dos respondentes informaram remuneração

mensal acima de R$6.200,00 e 20% de R$1.244,00 a R$3.110,00 mensais, o que provavelmente se deve ao nível

escolar dos clientes pesquisados.

Constatou-se também que a maioria dos clientes tem um alto poder aquisitivo e consequentemente tendem a

ser mais exigentes com relação a qualidade dos serviços prestados. A ALPHA visando atender a esse público exigente

tem como missão exercer ginecologia avançada com qualidade e atendimento personalizado.

Quando questionados sobre a forma de pagamento da consulta, verificou-se que 65 dos respondentes

utilizaram plano de saúde e apenas 4 consultas foram particulares. Ainda, pode-se inferir que a maioria dos clientes

pesquisados que frequentam a ALPHA utilizam convênio com predominância da Unimed (55%).

Por último, observou-se, que 68% dos respondentes apenas comparecem a clínica ALPHA quando necessário.

Além disto, 12% dos questionários foram devolvidos com esta questão em branco (não respondeu).

Page 70: Asa palavra 23

139138

4.2 Apresentação e análise dos dados referentes a percepção e qualidade dos serviços prestados pela ALPHA

Neste tópico são apresentadas as análises obtidas após a aplicação do questionário. Inicia-se demonstrando os

achados referentes à percepção dos serviços prestados pelas telefonistas; em seguida aborda-se os resultados quanto a

percepção dos serviços prestados pelas recepcionistas e por fim os serviços em geral.

4.2.1 Telefonistas

Verificou, conforme que a maioria dos clientes (32%) consideram o atendimento das telefonistas muito bom

ou bom e que apenas 3% dos respondentes consideram o atendimento regular. Conforme Grönroos (2009, p. 68)

a “qualidade é frequentemente considerada como uma das chaves do sucesso; além disto, para o autor, a vantagem

competitiva de uma empresa depende da qualidade e do valor de seus bens e serviços.”

Constatou-se também que dos 69 questionários devolvidos, 13% destes respondentes deixaram em branco

a questão. A agilidade das telefonistas, segundo a avaliação dos clientes da Urológica, é considerada muito bom e

bom, respectivamente 33% e 30%. Segundo Grönroos (2009), a presteza, ou seja, se os funcionários são treinados

e capacitados ao ponto de serem prestativos e capazes de fornecer pronto atendimento, prestando assim um serviço

rápido e eficaz, a agilidade está inserida em uma das cinco dimensões utilizadas como critério pelos clientes para

julgarem a qualidade dos serviços.

Zenone (2010) esclarece que a qualidade do atendimento deve ser também, fruto da qualidade do

relacionamento com todos os envolvidos (clientes, fornecedores, parceiros, colaboradores, acionistas e sociedade em

geral). Essa qualidade no relacionamento pode ser percebida na tabela e gráfico 10 onde demonstra que os clientes

avaliam a cordialidade das telefonistas como muito bom, bom e ótimo somando 84%, apenas 3% deles consideram

como regular.

Os clientes consideram que as telefonistas demonstram ter conhecimento e domínio de suas tarefas sempre

41% e na maioria das vezes 39%. Lovelock e Wrigth (2005) asseveram que as organizações que são acompanhadas

por práticas de treinamento e empowerment que permitem a seus funcionários controlar a qualidade, esses tendem

a permanecer por longo prazo na organização, conhecem o trabalho, são dedicados aos clientes, bem informados e

motivados, o que resulta no melhor atendimento e maior retenção de clientes.

Apurou-se ainda que 51% dos clientes consideram como a principal característica que as atendentes devem

ter é clareza nas informações. Grönroos (2009) cita que uma das dimensões utilizadas pelos clientes como critério

para julgarem a qualidade do serviço é a segurança, ou seja, se os funcionários são dignos de confiança e transmitem

informações claras.

4.2.2 Recepcionistas

Assim como foi percebido com relação a agilidade das telefonistas, as recepcionistas obtiveram a mesma

avaliação, a agilidade das recepcionistas foi considerada em sua maioria muito bom 33% e bom 30%, 7% deles

consideraram regular.

A qualidade no relacionamento pode ser percebida no estudo, os clientes avaliam a cordialidade das

recepcionistas como muito bom 35%, bom 32% e apenas 1% deles consideram como regular e ruim 1%.

Os pesquisados consideram que as recepcionistas demonstram ter conhecimento e domínio de suas tarefas

sempre 44% e na maioria das vezes 37%. Observou-se que 52% dos clientes avaliam que as recepcionistas sempre se

relacionam bem umas com as outras, as outras opções como nunca, raramente e as vezes não foram selecionadas pelos

pesquisados.

A característica que os clientes consideram mais relevantes para as recepcionistas é o domínio da tarefa (30%)

e a simpatia é uma das características considerada menos importante pelos clientes da clínica, apenas 4%.

4.2.3 Clínica ALPHA em geral

Os clientes por estarem satisfeitos com o atendimento das telefonistas e recepcionistas e seus serviços

prestados, 84% deles indicariam a Clínica ALPHA a amigos e parentes, trazendo assim maior retorno para a mesma.

Apenas 1% deles não a indicaria.

Apurou-se que 71% dos clientes continuariam frequentando a clínica mesmo se não fossem bem atendidos pelas

atendentes e recepcionistas. Contradizendo ao que Zenone (2010) declarou, isso ocorre devido o tipo de prestação de

serviço, onde o mais importante para os clientes é a prestação dos serviços médicos e não os serviços prestados pelo

pessoal da linha de frente (telefonistas e recepcionistas).

Setenta por cento (70%) dos clientes não responderam que o atendimento da organização precisa de melhorias,

dentre os 30% que responderam a questão, em sua maioria disseram que não precisam de melhorias no atendimento,

1% deles deram sugestões para que as atendentes tenham mais clareza nas informações prestadas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As hipóteses que balizaram o desenvolvimento desta pesquisa foram: perceber que o atendimento realizado

com qualidade satisfaz os clientes; o atendimento realizado com qualidade retém e fideliza os clientes; por fim, o

atendimento sendo realizado com qualidade poderá não satisfazer os mesmos.

De acordo com o estudo realizado, a primeira hipótese foi confirmada pelos respondentes que consideram o

atendimento muito bom, além disso, em sua maioria não sugerem aspectos para melhoria do atendimento, demonstrando

assim, que estão satisfeitos com a qualidade do atendimento da ALPHA e a indicariam a seus amigos e familiares.

Em relação a segunda hipótese, constatou-se que no caso da ALPHA, mesmo quando os clientes não são bem

atendidos pelas telefonistas e recepcionistas, eles retornariam por causa do atendimento médico, o que demonstra que

nesse tipo de prestação de serviços, o fator mais relevante é a qualidade do atendimento final que é realizado pelos

profissionais médico. Quanto a terceira e última hipótese da pesquisa - se mesmo o atendimento sendo realizado com

qualidade poderá não satisfazer os clientes - não foi confirmada.

Page 71: Asa palavra 23

141140

Através das visitas realizadas por um dos pesquisadores, foi possível verificar que a ALPHA é preocupada em

avaliar e medir a satisfação de seus clientes disponibilizando questionários para este fim. Várias urnas são distribuídas

pelas recepções da clínica e abertas quinzenalmente, onde os resultados são analisados pelos coordenadores de

relacionamento com o cliente que dão feedback aos seus colaboradores e os orientam para o melhor atendimento ao

público.

Sugere-se o aprofundamento dos estudos com a aplicação de técnicas estatísticas mais apuradas, buscando-se

averiguar a dependência entre os temas tratados. Além disto, propõe-se a comparação dos resultados desta pesquisa

(e outras realizadas no Brasil) com as de outros países, a fim de se verificar a influência da percepção do atendimento.

Por tratar-se de um estudo de caso, seus achados e conclusões representam um grupo específico de indivíduos

e sua percepção da organização. Portanto, devem ser vistos com limitações no tocante a generalizações.

Por ter sido realizada em uma única empresa envolvendo somente dois grupos de colaboradores, impossibilita

análises e conclusões mais profundas. Importante aspecto a ser destacado é a complementação do estudo com pesquisas

qualitativas. A importância de se combinarem aspectos quantitativos e qualitativos que não foram investigados em

conjunto neste trabalho pode contribuir para melhor compreensão dos resultados obtidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, L. C. Organização, Sistemas e Métodos: e as modernas ferramentas de gestão organizacional. São Paulo:

Atlas, 2001.

CAMPOS, Heliete Lopes. Percepção da qualidade dos serviços prestados à população pelo poder legislativo municipal

de Itaúna. Faculdade de Pará de Minas – FAPAM, 2006.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GRÖNROOS, Christian, Marketing: gerenciamento e serviços. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

HOFFMAN, K. Douglas; BATESON, John E. G. Princípios de marketing de serviços: conceitos, estratégias e casos. São

Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

KOTLER, Philip; KELLER Kevin Lane. Administração de Marketing. 12 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.

LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing: conceitos, exercícios, casos. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

LOVELOCK, Christopher; WRIGHT, Lauren. Serviços: marketing e gestão. São Paulo: Saraiva, 2005.

VERGARA, S.C. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 3. ed., 2000.

VELHO, Altemir da Silva. O Aperfeiçoamento Contínuo da Qualidade do Serviço. Universidade Federal de Santa Catarina,

nov. 1995. Disponível em: < http://www.eps.ufsc.br/ disserta/velho/indice/index.html>. Acesso em: 09 set. 2015.

ZENONE, Luiz Claudio. Marketing de Relacionamento: tecnologia, processos e pessoas. São Paulo: Atlas S.A, 2010.

Caracterização do perfil empreendedor

Camila Teresa Martucheli1

Palavras chave: empreendedorismo, perfil empreendedor, perfil gerencial e gestão.

Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma revisão teórica a respeito do perfil empreendedor e como ele pode

influenciar na gestão de uma empresa. A intenção é apresentar um diálogo entre vários autores sobre o tema que

conceituam empreendedorismo e constroem as características do perfil empreendedor e como essas podem influenciar

um empreendimento a ter sucesso. Os inúmeros estudos de casos existentes instigam os pesquisadores a confrontarem

os resultados dessas pesquisas com novos estudos, em diferentes setores, com o objetivo de se chegar próximo a um

consenso sobre a definição do que seria empreendedorismo e as características dos empreendedores. A inexistência de

um modelo padrão de análise também é um fator que atrai a atenção para o tema, visto que se torna interessante traçar

uma metodologia que possa ajudar outros estudos sobre empreendedorismo.

1. INTRODUÇÃO

Ainda que haja uma discussão teórica acerca do conceito de empreendedor, esse ainda não é um consenso

entre os autores que pesquisam o tema. Mesmo assim, é possível compreender – através do arcabouço teórico pré-

existente e dos inúmeros estudos de caso –que o empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de

estabelecer e atingir objetivos e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar

oportunidades de negócios.

Por isso, o tema é recorrente em vários estudos de caso, mas não possui uma literatura densa a respeito. Como

cada caso possui suas particularidades, sempre existirão várias áreas a serem exploradas dentro desse tema, as quais

estão intrínsecas na prática de cada empresa ou setor a serem estudados. Não obstante, vale relatar que não há o mesmo

número de estudos teóricos, dedicados à elaboração de conceitos acerca do empreendedorismo.

O empreendedorismo apresenta inúmeros estudos, em especial empíricos, destacando-se os estudos de caso.

Isso porque os estudos teóricos sobre o tema baseiam-se no acompanhamento e análise das práticas e processos da

gestão dos empreendedores. Observa-se que grande parte das pesquisas realizadas tem influência contingencial e utiliza

o método exploratório.

De acordo com Schmidt e Bohnenberger (2008), graças à forte relação entre o empreendedorismo e o

desenvolvimento regional, esse tema tem atraído muitos estudos acadêmicos tanto no Brasil como em várias partes do

mundo. Além disso, o perfil do empreendedor exerce grande influência na gestão da empresa.

Segundo Schmidt e Bohnenberger (2008), existem vários métodos de estudo para se mensurar os resultados

1 Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela PUC Minas e graduanda em Administração pela UFMG.

Page 72: Asa palavra 23

143142

das atividades na formação empreendedora e isso faz com que não haja um padrão metodológico para pesquisar o tema.

Além disso, Lopes e Souza (2005) explicam que o maior problema nos estudos sobre empreendedorismo é a definição

e identificação do que é ser empreendedor, visto que muitos teóricos não conseguem distinguir com clareza a diferença

entre empreendedores e proprietários de pequenos negócios.

Dessa forma, definir as características que levam os empreendedores a desenvolverem gestões que resultam

no sucesso de seus negócios é relevante tanto para a academia, quanto para os empresários. Nota-se que os casos de

sucesso de empreendedores e seus negócios estão crescendo dia a pós dia, fato que é constatado no número de estudos

de caso que a literatura apresenta.

Para Lopes e Souza (2005), o empreendedor se destaca por seu desejo de mudança e desenvolvimento. Esse

possui uma enorme percepção de poder e habilidades pra alcançar seus objetivos. O empreendedor possui iniciativa, é

criativo, flexível e tem senso de oportunidade. Ele é um indivíduo motivado e percebe a mudança como oportunidade.

Assim, torna-se objetivo da pesquisa buscar um consenso com relação à definição do perfil do empreendedor,

buscando compreender suas características e distinguir com clareza a diferença entre empreendedores e gerentes.

2. PERFIL EMPREENDEDOR

O perfil do empreendedor é um dos aspectos mais discutidos na bibliografia sobre o tema. Schimidt e

Bohnenberger (2008) esclarecem, antes de definir o que seria esse perfil, o significado da palavra empreender. Segundo

os autores, essa palavra data do século XV, deriva do latim imprehendere e significa tentar “empresa laboriosa e difícil”

ou “pôr em execução”. A palavra empreendedor data do século XII, deriva do francês entre-preneur e significa “aquele

que incentivava brigas”. Contudo, apenas no final do século XVII é que tais termos começaram a ser utilizados para se

referirem àquela pessoa que administra seu próprio negócio.

Nessa época, o empreendedor já era associado à pessoa que adquiria matéria-prima para produzir um

determinado produto final. Anos mais tarde, o termo foi associado à inovação e à capacidade de se desenvolver

identificando uma oportunidade de negócio (Schimidt e Bohnenberger, 2008). Nos primeiros anos do advento do

capitalismo, o empreendedor era um indivíduo que se diferia dos demais, inclusive do capitalista propriamente dito,

aquele que era dono dos meios de produção. Nessa época, o empreendedor era considerado o responsável pela criação

e distribuição de um determinado produto ou de uma ideia produtiva (Siqueira e Guimarães, 2006).

Atualmente, o estudo do perfil empreendedor tem sido muito difundido em vários países, inclusive no Brasil,

sendo a base das pesquisas que permeiam o empreendedorismo. Entende-se que descobrir o perfil empreendedor de

sucesso possa ajudar a explicar o motivo porque algumas empresas são lucrativas e outras acabam falindo ou possuindo

baixos rendimentos. Schimidt e Bohnenberger (2008) definiram oito conceitos sobre o perfil empreendedor, com base

na literatura existente, bem como análise de especialistas.

Tais conceitos identificados em uma pessoa com perfil empreendedor seriam: auto eficaz, quando um indivíduo

consegue se motivar e realizar ações para controlar os eventos de sua vida; assume riscos calculados, ou seja, o

indivíduo arrisca, mas analisa as variáveis que podem influenciar no resultado positivo ou negativo; planejador; detecta

oportunidades; persistente; sociável; inovador e líder.

Antecedendo tais conceitos, Schimidt e Bohnenberger (2008) também salientam que existem outras

características que ajudam a determinar o perfil empreendedor, como por exemplo, os programas de educação

empreendedora, a utilização de plano de negócios, a atitude e a personalidade do individuo, bem como a influência de

atividades empreendedoras na família.

Ainda com relação ao perfil empreendedor, Lopes e Souza (2005) utilizaram-se da Teoria do Comportamento

Planejado para definir a atitude empreendedora, que é a predisposição de um indivíduo para se comportar, ou não,

de maneira empreendedora. Além disso, os autores esclarecem que, mesmo não havendo um consenso em relação à

definição do termo empreendedorismo, existe um pensamento em comum entre os pesquisadores da disciplina sobre as

principais características do empreendedor, que são: inovação, criatividade, propensão a correr riscos moderados, visão,

necessidade de realização, perseverança e identificação de oportunidades (Lopes e Souza, 2005).

Há ainda que se considerar a influência que a idade e o número de dependentes de uma pessoa podem

exercer no que tange a iniciativa de se empreender. Schimidt e Bohnenberger (2008) explicam que os jovens não são

predispostos a iniciar um novo negócio, pois não possuem experiência e recursos financeiros; já os mais velhos temem

o risco de perder tudo que conquistaram durante a vida e colocar em risco seus dependentes.

Por sua vez, Corrêa e Vale (2014) destacaram a influência dos laços sociais para o surgimento do comportamento

empreendedor de um indivíduo. Quando esse possui fortes laços, acaba sentindo a necessidade de obter um processo

chamado de alavancagem social, uma dinâmica em que o empreendedor aproveita de seu relacionamento para alavancar

outras relações importantes necessárias para sua ascensão social. Dessa maneira, o empreendedor pode ser considerado

um ator inserido em um contexto social determinado, sendo ele atomizado e dotado de características pessoais.

Além disso, um indivíduo tende a se tornar empreendedor quando possui um determinado grau de insatisfação

em relação ao seu trabalho ou posição social. Isso faz com que surja nele a necessidade de mudança, com o desejo de

se criar algo novo, no caso um empreendimento, um novo negócio. Nessa questão também entra a vontade de se sentir

realizado e pleno, o que irá mover esse indivíduo a buscar atividades empreendedoras. O desejo mencionado faz com

que o empreendedor canalize uma imensa energia, capaz de garantir o progresso do empreendimento e sua melhoria

constante (Corrêa e Vale, 2014).

Os autores também explicam que, quando um trabalhador possui pouco interesse em realizar o trabalho do

dia a dia, que é rotineiro e cansativo, se ele possuir um perfil empreendedor, irá se dedicar a novas formas de trabalho.

Ele pode assumir riscos e abrir um novo negócio, pois possui as habilidades necessárias para lidar com as incertezas e

enfrentar um ambiente desconhecido. Esse indivíduo quer atrair para si a responsabilidade por um empreendimento e

buscará resultados concretos que provem que ele possui a capacidade de gerir o próprio negócio. Esse tipo de pessoa

geralmente possui características pessoais como a audácia, liderança, persistência e determinação.

3. EMPREENDEDOR X GERENTE

Muitos estudos buscam responder o questionamento sobre a diferença entre empreendedores e gestores e se

há ainda características em comum entre ambos. Filion (2000) faz uma diferenciação entre a formação empreendedora

e a formação gerencial, cujo resultado irá impactar diretamente na maneira do indivíduo executar sua gestão dentro de

Page 73: Asa palavra 23

145144

uma empresa. Ele cita, por exemplo, que, enquanto a formação gerencial foca a cultura de afiliação, a empreendedora

se baseia na cultura de liderança. A primeira busca centrar os estudos no trabalho em grupo e a segunda na progressão

individual.

O autor também traçou determinadas características de um empreendedor e de um gerente, no âmbito dos

sistemas gerenciais e procurou aplicá-las em seus estudos empíricos. Enquanto os gerentes preferem trabalhar com a

eficiência e o uso efetivo dos recursos para atingir os objetivos da empresa, os empreendedores, por exemplo, buscam

estabelecer primeiramente os objetivos para depois identificar os recursos que possam torná-los realidade.

Dando sequência ao mesmo raciocínio, Filion (2000) descreve os gerentes como adaptáveis às mudanças,

enquanto que os empreendedores são aqueles responsáveis pelas mudanças. Os primeiros utilizam da análise racional

para as decisões, enquanto os últimos preferem utilizar a imaginação e criatividade. Os gerentes também procuram

trabalhar dentro de uma estrutura padrão já existente e centrar suas atividades em processos relacionados ao meio em

que estão inseridos. Ao contrário, os empreendedores procuram criar novas estruturas de trabalho, ao mesmo tempo

em que se centram na criação de processos diante de uma visão diferenciada do meio em que se inserem.

Outra discussão sobre o perfil do empreendedor diz respeito quando um indivíduo decide abrir um negócio.

Muitas vezes, ele é o próprio gestor desta nascente empresa, ainda que não possua qualquer tipo de conhecimento e

habilidade gerencial. Contudo, quando se compara na literatura o perfil do empreendedor e do operador de pequeno

negócio, observam-se semelhanças e diferenças e que, por isso, deve-se analisar a fundo o comportamento de ambos a

fim de se delinear o sistema gerencial de um proprietário de pequeno negócio e o empreendedor.

Nesse sentido, Filion (1999) utiliza o ponto de vista dos elementos Planejamento, Organização, Comando e

Controle (POCC), de Fayol, para analisar o comportamento de empreendedores e gestores de pequeno negócio. O

autor alega que, embora haja uma gama de estudos acerca do tema, não há um número relevante de modelos gerenciais

baseados em pesquisas de campo que possam servir como base para resultados contundentes sobre a diferença desses

sistemas gerenciais. Dessa forma, o autor propõe dois modelos em sua pesquisa com o intuito de estudar os dois tipos

de gerentes proprietários: os empreendedores e os operadores.

As atividades gerenciais dos empreendedores contemplam cinco elementos fundamentais: a visão, a criação,

a animação, a monitoria e a aprendizagem; todos são voltados para a aprendizagem. A visão é o processo de projetar

o futuro, identificando os processos necessários para se alcançar a meta almejada. Dessa maneira, identificam-se três

categorias dentro desse processo visionário: a visão emergente, com ideias para futuros serviços ou produtos; a visão

central, que tipo de mercado a empresa estará inserida e como será a organização interna desta; e a visão complementar,

que engloba as atividades necessárias para dar suporte à concretização da visão central (Filion, 1999).

Na sequência, o autor acima explica o que seria a criação, sendo o processo de formular as atividades e tarefas

gerenciais a serem realizadas, fazer a estruturação do sistema de atividades e organizar a arquitetura do negócio. O

próximo elemento seria a animação, ou seja, a parte em que o negócio ganha vida e se concretiza. É neste momento em

que as tarefas são ligadas aos recursos humanos, com o recrutamento de mão-de-obra, surgindo a equipe, a liderança

e a motivação de todos os envolvidos.

A monitoria é o elemento que aparece no sistema gerencial dos empreendedores, quando o negócio já foi

criado e tomou forma; nesse nível, o empreendedor realiza o monitoramento das atividades dos recursos humanos,

faz comparações, análises e previsões e busca corrigir as imperfeiçoes para melhorar o sistema. Por fim, acontece a

aprendizagem, que é o quinto elemento descrito por Filion (1999), quando o empreendedor é capaz de raciocinar,

imaginar e, se preciso for, redefinir as visões central e complementar.

A título de comparação, Filion (1999) também traça o processo gerencial dos operadores, que tem como

elementos a seleção, o desempenho, a atribuição, a alocação, o monitoramento e por último o ajustamento; nota-se que

não aparece a aprendizagem. Assim sendo, a seleção trata-se da escolha que o indivíduo faz do tipo de negócio que

pretende ter; geralmente baseia-se em suas próprias habilidades e o mercado não importa na decisão dessa seleção. Na

sequência, o elemento desempenho diz respeito ao fato de que o próprio indivíduo realiza o trabalho, delegando pouco

e se ocupando mais do fazer do que do pensar e traçar estratégias.

A atribuição refere-se à forma como os operadores de pequenos negócios distribuem as tarefas aos seus

funcionários e como esses as desempenham; sempre de maneira rápida e correta, se preocupando apenas com o

cumprimento das atividades atribuídas a eles. O monitoramento é essencial para garantir que todo o sistema esteja

operando de maneira conveniente e correta, segundo a distribuição das tarefas. Por fim, os ajustes são feitos para

realinhar o processo (Filion, 1999).

Entende-se, dessa maneira, que os operadores de pequenos negócios são aqueles indivíduos que possuem

um empreendimento, mas que não desenvolveram qualquer tipo de inovação, característica dos empreendedores. Seus

negócios tendem a ficar estagnados e serem limitados, por não terem desenvolvido a visão empreendedora. Os operados

também estão muito focados no fazer, ao invés de focar no pensar, o que os limita ainda mais, quando poderiam utilizar

os recursos humanos para se ocuparem das atividades fins, com o intuito de se dedicarem ao planejamento estratégico.

4. A INTENÇÃO EMPREENDEDORA

Como não existem teorias definidas sobre o empreendedorismo e o perfil empreendedor, os pesquisadores sobre

o tema buscaram, ao longo de seus estudos, criar instrumentos de medição capazes de medir o perfil empreendedor de

acordo com várias características ou mesmo a intenção de abrir um novo negócio. Também foram criados instrumentos

para medir a continuidade de uma determinada empresa e até mesmo seu desempenho financeiro, entre outras medições

(Schimidt e Bohnenberger, 2008).

Ainda segundo Schimidt e Bohnenberger (2008), é importante destacar que ainda que existam vários instrumentos

de medição que levam os pesquisadores da área a determinados resultados, não há um consenso metodológico entre

esses autores. Isso porque existem muitas variáveis que podem determinar a intenção empreendedora.

Para Lopes e Souza (2005), o termo empreendedorismo possui significados divergentes no que tange à

diferenciação entre o proprietário de um pequeno negócio e um empreendedor. Essa questão norteia os estudos

dessa disciplina, com a produção de instrumentos de pesquisa que possam identificar as características e competências

empreendedoras. Assim, os autores traçaram em sua pesquisa quatro dimensões que visam identificar e mensurar a

atitude empreendedora. São elas: planejamento, realização, inovação e poder.

Além dos instrumentos de medição sobre o perfil e características do empreendedor, foi criado também um

Page 74: Asa palavra 23

147146

modelo para analisar os fatores de sucesso de uma pequena empresa. De acordo com Santos, Silva e Neves (2011), o

Brasil, diferentemente do que acontece em países de primeiro mundo, não possui muitos estudos em que se aplica a

metodologia de pesquisa científica para traçar os fatores que causam a mortalidade de pequenas empresas. Contudo,

alguns estudos apontam que a gestão financeira, a idade do empreendedor e a experiência no negócio e no setor de

atuação influenciam diretamente o sucesso e o fracasso das empresas brasileiras.

Assim, como outros estudiosos sobre o tema, os autores Mizumoto et al. (2010) propuseram três grupos de

fatores que, atuando em conjunto, podem influenciar o sucesso de um empreendimento, sendo eles: capital humano,

capital social e adoção de práticas gerenciais; essas últimas discutidas amplamente por Filion em várias de suas pesquisas,

inclusive nas duas que foram citadas anteriormente.

Explicando melhor o que seriam esses três grupos de fatores, Mizumoto et al. (2010) conceituam capital

humano como a formação de um indivíduo que permeia os investimentos, que visam a melhoria de suas habilidades

produtivas e conhecimentos. O capital social, por sua vez, é caracterizado como os recursos disponíveis para investimento

no empreendimento. Já as práticas gerenciais são as ações praticadas pelo empreendedor que visam o desenvolvimento

e crescimento da empresa, garantindo sua eficácia e a eficiência dos processos produtivos.

5. CONCLUSÃO

Após a discussão teórica acerca da conceituação do perfil empreendedor e os fatores que determinam a

intenção empreendedora chegou-se a conclusão de que existem três dimensões: características pessoais; habilidades,

experiência e formação acadêmica ou técnica; e influências externas. Grande parte dos autores abordam variáveis

semelhantes e que se completam, as quais foram classificadas nas dimensões acima citadas.

Para concluir a revisão da literatura acerca do perfil empreendedor, foi feita uma classificação das variáveis que

são características presentes naquelas pessoas que decidem empreender.

Dessa maneira, as variáveis presentes na dimensão características pessoais são: auto eficaz, assume riscos

calculados, planejador; detecta oportunidades; persistente; sociável; inovador; líder; criativo, propenso a correr riscos

moderados, visionário, possuidor da necessidade de realização, perseverante, possui as habilidades necessárias para

lidar com as incertezas e enfrentar um ambiente desconhecido; atrai para si a responsabilidade por um empreendimento;

audacioso, determinado.

As variáveis presentes na dimensão habilidades, experiência e formação acadêmica ou técnica são: participação

em programas de educação empreendedora; a utilização de plano de negócios; habilidades e competência da diretoria;

tempo para se dedicar ao novo negócio; foco com relação às prioridades, planejamento estratégico; número de

funcionários suficientes e condizentes com o negócio, experiência prévia, noções de marketing, gestão financeira, a

experiência no negócio e no setor de atuação; gastos na abertura do negócio.

As variáveis presentes na dimensão influências externas são: influência de atividades empreendedoras na

família; influência dos laços sociais; necessidade de alavancagem social; determinado grau de insatisfação em relação ao

trabalho e posição social.

Assim, de acordo com os autores apresentados neste estudo, as variáveis acima são características que

contemplam o perfil empreendedor, podendo a pessoa que empreende ter todas ou parte delas. Além disso, também

foram classificadas as características presentes no perfil do gerente e no perfil do empreendedor. Contudo, não se pode

dizer que um empreendedor não tenha determinadas características dos gerentes e vice-versa.

Dessa forma, a dimensão perfil gerencial apresenta as seguintes variáveis: foco na cultura de afiliação, trabalho

em grupo, desenvolvimento de autoconhecimento com foco na adaptabilidade, absorver conhecimento para uma

determinada área de especialização, preferem trabalhar com a eficiência e o uso efetivo dos recursos para atingir

os objetivos da empresa, adaptáveis ás mudanças, utilizam da análise racional para as decisões, procuram trabalhar

dentro de uma estrutura padrão já existente e centrar suas atividades em processos relacionados ao meio em que estão

inseridos.

A dimensão perfil empreendedor apresenta as seguintes variáveis: Cultura de liderança, progressão individual,

autoconhecimento com base na perseverança, ter conhecimento para garantir uma boa posição no mercado, buscam

estabelecer primeiramente os objetivos para depois identificar os recursos que possam torná-los realidade, responsáveis

pelas mudanças, preferem utilizar a imaginação e criatividade, procuram criar novas estruturas de trabalho, ao mesmo

tempo em que se centram na criação de processos diante de uma visão diferenciada do meio em que se inserem.

Assim, ao classificar as variáveis do perfil empreendedor, além de contrapor com aquelas do perfil gerencial,

abre-se espaço para novos estudos, em especial empíricos, que podem ser capazes de responder questões sobre a

forma como o perfil empreendedor pode influenciar no sucesso ou fracasso de empresas. Ou até mesmo, pesquisar

junto a empreendedores a presença das características pesquisadas, por meio de pesquisas qualitativas.

Page 75: Asa palavra 23

149148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Corrêa, V.S.; Vale, G. M. V. Redes sociais, perfil empreendedor e trajetórias. Revista de Administração. V.49, N.1,

p. 77-88, 2014.

Filion, L. J. Diferenças entre sistemas gerenciais de empreendedores e operadores de pequenos negócios.

Revista de Administração de Empresas. V.39, N.4, p. 6-20, 1999.

Filion, L. J. Empreendedorismo e gerenciamento: Processos distintos, porém complementares. Revista de

Administração de Empresas. V.7, N.3, p. 2-7, 2000.

Lopes, G.S.J.; Souza, E. C. L. Atitude empreendedora em proprietários-gerentes de pequenas empresas.

Construção de um instrumento de medida. REAd, V.11, N.6, 2005.

Mizumoto, F. M., Artes, R., Lazzarini, S. G., Hashimoto, M., Bedê., M. A. A sobrevivência de empresas nascentes

no estado de São Paulo: um estudo sobre capital humano, capital social e práticas gerenciais. Revista de

Administração. V.45, N.4, p. 343-355, 2010.

Santos dos, L. M.; Silva, G. M.; Neves, J. A. B. Risco de Sobrevivência de Micro e Pequenas Empresas Comerciais.

Revista de Contabilidade e Organizações. V. 5, N.11, p. 107-124, 2011.

Schmidt, S., Bohnenberger, M. C. A efetividade das ações para promover o empreendedorismo: o caso da

Feevale. REAd, V.14, N.1, 2008.

Siqueira, M.M., Guimarães, L.O. Singularidades do empreendedorismo brasileiro: subsídios para políticas

públicas de apoio aos novos negócios. Revista Gestão & Tecnologia. V.6, N.2, 2006.

Plantas Medicinais

Page 76: Asa palavra 23

151150

Estudo etnobotânico de plantas medicinais utilizadas em Piracema, Minas Gerais, Brasil

Flávia Maria Resende Silva1

Laura Diniz Oliveira2

Fernando César Silva3

RESUMO: O levantamento das plantas medicinais foi realizado no município de Piracema, Minas Gerais, Brasil,

visando resgatar o conhecimento etnobotânico dessa comunidade. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas

com raizeiros, donas de casas, agricultor, farmacêutica e um médico todos residentes no município. Os resultados

indicaram 44 espécies catalogadas, distribuídas em 44 gêneros e 29 famílias. A principal família foi a Asteraceae com

7 espécies citadas. O principal método de preparação foi a infusão e as indicações terapêuticas mais citadas foram:

gripes, problemas renais, intestinais e inflamações. A indicação terapêutica apontada pelos entrevistados para as plantas

medicinais mais utilizadas divergiram de documentos da ANVISA, o que merece atenção. A realização deste estudo,

pode preservar o conhecimento sobre plantas medicinais e contribuir para o uso racional dessas espécies, evitando usos

indevidos que podem gerar riscos à saúde da população.

Palavras-chave: Plantas Medicinais, Etnobotânica e Medicina Popular.

Ethnobotanic Study of medicinal plants of Piracema Municipality, Minas Gerais State, Brazil

ABSTRACT: The survey of medicinal plants of Piracema municipality, Minas Gerais state, Brazil, aims to survey

the knowledge of the ethnobotanical this community. It was surved semi-structured interview oh healers, housewife,

farmer, pharmaceutical, and one doctor every lives of the city. The results indicated 44 catalogued spices, distribution

on 44 genera and 29 families. The principal family is Asteraceae with 7 species mentioning. The methods principal of

preparation is an infusion and the indication mote: influenza, have a cold, problems renal, intestinal and inflammation.

The therapeutic indication by respondents pointed to the medicinal plants most used diverges from ANVISA documents,

which deserves attention. The realization of the study, beyond the preserver that knowledge that it is losing, contribute

for use rational of medicinal plants, to avoid the uses undue should take a risk the health.

Keywords: Medicinal Plants, Ethnobotany and Folk Medicine.

1 Faculdade de Farmácia, Universidade de Itaúna, 35.680-142, Itaúna-MG, Brasil2 Faculdade ASA de Brumadinho, 35.460-000, Brumadinho-MG, Brasil3 Faculdade de Farmácia, Universidade de Itaúna, 35.680-142, Itaúna-MG, Brasil / Faculdade ASA de Brumadinho, 35.460-000, Brumadinho-MG, Brasil / [email protected]

Page 77: Asa palavra 23

153152

INTRODUÇÃO

Considerada nos primórdios como manifestação divina, o emprego de plantas medicinais é tão antiga

quanto a própria civilização. Muitos povos dominavam seus segredos, muitas vezes associados à magia e rituais

religiosos. Buscavam na natureza recursos para melhorar suas próprias condições de vida, aumentando suas chances

de sobrevivência (YAMADA, 1998). Mesmo com o enorme arsenal de medicamentos desenvolvidos pela indústria

farmacêutica, ainda hoje, há certa resistência de uma parte da população mundial em consumir esses medicamentos

(PHILLIPSON, 2001). Isso pode estar relacionado ao fato do conhecimento sobre plantas medicinais simbolizar muitas

vezes o único recurso terapêutico de muitas comunidades e grupos étnicos (MACIEL et al., 2002), estando restrito a

elas. Por exemplo, 70-80% da população da Etiópia e da Índia ainda dependem da medicina tradicional como atenção

primária à saúde. Entretanto, a partir da década de 1990 o uso da medicina tradicional tem crescido, principalmente

em função do estímulo dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Autoridades Nacionais de Saúde de todo o

mundo foram convidadas a estudar formas de integrar medicina popular/medicina complementar ou alternativa em seus

sistemas de saúde (OMS, 2009). Muitos países estão regularizando e licenciando a venda desses produtos (KAPOOR et

al., 2009). Entretanto, o conhecimento sobre as plantas medicinais brasileiras está se perdendo, basicamente por dois

motivos principais: o desmatamento para expansão de áreas agropecuárias e atividades de mineração e o desinteresse

dos mais jovens em adquirir esse conhecimento, isto é, as informações sobre as plantas medicinais brasileiras não estão

sendo passadas para as novas gerações (LINS BRANDÃO et al., 2011; BATHIA, 2014).

Além de preservar as plantas medicinais é importante conhecê-las e caracterizá-las quanto ao uso, visto que,

em várias regiões do Brasil elas são comercializadas em feiras livres, mercados populares e encontradas em quintais

residenciais (MACIEL et al., 2002). Diversas espécies são consumidas com escassa ou nenhuma comprovação de suas

propriedades farmacológicas, difundidas por usuários ou comerciantes que afirmam “benefícios seguros, já que se

trata de fonte natural”. Comparada com a dos medicamentos usados nos tratamentos convencionais, a toxicidade de

plantas medicinais pode parecer trivial, porém isso não é verdade, visto que a toxicidade de plantas medicinais é um

problema sério de saúde pública (VEIGA JR. et al., 2005, p. 519). As principais causas da intoxicação por plantas e seu

agravamento (PARDAL, 2006), são:

• A existência de vários nomes populares para uma mesma espécie, o que ocasiona

dificuldades na sua identificação;

• Variação de nomenclatura entre botânicos;

• Desconhecimento da equipe de saúde que atende uma vítima, de qual ou quais são os

princípios ativos da planta e muito menos em que concentrações se encontram. Esse fato

decorre da não contemplação do assunto nos currículos médicos e,

• Indefinição da dose, pois raramente se sabe qual a quantidade total ingerida ou absorvida,

o que torna muito difícil estabelecer qualquer prognóstico.

Considerando que, em muitas cidades do interior do Brasil, o trabalho e o conhecimento dos raizeiros são

procurados como alternativa ou complemento a tratamentos convencionais, este trabalho propõe: listar e caracterizar

o uso de plantas medicinais utilizadas no município de Piracema, Minas Gerais, Brasil. Além disso, apresentar o uso

terapêutico das plantas mais citadas dentre as indicadas, de acordo com documentos da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (ANVISA).

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

O estudo foi realizado no município de Piracema (latitude: 20º 30’ 28” S e longitude: 44º 28’ 57” W), região

centro-oeste do estado de Minas Gerais, Brasil. Localizada a 120 km da capital, Belo Horizonte, possui 280,335 Km2

de extensão e sua população composta por 6.406 habitantes, sendo que, 3.034 residem na área urbana e 3.372 na

área rural (IBGE, 2010). O clima, predominante, tropical de altitude, o relevo planáltico e vegetação típica de cerrado.

A principal fonte de renda está baseada em atividades agropecuárias e serviços, tais como, prefeitura e escola

estadual. Na área urbana há uma Unidade de Saúde que atende casos mais simples, enquanto que, os demais são

encaminhados para a capital ou outras cidades de maior porte. A Unidade de Saúde conta também, com a Farmácia de

Minas que oferece alguns medicamentos gratuitos aos pacientes. Na área rural há dois Postos de Saúde da Família (PSF),

oferecendo serviços de pequeno porte para os moradores.

Instrumento de coleta de dados

Inicialmente, o trabalho foi submetido (protocolo registro: CAAE: 22201013.5.0000.5144) e aprovado

(parecer: 421.916/13) pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos – CEP/Universidade de Itaúna, de

acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Entrevistas semi-estruturadas (nome popular, método

de preparo e indicações terapêuticas) foram realizadas com 12 moradores conhecidos no município de Piracema por

indicarem as plantas medicinais para o tratamento de enfermidades. Dentre os entrevistados, incluem-se: 04 raizeiros,

05 donas de casa, 01 agricultor, 01 farmacêutica e 01 médico. As entrevistas ocorreram nos meses de setembro e

outubro de 2013. As entrevistas foram realizadas com o consentimento dos entrevistados e, para isso, os Termos de

Consentimento Livre Esclarecido – TCLE, de acordo com o modelo elaborado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com

Seres Humanos – CEP/Universidade de Itaúna, foram preenchidos.

As plantas medicinais indicadas foram fotografadas e coletadas para sua identificação taxonômica. Essa

identificação foi realizada por meio de comparação e consultas em literatura especializada (GRANDI et al., 1989;

ALVES & POVH, 2013). Após identificação, as plantas foram categorizadas em famílias e caracterizadas quanto: a parte

utilizada, o método de preparo e a indicação terapêutica. Além disso, pesquisas em documentos da ANVISA foram

realizadas, visando obter informações sobre as indicações terapêuticas das espécies mais citadas dentre as indicadas.

Page 78: Asa palavra 23

155154

RESULTADOS

Dos 12 entrevistados neste estudo, 10 possuem idade superior a 50 anos e dois possuem idade inferior a 50

anos. Quanto à escolaridade, a maioria dos participantes não concluiu o Ensino Fundamental e somente dois cursaram o

Ensino Superior. Apenas um dos entrevistados mora na zona rural, visto que a maioria são aposentados e, atualmente,

residem na zona urbana. As plantas são cultivadas no próprio quintal dos entrevistados e alguns possuem acesso às

matas próximas da área urbana.

Neste estudo as plantas medicinais foram distribuídas em 29 famílias, 44 gêneros e 44 espécies, conforme

representado na Tabela 1.

Tabela 1: Família, nome popular e científico, número de citação (NC), parte da planta utilizada (PU), método

de preparo (MP) e indicação terapêutica (IT) citada pelos moradores de Piracema, Minas Gerais, Brasil.

Família Nomepopular

Nomecientífico NC PU MP IT

Alismataceae Chapéude couro

Echinodorus macro-phyllus 1 Folhas Infusão

Problemas intestinais e diminuição

de ácido úrico

Amaranthaceae Terramicina Alternanthera dentata 6 Folhas Infusão

Inflamações, ferimentos e problemas urinários

Arecaceae Macaúba Acrocomia aculeata 1 Fruto InfusãoProblemas digestivos e

feridas

Asteraceae ou Compositae

Losna Artemisia absinthium 2 Folhas DecocçãoProblemas

estomacais e cólicas

MarcelaAchyrocline satu-

reioides 4 Folhas InfusãoDisenteria,

úlcera e diar-reia

CamomilaMatricaria chamo-

milla 1 Folhas Infusão Calmante e inflamação

Guaco Mikania glomerata 5 Folhas Infusão Gripes e tosses

Arnica Arnicamontana 3

Folhas, galhos e semen-

tes

Infusão

Inflamação, reumatismo e picada de

insetos

Mentraste Ageratum conyzoides 4 Partesaéreas Infusão

Problemas intestinais e resfriados

Picão Bindes pilosa 1Folhas e/ou

raízes

Infusão ou De-cocção

Problemas renais

Carqueja Baccharis trimera 1 Folhas Infusão Problemas renais

Bignoniaceae

Cervejinha do campo

Arrabidaea brachy-poda 7 Raízes Decocção

Problemas renais

Flor de São João Pyrostegia venusta 1 Flores Infusão

Manchas e vitiligo

Bixaceae UrucumBixa

orellana 2 Frutos DecocçãoGripes e

problemas pulmonares

Caprifoliaceae Sabugueiro Sambucus australis 1 Folhas Infusão Gripe

Celastraceae Espinheira santa Maytenus ilicifolia 4 Folhas Infusão

Problemas estomacais e dor nas

pernas

Cochlosperma-ceae

Algodãoz-inho do campo

Cochlospermum regium 1

Frutos e semen-

tesInfusão

Depurativo, inflamação e

derrame

Euphorbiaceae Quebra-pedra Phyllanthus niruri 2 Folhas e

raízes

Infusão ou De-cocção

Problemas renais,

inflamação e artrite

FabaceaeUnha de

Vaca Bauhinia forficata 1 Folhas e flores Infusão Depurativo e

alergia

Barbatimão Stryphnodendronadstringens 1 Cascas Decocção Inflamação

Page 79: Asa palavra 23

157156

LamiaceaeAlecrim Rosmarinus offici-

nalis 3 Galhos e ramos Infusão

Dor no peito, sinusite e

tosse

Poejo Mentha pulegium 4 Folhas e galhos Infusão Bronquite,

gripe e tosse

Lauraceae Abacate Persea gratissima 1 Folhas secas Infusão Problemas

renais

Lilliaceae Babosa Aloe vera 1 Folhas Infusão Hipertensão

Malvaceae Algodão Gossypium herba-ceum 1 Folhas Infusão Inflamação

Myrtaceae Goiaba Psidium guajava 2 Folhas Infusão Dor de bar-riga

Passifloraceae Maracujá Passiflora alata 3 Folhas e cascas

Infusão ou De-cocção

Calmante

Plantaginaceae Transsagem Plantago major 6 Folhas Infusão Inflamação

Poaceae

Erva cidreira Cymbopongon ci-tratus 6 Folhas Infusão Calmante e

sinusite

Cabelo de Milho Zea mays 5

Estig-mas

secosInfusão Problemas

renais

Polygonaceae Erva de Bicho Polygonum acre 1 Galhos Infusão Hemorroidas

Punicaceae Romã Punica granatum 4 FrutosDecocção

ou in-fusão

Inflamação na garganta e

boca

Rosaceae

Flagraia Fragaria vesca 2 Folhas InfusãoAssadura e

problemas na garganta

Rosa branca Rosa centifolia 2 Flores (pétala) Infusão

Problemas na garganta, boca e útero, cicatrizante e

depurativo

Rubiaceae

Unha de Gato Uncaria tomentosa 1 Ramos

e cipós Decocção Reumatismo e inflamação

Veludo branco

Guettarda viburnoi-des 1 Folhas Infusão Problemas

urinários

Rutaceae Arruda Ruta graveolens 2 Galhos Macera-ção

Cólicas e inflamação

Samydaceae Erva de Lagarto Casearia sylvestris 2 Folhas Infusão Reumatismo

Solanaceae Panacéia Solanum cernuum 2 Folhas Infusão

Depurativo, inflamação e infecções bacterianas

Tropaeolaceae Chaga Tropaeolum majus 1 Folhas e flores Infusão Problemas

cardíacos

Umbelliferae

Aipo Apium graveolens 1 Folhas Infusão Regula a menstruação

Funcho Foeniculum vulgare 4 Galhos e folhas Decocção Calmante,

gripe e gases

Salsa Petroselinum crispum 3 Raízes Decocção Diarreia

Violaceae Suma branca Anchietea salutaris 1 Raízes Decocção Depurativo

A família Asteraceae contou com o maior número de espécies citadas (oito) e, em seguida, a família Umbelliferae

com três. As famílias Bignoniaceae, Fabaceae, Lamiaceae, Poaceae, Rosaceae e Rubiaceae contando com duas cada, e

as demais com apenas uma.

Dentre as plantas indicadas pelos moradores, aquelas com o maior número de citação foram: Arrabidaea

brachypoda (cervejinha do campo) (7); Alternanthera dentata (terramicina), Plantago major (transsagem)

e Cymbopongon citratus (erva cidreira) (6); Mikania glomerata (Guaco) e Zea mays (cabelo de milho) (5) e,

Achyrocline satureioides (marcela), Ageratum conyzoides (mentraste), Maytenus ilicifolia (espinheira santa),

Mentha pulegium (poejo), Punica granatum (romã) e Foeniculum vulgare (funcho) (4).

As indicações terapêuticas citadas se referem à gripe, problemas renais, intestinais e inflamações. A forma de

preparo mais comum é por infusão, na qual à parte da planta selecionada adiciona-se água fervente e tampa o recipiente

em seguida.

DISCUSSÃO

As análises deste estudo foram qualitativas, pois o número de entrevistados e espécies citadas foi muito

pequeno. Embora, Piracema seja um município cercado por diversas matas de pequeno porte, pode-se inferir que

poucas pessoas possuem o conhecimento popular a partir de plantas medicinais.

Observa-se que a maioria dos entrevistados possuem idade superior a 50 anos, possuem baixo nível de

escolaridade e já residiram em regiões rurais o que pode-se justificar esse conhecimento a cerca de plantas medicinais.

Embora, a amostragem seja muito pequena, pode-se relacionar aos estudos de Lins Brandão e colaboradores (2011)

sobre o desconhecimento das novas gerações sobre a variedade de plantas que podem curar doenças.

Em todo país, por meio da ANVISA, melhorias ocorreram no que se refere à regulamentação de preparações

vegetais. Nos últimos anos, vários regulamentos foram publicados, abordando o uso dessas preparações sem

prescrição médica (CARMONA & PEREIRA, 2013). Para uma análise da indicação terapêutica das plantas mais

citadas pelos moradores, dentre as indicadas neste trabalho, uma pesquisa foi realizada nos documentos publicados

pela ANVISA (2010).

As folhas de Plantago major (transsagem) são indicadas de forma tópica em inflamações da boca e faringe.

Possui contra indicação em casos de hipertensão arterial, obstrução intestinal e gravidez. A preparação não pode

conter cascas da semente e nem ser ingerida. A indicação das folhas de Cymbopongon citratus (erva cidreira) está

relacionada às cólicas intestinais e uterinas, podendo ser utilizada também, em casos de insônia. Não possui contra

Page 80: Asa palavra 23

159158

indicação aparente, mas há relatos de aumento do efeito de medicamentos sedativos. As folhas de Mikania glomerata

(guaco) são utilizadas como expectorante no combate a gripes e resfriados, bronquites alérgicas e infecciosas. Doses

elevadas podem provocar vômitos, diarreia e interferir na coagulação sanguínea. Há possibilidade de interação com anti-

inflamatórios não esteroidais. As folhas e flores de Achyrocline satureioides (marcela) podem ser utilizadas contra má

digestão, cólicas intestinais, como sedativo leve e anti-inflamatório. Não são mencionadas contra indicações. As partes

aéreas, exceto as flores, de Ageratum conyzoides (mentraste) são usadas de forma oral por adultos no combate a

dores articulares e reumatismo. São contra indicadas para pessoas com problemas hepáticos e nunca ser usada por

três semanas consecutivas. As folhas de Maytenus ilicifolia (espinheira santa) são empregadas como coadjuvante no

tratamento de gastrite e úlcera duodenal. São contra indicadas para crianças menores de seis anos e em grávidas até o

terceiro mês de gestação e lactantes, pois promove a redução do leite. Os efeitos adversos são secura, gosto estranho

na boca e náuseas. As partes aéreas de Mentha pulegium (poejo) são indicadas para o tratamento de afecções

respiratórias, perturbações digestivas, espasmos gastrointestinais, cálculos biliares e colecistite, e também, como

estimulante do apetite. Possui as seguintes contra indicações: em casos de gravidez, lactação e em crianças menores de

6 anos. A administração em doses e tempo de uso acima dos recomendados pode promover danos no fígado. As cascas

do fruto de Punica granatum (romã) são indicadas para uso tópico contra inflamações e infecções da mucosa da boca e

faringe, e também, como anti-inflamatório e anti séptico. A ingestão da preparação pode provocar zumbidos, distúrbios

visuais, espasmos na panturrilh a e tremores (BRASIL, 2010). As espécies Arrabidaea brachypoda (cervejinha do

campo), Alternanthera dentata (terramicina), Zea mays (cabelo de milho) e Foeniculum vulgare (funcho) não

foram mencionadas nos documentos analisados. Percebe-se que, muitas das indicações terapêuticas informadas

pelos entrevistados para as plantas mais citadas divergem das informações fornecidas pelos documentos da ANVISA.

Isso sugere uma atenção por parte de pesquisadores em plantas medicinais e profissionais da saúde, pois riscos de

intoxicação estão associados ao uso indevido dessas espécies vegetais. Dessa forma, a realização de estudos químicos

e farmacológicos que confirmem as indicações terapêuticas indicadas pelos entrevistados precisam ser realizadas.

Estudo leva a reflexão de um uso racional e correto das plantas medicinais, obtendo resultados eficazes para

as patologias da região. Evitando-se a automedicação e o uso incorreto dessas plantas, que podem gerar intoxicações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, G. S. P.; POVH, J. P. Estudo etnobotânico de plantas medicinais na comunidade de Santa Rita, Ituiutaba –

MG. Revista Biotemas, v. 26, n.3, p. 231-242, 2013.

BHATIA, H.; SHARMA, Y. P.; MANHAS, R. K.; KUMAR, K. Ethnomedicinal plants used by the villagers of district

Udhampur, J&K, India. Journal of Ethnopharmacology, v. 151, n. 2, p. 1005-1018, Feb. 2014.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 10, de 09 de março de 2010. Dispõe sobre

a notificação de drogas vegetais junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e dá outras providências.

Guia de notificação de drogas vegetais. Diário Oficial da União, nº 46, 10 de março de 2010. Anexo I. p. 8.

CARMONA, F.; PEREIRA, A. M. S. Herbal medicines: old and new concepts, truths and misunderstandings. Revista

Brasileira de Farmacognosia, v. 23, n. 2, p. 379-385, 2013.

GRANDI, T. S. M.; TRINDADE, J. A.; PINTO, M. J. F.; FERREIRA, L. L.; CATELLA, A. C. Plantas Medicinais de Minas

Gerais, Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 3, n. 2, p. 185-224, 1989.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades, Piracema, Minas Gerais. 2010. Disponível

em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=315060&search=min asgerais|piracema.

Acesso em 10 de outubro de 2013.

KAPOOR, V. K.; DUREJA, J.; CHADHA, R. Herbals in the control of ageing. Drug Discovery Today, v. 14, n. 19-20,

p. 992-998, 2009.

LINS BRANDÃO, M. G. L.; GRAEL, C. F.; FAGG, C. W. European naturalist and medicinal plants of Brazil. In: GRILLO,

O.; VENORA, G. Biological Diversity and Sustainable Resources Use. Rijeka, Croatia: InTech Editions; p.101-120,

2011.

MACIEL, M. A. M.; PINTO, A. C.; VEIGA JR., V. F.; GRYNBERG, N. F.; ECHEVARRIA, A. Plantas Medicinais: A

necessidade de estudos multidisciplinares. Química Nova, v. 25, n. 3, p. 429-438, 2002.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Herbal and Traditional Medicines. WHO Drug Information. v. 23, n.

1, p. 8-11, 2009.

PARDAL, P. P. O. Envenenamento por plantas. Módulo XI. Curso de Toxicologia NUTES/UFRJ. 2006. Disponível em:

http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mXI.gast.htm Acesso em 10 de outubro de 2013.

PHILLIPSON, J. D. Phytochemistry and medicinal plants. Phytochemistry, v. 56, n. 3, p. 237-243, 2001.

VEIGA JR., V. F.; PINTO, A. C.; MACIEL, M. A. M. Plantas Medicinais: cura segura? Química Nova, v. 28, n. 3, p.

519-528, 2005.

YAMADA, C. S. B. Fitoterapia: sua história e importância. Revista Racine. v. 43, n. 8, p. 50-51, 1998.

Page 81: Asa palavra 23

160