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A SABEDORIA DA VIDA Carlos Cardoso Aveline (Membro da Sociedade Teosófica pela Loja Brasília, de Brasília-DF) (Apresentamos aqui os dois primeiros capítulos do livro "O Poder da Sabedoria", de Carlos Cardoso Aveline; para ver uma resenha deste e de outros livros veja o catálogo da Editora Teosófica ). Conta uma antiga história árabe que um homem velho fazia uma avaliação da sua vida conversando e tomando chá com os amigos em um final de tarde. Ia contando suas histórias, narrando episódios da sua longa existência e tirando lições, vendo significados, passando experiência para seus amigos: "Quando eu era jovem, era implacável. Queria que todos despertassem. Rezava a Alá para que me desse forças e instrumentos para mudar o mundo." Mas naquela época o homem não tinha muito discernimento, e devido à sua inexperiência cometeu erros numerosos. "Quando eu tinha meia-idade, acordei certo dia e vi que já se havia passado metade da minha vida; o mundo aparentemente continuava o mesmo, e eu não havia conseguido mudar nem uma única pessoa. Rezei, então, para que Alá me desse forças para mudar aqueles mais próximos de mim, que tanto precisavam." O tempo passou. A tentativa de mudar os outros, mesmo os mais próximos, não pareceu ser exatamente um êxito estrondoso: "Agora estou velho", disse o homem, "e minha prece é mais simples. Peço apenas: ‘Alá, dai-me forças para mudar a mim mesmo.’ " O homem estava basicamente certo, ao chegar à velhice, embora na verdade mudar a si mesmo não seja diferente de mudar os mais próximos ou o mundo. Tudo está interligado, e é mudando a si mesmo que se obtém o poder da sabedoria e se consegue mudar o mundo para melhor. A história acima assinala claramente o fato de que é inútil pretender mudar a sociedade por fora sem que haja uma mudança básica em cada cidadão. Além disso, a história mostra ainda outra coisa. Um jovem pode pensar que é quase eterno e onipotente, porque tem quase toda a

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Conta uma antiga história árabe que um homem velho fazia uma avaliação da sua vida conversando e tomando chá com os amigos em um final de tarde. Ia contando suas histórias, narrando episódios da sua longa existência e tirando lições, vendo significados, passando experiência para seus amigos:

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A SABEDORIA DA VIDACarlos Cardoso Aveline

(Membro da Sociedade Teosófica pela Loja Brasília, de Brasília-DF)(Apresentamos aqui os dois primeiros capítulos do livro "O Poder da Sabedoria", de Carlos Cardoso Aveline; para ver uma resenha deste e de outros livros veja o catálogo da Editora Teosófica).

Conta uma antiga história árabe que um homem velho fazia uma avaliação da sua vida conversando e tomando chá com os amigos em um final de tarde. Ia contando suas histórias, narrando episódios da sua longa existência e tirando lições, vendo significados, passando experiência para seus amigos:

"Quando eu era jovem, era implacável. Queria que todos despertassem. Rezava a Alá para que me desse forças e instrumentos para mudar o mundo."

Mas naquela época o homem não tinha muito discernimento, e devido à sua inexperiência cometeu erros numerosos.

"Quando eu tinha meia-idade, acordei certo dia e vi que já se havia passado metade da minha vida; o mundo aparentemente continuava o mesmo, e eu não havia conseguido mudar nem uma única pessoa. Rezei, então, para que Alá me desse forças para mudar aqueles mais próximos de mim, que tanto precisavam."

O tempo passou. A tentativa de mudar os outros, mesmo os mais próximos, não pareceu ser exatamente um êxito estrondoso:

"Agora estou velho", disse o homem, "e minha prece é mais simples. Peço apenas: ‘Alá, dai-me forças para mudar a mim mesmo.’ "

O homem estava basicamente certo, ao chegar à velhice, embora na verdade mudar a si mesmo não seja diferente de mudar os mais próximos ou o mundo. Tudo está interligado, e é mudando a si mesmo que se obtém o poder da sabedoria e se consegue mudar o mundo para melhor. A história acima assinala claramente o fato de que é inútil pretender mudar a sociedade por fora sem que haja uma mudança básica em cada cidadão.Além disso, a história mostra ainda outra coisa. Um jovem pode pensar que é quase eterno e onipotente, porque tem quase toda a vida pela frente. Mas a realidade é outra, como dizem os mais velhos: "A vida só parece longa quando está no começo". Por este motivo, os sábios vivem como se fossem hóspedes do planeta, e com isto deixam de lado a arrogância comum dos mortais.Para ilustrar a virtude da modéstia, cabe lembrar uma história judaica. No século dezenove, um belo dia, um turista norte-americano foi visitar um famoso rabino polonês. Ficou surpreso ao

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ver que o rabino morava num quarto simples, cheio de livros, onde só havia uma mesa e um banco de madeira.– "Onde estão seus móveis?", perguntou ao rabino.– "E os seus?", retrucou o religioso.– "Os meus? Mas eu estou aqui só de passagem e por pouco tempo", respondeu o turista.– "Eu também", arrematou o velho rabino.É possível, portanto, que uma postura social e ecologicamente correta por parte da nossa população não dependa tanto de uma questão de propaganda, ou de educação intensiva de fora para dentro, mas sim de uma capacidade das pessoas enxergarem melhor suas próprias vidas, e assim não fugirem mais tanto de si mesmas no consumismo desenfreado que gera injustiça social e destrói o ambiente natural.Quanto à necessidade inegável de mudar o mundo enquanto mudamos a nós mesmos, há aquela sábia oração cristã: "Senhor, dá-nos coragem para mudar o que deve ser mudado, paciência para tolerar o que não pode ser mudado, e sabedoria para distinguir uma coisa da outra."Ao buscar cumprir esta tarefa tríplice, descobrimos que não há uma linha divisória que separe o nosso eu dos outros, ou o que é espiritual do que é mundano. Para saber orientar-nos, é preciso ouvir a voz mais elevada do nosso coração, que não busca só o nosso bem, mas a felicidade de todos os seres. Este contato interior, porém, depende de um esforço constante e ordenado em todos os aspectos da nossa vida, como veremos nos próximos capítulos.

A Prática DiáriaO tempo é precioso. É verdade que os minutos, às vezes, parecem escorrer lentamente. Mas uma vida inteira pode derramar-se com rapidez surpreendente pela repetição ilimitada do momento presente que chamamos de "agora".No plano material, nossa eternidade – que é interior – não existe. O passado é feito de memórias; o futuro é imaginação. O tempo que nos é dado viver escoa de instante em instante. O período de uma existência humana é relativamente breve e deve ser aproveitado da melhor forma possível.A vida se enriquece quando ultrapassa a mera busca de conforto físico, emocional ou mental. No entanto, isso requer disciplina, criatividade, desapego e um amplo conjunto de virtudes que cada um irá desenvolvendo ao longo do tempo de acordo com suas próprias decisões.Para o Dr. Jayadeva Yogendra - instrutor do The Yoga Institute, na Índia (1) um programa pessoal para uma vida dedicada ao crescimento interior pressupõe os seguintes pontos básicos:

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1) Aceitar os desafios – "Ioga é a arte de viver", diz ele. Na ioga, aprendemos a aceitar a vida como ela é, a buscar seu significado, a desenvolver confiança no futuro. É preciso observar a realidade serenamente, sem as distorções nascidas do apego ou da rejeição.2) Colocar nossos deveres numa escala de prioridades – Para definir prioridades, precisamos estudar nossas próprias motivações. Como me relaciono com a vida? Cada vez que decido fazer algo, surge em mim um sentimento de dever capaz de fazer com que a decisão seja cumprida até o final? Posso cumprir meus deveres sem esperar recompensas, mas experimentando o prazer do trabalho bem feito?3) Participar plenamente da vida – A sinceridade, a devoção e a consciência do dever geram atenção e concentração. A estabilidade da nossa atitude mental deve ser cultivada. Assim, o significado do trabalho começado torna-se cada vez maior. Nosso nível de consciência passa por uma mudança sutil, mas abrangente.4) Ampliar constantemente nossos horizontes – Devemos superar nossa visão limitada de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. Fora dos muros da preocupação egoísta está a consciência mais ampla que percebe o verdadeiro sentido da vida. Devemos ter uma direção definida na vida, porque a dispersão de metas impede uma existência que produza frutos duradouros.

Quando se pensa em um programa de autodesenvolvimento espiritual, o primeiro grande desafio é reunir a determinação necessária para colocá-lo em prática. Uma mente concentrada e organizada será vitoriosa, a curto ou longo prazo, especialmente se a meta escolhida for pura e altruísta. Uma mente dispersa ou dividida, em compensação, é fonte certa de indecisão e fracassos."Toda tendência da nossa vida moderna, com seus confortos", escreveu Clara Codd (2), "é destruir nossa vontade e nossa capacidade de resistência". Só tem um rumo claro aquele que é capaz de dizer não a si mesmo e de enfrentar dificuldades; aquele que tem mais prazer em fazer a coisa certa do que em fazer a coisa fácil.No início, fazer o que é correto pode ser difícil. Com o tempo, torna-se um hábito agradável. A disciplina, no princípio, é como veneno, mas acaba sendo como néctar, ensina o Bhagavad-Gita. "O homem auto-indulgente nunca pode vir a ser o santo, o iluminado, aquele que irradia Deus", explica Clara Codd.Outra fonte de dificuldades é a indecisão. Ninguém com esta característica pode ser feliz por muito tempo. Tomada a decisão de seguir por um caminho, é preciso ir adiante, mesmo que as emoções resmunguem o contrário. Depois de um bom tempo, pode-se fazer uma avaliação dos resultados e corrigir a estratégia, se necessário.

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Um dos maiores pensadores e líderes políticos norte-americanos, Benjamin Franklin, era também um verdadeiro místico. Ele concebeu um plano simples e original para atingir a autodisciplina na vida diária.Em 1728, segundo ele conta em sua famosa Autobiografia (3), Franklin definiu como meta "chegar à perfeição moral". Queria eliminar todos os erros que a inclinação natural, o costume ou a convivência com outras pessoas pudessem induzi-lo a cometer. Mas logo descobriu que havia empreendido uma tarefa muito mais complexa e difícil de executar do que imaginava. "Quando punha todo o meu empenho em evitar um erro, era, com freqüência, surpreendido por outra falha", confessou.Franklin havia encontrado, em várias obras, diferentes listas de virtudes e qualidades morais a desenvolver. Convencido de que quem não consegue mudar a si mesmo tampouco pode mudar o mundo ou alcançar uma vida feliz, resolveu elaborar a sua própria lista e pôr mãos à obra com todo o seu espírito prático. Entre as virtudes que selecionou estão as seguintes:

1) Moderação no comer e beber – Nunca ir até a saciedade.2) Silêncio – Falar apenas o que pode beneficiar os outros ou a si próprio. Evitar conversações ociosas.3) Ordem – Fazer com que todas as coisas tenham seu lugar e cada atividade seja realizada em seu devido tempo.4) Economia e simplicidade – Não fazer gasto algum, a não ser para fazer o bem aos outros ou a si mesmo. Não desperdiçar.5) Decisão firme – Decidir realizar o que deve ser feito, e então fazer o que foi decidido.6) Trabalho intenso – Não perder tempo. Ocupar-se sempre de uma coisa útil. Eliminar todas as ações desnecessárias.7) Sinceridade – Não empregar estratagemas ou truques prejudiciais. Pensar de modo reto e imparcial e dizer o que pensa.8) Tranqüilidade – Não se deixar perturbar com pequenas coisas, nem com fatos inevitáveis.

Como Franklin queria transformar em hábito as virtudes que havia selecionado, decidiu priorizar a cada semana uma delas. Para avaliar seus progressos, passou a registrar diariamente seu desempenho em relação às qualidades que buscava desenvolver, dando especial atenção à virtude escolhida para aquela semana.Franklin via Deus como a fonte de toda sabedoria, e achou que seria necessário solicitar Sua ajuda. Para isso compôs a seguinte oração, que inscreveu nos seus quadros de auto-exame para uso diário:

"Ah, poderosa Bondade! Generoso Pai! Piedoso Mestre! Faze aumentar em mim aquela sabedoria que me revelará meus verdadeiros interesses. Fortalece minha decisão, para que eu possa realizar o que esta sabedoria ditar. Aceita o meu auxílio

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aos teus outros filhos como a única retribuição que me é possível dar em troca do constante auxílio que me concedes."

As religiões ocidentais e orientais parecem apontar para o mesmo caminho básico, e Benjamin Franklin poderia ter sido taoísta sem abandonar nenhum item do seu programa de vida. O Taoísmo é uma tradição de sabedoria diretamente voltada às coisas simples da vida cotidiana e à comunhão despretensiosa com a natureza. Isso é evidente, por exemplo, em relação à alimentação. "A principal regra para a dieta dos seguidores do Taoísmo é comer moderadamente", observa John Blofeld (4).Para os taoístas, libertar a mente dos pensamentos pretensiosos é parte essencial do Caminho. Só deixando de lado as expectativas pessoais é que se alcança o estado permanente de profunda tranqüilidade mental exigido daquele que pretende perceber a Lei.Livres de pretensões pessoais, os sábios chineses são imperturbáveis e ensinam mais pelo exemplo do que por discursos ou elaborações mentais. A atitude cotidiana recomendada por eles é a de ser como o bambu: flexível o suficiente para não se quebrar, curvando-se sob a ação dos ventos, mas forte o bastante para não perder a integridade, mantendo sua base firme no solo.A qualidade de ser despretensioso foi acrescentada, com outra denominação, entre as virtudes de Franklin. Inicialmente, essa qualidade não constava do seu quadro. Mas um dia um amigo lhe disse que várias pessoas o consideravam orgulhoso, polêmico e demasiado seguro de seus próprios pontos de vista. Franklin aproveitou a indicação e acrescentou mais um item em sua lista de objetivos: "humildade". Anos mais tarde escreveu:

"Não posso vangloriar-me de ter tido grande êxito na aquisição desta virtude, mas consegui muito quanto à sua aparência. Adotei a norma de evitar todas as contradições diretas aos sentimentos alheios, bem como qualquer afirmação positiva dos meus próprios. Cheguei mesmo a proibir-me o uso de qualquer expressão que significasse uma opinião fixa, como ‘certamente’, ‘indubitavelmente’, etc., adotando em seu lugar ‘penso que’, ‘creio que’, ‘parece-me até o momento’, etc."

Pode-se dizer que o método de auto-aperfeiçoamento de Franklin consiste essencialmente em escolher algumas qualidades que desejamos desenvolver para acelerar a formação do nosso próprio caráter, alcançando mais felicidade e gerando menos desencontros nas nossas relações com outras pessoas.Uma prática saudável é a de examinar imparcialmente as críticas que nos são feitas. Até os adversários têm algo a ensinar. "Não há amigos ou inimigos, há somente instrutores", diz um axioma da filosofia esotérica. Ouvir nossa própria consciência, no entanto, é ainda mais importante do que ouvir amigos e inimigos.

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A grande vantagem de registrar no papel o modo como percebemos a vida hoje é que, amanhã, será mais fácil avaliar nossa própria evolução. Como disse J. de la Bruyére, "aqueles que utilizam mal o tempo são os primeiros a se queixar de sua brevidade, e, ao contrário, os que fazem melhor uso dele o têm de sobra".A ciência de viver consiste, em parte, em saber usar da maneira mais eficaz e sábia o tempo limitado de uma vida humana, observando o funcionamento da lei de causa e efeito, e aprendendo a pensar e agir corretamente, para que a lei do carma aja a nosso favor.

Ação Prática

Despertando o Poder da SabedoriaFaça uma pequena lista de qualidades positivas em que você é forte. Depois identifique duas ou três qualidades positivas em que você gostaria de ser mais vigoroso. Escolha uma delas e use sua criatividade para aplicá-la em sua vida diária nos próximos três dias. Ao final do período, faça um balanço da experiência. Se o saldo for positivo, escolha outra qualidade positiva e a pratique como prioridade durante sete dias, revisando à noite como foi o desempenho de cada dia. Anote os resultados. Você verá como o desenvolvimento de uma qualidade positiva faz parte de todo um contexto, porque as qualidades avançam sempre em conjunto e não isoladamente. Mas verá também que a construção do nosso caráter não termina com o início da vida adulta. É uma tarefa de longo prazo que só pode ser feita por nós mesmos.Sinta-se livre para aplicar o sistema de auto-aperfeiçoamento interior usado por Benjamin Franklin e descrito antes neste capítulo.