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Aspectos jurídicos da licitação na parceria público-privada

Fernando Vernalha GuimarãesDoutor em Direito do Estado pela UFPR. Professor de Direito Administrativo de diversas instituições.

Advogado e consultor em Direito Público.

Resumo: O artigo trata do regime jurídico das licitações de parceria público- privada (Lei nº 11.079/2004). As análises propostas são de cunho preponde-rantemente dogmático. A partir da definição estrutural da licitação da PPP em etapa interna e etapa externa, são analisados primeiramente os aspectos mais relevantes da tramitação interna, como os estudos e demonstrações imprescindíveis, assim como o procedimento de manifestação de interesse (PMI), para, em seguida, tratar do processamento externo da licitação, com abordagens sobre os modos de disputa, a cronologia das fases e os critérios de seleção de propostas.

Palavras-chave: Licitação. Parceria público-privada. Concessão. PMI.

Sumário: 1 A estrutura da licitação na PPP – 2 O processamento da PPP – 3 A etapa interna – 4 A etapa externa

1 A estrutura da licitação na PPP

As PPPs serão precedidas de licitação,1 nos termos do caput do art. 10 da Lei nº 11.079/2004. A legislação trouxe um tratamento específico ao processo lici-tatório das PPPs, ligeiramente diferenciado do regime da licitação aplicável aos contratos administrativos gerais ou ordinários (Lei nº 8.666/1993) e aos contra-tos de concessão (comum) de serviços públicos (Lei nº 8.987/1995).2 A disciplina

1 A assertiva não afasta o cabimento de hipóteses de contratação direta (inclusive, e especialmente, pela modalidade de inexigibilidade).

2 Vale aqui referência à Instrução Normativa nº 52, de 4 de julho de 2007, do Tribunal de Contas da União, que dispôs sobre o controle e a fiscalização de procedimentos de licitação, contratação e execução contratual de PPP, a serem exercidos pelo Tribunal de Contas da União.

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mais específica da licitação da PPP está concentrada nos artigos 10 a 13 da Lei nº 11.079/04, mas recebe a aplicação subsidiária tanto da Lei nº 8.666/93,3 como da Lei nº 8.987/95.

Fundamentalmente, a estrutura da licitação da PPP é assemelhada à moda-lidade de concorrência (afinal, o próprio caput do art. 10 define a obrigatorie-dade de adoção da concorrência), ainda que permeada por peculiaridades que a aproximam do pregão, como a possibilidade de inversão de fases (habilitação e classificação de propostas) e a realização de uma fase de lances orais. Esta estru-tura peculiar da licitação da PPP destina-se dotar o certame de maior eficiência, aproveitando-se de técnicas que se revelaram historicamente bastante satisfa-tórias com a experiência do pregão4 (e que mais recentemente foram, também, incorporadas pelo RDC – Regime Diferenciado de Contratações). Com a estrutura proposta, a licitação da PPP tende a ser mais eficiente do que o modelo conven-cional da concorrência, tanto em relação à celeridade e aos custos materiais de processamento do certame (abreviando, por exemplo, custos com a análise de documentos de habilitação de todos os ofertantes), como em relação à escolha da proposta mais vantajosa. Neste particular, a introdução de uma fase de lances orais propicia não apenas maior transparência no processamento da licitação, como preserva o estímulo dos interessados em reduzir suas propostas comerciais a partir da pressão que a disputa livre pode gerar.

2 O processamento da PPP

A contratação de uma PPP — assim como a contratação de contratos admi-nistrativos em geral — deverá obedecer a um procedimento, isto é: a uma suces-são formal de atos, logicamente encadeados e vocacionados a produzir o contrato de PPP. Há, portanto, atos e providências prévios a serem obrigatoriamente reali-zados por autoridades determinadas para que a contratação válida da PPP possa se consumar. Tudo a ser reduzido e formalizado nos autos do processo de PPP.

No âmbito deste procedimento prévio, há estudos, avaliações e aferições que haverão de ser demonstrados relativamente aos requisitos estabelecidos pela legislação, fundamentalmente inscritos no art. 10 da Lei nº 11.079/04.

3 Para um exame mais específico acerca da disciplina da Lei nº 8.666/93, consulte-se a obra de MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São Paulo: Malheiros, 2012.

4 Antes do pregão, algumas destas técnicas já estavam incorporadas na Resolução nº 65/98 da ANATEL.

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É possível divisar o processo mais abrangente de uma PPP em duas grandes etapas: (i) etapa interna, que se caracteriza pela realização de atos prévios à divul-gação da licitação e a (ii) etapa externa, que se inicia com a consulta pública da PPP (ou, em momento anterior, mediante chamamento de estudos para a conformação de projeto de PPP) e encerra-se com a adjudicação do objeto ao vencedor da dis-puta licitatória, seguida da formalização do contrato.

3 A etapa interna

A etapa interna é caracterizada por atos e providências preparatórias ao lan-çamento do edital de licitação da PPP. É ao longo desta etapa que a Administração realiza todos os estudos vocacionados a demonstrar a viabilidade técnica, econô-mica e fiscal de uma PPP, assim como formaliza a documentação necessária ao desencadeamento do processo de licitação. É também neste momento que se estabelece interlocução da Administração com setores da iniciativa privada inte-ressados na conformação do projeto de uma PPP, seja mediante o instrumento da consulta pública, seja como decorrência de procedimentos de manifestação de interesse (PMI) — examinado adiante.

A etapa interna pode tanto iniciar-se por impulso da própria Administração Pública como pode instalar-se mediante a provocação de interessados da inicia-tiva privada. A Administração Pública poderá dar início a um procedimento de PPP tanto em função de um propósito em adquirir estudos e projetos da iniciativa privada, como para o fim de produzir internamente todos os documentos neces-sários a impulsionar a licitação da PPP. Neste segundo caso, a hipótese não destoa dos procedimentos internos próprios da contratação administrativa convencional. Afora as diversas diferenças quanto às exigências a serem cumpridas ao longo do rito procedimental, a etapa interna em ambos os casos se desenvolve sem a parti-cipação de privados, impulsionada e provida unicamente pela Administração.

Mas o procedimento poderá ter início com um ato administrativo de justifi-cação de contratar uma PPP, seguido da iniciativa em proceder a um chamamento público de estudos e projetos da iniciativa privada, hipótese em que poderá haver a seleção de documento hábil, titularizado por empresa privada, a desencadear a licitação. E nada impedirá, neste caso, que o privado autor dos estudos e/ou projetos aprovados e do qual derivaram a licitação dispute o certame — como se examinará mais adiante.

Já, quando o procedimento instala-se por iniciativa de um privado, mediante o que se convencionou chamar de PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), a Administração Pública promoverá as análises necessárias a diagnosticar seu interesse

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em impulsionar ou não a PPP, valendo-se ou não dos estudos e projetos apresentados. Em todos os casos, será necessário garantir, ainda nesta fase de análise preliminar de estudos e projetos, a participação de outros interessados, promovendo subsequente-mente à apresentação de uma PMI — quando houver, é claro, interesse em prosseguir com as análises — um chamamento público de estudos e projetos equivalentes para estabelecerem-se as análises comparativas e determinar a seleção técnica do melhor projeto (aquele que irá instruir a licitação e a contratação da PPP).

3.1 PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse

O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é o instrumento pelo qual os particulares formalizam seu interesse em propor estudos, projetos e solu-ções para a Administração Pública, com vistas à estruturação futura de um projeto de concessão ou de PPP. Trata-se de uma hipótese de interlocução transparente entre os setores público e privado, harmonizada com o ambiente institucional e legal vivenciado no presente.

O PMI tanto pode se originar de solicitação pública — ato que instala um chamamento público para que pessoas da iniciativa privada possam apresentar estudos, projetos, levantamentos, investigações etc., como pode — em alguns casos, a depender da regulamentação local — derivar de manifestação espontânea e independente de particulares5 — hipótese em que sua tramitação subsequente exigirá um chamamento público, com vistas a conferir publicidade e assegurar a oportunidade de outros interessados manifestarem proposições equivalentes.

O curso natural da tramitação de um PMI compreende as fases de (i) divul-gação da solicitação e chamamento de contribuições de particulares; (ii) análise das contribuições e definição do projeto selecionado; e (iii) incorporação e apro-veitamento da contribuição, com a definição do ressarcimento do particular pela transferência dos direitos sobre o projeto. Caso seja bem sucedida, a PMI servirá a instruir e aparelhar subsequentemente um processo de licitação de PPP ou de concessão.

Como regra, o PMI não criará obrigação alguma para a Administração inte-ressada até que formalize ato de escolha e homologação da contribuição provida e autorizada pelo interessado privado. Nesta hipótese, e ante o aproveitamento (par-cial ou total) da contribuição para instruir ou aparelhar o processo de contratação

5 A regulamentação provida pelo Estado do Paraná (Decreto nº 5.273), por exemplo, faz distinção entre PMI espontâneo, instituído pela entidade pública solicitante, e PMI provocado, que se origina da manifestação de particulares.

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da PPP ou da concessão, cria-se a obrigação de ressarcimento ao parceiro privado a ser provido ou pela Administração ou pelo licitante vencedor da licitação que gerar a contratação de PPP, desde que tenha assumido compromisso de ressarcimento correspondente exigido com o edital de licitação. Tais definições dependerão do modo como o PMI está regulamentado em cada Administração, na respectiva esfera federada.

3.1.1 O PMI como via de superação do dogma da unilateralidade da Administração

A institucionalização, assim como a normatização da hipótese da manifes-tação de interesse particular em projetos estatais, retrata a tendência em superar um ambiente de resistência e desconfiança em relação à influência do interesse privado nas soluções estatais voltadas à execução de obras e serviços. Mais do que isso, reflete a superação do dogma da impenetrabilidade, pelo interesse pri-vado, do ambiente de gestação de projetos estatais.

O prestígio da ideia de que as concepções para obras e serviços públicos deve-riam ser preservadas da vulnerabilidade à influência prévia de privados — sempre movidos pela racionalidade econômica e por interesses egoísticos — resultou de um longo e desgraçado histórico de práticas de corrupção e promiscuidade no trato dos bens públicos. A necessidade de responder aos eventos de corrupção, na dire-ção da minimização dos riscos de desvios de ética e da imparcialidade e da lisura na condução dos projetos estatais, conduziu à criação de um bloco de legislação voltado a reprimir hipóteses de interlocução dos privados com os gestores da coi-sa pública. Esta concepção orientou, por exemplo, a criação de diversas restrições contidas na Lei nº 8.666/93 — como se observa a propósito da hipótese de impe-dimento de o autor do projeto básico disputar a licitação decorrente (art. 9º, inc. I).

O Poder Público jamais pôde, por exemplo, no domínio das contratações administrativas, acolher e adotar soluções propostas espontaneamente por um privado, pois se assim o fizesse denotaria não apenas uma dependência do público em relação ao privado (risco de captura do interesse público pelo pri-vado), mas o risco de beneficiamento de um privado em detrimento de outros. Nenhuma intervenção privada aleatória era admitida na intimidade do ambiente estatal, por mais séria e vantajosa que fosse ao interesse do Estado, ante o risco de ofensa ao princípio da igualdade (e ante o risco de captura do interesse esta-tal pelo interesse privado). Os passos preliminares à licitação, por exemplo, eram

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todos havidos como próprios de uma fase restrita ao Poder Público e cujo risco de vulneração pelos privados significava sempre uma ameaça à isonomia e à mora-lidade administrativas.

Mas a evolução dos fatos conduziu ao reconhecimento de que a troca pre-liminar de informações, estudos e projetos com empresas privadas pode ser um instrumento importante para o aperfeiçoamento das soluções de interesse pú-blico, sem que disso reste prejuízo à isonomia ou à moralidade administrativa. Promovida a um status de fase própria de um procedimento mais abrangente de contratação, e por isso enquadrada em parâmetros aptos a assegurar igual-dade entre interessados (chamamento público), a interlocução público-privada para fins de informação, criação, desenvolvimento ou modificação de projetos de interesse estatal deixou de ser vista como um risco em potencial à promiscuidade e à corrupção. Ao contrário disso, é precisamente por este canal que os projetos podem surgir aperfeiçoados e concebidos também por aquele que titulariza a tecnologia e a expertise para tal: o empresário privado. Para tanto, será necessá-rio que as Administrações estejam capacitadas e preparadas para as respectivas avaliações, minimizando a assimetria de informações que muitas vezes se verifica neste domínio entre os setores público e privado.6

Sob este contexto, é perceptível que a transmudação do direito da con-tratação administrativa experimentada nos últimos anos revela uma disciplina cada vez menos formalista e burocrática; e mais transparente e eficiente. Assim parecem ser os novos tempos da disciplina da contratação pública: perde-se no controle da forma, pela redução e relativização da burocracia, mas se ganha no controle racional de mérito, sobretudo pelo incremento da transparência.

A PMI, enfim, passa a ser, a partir sobretudo do marco legal das PPPs, um ins-trumento para que a Administração Pública possa receber dos privados estudos e projetos voltados à execução de obras e serviços objeto de concessões e PPPs.

6 O PMI não está livre de gerar problemas decorrentes da assimetria de informações entre os seto res público e privado. Como já aludiu lucidamente Bruno Pereira, “é importante ressaltar que o dese-nho de um PMI específico enfrente o seguinte conflito de escolha: na medida em que o MPI fornece subsídios para a estruturação mais ágil de um projeto de infraestrutura, o instrumento, por outro lado, tende a ser conduzido e intelectualmente liderado pelo setor privado, o que poderia reforçar a assimetria de informação entre os setores público e privado” (Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e assimetria de informação entre o setor público e o setor privado. In: PPP – Brasil, o observatório das parcerias público-privadas. Disponível em: <http://dl.dropbox.com/u/18438258/PMI%20e%20assimetria%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o%20-%20PPP%20Brasil.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2012).

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3.1.2 Disciplina normativa do PMI

O PMI é admitido pela disciplina legal das concessões (Lei nº 8.987/95) e das PPPs (Lei nº 11.079/04). Não o é sob os termos da Lei nº 8.666/93, precisamente em decorrência da vedação contida no art. 9º, inc. I.

Lembre-se que o artigo 31 da Lei nº 9.074/95 admitiu que os autores ou os responsáveis economicamente pelos projetos básico e executivo disputem as licitações para concessões e permissões decorrentes. Da mesma forma, o artigo 21 da Lei nº 8.987/95 estabelece que os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua auto-rização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital.

Tais dispositivos são plenamente aplicáveis às PPPs, por força do caput e do §1º do art. 3º da Lei nº 11.079/04. Como se nota, tratam-se de normas genéricas e que não instalam disciplina mais específica acerca do tema. A definição e deli-mitação mais exata do cabimento e do processamento da PMI encontram-se na disciplina infralegal, a ser provida por cada ente federado.

No plano federal, o Decreto nº 5.977/2006 cuidou de regulamentar o caput e o §1º do art. 3º da Lei nº 11.079/04, estabelecendo critérios e requisitos para o PMI. Previram-se as condições para a solicitação, pela Administração, às pes-soas da iniciativa privada, de projetos, estudos, levantamentos e investigações pela Administração (o que, no caso federal, se faz por meio do Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal – CGP). Diversamente do que se admite em outras esferas,7 o decreto federal restringiu a manifestação de interesse do par-ticular a um requerimento de autorização condicionado a um procedimento de solicitação pública de estudos e projetos. Tal como se extrai do §2º do art. 3º, serão recusados requerimentos de autorização que não tenham sido previamente soli-citados pelo CGP ou que tenham sido apresentados em desconformidade com o escopo da solicitação.

Nos termos do decreto, a solicitação pela Administração veio condicionada à observação de alguns pressupostos e parâmetros, como a (i) delimitação do escopo dos projetos, estudos, levantamentos ou investigações, podendo restrin-gir-se a indicar tão somente o problema que se busca resolver com a parceria,

7 Em boa parte dos Estados, a regulamentação de PMI admite seu impulso tanto por solicitação pública como por provocação espontânea de pessoas da iniciativa privada.

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deixando à iniciativa privada a possibilidade de sugerir diferentes meios para sua solução; a (ii) indicação de prazo máximo para apresentação dos projetos, estu-dos, levantamentos ou investigações e o valor nominal máximo para eventual res-sarcimento; a (iii) indicação do valor máximo da contraprestação pública admitida para a parceria público-privada, sob a forma de percentual do valor das receitas totais do eventual parceiro privado; e a (iv) publicação da solicitação no Diário Oficial da União e, quando se entender conveniente, na Internet e em jornais de ampla circulação.

À semelhança da União, diversos Estados já editaram seus regulamentos acerca do PMI. É o caso, a exemplo, dos Estados de Minas Gerais (Decreto nº 44.465/07), Ceará (Decreto nº 30.328/10), Rio de Janeiro (Decreto nº 43.277/11), Bahia (Decreto nº 12.653/11, alterado pelo Decreto nº 12.679/11), Espírito Santo (Decreto nº 2.889/11, alterado pelo Decreto nº 2.889-R); São Paulo (Decreto nº 57.289/11), Paraná (Decreto nº 6.832/2012), Santa Catarina (Decreto nº 962/12), entre outros.

3.2 Providências atinentes à etapa interna da licitação de PPP

No âmbito da etapa interna da licitação, a Lei nº 11.079/04 trouxe um reper-tório de regras aplicáveis às PPPs (conforme incisos do art. 10), que visam a acau-telar a Administração quanto a erros e falhas na programação desses contratos. A abertura de uma PPP está condicionada à (i) formalização de um ato de autoriza-ção, que traga, além da motivação quanto à conveniência do projeto, justificativa técnica, econômica, financeira e fiscal para o uso do modelo PPP; (ii) elaboração de outras demonstrações fiscais e orçamentárias; (iii) realização de consulta pública; (iv) apresentação de documentação ambiental.

Além disso, a Administração deverá evidentemente elaborar o conteúdo do instrumento do contrato, do Edital e seus anexos. Dentre esses, estará o projeto de PPP (por assim dizer), que conterá todo o detalhamento técnico e econômico- financeiro para a contratação.

3.2.1 Autorização subscrita pela autoridade competente e suas demonstrações

Observe-se, primeiramente, que a abertura do processo licitatório que conduzirá à contratação da parceria público-privada está condicionada a uma autorização subscrita pela autoridade competente, que haverá de apresentar di-versas justificativas, de ordem técnica, econômica e fiscal. Fundamentalmente as

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demonstrações resumem-se a: (i) justificativa da conveniência e quanto à forma da PPP; (ii) justificativas financeiras e fiscais.

Primeiramente, exige-se que o ato de autorização se fundamente em estudo técnico que demonstre a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria público- privada (“a”, I, art. 10, Lei nº 11.079/04).

Esta demonstração é exigível não só a propósito do uso do modelo PPP, mas, também, quanto à estipulação do conteúdo concreto do ajuste, acerca da configuração que lhe é concretamente aplicada. Trata-se de evidenciar que essas decisões estão amparadas em premissas técnicas, sendo o resultado de estudos e verificações concretas.

É imperioso demonstrar suficientemente estes cotejos — especialmente entre o modelo da PPP e outros modelos de contratação ou outras vias de satisfa-ção da necessidade buscada pela Administração —, alcançando-se a conclusão, à semelhança do que se conhece no direito anglo-saxão como value for money, de que a opção concreta pela PPP traduz a melhor formatação à valorização do dinheiro público.

Em segundo lugar, há exigência de justificar, em face das obrigações con-traídas pela Administração Pública relativas ao objeto do contrato, a observância dos limites e condições decorrentes da aplicação dos artigos 29, 30 e 32 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).

3.2.2 Demonstrações fiscais e financeiras

Ao lado do ato de autorização, há outras demonstrações fiscais exigidas. A Lei exigiu que a Administração providencie a elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de PPP; a declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraí-das pela Administração no decorrer do contrato são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentária anual; a estima-tiva do fluxo de recursos públicos suficientes para o cumprimento, durante a vigência do contrato e por exercício financeiro, das obrigações contraídas pela Administração. Estas regras asseguram um controle sobre o emprego de recur-sos públicos em programas de PPP, a partir do monitoramento de seus efeitos colaterais na gestão fiscal mais abrangente da Administração. Isso envolve di-versas análises prospectivas, que devem ser demonstradas por ocasião da aber-tura do processo de licitação da PPP.

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O objeto da PPP deverá também estar previsto no plano plurianual em vigor no âmbito em que o contrato será celebrado (art. 5º, V, Lei nº 11.079/04). Como a PPP pressuporá a assunção de compromissos financeiros futuros à Administração, é natural que tais obrigações tenham respaldo orçamentário no plano plurianual (abrangente de um quadriênio).

3.2.3 Licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental

Além disso, exige-se licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sem-pre que o objeto do contrato exigir.8

A licença ambiental prévia é uma fase preliminar do processo de licencia-mento, que é regulado pela Resolução nº 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

O licenciamento consiste no procedimento administrativo que culmina no ato de concessão da licença ambiental.9 Como procedimento que é, traduz-se num conjunto de atos e providências, logicamente encadeados e vocacionados à produção da licença ambiental. Seu desenvolvimento se dá perante diversos ór-gãos do Poder Executivo,10 sendo o ato administrativo de licença ambiental uma decorrência do exercício do poder (ou função) de polícia do Estado. O objetivo do licenciamento é licenciar a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais considera-das efetiva ou potencialmente poluidoras ou degradantes do meio ambiente. A Resolução nº 237/1997 do CONAMA traz, em seu Anexo I, uma lista exemplificativa de atividades sujeitas ao licenciamento ambiental.

O licenciamento poderá abranger três fases distintas e logicamente encadea-das: a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação. A licença prévia (LP)

8 Para um aprofundamento acerca do tema, consulte-se MOREIRA; GUIMARÃES. Licitação pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 146 et seq.

9 Nos termos do inciso II do art. 1º da Resolução nº 237/1997 do CONAMA, a licença ambiental é definida como o “ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condi-ções, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aque-las que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”.

10 O licenciamento ambiental poderá ser realizado pela União, Estados ou Municípios, nos termos da Lei Complementar nº 140/11, que estabeleceu organização das competências ambientais. Vale observar que o licenciamento realizado por Estados e Municípios deve observar as normas gerais editadas pela União.

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será concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, para o fim de aprovar sua localização e concepção, atestar a viabilidade ambiental e estabelecer os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação (art. 8º, inciso I da Resolução nº 237 do CONAMA). A li-cença de instalação (LI) autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprova-dos, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes (art. 8º, inciso II, da Resolução nº 237 do CONAMA). Já a licença de operação (LO) autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumpri-mento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação. Eventualmente, outras espécies de licenças ambientais poderão ser exigidas do empreendedor a depender da natureza da atividade a ser desempenhada, nos termos da legislação.

Há também regras para o licenciamento ambiental nas áreas de petróleo e gás,11 rodovias,12 portos13 e linhas de transmissão;14 dentre estas, a Portaria Interministerial nº 419/2011 (Ministros de Estado do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde), além de sete portarias específicas do Ministério do Meio Ambiente e de uma instrução normativa do IBAMA.15

11 Portaria nº 422/11, do Ministério do Meio Ambiente, que: “Dispõe sobre procedimentos para o licenciamento ambiental federal de atividades e empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural no ambiente marinho e em zona de transição terra-mar”.

12 Portaria Interministerial nº 423/11 (Ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes), a tratar do “Programa de Rodovias Federais Ambientalmente Sustentáveis – PROFAS, para a regularização ambiental das rodovias federais pavimentadas que não possuem licença ambiental”; Portaria nº 420/11, do Ministério do Meio Ambiente, que: “Dispõe sobre procedimentos a serem aplicados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – na regu-larização e no licenciamento ambiental das rodovias federais”.

13 Portaria Interministerial MMA/SEP/PR nº 425/11, que institui o “Programa Federal de Apoio à Regularização e Gestão Ambiental Portuária – PRGAP de portos e terminais portuários maríti-mos”; Portaria nº 424/11, do Ministério do Meio Ambiente, que: “Dispõe sobre procedimentos específicos a serem aplicados pelo IBAMA na regularização ambiental de portos e terminais por-tuários, bem como os outorgados às companhias docas, previstos no art. 24-A da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003”.

14 Portaria nº 421/11, do Ministério do Meio Ambiente, que: “Dispõe sobre o licenciamento e a regu-larização ambiental federal de sistemas de transmissão de energia elétrica”.

15 Instrução Normativa nº 14/11, que: “Altera e acresce dispositivos à Instrução Normativa nº 184/2008, que dispõe sobre procedimento de licenciamento ambiental”. Como já assinalado em livro em co-autoria com Egon Bockmann Moreira, “A rigor, esse conjunto de normas administrativas pretende unificar as regras de licenciamento e estabelecer prazos mais céleres, a ser atendidos por todas as autoridades competentes. As normativas podem ser agrupadas em três grandes grupos temáticos: (i) o relacionamento do IBAMA com outros órgãos federais nos processos de licenciamento (res-pectivos prazos e competências); (ii) a agenda da regularização de obras construídas antes da lei de licenciamento; (iii) a celeridade e transparência nos procedimentos para as licenças” (Licitação pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 153).

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Lembre-se que a Lei nº 11.079/04 exige a licença prévia ou, ao menos, a expedição das diretrizes para o licenciamento para o desencadeamento da licita-ção. A razão de relativizar a exigência da licença prévia, permitindo-se sua subs-tituição pela expedição de diretrizes para o licenciamento, parece residir numa pressuposta dificuldade em identificar, ainda ao momento do desencadeamento da licitação, aspectos mais específicos do projeto, que apenas será elaborado, em grande parte dos casos, na qualidade de projeto básico, em fase futura.16 É verdade que a concessão da licença prévia não exige o conhecimento do projeto básico, contentando-se com estudos e demonstrações menos exigentes. Afinal, o projeto básico deverá seguir-se à licença prévia, precisamente por dever contemplar tam-bém as recomendações e medidas mitigadoras definidas na licença ambiental prévia. Mas é verdade que, especialmente em função da previsão originária da Lei nº 11.079/04, que se contentava com a disponibilização dos “elementos do projeto básico” pelo edital de licitação, havia uma dificuldade pressuposta quanto à ausência de condições e informações mais precisas para a concessão da licença prévia ambiental. Outra razão que parece ter influenciado o legislador consistiu em evitar a paralisia e a ineficácia de programas de PPP ante os efeitos da buro-cracia inerente à concessão de licenças ambientais.17

De todo o modo, é necessário advertir que o requisito de anteprojeto atual-mente exigido para a definição dos parâmetros para a licitação de PPPs que envol-vam obra pública pode conduzir ao fortalecimento da exigência de licença prévia ambiental na maioria dos casos, em razão da suposta ampliação do nível de infor-mação e definição que passa a ser demandada já antes do desencadeamento da licitação.

16 Vide item 3.2.5, a seguir.17 Sobre o tema, já escrevi juntamente com Egon Bockmann Moreira: “Em termos de licencia-

mento, o problema está na ineficiência administrativa: excesso de regras anacrônicas, desvios burocráticos, escassez de pessoal especializado, competências administrativas emaranhadas em todos os níveis federativos, interferência de organizações radicais, desrespeito a prazos e à preclusão etc. Enfim, do que se precisa é a definição de objetivos institucionais claros, da repar-tição exaustiva das competências administrativas e respectiva funcionalização do seu exercí-cio. O que se deve buscar é a proteção ao meio ambiente numa perspectiva simultaneamente antropocêntrica e desenvolvimentista, que nem menospreze a necessária sustentabilidade dos projetos públicos nem instale custos desnecessários. Afinal, haverá um momento em que os custos ambientais presentes poderão extrapolar as expectativas de ganhos futuros — o que implicará o ‘superfaturamento ambiental’ do empreendimento e a fuga de investidores priva-dos” (Licitação pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 151-152).

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3.2.4 Exigência de consulta pública

Outra providência prévia ao lançamento da licitação da PPP está na realiza-ção de consulta pública.18 A Lei estabeleceu a exigência de submissão da minuta de edital e de contrato à consulta pública, mediante publicação na imprensa ofi-cial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, que deverá informar a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato, seu valor estimado, fixando-se prazo mínimo de 30 dias para recebi-mento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos 7 dias antes da data prevista para a publicação do edital (art. 10, inc. VI, Lei nº 11.079/04).

Lembre-se que o artigo 39 da Lei nº 8.666/93, aplicável aos contratos admi-nistrativos ordinários e às concessões comuns de serviço público, prevê a exigên-cia de audiência pública para a licitação ou conjunto de licitações que envolvam o valor mínimo de R$150 milhões. A disciplina trazida pela Lei nº 11.079/04 substitui a exigência (condicionada) de audiência pública pela exigência (incondicionada) de consulta pública. Para as PPPs, sempre será exigível a realização de consulta pú-blica, nos termos prescritos pela norma, qualquer que seja o vulto da contratação. Neste âmbito, exige-se não só a exposição dos documentos da minuta de edital e de contrato (o que não era rigorosamente exigido com a disposição do art. 39 da Lei nº 8.666/93 para fins de realização de audiência pública), como a fixação de um prazo mínimo de 30 dias para recebimento de sugestões. A data final para o recebimento destas contribuições marcará o início do prazo mínimo de 7 dias para que o edital seja publicado.

Uma dúvida que poderia surgir relaciona-se à submissão das PPPs ao artigo 39 da Lei nº 8.666/93, hipótese em que o desencadeamento da licitação estaria condicionado não apenas à realização de consulta pública, mas, também, a uma prévia audiência pública para contratos de elevada expressão econômico-finan-ceira. Parece-me, no entanto, excessivo pretender aplicar o conteúdo do referido artigo 39 às PPPs. O legislador condicionou a licitação de PPP ao procedimento de consulta pública, que não apenas se afigura um expediente substitutivo da au-diência, mas, inclusive, de âmbito mais abrangente. Seria ineficiente a submissão obrigatória da contratação de PPP a providências equivalentes e vocacionadas ao mesmo fim, em vista da repetição dos custos incidentes.

18 A depender da classificação que se adote, o expediente de consulta pública poderá também ser considerado como uma fase da etapa externa da licitação, pois sua realização já pressupõe não apenas a existência do edital de licitação, assim como da minuta do contrato, mas sua divulgação com vistas à obtenção de contribuição por interessados.

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A racionalidade da exigência de consulta pública consiste precisamente no propósito de assegurar à Administração lapso para as análises da documentação trazida com o expediente da consulta pública. A finalidade parece ser a de evitar que a consulta pública desenvolva-se apenas com vistas ao cumprimento de um rito meramente formal e destituído de significação para a Administração. Afinal, as PPPs constituem projetos complexos, com interferência em diversos setores e segmentos da sociedade. Parece fundamental que esses programas passem por uma ampla discussão e dela surjam aprimorados, a partir também da contribui-ção de interessados. O expediente da consulta pública pode ser um instrumento relevante para a interlocução entre o setor público e a sociedade, com vistas à legitimação e ao aperfeiçoamento de projetos de interesse coletivo.

3.2.5 A desnecessidade de projeto básico exaustivo

Lembre-se, também, que, relativamente a obras de engenharia, não há pela disciplina da PPP a necessidade de a Administração disponibilizar um projeto básico exaustivamente configurado — como ocorre, por exemplo, na esfera dos contratos administrativos gerais (inciso do §2º do art. 7º, combinado o inciso IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93). Basta apenas a apresentação de um anteprojeto, nos termos do §4º do art. 10 da Lei nº 11.079/04, introduzido pela Lei nº 12.766/2012. De acordo com a regra, “os estudos de engenharia para a definição do valor do investimento da PPP deverão ter nível de detalhamento de anteprojeto, e o valor dos investimentos para definição do preço de referência para a licitação será cal-culado com base em valores de mercado considerando o custo global de obras semelhantes no Brasil ou no exterior ou com base em sistemas de custos que utilizem como insumo valores de mercado do setor específico do projeto, afe-ridos, em qualquer caso, mediante orçamento sintético, elaborado por meio de metodologia expedita ou paramétrica”.

A regra encerra uma definição relevante para a delimitação dos estudos neces-sários à configuração dos elementos fundamentais do projeto básico — ainda que em princípio dedicados especificamente à quantificação do orçamento e não ne-cessariamente à delimitação do executável pelo parceiro privado. Até o advento da Lei nº 12.766/12, exigia-se para a licitação de PPPs que envolviam a execução de obra pública apenas a disponibilização dos “elementos do projeto básico”, por força da aplicação do inciso XV do art. 18 da Lei nº 8.987/95. Com a nova regra, passou a se exigir que os estudos de engenharia para a definição do valor da PPP possuam um nível de detalhamento de anteprojeto. Andou bem o legislador ao

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trazer contornos mais técnicos e exatos a uma delimitação antes excessivamente genérica e imprecisa. Ainda que não se possa afirmar que o conceito normativo de anteprojeto seja livre de críticas ou de falhas, é certo que representa algo mais avançado do que a genérica referência a “elementos do projeto básico”.

A exigência incorpora solução já acolhida pelo RDC, relativamente ao regime de contratação integrada. Neste particular, é útil socorrer-se do exame da delimita-ção de anteprojeto trazida pela Lei nº 12.462/2011 (§2º do art. 9º), que discriminou os seus elementos mais específicos para o fim de orientar licitação de contratação integrada. Nos termos desta lei, o anteprojeto de engenharia deve contemplar alguns documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo: a) a demonstração e a justificativa do programa de necessida-des, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega; c) a estética do projeto arquitetônico; e d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambien-tais e à acessibilidade. Já o §1º do art. 74 do Decreto nº 7.581/2011 acrescenta que deverão constar do anteprojeto, quando couber, os seguintes documentos técnicos: I – concepção da obra ou serviço de engenharia; II – projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção adotada; III – levantamento topográfico e cadastral; IV – pareceres de sondagem; e V – memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de cons-trução, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação.

Todos estes parâmetros devem orientar a confecção do anteprojeto, pois será a partir de seus termos que a Administração gerará o orçamento sintético alusivo à PPP, a partir também de metodologia paramétrica ou expedita, assim como o parceiro privado executará o projeto básico propriamente dito — e tam-bém o projeto executivo.

De um ponto de vista da alocação de riscos, o objetivo da legislação de PPP, neste particular, parece estar em transferir àquele que se encarregará de executar e gerir a obra por longo termo (o concessionário) os riscos decorrentes de sua con-cepção. A partir dos elementos essenciais do projeto fornecidos com a licitação e com vistas a atender as finalidades, parâmetros e resultados exigidos para o serviço, o projeto será customizado pelo concessionário, que assumirá (pelo menos em par-te) os riscos de exploração e administração do empreendimento. Assim, a má exe-cução do projeto implicará maiores ônus para a manutenção da obra e vice-versa. Com isso, a Administração poderá obter ganhos de eficiência e evitar, inclusive, con-dutas oportunísticas do concessionário em pretender transferir à Administração a

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responsabilidade por problemas construtivos e funcionais relacionados à obra (sob alegação de defeitos de projeto). Cria-se, daí, uma estrutura de incentivos extrema-mente interessante (bundling), concentrando-se sob a responsabilidade do parceiro privado os riscos de projeto (design risk), de execução da obra (construction risk) e, ainda, de sua gestão-manutenção por um longo termo — tudo a depender da alo-cação de riscos definida em contrato.

Além de otimizar a estrutura de incentivos de um contrato de PPP, o desloca-mento do risco de projeto ao parceiro privado presta-se a livrar da Administração os custos de modificação de contrato por erros e inadequações de projeto. Eis aqui uma razão pragmática que deve estimular as Administrações a transferir à respon-sabilidade do parceiro privado os riscos de projeto. Afinal, têm sido recorrente na prática das contratações administrativas no Brasil modificações de contratos decor-rentes de deficiências de projeto, o que revela a inaptidão das Administrações para a elaboração de projetos corretos e ajustados à realidade. Desta forma, quanto maior for a liberdade do parceiro privado relativamente às definições de projeto, tanto menor será a responsabilidade da Administração, adstrita às parcelas funda-mentais disponibilizadas no âmbito da licitação.

É certo, por outro lado, que a ausência de definições mais detalhadas acerca do projeto pode propiciar enormes dificuldades em relação tanto ao dimensiona-mento pela Administração dos custos envolvidos na contratação (impedindo-se a confecção de orçamentos confiáveis), como ao estabelecimento de condições objetivas de disputa, que propiciem a plena comparabilidade entre propostas. Quanto a isso, vale lembrar o que já escrevi juntamente com Egon Bockmann Moreira, a propósito do regime de contratação integrada: “Esta vulnerabilidade do regime às incertezas quanto ao orçamento e às condições objetivas de disputa deve ser mitigada pelo refinamento das técnicas de orçamento e, sobretudo, pelo adequado nível de detalhamento do anteprojeto — exigido como documento a ser disponibilizado aos licitantes. É fundamental que a Administração se utilize de técnicas eficientes quanto ao dimensionamento dos valores atinentes ao objeto do contrato, mesmo sem dispor de projeto final e acabado. É preciso minimizar o risco de sobrepreços (ou mesmo de preços insuficientes) na composição do preço contratado. Para isso, será necessário avançar na confecção dos anteprojetos de molde a reunir todas as informações fundamentais para a adequada caracteriza-ção e dimensionamento das soluções buscadas pela Administração”.19

19 Licitação Pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 211-212.

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É importante também que a licitação da PPP preveja um adequado controle acerca do conteúdo dos projetos. Sua plena exequibilidade deve ser atestada pela Administração, a partir de demonstrações específicas que podem ser exigidas por ocasião da licitação. Não seria admissível que a Administração deixasse de veri-ficar a correção e a exatidão veiculada pelo conteúdo do projeto, inclusive para fins de avaliação de sua correlação com a proposta econômica apresentada pelo licitante.

4 A etapa externa

A etapa externa da licitação da PPP poderá compreender cinco grandes fases: (i) fase de divulgação; (ii) fase de qualificação de propostas técnicas, quando houver; (iii) fase de habilitação; (iv) fase de julgamento de propostas; e (v) fase de homolo-gação/adjudicação do objeto. Esta cronologia poderá ser alterada para as hipóteses em que for adotado o regime de inversão de fases, quando a fase de julgamento de propostas ocorrerá antes da realização da fase de habilitação.

A despeito de ter sido determinada a adoção da modalidade de concorrên-cia para a licitação de PPP, ao seu processamento foram incorporadas diversas características do pregão (como a possibilidade de inversão de fases e a etapa de lances orais). O resultado é um procedimento customizado que se poderia deno-minar concorrência-pregão.20

Vale lembrar, entretanto, que a licitação da PPP será orientada pela aplica-ção subsidiária das Leis nº 8.666/93 e nº 8.987/95, uma vez que não houve pela legislação própria o estabelecimento de um rito completo e exaustivo para o pro-cessamento do certame.

A opção pela concorrência (ou concorrência-pregão) é compreensível, uma vez que as PPPs são contratos complexos e longevos, o que demanda um proce-dimento minucioso e exauriente para a seleção do parceiro privado. E a concor-rência pode-se dizer que “representa o ‘rito ordinário’ dos processos de licitação. Trata-se não só de padrão de referência para as demais modalidades (LGL, art. 23, §§3º e 4º), como também daquela de procedimento mais complexo e minu-cioso. Por isso a concorrência outorga a mais ampla legitimidade aos interessa-dos, bem como se dirige a licitações de maior valor e intensas exigências técnicas. Igualmente devido a tais razões a concorrência tem a habilitação dos interessados como o pressuposto para a possibilidade da oferta de preços”.21

20 Expressão utilizada por Carlos Ari Sundfeld em Guia jurídico das parcerias público-privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias público-privadas. São Paulo: Malheiros, 2005.

21 MOREIRA; GUIMARÃES. Licitação Pública: a Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 102.

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4.1 A inversão de fases

Para a licitação da PPP, foi admitida a inversão das fases de habilitação e jul-gamento de propostas comerciais. Lembre-se que esta estrutura invertida de fases (julgamento de propostas/habilitação) já vem sendo admitida em outras legisla-ções. É o caso da Lei do Pregão e, antes dela, da Resolução nº 65/98 da ANATEL. Mas, ao contrário destas normas — e também do RDC (Regime Diferenciado de Contratações – Lei nº 12.462/2011) —, que previram uma estrutura invertida para o processamento das licitações por elas reguladas, a Lei nº 11.079/04 acolheu, como regra, a cronologia convencional e compatível com a estrutura da concor-rência clássica, admitindo apenas a inversão de fases quando isso seja conveniente à Administração. Assim se passa também com a disciplina da concessão comum de serviço público (art. 18-A da Lei nº 8.987/95).

Nesta hipótese, encerrada a fase de classificação de propostas, examinam-se os documentos de habilitação apenas do licitante titular da melhor proposta eco-nômica. Caso seja inabilitado, examinam-se os documentos do licitante titular da segunda melhor proposta, e assim sucessivamente até que um licitante seja habili-tado, hipótese em que a ele será adjudicado o objeto nas condições técnicas e eco-nômicas por ele ofertadas.

A inversão de fases propicia vantagens diversas. Por um lado, há economias diretas que decorrem da redução da fase de habilitação ao julgamento da docu-mentação do licitante titular da proposta mais bem classificada. Com isso, elimi-nam-se trabalhos e custos associados à aferição e avaliação da habilitação dos demais licitantes. Por outro, abrevia-se o tempo de processamento da licitação, com ganhos à celeridade da contratação. Trata-se, por isso, de um modo de estruturação da licitação apto a conferir maior eficiência às contratações administrativas.

4.2 Os modos de disputa fechado e fechado-aberto

Em relação à forma de apresentação de propostas, a Lei nº 11.079/04 admi-tiu tanto o modo fechado (art. 12, III, “a”, Lei nº 11.079/04) como o modo fechado- aberto (art. 12, III, “b”, Lei nº 11.079/04).

O modo fechado de disputa, à semelhança do que ocorre com as licitações estruturadas sob o regime da Lei nº 8.666/93, pressupõe a apresentação de enve-lopes lacrados, abertos apenas em sessão própria para a realização da fase de veri-ficação, classificação e julgamento de propostas. Nesta hipótese, a classificação dos preços se extrai diretamente das propostas escritas e apresentadas uma única

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vez. No modo fechado, a fase de julgamento de propostas materializa-se numa sessão pública de abertura dos envelopes de proposta, seguida de um ato ad-ministrativo de julgamento das propostas. Este ato, que pode ser formalizado ao final da sessão ou — o que é mais comum — futuramente, após análises internas pela Administração, definirá as propostas classificadas, organizando-as de acordo com a ordem definida em edital.

Já no modo fechado-aberto, os licitantes apresentarão inicialmente suas pro-postas na forma escrita, devidamente lacradas, sendo que imediatamente após a abertura das propostas se seguirá a realização de uma fase aberta, em que os lici-tantes classificados, de acordo com a delimitação definida no edital de licitação, poderão apresentar lances orais. Nesta modalidade, os lances serão sempre ofe-recidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, vedada limitação quanto à quantidade de lances (inciso II, §1º do art. 12).

O desenvolvimento de uma fase oral (modo de disputa aberto) no âmbito do processo de disputa tem se revelado historicamente como uma técnica eficiente para dotar o certame de maior competitividade. A experiência com o pregão — e com as demais disciplinas que acolhem essa metodologia — vem revelando resultados interessantes, os quais, em parte, são creditados à possibilidade de os interessados renovarem suas propostas em viva-voz, de modo a conferir à disputa maior transparência e efetividade.

4.2.1 A possibilidade de restringir o universo de participantes à fase oral

Não houve pela lei delimitação prévia acerca do universo de licitantes aptos à oferta de lances orais (a serem classificados para a fase de lances). Admitiu-se apenas a possibilidade de o edital restringir a apresentação de lances em viva-voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% maior que o valor da melhor proposta (inciso II do §1º do art. 12). Este percentual é um percentual-limite, sendo perfeitamente possível o estabelecimento de percentuais menores, caso a caso.

A finalidade teórica desta regra está em criar inventivo a que os licitantes mani festem propostas competitivas já no modo fechado de disputa, pois só segui-rão para a fase oral aqueles licitantes cujas propostas econômicas estiverem próxi-mas à melhor proposta apresentada.

Mas a hipótese em se estabelecer restrição desta natureza pode se revelar problemática às licitações de PPP, particularmente para os casos em que o critério de julgamento combinar avaliação de propostas técnicas com propostas econô-micas. Sob esta hipótese, um licitante pode manifestar preço distante o bastante

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do melhor preço para restar excluído da disputa e ainda assim fazer jus à melhor nota global para a classificação final do certame. Assim se passa porque, para cer-tames que envolvam avaliações complexas, calcadas na mensuração de médias ponderadas entre técnica e preço, critérios de eliminação de ofertantes baseados exclusivamente em avaliações econômicas podem se revelar excessivos, porque parciais. Assim sendo, parece-me ilícito estabelecer restrição ao universo de ofer-tantes baseada exclusivamente em critério econômico quando o tipo licitatório funcionar a partir também de avaliações técnicas.

Isso não quer significar que o funcionamento da fase oral em si seja incom-patível com disputas apoiadas nos tipos de técnica e preço. É perfeitamente pos-sível que a avaliação da proposta econômica passe pela realização de uma fase oral, quando os licitantes, sob os efeitos da disputa livre, reduzam seus preços a ponto de tornar mais competitiva sua proposta econômica, ainda que o vencedor do certame seja aquele titular da melhor combinação entre técnica e preço, de acordo com os parâmetros e pesos estabelecidos pelo edital de licitação.

4.3 Fase de qualificação de propostas

No tocante à estruturação do processo de licitação, observa-se que a lei permitiu uma fase prévia de qualificação de propostas técnicas, que deverá fun-cionar a partir de uma pontuação de corte. Referida qualificação não comporá julgamento qualitativo das propostas, como se passa, por exemplo, no âmbito da avaliação de propostas técnicas sob a aplicação dos chamados tipos ou critérios de técnica. Trata-se apenas de uma avaliação eliminatória, cujo julgamento excluirá na disputa propostas que não atingirem pontuação mínima (sendo que os lici-tantes não carregarão essa pontuação para outros fins no certame).22 Os critérios objetivos de avaliação deverão estar previstos detalhadamente no edital de lici-tação, de modo a evitar juízos excessivamente discricionários pela Administração. Além disso, o ato de qualificação de propostas técnicas deve conter suficiente motivação, nos termos da legislação.

A implementação de uma fase de qualificação de propostas em licitações de PPP faz sentido nos casos em que a Administração tem exata noção acerca dos contornos tecnológicos mais específicos do objeto, desejando apenas verificar a suficiência da metodologia proposta pelos interessados para a execução do con-trato. Trata-se de um expediente de aferição da adequação e qualidade mínima

22 A hipótese guarda semelhança com a metodologia de execução, prevista no §8º do art. 30 da Lei nº 8.666/93.

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das metodologias propostas pelos licitantes para a segura realização do objeto, já previamente definido e delimitado, inclusive quanto às tecnologias aplicáveis.

Situação diversa ocorre quando o interesse da Administração está em optar pela melhor tecnologia que lhe seja ofertada, no âmbito de uma disputa em que se admita pluralidade de alternativas tecnológicas para a execução do objeto. Neste caso, o expediente adequado para estas análises é a fase de julgamento de propostas técnicas, integradas na estrutura dos processos de licitação que funcio-nam sob os critérios técnicos de julgamento (ver item 4.5, abaixo). Aqui, há um julgamento qualitativo entre propostas técnicas, pontuadas e avaliadas para o fim de influir no julgamento final da licitação. Já a hipótese de qualificação de propos-tas técnicas, que guarda identidade com o sistema de metodologia de execução previsto no §8º do art. 30 da Lei nº 8.666/93, não pressupõe análises qualitativas ou escolhas técnicas com repercussão na escolha da proposta final da licitação. É apenas um exame de aferição, com vistas a impedir o prosseguimento de licitan-tes que não estejam aptos a oferecer uma metodologia minimamente adequada à execução do contrato de PPP.

De um ponto de vista da estrutura cronológica do processo de licitação, a lei não definiu o momento em que a fase de qualificação de proposta técnica haverá de ocorrer, estabelecendo apenas que deverá preceder o julgamento de propostas. Como regra, esta fase haverá de ocorrer necessariamente após a fase de habilitação e antes da realização da fase de julgamento de propostas. Mas nada impedirá que ela se realize anteriormente à realização da própria fase de habilitação, tal como costumeiramente se passa com a realização da fase de pré- qualificação prevista pelo art. 114 da Lei nº 8.666/93. De qualquer forma, o que parece importante é a adoção de uma estrutura que torne o processo de licitação o mais eficiente possível, sem ofensa aos princípios fundamentais da licitação.

Insista-se também que a qualificação de proposta técnica reporta-se a critérios objetivos definidos com o edital de licitação. Será necessário que a Administração explicite todos os parâmetros e critérios que permitam identificar a escala de pon-tuação, assim como a pontuação minimamente exigível para a classificação, que haverá de orientar a decisão administrativa de qualificação, nos termos do §2º do artigo 12 da Lei nº 11.079/04. O tema será aprofundando adiante, no item 4.5.

4.4 Saneamento de falhas formais

Outra peculiaridade da estruturação da licitação de PPP está na possibilidade de uma etapa para saneamento de falhas de natureza formal na documentação dos

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licitantes (inciso IV, artigo 13). Esta possibilidade deve vir prevista e disciplinada no instrumento convocatório, inclusive quanto ao prazo. A hipótese abrange a corre-ção de defeitos relativos tanto à documentação de habilitação como à de proposta. Andou bem o legislador ao incorporar explicitamente à disciplina da licitação da PPP o princípio do formalismo moderado.

É evidente que, mesmo que nenhuma disciplina quanto a isso seja explicitada no edital, a Administração poderá ainda valer-se do disposto no §3º do artigo 43 da Lei nº 8.666/93 com vistas a superar defeitos formais atinentes à documenta-ção dos licitantes. Desde que se obedeça à isonomia, é relevante que se permita o saneamento de vícios de pequena monta na licitação, inclusive para que não se prejudique a finalidade última da disputa, que é a obtenção da proposta mais vantajosa.

O fato é que o princípio da moderação do formalismo deve guiar o admi-nistrador no âmbito da prolação dos atos decisórios do processo de licitação. Sua explícita incorporação à disciplina da PPP impõe ao administrador respon-sável pela licitação o dever de acolher a documentação contaminada de defeitos formais ou supríveis mediante diligências que não prejudicam a tramitação do pro-cesso. A busca pela melhor proposta não poderá ser frustrada pela aplicação de formalismos desligados da finalidade do processo licitatório. Por isso, sempre que emergir dúvida acerca do teor da documentação apresentada pelo licitante, não deverá a Administração recusá-la desde logo. Somente após a produção suple-mentar de informações é que a Administração deverá emitir juízo acerca do aten-dimento ou não da exigência editalícia. Trata-se de admitir que há uma espécie de princípio do juízo seguro, impondo-se à comissão de licitação o dever de decidir acerca da habilitação mediante elementos de convicção objetivos e suficientes. O licitante somente pode ser apenado com a desclassificação caso haja evidência, para além de qualquer dúvida razoável, de que os documentos da sua proposta são inconvalidáveis. Aqui, o ônus da prova é da Administração — o que exige dili-gências e autoriza contraprovas.

4.5 Critérios de julgamento

No que tange, por fim, aos critérios de julgamento, a Lei Geral de PPP prevê, além daqueles previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei nº 8.987/95 (menor valor da tarifa e menor valor da tarifa combinado com a melhor técnica), o menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública; assim como a melhor

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proposta em razão da combinação do critério do menor valor da contraprestação com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital.

Os critérios que funcionam sob a lógica do preço não revelam maior difi-culdade. Comparativamente ao regime da concessão comum, a Lei Geral de PPP compreensivelmente introduziu o critério da menor contraprestação pública, o que significará o menor subsídio integrado na remuneração do concessionário, na hipótese da concessão patrocinada, e o menor preço pago pelo Poder Público, no caso da concessão administrativa. Haverá casos em que a contraprestação pública será previamente fixada no edital de licitação, quando a disputa funcionará sob a lógica ou da menor tarifa ou da menor tarifa combinada com a melhor técnica.

Os casos mais complexos serão aqueles em que seja adotado um critério exclusivamente técnico de julgamento ou um critério composto, que combine avaliações econômicas e técnicas.

A primeira dificuldade relaciona-se ao cabimento dos critérios de técnica ou de técnica e preço. Uma dúvida que poderia surgir refere-se à exigência de pressupostos específicos para a aplicação dos critérios técnicos, o que passa tam-bém pela questão de saber se o artigo 46 da Lei nº 8.666/93 seria aplicável às PPPs. Afinal, embora o artigo 11 da Lei nº 11.079/04 estabeleça explicitamente a submissão do certame de PPP à Lei nº 8.987/95, o artigo 12 da Lei nº 11.079/04 remete, subsidiariamente, o seu tratamento à legislação vigente para licitações e contratos, atraindo também a aplicação da Lei nº 8.666/93. Contudo, parece in-conciliável com a racionalidade do modelo PPP a aplicação automática da regra do artigo 46. As PPPs, assim como as concessões, são contratos essencialmente complexos, que pressupõem o atendimento de necessidades que não raro po-dem admitir alternativas tecnológicas variadas para sua satisfação. A relevância em se implementar análises qualitativas de soluções técnicas para a execução do objeto é bastante mais visível nas concessões e PPPs do que em contratos simplificados regidos pela Lei nº 8.666/93. Daí a distinção de tratamento jurídico, permitindo-se para as licitações de concessões e PPPs uma amplitude maior à aplicação dos critérios de julgamento técnico. Isso não significa dispensar a justifi-cação para sua utilização nos casos concretos, muito menos afirmar a inexistência de pressupostos. É certo que a definição de critérios técnicos de julgamento de-verá estar acompanhada de suficiente justificativa, que deverá evidenciar as ra-zões pelas quais a disputa não poderá ser regida apenas por critérios econômicos de julgamento, ainda que precedidos de julgamento sobre a suficiência técnica (mínima) das propostas (como a qualificação de proposta técnica, por exemplo).

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É necessário esclarecer que a complexidade técnica do objeto exige avaliações qualitativas sobre propostas técnicas, com vistas a permitir à Administração a escolha de soluções técnicas diferenciadas (ainda que o critério de julgamento sempre estará associado à obtenção de vantagem econômica).

O segundo ponto relaciona-se à definição dos parâmetros de avaliação nos casos concretos. Esta estipulação é imensamente importante, pois será a partir dela que o futuro julgamento haverá de se exteriorizar, utilizando-se de maior ou menor discricionariedade técnica a depender da objetividade e da correção dos parâmetros estabelecidos. Há dois aspectos importantes a serem lembrados quanto a isso: (i) a objetividade e a pertinência (em relação às necessidades bus-cadas com a contratação e ao perfil técnico do objeto) na definição dos critérios; e (ii) a razoabilidade-proporcionalidade na estipulação de sua valorização.

De todo o modo, será imperioso o cumprimento do dever de adequada moti-vação nos casos concretos. É precisamente o instrumento da motivação o que propiciará o controle sobre razoabilidade e a proporcionalidade que haverá de reger não apenas a definição dos fatores de pontuação, mantendo-se pertinência e adequação com as necessidades buscadas com a contratação e com o perfil técnico do objeto, mas, inclusive, o impacto de sua valorização no julgamento das propostas técnicas.

Não seria exagero afirmar que os principais focos de disputa (judiciais, inclu-sive) em processos de licitação concentram-se nos julgamentos orientados pela técnica. Isso porque, por mais objetivos que possam ser os critérios e parâmetros elegidos para os julgamentos decorrentes, haverá sempre a sobra de espaços de apreciação subjetiva pelo julgador. O próprio exercício da discricionariedade téc-nica permite esta abertura.23 Deste modo, será importante perseguir uma forma-tação adequada para o quadro de fatores e notas que orientará a decisão sobre a avaliação das propostas técnicas.

23 Há especialistas que veem enormes dificuldades na adoção de critérios conjugados de julga-mento que envolvam avaliações técnicas qualitativas. É sempre difícil reduzir essas avaliações a parâmetros objetivos, o que põe o problema da vulnerabilidade dos julgamentos a influências externas e à corrupção. Este problema foi percebido por Guasch, que examinou a experiência de concessões diversas na América Latina. Segundo o autor, o processo de seleção haveria de ser segmentado em dois estágios: o primeiro, com vistas à pré-qualificação dos interessados acerca de sua experiência e de sua proposta técnica; o segundo, para a solicitação de ofertas àqueles licitantes já pré-qualificados, usando-se de um critério único de seleção. Nas palavras de Guasch, “In prin-ciple the use of multiplus criteria — even with a well-specified scoring formula — is not desirable, because it tends to lack transparency and is very susceptible to manipulation, corruption, and the contesting of the award by the losers, inducing delays and protracted conflict” (Granting and rene-gotiating infrastructure concessions: doing it right. Washington D.C.: The World Bank. 2004. p. 98, 101).

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Abstract: The subject of this article is the legal status of public-private partnership bidding (Law n. 11.079/2004). The analysis is divided into two parts: (i) internal procedure and (ii) external procedure. Initially, the analysis is dedicated to the most relevant aspects of the internal procedure, such as the fundamental studies and demonstrations related to open biddings, as well as the rules for the private sector to propose a PPP. After, the article analyzes the external processing of bidding, including the modes of the dispute, the chronology of the phases, and the criteria for the proposal selection.

Key words: PPP bidding. Bid. Public-private partnership. Concession. PMI.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Aspectos jurídicos da licitação na parceria público-privada. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p. 73-97, mar./ago. 2013.

Recebido em: 27.05.2013Aprovado em: 18.06.2013

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Parceria público-privada no setor de presídios – Um diagnóstico da evolução orçamentária de penitenciárias

Juliano Nunes AlvesBacharel e Mestre em Administração. Professor no

curso de Graduação em Administração na Universidade de Cruz Alta. Doutorando em Administração

na Universidade Federal de Santa Maria.

Andrei Felipe da Silva NunesBacharel em Física com Especialização em Gestão Pública pela

Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Direito Administrativo (Faculdades Integradas Jacarepaguá).

Leander Luiz KleinBacharel e Mestre em Administração pela Universidade Federal de

Santa Maria. Doutorando em Administração no PPGA-UFSM.

Ricardo Machado LéoGraduando em Administração pela Universidade Federal de Santa

Maria. Pesquisador na linha de Redes Interorganizacionais.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo diagnosticar a evolução orçamentária de cada uma das opções apresentadas aos gestores públicos e analisar as razões que os levam a optar pela parceria público-privada ou aplicação direta de recursos na construção e manutenção de presídios. Ini-cialmente serão abordados os objetivos e a estruturação deste estudo, a justificativa para a realização deste trabalho e a definição do problema de pesquisa. Em etapa posterior serão analisados os aspectos legais e estudos rea-lizados sobre o tema. No último tópico será apresentado o método utilizado no decorrer deste estudo para o levantamento de dados que respondam à problemática desta pesquisa. Os resultados foram colhidos e montados em tabelas e gráficos para uma melhor visualização e análise. As conclusões fei-tas não apontam para uma ou outra escolha como a melhor opção, apenas colocam quais diagnósticos podem ser feitos por meio dos resultados e os melhores cenários para cada escolha. Enfatiza-se que a escolha final é uma decisão política, porém o melhor embasamento técnico deve balizar a decisão.

Palavras-chave: Orçamento. Parceria público-privada. Gestão pública.

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54 Juliano Nunes Alves, Andrei Felipe da Silva Nunes, Leander Luiz Klein, Ricardo Machado Léo

Sumário: 1 Introdução – 2 Referencial teórico – 3 Método da pesquisa – 4 Resultados e análise dos dados – 5 Considerações finais – Referências

1 Introdução

O presente trabalho busca demonstrar a forma de evolução do orçamento público quando financia o gasto com a construção e manutenção de penitenciá-rias, quer seja na forma de parceria público-privada, quer seja de forma direta. A parceria público-privada vem sendo amplamente utilizada como forma de ala-vancar os investimentos em infraestrutura, utilizar a expertise do setor privado ou utilizá-lo como agente captador de recursos no mercado. Para utilizar esse tipo de ferramenta é de primária importância a adequação do gasto ao orçamento público, pois isso se refere à despesa de caráter continuado. Esse tipo de despesa deve ser acompanhado de um estudo de estimativa de impacto orçamentário e origem dos recursos para custeá-la, o que remete ao cumprimento de determinação legal descrita na intitulada Lei de Responsabilidade Fiscal.

Devido ao forte ajuste fiscal a que foi submetido o Estado do Rio Grande do Sul nos últimos anos, para poder retomar os investimentos próprios em níveis acei-táveis, e ao advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que, entre outras coisas, limitou o endividamento dos entes federados e esses buscaram novas formas de se financiar. Além desse problema de financiamento próprio temos a entravada e burocrática máquina estatal que, como já visto em muitos estudos, apresenta problemas para contratação e prestação de serviços. Esses problemas, aliados à corrupção, pouca eficiência na aplicação dos recursos e baixa eficácia na execução dos investimentos, acabam saindo por um custo muito maior do que foi orçado originalmente ou nunca sendo terminados por uma descontinuidade de gestão, gerando um déficit na atuação governamental em diversas áreas.

Para amenizar essa situação uma alternativa encontrada foi a parceria público- privada: para enfrentar esse cenário criou-se uma nova forma de contrato entre a iniciativa privada e o setor público, que, no Rio Grande do Sul, é regulada pela Lei nº 12.234, de 13 de janeiro de 2005. Essa lei dispõe sobre as normas de contratação de parcerias público-privadas no Estado e abre uma oportunidade para o Estado utilizar o setor privado para se financiar e dividir os riscos de um empreendimento. Nessa parceria o ente público contrata com o setor privado, por uma espécie de

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concessão por tempo determinado, e este investe em setores específicos, buscando financiamento por meios próprios. Neste caso existe uma contraprestação do Estado ao parceiro privado por meio de tarifas ao usuário, mistas (tarifa+prestação) ou por ônus integral do Estado. Essa forma de parceria já é feita na Europa e na América atingindo bons resultados em algumas áreas. Uma das vantagens é a apli-cação de recursos diretos da iniciativa privada no investimento e o pagamento de contraprestação estatal apenas quando a sociedade usufruir o bem demandado, diminuindo assim o risco da aplicação direta de recursos para o Estado, pois ele é dividido com a iniciativa privada.

Com este cenário torna-se relevante pela atual conjuntura na qual o Judiciário brasileiro é obrigado a libertar criminosos condenados por não haver espaço fí-sico para que eles cumpram suas penas e possam ser reabilitados. Nos últimos 10 anos, 50 mil presos fugiram das cadeias do Rio Grande do Sul, que tem uma população carcerária de 28 mil detentos. Só na região metropolitana de Porto Alegre a média de fugas é de 274 presos por mês e os números são usados pelo governo estadual como novas vagas abertas no sistema prisional, que tem na rea-lidade — sem considerar as fugas — um déficit nos mapas da Justiça de 10,5 mil vagas no Estado.

Dessa constatação surge a indagação de qual o impacto orçamentário da construção e manutenção de uma penitenciária no Estado do Rio Grande do Sul utilizando a parceria público-privada ou executando de forma direta através do setor público? Nesta pesquisa procurou-se responder essa pergunta através de um diagnóstico da evolução orçamentária de cada uma das opções apresenta-das aos gestores públicos e analisar as razões que os levam a optar pela parceria público-privada ou aplicação direta de recursos na construção e manutenção de presídios.

Por fim, este presente estudo procurou proporcionar um maior embasa-mento ao gestor público para uma tomada de decisão sobre contratar com a iniciativa privada, por meio das parcerias público-privadas, ou utilizar a máquina estatal para ofertar determinado serviço à população. Trataremos aqui, mais espe-cificamente, da concessão para construção e manutenção de presídios.

2 Referencial teórico

2.1 Contextualização histórica das parcerias público-privadas

O desenvolvimento econômico brasileiro está atualmente entravado na ca-pacidade da Administração Pública em prover infraestrutura. Assim a promulgação

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da Lei nº 11.079/04 vem no intuito de reduzir as deficiências no financiamento das obras necessárias, já que desobriga o Estado de arcar sozinho no setor de infraes-trutura. Mas tal modalidade de colaboração entre o setor público e o particular não é novidade no Direito Administrativo pátrio, várias parcerias, nesses moldes, foram e são feitas desde a metade do século XIX, conforme Gonzales (2005).

Assim durante o período imperial, uma parceria produziu uma verdadeira drenagem dos cofres públicos, como aborda Juruá:

Ferrovias e portos foram construídos com base em um sistema de parceria público-privada que assegurava retorno atraente ao capital privado, nacio-nal ou estrangeiro, investido nessas atividades. Esse sistema ficou conhecido como de garantia de juros. (JURUÁ, 2004, p. 57)

Conforme Alvarenga (2005), posteriormente, nos idos dos anos 1980, o Estado adotou uma política com menor intervenção na economia, buscando através das privatizações uma maior competitividade e eficiência, que seria prejudicada pela incapacidade do Poder Público de administrar empresas. Dessa forma, o setor pú-blico poderia concentrar os seus gastos em atividades fins.

A adoção da política de privatização não obteve o sucesso desejado pela Administração Pública, e, então, na década de 1990, ainda no intuito de alcançar o objetivo de custear apenas atividades fins, o Estado permitiu que a iniciativa privada gerisse setores mal explorados pela Administração Pública. Essa política ficou conhecida como estatização, segundo Gonzales (2005).

De acordo com Borges e Neves (2005), a ideia de parcerias público-privadas (PPPs) deve ser comparada à de um arrendamento mercantil ou leasing, em que o Estado apenas aluga um serviço que contratou para alguém prover, mesmo que, caso necessário, o parceiro privado tenha que construir antes de operar. O par-ceiro privado só deve ser remunerado quando o serviço for prestado a contento e os bens, em princípio, sendo reversíveis ao poder concedente na finalização do prazo contratual. Esse é o modelo built operate and transfer (BOT).

Entendendo que investimentos em infraestrutura geram crescimento econô-mico, consegue-se explicar o porquê que o Brasil tem números muito menores que os outros países também com economia em desenvolvimento. Segundo Cláudio Roberto Frischtak, Presidente da Inter B. Consultoria Internacional, os investimen-tos em infraestrutura do Brasil estão em torno de 2% do PIB nos últimos anos. Esse patamar deveria ser de 3% do PIB, para manter a capacidade instalada; entre 4-6% do PIB, para alcançar países do leste asiático ou acompanhar o nível chinês; e entre 5-7% do PIB para alcançar os níveis desses países, segundo o mesmo autor.

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Parceria público-privada no setor de presídios – Um diagnóstico da evolução orçamentária de penitenciárias 57

Portanto, para continuar a crescer, será necessário que se incremente o setor de infraestrutura, para que se alavanque o crescimento econômico e melhore a competitividade do setor privado, não havendo outro meio a não ser pela captação de recursos do setor privado.

2.2 Norma geral federal sobre PPPs

A parceria público-privada se insere no rol de instrumentos administrativos para contratação com o setor privado com o advento da Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Essa Lei dita, conforme estabelecem as competências concorrentes arroladas no Título III – Da Organização do Estado, Capítulo II – Da União, art. 24, as normas gerais que regulam os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios nas contratações de parcerias público-privadas. Essa norma federal classifica as parcerias em dois tipos:

Concessão patrocinada: a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; e Concessão admi-nistrativa: o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. (Lei Federal nº 11.079, art. 24)

Adicionalmente a isso ela cria várias restrições ou limites para esse tipo de contratação, como aquelas cujo valor do contrato seja inferior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos e nem superiores a 35 (trinta e cinco) anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. Nessa mesma Lei, consta que a busca pela divisão dos ônus e bônus de determinada concessão foi baseada na divisão de risco entra as esferas privadas e públicas que se chegou a essa norma reguladora. Observa-se ainda a inserção da avaliação de desempenho do parceiro privado buscando uma melhor eficiência do serviço prestado. Essa avaliação, normalmente, reflete na contraprestação pecuniária estatal, ou seja, se o parceiro não executar de forma satisfatória o contrato ele sofrerá redução em sua receita.

A norma geral traz as garantias, a constituição de sociedade de fim especí-fico, a licitação, as disposições aplicadas à União e as disposições finais. Nota-se que por ser uma norma geral a União já inseriu um capítulo à parte para suas próprias especificidades. O art. 26 das disposições finas traz uma alteração na

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Lei de Licitações, a Lei nº 8.666/93, para que esta se adapte ao novo modelo de contratação.

O art. 28 determina o estabelecimento do limite de 1% da RCL aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesse caso, a União não concederá garantias ou reali-zará transferências voluntárias aos entes que não respeitarem essa restrição. É impor-tante ressaltar que esse artigo não veda os entes federados de ultrapassarem o limite. O Senado e o Tesouro Nacional devem receber as informações necessárias ao cumprimento desse artigo previamente à contratação da PPP. Sendo a PPP uma forma de expandir as despesas públicas intertemporalmente, é importante o estabelecimento de limites para o comprometimento do setor público com a sustentabilidade fiscal. Neste aspecto o Brasil foi mais rígido que os demais países em sua legislação (PEREIRA, 2006).

2.3 Norma específica estadual sobre PPPs

Para atender as particularidades do Estado do Rio Grande do Sul, utilizando sua competência complementar às normas gerais editadas pela União neste assun-to, foi editada a Lei nº 12.234, de 13 de janeiro de 2005, que dispõe sobre normas para licitação e contratação de parcerias público-privadas. Essa Lei obriga todos os poderes dentro do Estado do Rio Grande do Sul, regulando, assim, esse tipo de con-tratação nesse ente federado, respeitadas as normas gerais da União.

Na referida norma estadual têm-se postado as diretrizes básicas para a for-mação da parceria no âmbito estadual, como, por exemplo, eficiência na prestação do serviço, responsabilidade fiscal, transparência nos procedimentos, preserva-ção do equilíbrio econômico-financeiro, entre outras. Define-se o que poderá ser objeto de parceria e ao que se obrigam os parceiros privados. Essas obrigações, para Maciel (2007), tendem a dar o controle de resultados para o Estado, pois assim obrigam o parceiro privado a buscar a excelência do serviço, sendo esse controle por meio de fiscalização e aplicação de multas, inclusive as que afetam a contraprestação por parte estatal.

Percebemos que na Lei já é definida a modalidade de licitação a ser executada e as regras que deverão ser observadas, no caso a modalidade determinada é a concorrência com pré-qualificação. Importante notar que nessa Lei está presente, também, a obrigatoriedade de demonstração da taxa de retorno utilizada pelo par-ceiro privado para evitar a utilização da máquina pública para o enriquecimento desproporcional.

A publicidade e a participação popular, por meio de audiência pública, são colocadas como obrigatórias pela Lei, que estabelece em seu §3º do art. 6º que:

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§3º O projeto de parceria público-privada será objeto de audiência pública, com antecedência mínima de trinta dias da publicação do edital da res-pectiva licitação, mediante a publicação de aviso na imprensa oficial, em jornais de grande circulação e por meio eletrônico, no qual serão informa-das a justificativa para a contratação, a identificação do objeto, o prazo de duração do contrato e seu valor estimado, fixando-se prazo para ofereci-mento de sugestões, cujo termo dar-se-á pelo menos uma semana antes da data em que for publicado o edital.

Percebe-se que todas as características importantes do contrato devem ser especificadas para claro entendimento da sociedade.

Fica demonstrado que a busca pelo equilíbrio orçamentário deve ser respeitada, como já indicou a Lei Complementar Federal nº 101, de 2000. Além disso, os critérios de julgamento das propostas devem ser o de melhor preço ou melhor preço e técni-ca. A proposta econômica pode abranger as tarifas a serem cobradas dos usuários, a contraprestação estatal, o pagamento para a Administração de valores pela conces-são e os benefícios e utilidades a serem garantidos aos beneficiários da parceria.

Essa Lei, anteriormente citada, propicia muitas proteções ao Estado, como reajuste do contrato por ganhos em diminuições de taxa de financiamento, pena-lidades por quebras de contrato, forma de atualização do contrato, entre outras. O pagamento da contraprestação estatal pode ser feito por meio de recursos orça-mentários, cessão de créditos e direitos para exploração de bem público. Tanto o ente público quanto o privado devem oferecer garantias sobre os objetos contra-tados, podendo ser instituído fundo para tal finalidade.

No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul será criado um Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas. A esse Conselho, conforme a Lei de Res ponsabilidade Fiscal, competirá, entre outras funções, definir outras condições para inclusão de projetos no Programa PPP/RS e aprovar os projetos e deliberar sobre sua inclusão no Programa, observadas as diretrizes legais e governamentais, bem como as condições para sua inclusão no PPP/RS. Com isso teremos um cole-giado que decidirá quais são os setores prioritários para esse tipo de concessão, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e outras atribuições. Percebe-se aqui a importância da estimativa do impacto orçamentário, pois isso obriga o gestor a demonstrar de onde irá o recurso para custear o empreendimento e mantê-lo ao longo dos anos.

3 Método da pesquisa

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa exploratória, pois tem a fina-lidade de ampliar o conhecimento a respeito de um determinado fenômeno.

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Segundo Gil (2007), esse tipo de pesquisa, aparentemente simples, explora a realidade buscando maior conhecimento, para depois planejar uma pesquisa descritiva. O planejamento da pesquisa exploratória é bastante flexível, já que o pesquisador não possui clareza do problema nem da hipótese a serem investiga-dos. A abordagem da pesquisa será do tipo quantitativo-qualitativa, ou seja, pre-tende quantificar, verificar e analisar o impacto orçamentário, quer seja ao longo da PPP ou ao longo da construção e manutenção pelo Estado de uma mesma quan-tidade de vagas prisionais.

A população do estudo foi o orçamento do Estado do Rio Grande do Sul e a proposta do estudo de viabilidade do Projeto de Parceria Público-Privada de Penitenciárias. Por estudar um caso específico de aplicação de PPPs em peniten-ciárias nesse Estado, o presente estudo alcançou o total da população-alvo. A de-finição dessa esfera estadual para a pesquisa teve como fatores preponderantes: (i) a facilidade de acesso aos dados para a análise, o que viabiliza este estudo; e (ii) a intenção de que as comparações sirvam de base para um início de discussão do referido tema no Estado.

Os dados foram retirados do Orçamento Público Estadual, de estudos téc-nicos realizados pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão com base nos dados da execução da despesa e em estudos realizados pelo Departamento de Planejamento da Superintendência dos Serviços Penitenciários. O estudo se baseou nos anos de 2005 e 2010 e projetou os demais no período total da concessão.

Por ser uma pesquisa do tipo documental não houve variáveis a serem anali-sadas e sim dados documentais, de natureza quantitativa e qualitativa. Esses dados podem ser encontrados junto ao governo do Estado e são dados que já foram coletados, tabulados, ordenados, sistematizados e, algumas vezes, já analisados, como as publicações da Lei Orçamentária e os resultados de sua execução. Cabem algumas definições de termos padronizados pela Portaria Interministerial STN/SOF nº 163, de 04 de maio de 2001, norma federal em questões orçamentárias, sejam elas: (i) orçamento público: o orçamento público, em sentido amplo, é um do-cumento legal (aprovado por lei) contendo a previsão de receitas e a estimativa de despesas a serem realizadas por um governo em um determinado exercício (geralmente um ano); (ii) despesas correntes: classificam-se nesta categoria todas as despesas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital; (iii) despesas de capital: classificam-se nesta categoria aquelas despesas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital; (iv) empenho de despesa: é o ato emanado de autoridade competente

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que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.

Os dados recolhidos foram analisados baseados na evolução do fluxo de desembolso simulado para cada situação proposta na visão da despesa pública.

4 Resultados e análise dos dados

Inicialmente compilaram-se os dados do orçamento do Estado, de 2005 até 2010, da Superintendência de Serviços Penitenciários (SUSEPE) para demonstrar o seu comportamento. A SUSEPE é uma unidade orçamentária da Secretaria de Segurança Pública (SSP). No orçamento, a SSP é o órgão representado pelo número 12 e a SUSEPE é a unidade orçamentária (UO) 02, formando o código 12.02. As peni-tenciárias são, também, financiadas por um Fundo Penitenciário que possui UO própria, de número 96. Na TAB. 1 tem-se um quadro da evolução do orçamento por tipo de despesa:

TABELA 1

Evolução orçamentária dos gastos com penitenciárias

2005 2006 2007 2008 2009 2010

Empenhado Empenhado Empenhado Empenhado Empenhado Empenhado

12.02 - SUSEPE

143.310.930 157.658.760 169.276.410 189.869.360 196.846.697 344.637.500

3 - Despesa Corrente

132.574.514 138.082.115 162.795.790 184.574.569 186.657.739 264.433.879

4 - Despesa Capital

10.736.417 19.576.645 6.480.620 5.294.790 10.188.958 80.203.621

12.96 - Fundo Penitenciário

9.159.665 10.602.776 5.504.848 7.413.666 4.550.706 9.763.691

3 - Despesa Corrente

8.646.521 9.806.858 5.504.848 6.057.752 4.471.474 7.856.143

4 - Despesa Capital

513.143 795.918 1.355.914 79.232 1.907.547

Total 152.470.595 168.261.536 174.781.258 197.283.026 201.397.403 354.401.191

Fonte: Orçamento do Estado do Rio Grande do Sul de 2005 até 2010.

Postos os dados de como evoluem os gastos totais com a manutenção e investimento em penitenciárias, pode-se perceber que a taxa média de aumento dos gastos com despesa corrente na SUSEPE é de 15,65% ao ano. Para encontrar essa taxa de variação média calcula-se a diferença percentual de um ano para o imediatamente anterior, feito isso para cada um dos anos tira-se a média aritmé-tica simples entre as porcentagens encontradas.

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Os gastos em investimento, ou despesa de capital, evoluem de uma forma diferenciada, pois dependem de vontade política para acontecer e não serão ana-lisados neste aspecto. Utilizar-se-á como ponto de partida para a análise o total de gasto fixo da SUSEPE (sendo isso a soma entre as despesas correntes da UO 12.02 e 12.96) no ano de 2010, ou seja, R$277.290.000,00 (duzentos e setenta e sete milhões e duzentos e noventa mil reais). Os demais anos projetados terão um reajuste de 15,65% sempre que o gasto for gerado pelo Estado e pelo INPC, com índice acumulado de 6,46% em dezembro de 2010 segundo o IBGE, na con-traprestação ao parceiro privado, conforme regulado em contrato.

O Projeto PPP Presídios objetiva a construção de um complexo prisional com capacidade para cerca de 3.000 (três mil) apenados, englobando presídios mascu-linos e femininos, nos regimes semiaberto e fechado, buscando reduzir o déficit de vagas prisionais atualmente existente no Estado do Rio Grande do Sul.

O custo de construção de um presídio padrão no Estado do Rio Grande do Sul, segundo os valores da Lei Orçamentária, é de aproximadamente R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), abrigando até 600 apenados em regime e, baseado em dados atuais, com custo corrente por preso de R$1.430,00 (um mil e quatrocentos e trinta reais) ao mês, baseado em estudos da Assessoria Técnica da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPLAG). É importante ressaltar que esse custo está diluído nas precárias condições em que se encontram os presídios do Estado, pois em uma penitenciária que comportaria 1.500 detentos hoje se abri-gam 4.800, diluindo-se o custo fixo no excesso de presidiários. Por esse motivo a simples comparação de custo unitário não deve ser feita para balizar uma decisão.

Na esfera privada, para efeito de comparação da evolução do gasto, utili-zar-se-á a proposta escolhida como vencedora em um estudo de viabilidade, rea-lizado pela SEPLAG/RS, apresentado pelo Consórcio GPA. Nesse projeto o custo do apenado é de R$2.745,00 (dois mil e setecentos e quarenta e cinco reais) por preso atendido mensalmente na penitenciária, que, por sua vez, terá capacidade máxima de 3.040 apenados. Isso perfaz um total de R$8.344.800,00 de despesa mensal.

A disponibilização de vagas ocorrerá da seguinte maneira:- Estado (SUSEPE) = 600 em 2011, 1.200 em 2012, 600 em 2013 e 600 em

2014. Totalizando 3.000 vagas;- Consórcio GPA = 3.040 vagas a partir de 2013.

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Isso está exemplificado na TAB. 2 a seguir.

TABELA 2

Cronograma de geração de vagas

Vagas geradas 2010 2011 2012 2013 2014

SUSEPE 600 1.200 600 600

GPA 3.040

Utilizando esses dados montar-se-á um gráfico da evolução do orçamento de despesas correntes para o período de concessão de 20 anos. Na TAB. 3 tem-se um exemplo dessa evolução até o ano de 2014, com valores em reais.

TABELA 3

Simulação da evolução de despesas correntes

2010 2011 2012 2013 2014

Acréscimo da PPP-GPA 100.137.600 106.606.489

3 - Despesa corrente 277.290.000 320.685.885 370.873.226 428.914.886 496.040.066

Total GPA 277.290.000 320.685.885 370.873.226 529.052.486 602.646.554

Investimento SUSEPE 20.000.000 40.000.000 20.000.000 20.000.000

Acréscimo SUSEPE 10.296.000 20.592.000 10.296.000 10.296.000

3 - Despesa corrente 277.290.000 320.685.885 382.780.550 466.500.354 551.414.983

Total SUSEPE 277.290.000 350.981.885 443.372.550 496.796.354 581.710.983

Percebe-se que a disponibilização de vagas ocorre de forma gradual no Estado e de forma única na PPP. O desembolso de investimentos só ocorre na apli-cação direta do Estado, na parceria a amortização está diluída ao longo do tempo, passando a incorporar o patrimônio do Estado ao final da concessão. Então, como vantagem para o Estado, a partir de 2011 estariam disponíveis as primeiras vagas do sistema prisional. Essa disponibilização iria ocorrendo de forma progressiva para que em 2014 todas as 3.000 vagas propostas estivessem disponíveis.

No modelo privado as mais de 3.000 vagas oferecidas pela parceira esta-riam disponíveis apenas em 2013 e não haveria um desembolso prévio de in-vestimentos por parte do Estado. Nesse modelo o Estado só pagaria por vaga disponibilizada, como se fosse uma hospedagem de presos, e pela parcela do investimento feita. Por esse método o Estado estaria se financiando por meio da iniciativa privada.

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Na FIG. 1 tem-se a evolução da despesa corrente, e a de capital no caso da SUSEPE, para o período de concessão:

FIGURA 1 - Gráfico da evolução orçamentária dos dois modelos propostos

Percebe-se que a evolução do orçamento da SUSEPE com a criação das va-gas prisionais é diferente para cada uma das opções escolhidas. No modelo de construção por meios próprios, depois de incorporado ao patrimônio público, o presídio começa a gerar dispêndios do grupo de natureza de despesa 3 — outras despesas correntes, que são regidas pela taxa média calculada anteriormente. Esse tipo de taxa ocorre pela intitulada ineficiência alocativa, conforme Afonso (2007). A eficiência alocativa reflete a capacidade da unidade de decisão na utili-zação de vários inputs em proporções ótimas para a produção de um determinado output; por não conseguir fazer isso de forma eficiente o Estado tem altas taxas de crescimento de sua despesa.

Essa taxa faz com que no longo prazo qualquer investimento feito direta-mente pelo Estado, com custo menor inicialmente, se torne mais oneroso. O for-necimento de vagas por meio de PPP tem um crescimento menor, porém com aporte inicial de maior envergadura. O fluxo de desembolso inicia com valores iguais e, devido ao aporte de recursos para investimento, o do Estado passa a ser maior já em 2011, persistindo tal situação até 2014. Nesse ano inicia a contrapres-tação do Estado fazendo com que o modelo de PPP se torne mais oneroso; devido à diferença de percentual de reajuste os dois modelos praticamente se igualam no ano de 2020, sofrendo uma inversão a partir de 2021. Após essa invertida a di-ferença entre o desembolso dos modelos só aumenta; pelos motivos já expostos

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considera-se que o índice de inflação utilizado para reajuste da PPP não varie com o passar do tempo e que a economia se mantenha estável.

Em termos numéricos, a diferença entre os desembolsos fica em torno de R$100.000.000,00 (cem milhões de reais) a partir de 2025, estando maior o gasto feito pelo Estado diretamente. Essa diferença, ao final da concessão, atinge a marca de R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais). Como já explicado anteriormente isso se deve ao fator de reajuste adotado para cada um dos modelos, conforme a teoria de ineficiência do Estado e o cálculo da média percentual de evolução do gasto público dessa natureza.

A diferença entre os desembolsos implica a diminuição na capacidade de investimento do Estado. Isso poderia estar sendo utilizado na melhoria do próprio sistema carcerário ou em vários outros tipos de melhorias para o cidadão. Essa diferença significaria construir, em um primeiro momento, quatro penitenciárias com capacidade para seiscentos apenados por ano.

5 Considerações finais

O objetivo do trabalho é diagnosticar a evolução orçamentária de cada uma das opções apresentadas aos gestores públicos e analisar as razões que os levam a optar pela parceria público-privada ou aplicação direta de recursos na constru-ção e manutenção de presídios. Por meio da simulação de evolução orçamentária em cada um dos modelos pode-se obter algumas conclusões sobre as vantagens em adotar um ou outro modelo.

No modelo de investimento e manutenção própria o orçamento se mantém menor no curto prazo e apresenta um custo por preso, sem levar em consideração o serviço prestado, mais baixo. Nesse modelo o Estado necessita aportar recursos de investimento para construir as penitenciárias, conforme o projeto padrão esta-belecido. Por existir uma ineficiência na utilização direta de recursos pelo Estado no longo prazo esse empreendimento pode vir a onerar de forma demasiada os cofres públicos. As taxas de correção para o Estado, da maneira que está posta, torna dispendioso o empreendimento no longo prazo.

O modelo de contratação de serviços e construção via parceria privada apresenta um custo por preso de R$2.745,00 (dois mil e setecentos e quarenta e cinco reais), ou seja, R$1.315,00 (um mil trezentos e quinze reais) a mais do que o custo do Estado, o que equivale ao dobro do preço. É importante ressaltar que esse custo está diluído devido à superlotação dos presídios, que comporta mais presos que sua capacidade diluindo o custo fixo no excesso de presidiários. Por esse motivo a simples comparação de custo unitário não deve ser feita para balizar

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uma decisão. Isso torna a simples comparação de valores um uma forma enganosa de se balizar.

As vagas nesse sistema estariam disponíveis apenas dois anos após o Estado iniciar a disponibilização. O aporte de recursos, devido ao alto custo do apenado, é maior nesse modelo no início da prestação, mas no longo prazo, devido à taxa de inflação atualmente ser menor que a taxa de ineficiência do Estado, se torna mais vantajoso orçamentariamente.

Os fatores que levam o gestor a optar pelo modelo de investimento próprio são, do prisma orçamentário, o menor desembolso inicial e o custo por apenado “menor”. Em cenários em que o governo não dispõe de meios para financiamento próprio ele pode se utilizar da iniciativa privada para se financiar. Com isso ele não precisaria assumir o risco da construção e dos encargos de financiamentos dela decorrentes. Além disso, no longo prazo, a PPP se torna mais vantajosa, apesar de seu custo por detento ser quase o dobro do oferecido pelo setor público.

Por meio de simulação de evolução do orçamento pode-se evidenciar como se comportam as contas do governo utilizando cada uma das propostas. Quando colocada em forma de gráfico, como na FIG. 1, percebe-se que a diferença entre as propostas no longo prazo deixam a proposta privada em vantagem, porém a ineficiência do governo pode ser corrigida. Deve-se levar em consideração as limitações do presente trabalho no que tange à qualidade do serviço prestado. Em nenhum momento foi feita uma análise do tipo de serviço que seria prestado ao apenado ou se ele estaria atingindo o objetivo de ressocialização.

Um futuro trabalho poderia abordar o custo-benefício de cada uma das for-mas de aplicação, uma demonstração dos tipos de serviços prestados pelo Estado e suas implicações no retorno do indivíduo ao convívio em sociedade associadas a seu custo financeiro, demonstrando o custo social daquele apenado. Isso poderia ser confrontado com as expertises trazidas pelo setor privado e as inovações pro-postas por esse segmento, juntamente com o custo-benefício dessa abordagem.

O ponto importante deste trabalho é demonstrar as possibilidades que o gestor tem ao se deparar com o problema prisional e, dependendo da circuns-tância, escolher a melhor forma de resolver o problema. Cada modelo apresenta vantagens e desvantagens e a opção por um ou por outro depende da conjuntura e da capacidade de investimento do Estado. Um Estado com boa capacidade de captar recursos e possibilidade de controlar sua ineficiência deve optar pela cons-trução por meios próprios, já um que esteja sem limites para endividamentos e não consiga ser eficiente, pode optar por utilizar a expertise do setor privado para gerenciar o presídio e captar recursos.

Santa Maria/RS, 02 de junho de 2013.

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Public-Private Partnership in the Prisons Sector – A Diagnosis of Prisons Evolution Budget

Abstract: This article aims to diagnose the development budget of each options presented to public managers and analyze the reasons that lead them to opt for public-private partnership or direct application of resources in the construction and maintenance of prisons. At first were approached objectives and structure of this work then the justification for conducting this study and the definition of the research problem. In a next step we will analyze the legal aspects and studies on the subject. The last chapter will present the method used throughout this study for the data collection that answer the problematic of this research. The results were collected and assembled in tables and graphs for better visualization and analysis. The results do not point which choice is the best, just show which diagnoses can be done through the results and the best scenarios for each choice. It is emphasized that the final choice is a political decision, but the best technical foundation must delimit the decision.

Key words: Budget. Public-Private Partnership. Public Management.

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O regime de controle e fiscalização das Parcerias Público-Privadas – O papel do projeto executivo

Floriano de Azevedo Marques NetoDoutor e Livre-Docente em Direito Público pela Universidade de São Paulo. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo. Advogado.

Caio de Souza LoureiroMestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo. Advogado.

Resumo: A incorporação das Parcerias Público-Privadas (PPP) no ordena-mento nacional trouxe consigo uma nova metodologia de controle e fis-calização por parte da Administração Pública. Especialmente em relação à execução de obras no regime de PPP, a legislação sobre a matéria carreou um novo mecanismo em prol do controle realizado pelo gestor público, que prima pelo resultado ao invés da forma. Não obstante se tratar de um novo regime, a correta execução de obras em contratos de PPP é objeto de constante questionamento, motivado sobretudo pelo apego desarrazoado a premissas e regras do regime tradicional de contratação. O presente artigo busca, dessarte, evidenciar e reiterar a distinção entre os regimes, em prol da concreta aplicação dos novos mecanismos de controle e fiscalização da execução de obras em contratos de PPP.

Palavras-chave: Parceria Público-Privada (PPP). Obra pública. Controle e fiscalização.

Sumário: 1 Breve desenlace a título de introdução – 2 As distinções entre os regimes de contratação administrativa – 3 O projeto executivo na consecução de obras públicas – 4 Conclusão

Instituída há quase uma década no ordenamento jurídico nacional, a Parceria Público-Privada vivenciou um período de desconfiança logo após a edição da Lei nº 11.079/04, natural em virtude do novo direcionamento dado à contratação administrativa e que ensejava dúvidas quanto à correta aplicação deste novo

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regime contratual. Após esse estranhamento inicial, a PPP passou a ser adotada com mais frequência, particularmente por alguns Estados e Municípios, gozando de uma aceitação maior enquanto alternativa viável à execução de investimentos de maior relevo em infraestrutura. Assim, ainda que indissociavelmente atrelada à prestação de um serviço, a PPP vem servindo como instrumento em prol da execução de obras relevantes de infraestrutura, viabilizando o aporte dos inves-timentos necessários.

Justamente por essa circunstância, extraída da prática de contratos de PPP, os mecanismos de controle e fiscalização da execução de obras que precedem ou são concomitantes à prestação dos serviços ganharam importância. E os elemen-tos específicos deste controle em contratos de PPP passam a ser fundamentais ao estudo e aplicação do instituto. No entanto, o que vem sendo verificado é o constante embate deste novo modelo com o tradicional modelo de contratação. Especialmente em setores mais conservadores dos órgãos de controle, é possível identificar um movimento favorável à incorporação de elementos tradicionais da contratação administrativa também no que toca ao controle e fiscalização de con-tratos de PPP, o que traz consigo um risco a sua correta execução.

O principal problema desse entendimento está em misturar o que é carac-terístico de cada regime, sob o argumento de que assim se estaria assegurando a eficácia do contrato. Esse posicionamento, tanto pior que a negação estrita do novo regime, acaba por provocar danos ainda maiores, dada a incompatibilidade que há entre cada um dos modelos de contratação, do que pode resultar o com-pleto esvaziamento do contrato de PPP, ou, quanto menos, provocar-lhe dificul-dades de gestão.

O reconhecimento dessa corrente motivou a elaboração do presente arti-go, no qual pretendemos expor a compreensão do contrato de Parceria Público-Privada e suas inovações em relação ao regime tradicional de contratação da Administração Pública, oriundo da Lei nº 8.666/93. Nesse desiderato, iniciamos com um breve e relevante adendo sobre aquilo que acreditamos ser a causa prin-cipal da situação adversa à incorporação do regime de controle e fiscalização de obras em PPP: a resistência e incompreensão que ainda existem em relação às inovações carreadas na legislação sobre concessões de serviços públicos, espe-cialmente no âmbito das novas relações de parceria. Logo a seguir, analisamos as principais diferenças conceituais entre os contratos administrativos sob a égide tradicional e aqueles executados no regime das PPPs. Nossa preocupação nesse ponto foi a de evidenciar que a estrutura contratual de cada regime é distinta, mal-grado a convicção de muitos que pretendem tratar um e outro regime sob uma

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mesma ótica. No tópico derradeiro, ocupamo-nos de tratar dessa problemática num viés mais concreto, ao considerar as distinções entre os regimes de contra-tação administrativa, especificamente no que versa sobre a execução de obras públicas. Aqui, o intento foi expor como interpretar os tradicionais mecanismos de fiscalização e controle — necessários em ambos os regimes — em relação às obras que precedem a prestação de um serviço público delegado ao particular.

Passemos, então, ao estudo desses temas.

1 Breve desenlace a título de introdução

Malgrado a existência de uma legislação específica, ocupada em ressalvar essa nova espécie de concessão das regras gerais de contratação administrativa, o que se observa na prática é um apego demasiado, quase um atavismo, por parte de muitos, mormente dos órgãos de controle, com as premissas tradicionais do regime contratual administrativo. Essa dualidade entre as inovações carreadas pela incorporação das PPPs — e mesmo das concessões comuns — e o conserva-dorismo sobre temas sensíveis do contrato administrativo vem provocando choques e questionamentos que, longe de atenderem aos preceitos da Administração, acabam por comprometer a correta aplicação do instituto.

Não queremos aqui tecer nenhum juízo de valor sobre qual modelo é mais ou menos benéfico ao interesse público, até porque não se trata de um embate entre o regime da Lei nº 8.666/93 e aquele inaugurado, em esfera federal, pela Lei nº 11.079/04 e por correspondentes legislativos em diversos Estados e Municípios. Por certo, a convivência pacífica entre os dois regimes não somente é possível como é também desejada, tendo em conta que a plêiade de objetos sujeitos à contratação pela Administração é bastante ampla para permitir soluções distintas, mais adequadas às peculiaridades daquilo que se pretende contratar. De igual forma, não nos esquivamos de mencionar que ambos os regimes encerram pon-tos suscetíveis a críticas e que ajustes poderiam ser feitos em cada um deles com vistas a aprimorá-los.

O inconveniente surge quando há emaranhamento entre as premissas desses modelos de contratação administrativa. Isso pode ocorrer na tentativa de suprir eventuais lacunas em cada um dos aparatos legislativos. Colmatar lacunas recorrendo à analogia é recurso ancestral de hermenêutica. O que, contudo, temos observado é que a frequência é especialmente decorrente de uma resis-tência às inovações específicas das PPPs, de modo que os responsáveis por aplicar e controlar a aplicação do instituto usualmente se socorram de preceitos próprios

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do modelo geral de contratação não para suprir lacunas, mas para negar as inovações trazidas para os novos arranjos contratuais, esforçando-se por trazê-los de volta ao regime geral dos contratos (pálio da Lei nº 8.666/93).

A aplicação subsidiária de premissas inerentes ao regime geral de contratos administrativos não é, por si só, um problema, porquanto, como dito, em algumas situações, a aplicação de dispositivos específicos da Lei nº 8.666/93 pode suprir lacunas ou generalidades da legislação de PPP.1 O retorno ao regime geral passa a ser descabido quando contraria as divisas do contrato de PPP, isto é, quando se intenta aplicar às PPP institutos contrários às premissas deste novel regime.

Os questionamentos aos contratos de PPP usualmente se motivam pela tentativa de se forcejar a aplicação à PPP de dispositivos específicos da Lei nº 8.666/93. Tais questionamentos podem decorrer de uma má compreensão das novidades trazidas pela PPP, mas não raro o que há é a rejeição explícita ao novo regime, tido por muitos como um instrumento de desvirtuamento das regras de contratação. A tentativa de reduzir a PPP a uma contratação administrativa igual aos comezinhos contratos de empreitada traduz-se, assim, quase como uma revanche tirada contra os novos arranjos de parcerias.

Esta rejeição, contudo, tende muitas vezes a ser velada e dificilmente se manifesta por meio da supressão de regras da PPP. Antes, o que ocorre é um enfrentamento esquivo, sinuoso, mediante o desfazimento dos preceitos da PPP, e que tende a vir pela imposição de requisitos e interpretações restritivas que acabam por esvaziar o conteúdo das inovações trazidas pela Lei nº 11.079/04. Assim, não há o questionamento expresso dos dispositivos que tornam as exigências prévias à licitação mais flexíveis, mas há a imposição de diversas condicionantes, que se aproveita de certa generalidade encontrada no texto da legislação de PPP.2 De

1 O que ocorre, por exemplo, na definição de regras procedimentais formais observadas na fase de licitação (impugnações e pedidos de esclarecimentos ao edital, interposição de recursos administrativos, prerrogativas da comissão de licitação, entre outros).

2 Nesse sentido, tome-se a liberdade conferida para se licitar PPP apenas com as diretrizes de li-cenciamento ambiental (artigo 10, VII da Lei nº 11.079/04), que acabou sendo tolhida por uma interpretação cada vez mais vigente, no sentido de aplicar apenas a parte inicial do dispositivo, ao se exigir a obrigatoriedade da licença prévia. O fenômeno pode ocorrer de modo expresso, demandando-se a licença prévia sem nenhuma ressalva. Mas o mais comum é que ele se mani-feste de modo velado, por meio de uma interpretação muito ampla do que vêm a ser as “diretrizes para o licenciamento ambiental”, que acaba por compreender como diretrizes dados e informa-ções que somente se obtêm com a licença prévia ou até mais do que isso. Vai daí que, na prática, conquanto não se negue a liberdade conferida pela lei em licitar com diretrizes, aquilo que é exi-gido em termos de diretrizes corresponde ou mesmo transcende o exigível para licença prévia. Nesse sentido, caminha a Instrução Normativa nº 52/2007, do TCU, responsável por regulamentar

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igual forma, mesmo quando a própria Lei de PPP impõe óbices questionáveis, estes são ampliados por meio de interpretações demasiadamente estreitas, que acabam por limitar além daquilo que quis a própria lei.3

O efeito imediato desta corrente está longe de trazer qualquer benefício à contratação administrativa, pois não somente desconsidera os inegáveis avanços do modelo de concessões — e aqui é relevante dizer que a situação retratada ocorre também nas concessões comuns, regidas pela Lei nº 8.987/95 —, esva-ziando o conteúdo característico dessa modalidade de contrato, mas, tanto pior, enxerga-o com as lentes dos contratos tradicionais. Vai daí que não há a simples desconsideração da autonomia regulamentar das concessões, o que acabaria apenas por impedir a sua contratação. Ocorre algo ainda mais prejudicial, que é a contratação de uma concessão sujeita às restrições e preceitos dos contratos ordi-nários da Administração, gerando verdadeiros híbridos contratuais, em prejuízo do próprio interesse público.

Nessa hipótese, não se trata da mera desconsideração dos elementos definidores da concessão, mas, tanto pior, aplicam-se a ela o que é específico do regime tradicional, muitas vezes contraditório com o que se espera de uma concessão. Há, então, uma confusão conceitual entre concessão e prestação de serviços públicos, incorporando ao contrato de concessão um número tal de dispositivos da prestação de serviços regida pela Lei nº 8.666/93, de modo a implicar num instrumento que nem bem é uma concessão, nem tampouco é uma prestação de serviços na acepção tradicional do regime contratual administrativo. A ressaca desse blend conceitual é a pior possível, pois, travestido de prestação de serviços públicos, o contrato de concessão não logra efetivar as suas inovações, e, ao mesmo tempo, pode representar um excludente oportunista a algumas das

a fiscalização de PPP no âmbito da Corte de Contas federal, que exige, em momento prévio à licitação, a “relação das medidas mitigadoras e/ou compensatórias dos impactos ao meio am-biente, inclusive do passivo ambiental existente, acompanhada do cronograma físico-financeiro e da indicação do agente responsável pela implementação das referidas medidas” (artigo 4º, “h”). Tais informações extrapolam demasiadamente o conceito de diretrizes para o licenciamento am-biental, e acabam refletindo aquilo que é exigido para a emissão da licença prévia. O que é mais interessante é que a alínea imediatamente anterior replica o texto da Lei, inclusive com remissão expressa, que admite a licitação apenas com as diretrizes para o licenciamento.

3 O que é percebido pela interpretação restritiva que se faz do artigo 28, ao computar, para fins do comprometimento da receita corrente líquida (RCL) dos entes contratantes de PPP, também despesas que não são de caráter continuado ou aquelas que não decorrem propriamente do contrato de PPP, mas que apenas dele se valeram para sua consecução. Aqui, desvirtua-se a preocupação da Lei com o comprometimento orçamentário de entes federativos com contratos de PPP, tornando a condicionante legal muito mais severa do que realmente é.

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limitações do regime tradicional que seriam mais adequadas ao que acaba se tornando a avença contratada. O grande perigo de se permitir que o regime da Lei nº 8.666/93 imiscua-se no contrato de concessão é, pois, exagerar na dose e acabar esvaziando a concessão, transmutando-a numa prestação de serviços que, se assim o for, deveria acompanhar in totum, o modelo tradicional.

A indefinição conceitual sobre o que deve constituir um contrato de concessão é ainda mais severa com as concessões precedidas de obra pública, porquanto é na neutralização de sabidas deficiências do regime tradicional que as inovações das concessões poderiam acarretar um benefício ainda maior para a Administração. É este desenlace com o modelo tradicional de contrato administrativo que disciplina o entendimento sobre as Parcerias Público-Privadas.

2 As distinções entre os regimes de contratação administrativa

Há no cotejo dos regimes de contratação administrativa distinções relevan-tes que vão muito além de uma mera evolução. Muito embora as concessões en-cerrem elementos bastante inovadores dentro do estudo dos contratos públicos, eles não representam apenas adaptações evolutivas ao modelo de contratação geral. Queremos com isso dizer que a estrutura contratual das concessões é em si independente daquela representada pela Lei nº 8.666/93, isto é, não se trata de partir de um contrato usual e nele embutir ajustes específicos que intentam conferir-lhe outra feição. Não há — para utilizar uma expressão comum à enge-nharia — um retrofit do contrato administrativo ordinário, para que este passe a ser um contrato de concessão.4

Não se trata de compreender o contrato de PPP como espécie de contra-to administrativo, mas sim de definir cada um dos regimes contratuais da Administração como espécie da indispensável associação entre público e privado para a realização de interesses coletivos relevantes, cujo alcance e manutenção constituem o cerne da atividade estatal. Assim afirmamos com amparo no que

4 Nesse ponto, é certeira a reflexão de Egon Bockmann Moreira: “[...] a Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões) era muitas vezes tratada como se fosse mero apêndice da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), o que trazia consigo a implementação de racionalidade idêntica — ou complementar — a ambos os diplomas. Os contratos de concessões de obras e serviços públicos eram tidos como singela modalidade de contrato administrativo de obras e/ou serviços, o que causou o lamentável equívoco de as soluções construídas para as licitações e contratações administrativas ordinárias serem aplicadas sem maiores reflexões aos contratos de concessão e permissão” (Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995: parte geral. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 13).

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dispõe a Constituição Federal, que não apenas consagra enlaces distintos entre a Administração e o particular, mas que consigna, em relação à concessão, um regime especial (artigo 175), o que já é bastante para defender a dissociação entre os contratos comuns e os contratos de concessão.

Mas tão importante quanto o precedente constitucional é o precedente ló-gico, por meio do qual não faria o menor sentido se dispensar tratamento especí-fico à concessão, inclusive no texto constitucional, se esta fosse mera coadjuvante no contexto dos contratos administrativos. Não há nada que justifique interpretar a Constituição no sentido de que somente pode haver um regime único de con-tratos administrativos, estanque e hermético. Não é isso que diz a Constituição ao prever, em seu artigo 37, XXI, as diretrizes gerais da contratação levada a cabo pela Administração.

Antes, o dispositivo consigna apenas linhas mestres que direcionam a regu-lamentação infraconstitucional, o que também não confere a uma lei específica (no caso, a Lei nº 8.666/93) o monopólio da regulamentação da Constituição em termos de contratos administrativos. Se assim o fosse, seria a Lei Geral de Licitações insuficiente ao cumprimento dessa tarefa, pois se omite em relação a temas específicos tratados pela Constituição na seara da relação contratual entre Administração e particular, donde se teriam lacunas legislativas inadmissíveis. É só pensar no tratamento da própria concessão, para a qual o artigo 175 atribuiu à lei específica a tarefa de regulamentar temas característicos, nenhum deles objeto da Lei Geral de Licitações.

Portanto, o direcionamento constitucional para a contratação administra-tiva não somente admite, mas também estimula, regimes próprios, voltados à peculiaridade de cada relação que se pretenda estabelecer entre a Administração e o particular. Vai daí que, salvo o respeito às normas constitucionais gerais e de-lineadoras, é esperada a convivência entre regimes distintos de contratação, cada qual com sua específica regulamentação, sem prejuízo de compartilharem insti-tutos e elementos comuns a todos. E isso tanto é verdade que, desde a edição da Lei nº 8.666/93, não foram poucas as leis que trouxeram consigo regimes especí-ficos de contratação, com maior ou menor distanciamento do regime tradicional inaugurado pela aludida lei.5 De modo que a primazia da Lei nº 8.666/93 não lhe

5 Numa rápida rememorada, podemos citar não apenas as leis gerais de concessão (nº 8.987/95 e nº 9.074/05), mas também as leis que regulamentaram o pregão eletrônico (nº 10.520/02), o Programa Nacional de Desestatização (nº 9.491/97, que, inclusive alterou a Lei nº 8.031/90, anterior à Lei Geral de Licitações), os contratos específicos de serviços regulados (energia: nº 9.427/96; telecomunicações: nº 9.472/97; petróleo e gás: nº 9.478/98; e saneamento básico: nº 11.455/07),

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confere a batuta para reger toda e qualquer espécie de licitação ou contratação administrativa, nem tampouco serve de embasamento para se tentar aplicar ele-mentos contratuais comuns aos regimes a partir de uma premissa única.

A existência de elementos contratuais comuns aos regimes não invalida a tese de autonomia e distinção entre estes, mas apenas orienta cautela na ma-neira com a qual esses elementos vão ser interpretados e aplicados em cada um dos contratos. Por óbvio, o risco, a remuneração, a divisão obrigacional, entre outros, são temas comuns a qualquer contrato, mas não é isso suficiente para uniformizar o modo pelo qual estes serão considerados em cada avença. Antes, são as características de cada regime que devem nortear a compreensão dos elementos contratuais, voltada ao atendimento mais adequado às premissas e objetivos do regime.

E é por essa razão que o regime da concessão — bem assim cada um dos demais regimes contratuais — representa uma unidade voltada a determinado objetivo e construída a partir de determinadas características, amoldadas às espe cificidades do vínculo entre a Administração e o particular em cada arranjo contratual. O contrato de concessão representa o conjunto concatenado de elementos que devem ser compreendidos em virtude das premissas da concessão, independente se são previstos de maneira distinta em outro regime contratual ou mesmo se possuem aplicação e interpretação idênticas em ambos os regimes. Essa afirmação, conquanto de uma obviedade explícita, é muitas vezes ignorada na aplicação das leis que regulamentam as concessões de serviços públicos no país, o que leva à situação exposta no tópico anterior, na qual a estrutura contratual da concessão é vista pela lente da Lei nº 8.666/93, mesmo naquilo que esta se apresenta diametralmente oposta aos anseios da concessão.

De todos os elementos que conferem os contornos da concessão, há um que certamente se sobrepõe e que acaba por influenciar todos os demais: as conces-sões representam uma relação notadamente mais complexa entre Administração e particular. Ao contrário dos contratos ordinários de prestação de serviços ou de execução de obras públicas, a concessão pressupõe, de início, um vínculo mais

as contratações de Organizações Sociais – OS (nº 9.637/98) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (nº 9.790/99), e, mais recentemente, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), previsto inicialmente na Lei nº 12.462/11, apenas para objetos relacionados aos grandes eventos esportivos que irão se realizar no país em 2014 e 2016 e que vem sendo ampliado reiteradamente para objetos distintos. Sobre o RDC, é oportuno mencionar a incorporação neste regime de alguns dos elementos dos contratos de concessão, como é o caso da remuneração atrelada ao desempenho e da inversão de fases na licitação, por exemplo.

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perene entre a Administração e o seu contratado, que, de um lado, representa uma relação muito mais dinâmica, e, por outro, implica na atribuição de deveres e direitos muito mais robustos para cada uma das partes. Este liame complexo e duradouro entre as partes impõe ao contrato de concessão a adoção de regras bem específicas, ausentes no regime tradicional de contratação e que dão forma à estrutura contratual específica da concessão.

Não por acaso, ao prever a concessão de serviços públicos, a Constituição Federal de 1988 delineou, desde já, temas inatos ao instituto e que deveriam ser objeto de regulamentação infraconstitucional. Nesse sentido, os incisos do pará-grafo único do artigo 175,6 com destaque à previsão do inciso I, que denota o “caráter especial” do contrato de concessão. Tais incisos, por si só, já comprovam a complexidade e a autonomia da estrutura contratual da concessão, característi-cas que são acentuadas quando se analisa o detalhe da regulamentação conferi-da ao artigo 175, notadamente pela Lei nº 8.987/95, pela Lei nº 9.074/95, e, mais recentemente, pela Lei nº 11.079/04.7 Ou seja: é na consideração dos detalhes da concessão que demandam regulamentação — legal e contratual — que resta inequívoco se tratar de espécie contratual distinta e não mero arremedo dos tra-dicionais contratos administrativos.

Por essa razão, optamos por focar o presente estudo naqueles pontos de dis-crepância entre os dois regimes contratuais mais recorrentes na prática das PPPs: (i) a alocação de riscos, (ii) a estrutura remuneratória da concessão e (iii) o exercí-cio das prerrogativas de fiscalização e controle por parte do poder concedente.

Antes de passar ao estudo desses temas, informamos apenas que os tra-ços distintivos com o regime usual de contratação administrativa podem de-correr do regime geral de concessões ou daquele próprio das PPPs. Para o melhor desenvolvimento do arrazoado, ocupar-nos-emos de distinguir, quando

6 “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

7 Alexandre Santos de Aragão bem observa como a concessão, por si só, admite variadas estruturas contratuais, todas elas bem características e decorrentes da complexidade da delegação de ser-viços públicos aos particulares: “A multifacetada necessidade de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada na construção e operação das infraestruturas de natureza pública está dilar-gando os lindes conceituais tradicionais do instituto da concessão, fazendo cada vez mais com que ela seja considerada um gênero no qual se manifestam diversas modalidades de delegação de serviços públicos” (Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 397).

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necessário, se o ponto diz com um ou outro modelo de concessão, sendo certa a aplicação subsidiária do regime geral de concessões às PPP.

2.1 A alocação de riscos nos contratos de concessão

Um dos pontos de maior diferença entre os contratos tradicionais e os contratos de concessão é a divisão dos riscos da contratação. Enquanto o regime da Lei nº 8.666/93 imputa quase a totalidade dos riscos para a Administração Pública, as concessões partem da divisão de riscos entre as partes contratantes.

Referida expressamente como uma das diretrizes das PPPs pelo artigo 4º, VI da Lei nº 11.079/04, a “repartição objetiva de riscos entre as partes” — também consignada como cláusula obrigatória dos respectivos contratos — é uma das grandes inovações trazidas pelo regime jurídico das concessões8 e decorre da compreensão acerca da incongruência de se partir de um sistema pré-definido de responsabilidades em um contrato que se caracteriza pela complexidade de obrigações e direitos, de um lado, e pelo extenso prazo de execução, do outro. É dizer: carece de qualquer sentido lógico a pretensão em imputar a uma só parte da relação contratual a responsabilidade em lidar com o plexo de riscos que são inerentes à concessão. Tal, para além de onerar demasiadamente a parte que assumisse a integralidade dos riscos, representaria uma deficiência grave do contrato, porquanto não levaria em consideração a capacidade de cada parte lidar melhor com os riscos apurados em cada contrato.

Especificamente quanto à preocupação em resguardar a eficiência no trata-mento dos riscos contratuais, o próprio Tribunal de Contas da União, ao analisar modelos de concessão federal que se valeram da alocação de riscos, não somente reconheceu a validade do mecanismo, como, em alguns casos, ainda se atribuiu à alocação de riscos o efeito de aperfeiçoar a relação entre as partes.9 Sobre o tema,

8 Cabe aqui um aparte para mencionar que mesmo na égide da Lei nº 8.987/95, que define a assunção dos serviços “por conta e risco” da concessão como um dos elementos caracterizadores da concessão comum, já há o reconhecimento de que o sentido do texto legal não condiz com a alocação de todos os riscos na concessionária. O debate sobre o tema é vívido e instigante, porém foge ao foco deste artigo, razão pela qual nos reportamos ao estudo aprofundado e precursor de Marcos Augusto Perez (O risco no contrato de concessão de serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2006).

9 Nesse sentido, o Acórdão nº 1510/2010, Plenário, que, com base em relatório das equipes técnicas do Tribunal, assim se manifestou: “141. Nessa reunião entre a equipe do BNDES e da Sefid, foram apresentados alguns princípios e pressupostos que serão expressos no edital e na minuta de contrato sobre a alocação de riscos entre o poder concedente e a concessionária, os indicadores de desempenho e o método usado para recompor o equilíbrio econômico-financeiro, aspectos

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Fernando Vernalha Guimarães traz didática síntese, ao expor que “[d]iz-se que um contrato será eficiente quando cada parte arcar com os riscos que melhor condi-ção tem de administrar. Busca-se atribuir os riscos, de acordo com a sua natureza, à parte apta a, a custos mais baixos, reduzir as chances de que os prejuízos subja-centes venham a se materializar, ou, não sendo isso possível, mitigar os prejuízos resultantes. Trata-se de associar certos riscos à parte que detém maior controle sobre sua gestão ou sobre as consequências de sua materialização”.10

Portanto, o sistema de alocação de riscos nas concessões funciona como um importante mecanismo mitigador de problemas usuais nos contratos comuns, existentes apenas pelo fato de que nessa espécie de contratação, a assunção dos riscos pela Administração acaba provocando um desbalanceamento de encargos entre as partes contratantes. Bem verdade que isso ocorre pela concentração dos atos preparatórios da licitação e do contrato na Administração, cabendo a ela a responsabilidade integral e exaustiva dos contornos da execução do contrato. Como tal, natural que assuma as consequências e os riscos advindos de falhas nesse mister.

Assim é que as concessões conferem à Administração um elemento liber-tador não apenas dos riscos próprios do contrato, mas também de determina-dos encargos usualmente a ela imputados como consequência do regime geral dos contratos administrativos, de transferência integral dos riscos ao contratante público. Com efeito, ao trasladar ao particular alguns dos riscos da concessão, a Administração se desincumbe das medidas voltadas à mitigação desses riscos, o que implica numa larga revisão da estrutura contratual acerca da divisão de res-ponsabilidades, deveres e direitos das partes. Essa afirmação retornará em outros momentos deste estudo.

O importante, por ora, é assentar a premissa de que a alocação de riscos nos contratos de concessão não é mera repartição formal de encargos entre poder

que visam a minimizar a probabilidade da incidência e a intensidade do impacto de eventuais eventos prejudiciais à execução contratual”. Também na análise recente da concessão da BR 101 (Acórdão nº 1656/2011, Plenário): “173. A análise do instrumento editalício e da minuta contratual é objeto de segundo estágio de fiscalização, previsto na IN TCU nº 46/2004, art. 3º, II. Inobstante, entendemos que a alocação de risco de eventual morosidade do processo de licenciamento, tal como consignada acima, encontra-se adequada, uma vez que a imputa ao agente — particular ou estatal — que a der causa. [...] 178. Novamente ponderamos que a análise desse documento é objeto de segundo estágio de fiscalização, previsto na IN TCU nº 46/2004, art. 3º, II, porém perfilhamos o entendimento de que tal alocação de risco afigura-se adequada às boas práticas de desestatização de serviços públicos”.

10 PPP: parceria público-privada. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 296.

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concedente e concessionária. Ela se reflete em diversos pontos do contrato, muitas vezes em contraponto ao regime tradicional de contratação administrativa, o que, de forma recorrente, escapa a alguns dos questionamentos que são feitos em relação aos contratos de PPP, que não conseguem vislumbrar que elementos e preocupações específicas do regime da Lei nº 8.666/93 têm pouca ou nenhuma relevância quando cotejadas com a alocação de riscos que vigem nas concessões. Esse entendimento traz consigo um elemento pernicioso ao sistema de alocação de riscos, pois a manutenção de mitigadores específicos do contrato tradicional, além de ter nenhum efeito no tratamento dos riscos, finda por esvaziar a eficiência que há em alocar determinado risco para a parte contratante que melhor possa manejá-lo, com o que, de fato, estar-se-ia diminuindo os efeitos nocivos da ocorrência do sinistro. Ora, se um dos objetivos da alocação é justamente ter um sistema racional de tratamento dos riscos contratuais, desonerando as partes — a Administração, em especial — da adoção de providências ineficientes de mitigação, é despropositado o retorno dessas medidas mitigadoras, apenas porque são medidas usuais em outro regime de contratação, construído sobre premissas completamente distintas no que se refere à profilaxia dos riscos contratuais.

2.2 As externalidades da remuneração dos contratos de PPP

A remuneração do particular é outro ponto contratual que sofreu alterações marcantes no regime das PPPs. Referimo-nos não apenas à existência da contra-prestação pública e do sistema de garantias do seu adimplemento, o que seria demasiadamente óbvio, mas, principalmente, ao uso que a legislação de PPP fez da remuneração como instrumento de estímulo ao diligente cumprimento das obrigações atribuídas ao particular. Decerto, tão relevante quanto o estabeleci-mento de um pagamento realizado pelo próprio poder concedente, por meio do qual se viabilizou a contratação de um sem número de concessões até então inviáveis por não poder contar apenas com a receita tarifária, foi a atribuição de “externalidades” à remuneração, as quais podem ser entendidas como efeitos re-flexos do sistema de pagamentos à concessionária.

Nesse contexto, são duas as principais externalidades da remuneração, am-bas voltadas a estimular a concessionária ao correto cumprimento das obrigações a ela imputadas pelo contrato. A primeira delas advém do artigo 6º, parágrafo único, da Lei nº 11.079/04, que prevê a possibilidade de o contrato estabelecer mecanismos de vinculação da remuneração ao desempenho da concessionária, o que na prática conduz a concessionária a prestar o serviço adequado, como forma

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de não sofrer descontos na remuneração que lhe é devida ou para lograr bonifica-ções próprias pelo alcance de parâmetros de qualidade previamente estipulados. A segunda é consequência da restrição ao recebimento da contraprestação en-quanto não disponibilizado o serviço, conforme preceitua o artigo 7º da aludida lei, o que, na prática, estimula a concessionária a adotar as medidas necessárias para início da prestação, inclusive quanto à execução de eventual obra pública precedente.11

Referindo-se ao primeiro dispositivo (artigo 6º, parágrafo único), a doutrina dá conta da ruptura que este dispositivo provocou no paradigma do relaciona-mento obrigacional das partes do contrato administrativo: “O dispositivo ora em comento é, sem dúvida, um dos pontos claros de aperfeiçoamento da experiência brasileira de prestação de serviços à Administração. Cuida-se de verificar a perfor-mance do parceiro às obrigações da Administração Pública, de modo a sofisticar o sinalagma, o elo entre as obrigações contrapostas das partes. Pretende-se, dessa forma, aumentar os incentivos econômicos para que o parceiro privado dispo-nibilize o serviço conforme pactuado no contrato, sobretudo quanto aos níveis desejáveis de qualidade”.12

Se, por um lado, a remuneração atrelada ao desempenho provê meios eficazes de assegurar a qualidade dos serviços prestados, a vedação contida no artigo 7º volta-se ao acautelamento quanto à qualidade e celeridade das providências prévias à disponibilização do serviço, notadamente quando para tanto é necessária a implantação de uma determinada infraestrutura. Sem embargo desses efeitos, não é demais mencionar que o dispositivo sofre acertadas críticas quanto ao seu caráter demasiado restritivo que pode, por outro viés, aumentar os custos de capital da concessão, sobretudo quando há execução de obra pública, pois a antecipação de custos pela concessionária, sem a correspondente receita, onera a concessão, fato que reflete, em tese, no aumento do valor de contraprestação.13

Em rigor, o artigo 7º denota a incorporação à própria legislação das PPPs de elementos das contratações comuns da Administração, tendo em vista que

11 Bem verdade que a introdução da figura do “aporte” no regime contratual de PPP passou a viabilizar o pagamento no decorrer das obras. Ainda assim, como a liberação dos recursos está vinculada à execução prévia de parcelas dos investimentos, tem-se sistema sólido de controle da qualidade, sendo certo que ao não executar os investimentos previstos a concessionária perde o direito ao recebimento dos valores de aporte.

12 RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de PPP: parceria público-privada. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 193.

13 Constatação que acabou por gerar a criação da figura do “aporte”, anteriormente mencionada.

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seu intuito não é outro senão o de evitar situação comum nos contratos de empreitada de obra pública, nos quais ocorre de o particular ou executar incorretamente a obra, ou postergar sua conclusão, sem que isto lhe traga um prejuízo imediato, já que sua remuneração atrela à medição do avanço da obra, metodologia sabidamente deficiente, seja pelas falhas de fiscalização, seja pelos mecanismos à disposição do particular, pelos quais são facilmente manipulados o avanço e a qualidade da obra.

É essa a situação que o artigo 7º buscou evitar, atitude que não deixa de ser louvável, mas que ignora a sistemática dos contratos de PPP, encampada pelo mesmo diploma no qual o dispositivo se insere. Em rigor, o resultado esperado é obtido por medidas tão ou mais eficazes, previstas na própria Lei de PPP, e que trazem reflexos menos gravosos ao contrato. É que, conforme mencionado, a pos-tergação das receitas da contraprestação onera demasiadamente o fluxo de caixa da concessionária, que se vê obrigada a realizar investimentos que somente serão amortizados no futuro. Como, via de regra, o particular não despende recursos próprios para a realização desses investimentos, contando quase sempre com fi-nanciamento, o risco de amortização futura transforma-se em aumento do custo de captação dos recursos, eis que majorada a percepção de risco do financiador. A situação é tanto mais preocupante em contratos de PPP que preveem a realização de grandes investimentos em obras cujo prazo de execução é extenso por suas próprias características, sendo, pois, menos suscetível aos esforços da concessio-nária para sua conclusão mais célere.

Essa adversidade poderia ser evitada se o legislador atentasse para o sistema por ele mesmo criado na Lei nº 11.079/04. A preocupação com a inexecução ou má execução da obra é proscrita pelo simples fato de que, ao contrário do que ocorre no regime de empreitada, na PPP o particular não executa a obra e simplesmente entrega a infraestrutura aos cuidados da Administração, que ficará sempre na esperança de que os mecanismos de fiscalização de que dispõe tenham conseguido identificar e demandar o reparo de falhas de execução. No contrato de PPP, o particular é diretamente afetado pela qualidade da obra, pois caberá a ele próprio administrar e se valer dessa infraestrutura para a prestação dos serviços, o que é, afinal, o objeto do contrato.14

Críticas à parte, é inegável que a PPP procurou se valer da remuneração do particular para fins outros que não apenas assegurar a contrapartida pecuniária

14 Sobretudo porque na PPP, ao contrário do regime da Lei nº 8.987/95, é vedada a concessão apenas da obra pública, sendo coercitivo que o objeto do contrato preveja a prestação de um serviço (artigo 2º, §4º, III, da Lei nº 11.079/04).

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justa pela prestação dos serviços. Também aqui, buscou-se atender a anseios justificáveis do contrato administrativo por meio de medidas inovadoras e mais eficientes do que aquelas específicas do regime da Lei nº 8.666/93.

2.3 A reestruturação do sistema de fiscalização e controle

O último ponto de interesse acerca das peculiaridades do regime de con-cessões reside num novo direcionamento do sistema de fiscalização e controle da Administração, não por disposições específicas, mas sim pelo resultado de outros elementos da PPP, dois dos quais analisados nos tópicos anteriores. Conforme tangenciamos acima, o sistema do contrato de PPP caracteriza-se pela substitui-ção de diversos elementos específicos do modelo tradicional de contratação por novos institutos que intentam ser mais eficientes no tratamento de problemas específicos da relação contratual.

Em comum, esses novos institutos pretendem desburocratizar o contrato, sem abdicar da rigidez quanto ao resultado, mas admitindo que há meios hábeis de assegurar esse desiderato sem necessariamente infligir tarefas complexas e onerosas para cada uma das partes. Trata-se de aproveitar elementos usuais do contrato para atribuir-lhes funções complementares, o que restou demonstrado, por exemplo, com o uso que se faz do mecanismo de remuneração variável para estímulo à prestação do serviço adequado ou para incentivar a disponibilização deste de modo mais célere; ou, então, ao se valer da alocação eficiente de riscos em contraponto à adoção de deveres específicos voltados ao acautelamento quanto à ocorrência desses riscos.

Essa nova concepção do regime contratual tem desdobramentos diretos no exercício das prerrogativas de fiscalização e controle, a cargo da Administração, que podem ser concretizadas por outro viés, sem que isso signifique mitigar ou abdicar do rigor que deve haver em relação à garantia da correta consecução do objeto. Trata-se de opção em privilegiar o controle transversal por meio de instrumentos de estímulo e coibição, ao invés de uma fiscalização usual, amparada em análises de pilhas de documentos e na requisição reiterada e excessiva de informações da contratada, que leva, no mais das vezes, ao mero acúmulo de papel e de correspondências, seja porque não há como a Administração verificar a fundo a acuidade de todos esses documentos e das informações que estes contemplam, seja mesmo porque em pontos específicos, sempre haverá assimetria de informações em desfavor da Administração, prejudicando qualquer tipo de controle, por mais diligente que seja.

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Ao reconhecer esse problema, a legislação de PPP procurou o mesmo in-tento do regime fiscalizatório tradicional, mas não por intermédio de mera troca de informações. Buscou soluções que ataquem, já na sua origem, problemas usualmente identificados na fiscalização (aqui, novamente, a alocação de riscos é um exemplo) ou, ainda, que priorizam o estímulo prévio à adoção de condutas e providências pela concessionária, que terá, ela própria, o interesse em adotar uma determinada postura que, do contrário, somente poderia vir a ser atingida sob a ameaça de um fiscalizador onipresente.

É importante deixar claro, enfim, que os novos elementos trazidos pela PPP e que contribuem com os anseios da fiscalização exercida pela Administração so-bre a execução do contrato não representam qualquer sorte de diminuição ou tentativa de burla ao efetivo controle que a Administração deve deter sobre a forma com a qual o objeto contratado está sendo executado. Tampouco implicam em descuido das providências prévias — específicas do regime das concessões — à licitação. O perigo aqui é o mesmo observado em outras facetas do mode-lo de PPP: o apego aos instrumentos tradicionais dos contratos administrativos que, mal aplicados no contrato de PPP, têm resultados opostos ao esperado. Especificamente no campo da fiscalização, a confusão e sobreposição de elemen-tos característicos de cada regime podem inviabilizar os atos fiscalizatórios, pelo acúmulo de requisitos e diretrizes. O que pode representar meramente um ex-cesso de imposições e restrições à atuação da concessionária, comprometendo inclusive a execução do objeto sem que haja qualquer benefício à melhor conse-cução do contrato. A ampliação da atuação fiscalizatória em PPP pode constituir, ademais, um instrumento para que, sob o manto do exercício da prerrogativa que lhe é inerente, a Administração acabe por incorporar ao contrato elementos que lhe são estranhos. Ou seja, valendo-se do poder de fiscalizar, o gestor do contrato pode pretender imputar à concessionária o cumprimento de parâmetros e exi-gências que não se inserem na lógica do regime de PPP, ou pode, ainda, conferir uma interpretação desvirtuada às cláusulas do contrato, aplicando-as não sob a premissa que orientou a sua elaboração, mas com foco na realização de preceitos de outro regime contratual.

3 O projeto executivo na consecução de obras públicas

Neste tópico, passamos a cuidar especificamente da apresentação do projeto executivo nos contratos de PPP, tema que vem provocando certa divergência, a partir da jurisprudência incipiente do Tribunal de Contas da União. Nossa intenção

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aqui, como é de se esperar, não é adentrar as características eminentemente técnicas do projeto executivo, próprias do campo de conhecimento da engenharia. Voltamo-nos, então, à análise das funções e objetivos do projeto executivo dentro dos contornos jurídicos dos contratos administrativos que envolvam a execução de obra.

Daí porque nossa preocupação será com delimitar o que pode ser exigido em termos de projeto executivo nos contratos de PPP, eis que tais contratos possuem — conforme expusemos no Tópico II — peculiaridades que influenciam diretamente a compreensão do projeto executivo, tanto o mais nas funções e objetivos que lhes são atribuídos tradicionalmente.

3.1 A definição finalística do projeto executivo

Não é despropositado afirmar que não há uma definição precisa e exaustiva sobre o que compõe o projeto executivo. A assertiva pode soar estranha, mas é fato que não há consenso na doutrina, mesmo na de natureza eminentemente técnica, sobre o que, de fato, é um projeto executivo. O que existe é a certeza de que o projeto executivo reúne um conjunto de documentos técnicos e informati-vos por meio dos quais se pode ter a compreensão de um determinado escopo a ser, por óbvio, executado.

Contudo, o que a leitura da doutrina de engenharia demonstra é que inexiste consenso sobre quais são esses documentos e quais são as exatas informações que precisam constar do projeto executivo. A situação não é melhor na seara jurídica, especificamente no cotejo dos contratos administrativos. Ao analisar o artigo 6º, X da Lei nº 8.666/93, que pretende definir o que seria um projeto executivo, nossa certeza quanto à incerteza numa definição se confirma, porquanto o dispositivo consigna projeto executivo como “o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT”.

Como se vê, a leitura do dispositivo ajuda muito pouco na conclusão do que é o projeto executivo, e isso não é proscrito pela referência às normas da ABNT. A uma, pois também essas normas não suplantam integralmente o vácuo legislativo, mas apenas delimitam o universo dos elementos que devem constar do projeto executivo.15 A duas, porque tais normas costumam ser constantemente atualizadas

15 Confira-se, nesse sentido, a NBR 13.531/95, da ABNT, que, ao definir “projeto para execução”, assim o faz, com igual grau de abstração: “Etapa destinada à concepção e à representação final das

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pela ABNT, para acompanhar a natural evolução das técnicas de engenharia. A três, por faltar a essas normas, pois esta não é sua função, a aproximação com o que é de fato relevante em cada um dos diversos escopos em que o projeto executivo pode ser apresentado. Independente dessas ressalvas, mesmo que se entendesse a definição do artigo 6º como suficiente ao esclarecimento do que vem a ser projeto executivo, este dispositivo não se aplica, como de resto toda a Lei nº 8.666/93, às PPPs.16

Daí porque retornamos ao ponto de partida, para afirmar que, à míngua de uma definição exclusiva, o projeto executivo pode — e deve — ser entendido conforme o escopo para o qual se destina, tendo como único traço marcante ser um conjunto de elementos descritivos de uma obra a ser executada.

Queremos com isso dizer que são os elementos da obra e os objetivos que se pretendem alcançar com o projeto executivo, tomados casuisticamente, que irão orientar qual a composição desse projeto. Por essa razão, entendemos que ao pro-jeto executivo é delegada uma definição finalística não estanque, ou seja, diante da impossibilidade de estabelecer um parâmetro único e abrangente sobre o que o caracteriza, deve-se observar as peculiaridades do caso no qual se insere o pro-jeto executivo para determinar quais são os elementos que devem integrá-lo, a partir das expectativas sobre a obra e das prerrogativas de fiscalização do seu contratante.

Isso nos parece muito claro quando se tem por certo que o projeto executivo tem um objeto muito evidente: orientar a execução de uma obra ou serviço de engenharia. Assim sendo, resta apurar (i) o que é essencial para guiar o executor no seu mister e (ii) o que importa àquele que irá fiscalizar a execução. É com vistas ao cumprimento desse duplo intento que o projeto executivo irá se prestar.

Nesse ponto, conforta-nos saber que comungamos o entendimento de profissionais da área de engenharia, como é o caso do Professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Paraná, Rolf Bräunert, que, ao definir o projeto executivo, deixa claro sua função de descritivo de como será executada a obra e nada além disso: “O projeto executivo, como o vocábulo insinua, detalha como se deve executar cada peça que compõe o objeto. Aqui não se entra em detalhes de desenhos e de dimensionamento, mas em detalhes construtivos, ou

informações técnicas da edificação e de seus elementos, instalações e componentes, completas, definitivas, necessárias e suficientes à licitação (contratação) e à execução dos serviços de obras correspondentes”.

16 Conforme dispõe o artigo 3º da Lei nº 11.079/04, responsável por ditar o regime legal aplicável às PPP.

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seja, de como se deve executar”.17 E é com arrimo nessa concepção de projeto executivo que passamos a tratar do tema da sua exigência nos contratos de PPP.

3.2 A irrelevância do projeto executivo em contratos de PPP

Sendo certo que o que define o projeto executivo é o seu intento, inserido dentro dos objetivos gerais da obra ou serviço de engenharia que está sendo exe-cutado, a primeira observação que fazemos em relação ao seu tratamento dentro do contrato de PPP é que sua função nessa espécie de contrato difere daquela que ele cumpre nos contratos usuais da Administração. Ora, as distinções entre os regimes de contratação administrativa refletem significativamente na regula-mentação da execução da obra, seja pelos parâmetros que devem ser seguidos pelo particular, seja por aquilo que importa à Administração dentro do sistema de garantias e prerrogativas que visam a assegurar o resultado satisfatório da contra-tação. E é por essa razão que o projeto executivo não possui nos contratos de PPP a mesma relevância que lhe é atribuída nos contratos administrativos comuns.

Ao analisar a estrutura contratual da execução de obra pública pelo regime da Lei nº 8.666/93, fica clara a importância que o próprio diploma confere ao projeto executivo, conforme preceitua seu artigo 7º, ao disciplinar as providências, requisitos e procedimentos que devem ser observados, dando destaque à elaboração e apresentação do projeto executivo. Não se trata de mera predileção do legislador, eis que a relevância conferida ao projeto executivo explica-se pelo regime próprio de execução e fiscalização da obra na Lei nº 8.666/93, caracterizado por um controle marcante exercido pela Administração, desde a elaboração do projeto básico — de que, afinal, origina-se o projeto executivo — até o acompanhamento da obra. Mais do que isso, os instrumentos de controle e fiscalização estão direcionados diretamente ao detalhe da execução, por meio de medições periódicas realizadas pela Administração com vistas a apurar o avanço e qualidade da execução. Tais medições, por outro lado, são fundamentais à remuneração do contratado, que recebe na medida do que executa.

Neste cenário do contrato de empreitada (avença típica regida pela Lei nº 8.666/93), é evidente que o projeto executivo desempenha um papel fundamental e que seus elementos devem observar um rigor e detalhamento maior, já que servirão como parâmetros para as medições periódicas realizadas pela Administração. Sem o aprofundamento de quantitativos, planilhas e cronogramas

17 Como licitar obras e serviços de engenharia. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 86.

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físico-financeiros da obra, a Administração, no regime de empreitada, ficaria órfã de elementos pelos quais realizaria as medições que lhe cabem, eis que a ela não assistiriam critérios para aferir o custo total da obra ou mesmo as características da sua execução.

Tomada sob a unidade do regime contratual ordinário, esta situação teria como consequência o aumento do risco já assumido pela Administração. Inicialmente, a falta de critérios para fiscalização e controle impede a certeza quanto à solidez e segurança da obra, quando finalizada. Além disso, se os custos de adequações de projeto, na Lei nº 8.666/93, são imputados à Administração, um projeto equivocado ou incompleto suscitaria um número maior de revisões, justificadas ou não, inflando demasiadamente os custos da execução que seriam repassados à Administração.

Na empreitada, portanto, o projeto executivo acaba servindo como o prin-cipal instrumento a serviço da Administração para fiscalizar e manter o controle sobre a execução da obra, assegurando o cumprimento das premissas da contra-tação, em especial quanto a sua eficiência e economicidade. E para atender a este preceito é que o projeto executivo nas contratações usuais da Administração en-cerra elementos muito mais aprofundados, dentre os quais se destaca o orçamen-to detalhado dos custos da obra, que permite a Administração controlar aquilo que é gasto no contrato vis-à-vis o que foi efetivamente empregado na execução da obra. Por outro lado, a abertura dos custos detalhados acaba também sendo útil aos tradicionais pedidos de recomposição, muitos dos quais advindos justa-mente da deficiência de elementos que conformara o projeto executivo.

Enfim, num sistema avesso à oferta de soluções executórias alternativas, como é o contrato de execução de obra pública no regime de empreitada, o aprofundamento do projeto executivo é essencial à caracterização do objeto, obstando que este seja alterado no decorrer da obra, hipótese na qual não apenas poderia haver prejuízo à Administração, ao contratar “A” e levar “B”, mas também ao princípio constitucional da isonomia entre os licitantes, que atenderam às condições de habilitação e de proposta para um determinado objeto, distinto daquele que foi efetivamente executado.

Já no regime das PPPs, muitos dos problemas e inconvenientes que o projeto executivo procura evitar são previamente proscritos por outros instrumentos específicos, reservando para o projeto executivo um papel sobremaneira distinto (e menor) do que nos contratos típicos de empreitada.

Em primeiro lugar, a preocupação com o sobrepreço da obra é em muito mitigada, se não esvaziada, pela conjunção de três elementos do regime de PPP:

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(i) a estipulação prévia de um preço global pela Administração, já na fase de licitação, (ii) a alocação de riscos do contrato e (iii) a responsabilidade da concessionária em elaborar, com maior liberdade, o projeto executivo, podendo inclusive oferecer alternativas aos elementos do projeto básico apresentados pela Administração.

Assim, a Administração pode fixar o teto da remuneração da concessionária, restando mais acautelada quanto à manutenção desse valor (que tende, ademais, a ser ainda menor pelo deságio oriundo da etapa concorrencial de propostas), pois não há o inconveniente de assumir os riscos pelos eventuais equívocos de projeto.

De fato, como o particular toma para si a responsabilidade pela execução do projeto, sendo-lhe ainda atribuídos riscos específicos que diminuem sua margem de atuação para pleitear recomposições contratuais a cada evento que ocorrer na execução da obra, a Administração passa a ter uma segurança maior quanto aos custos da obra, refletidos no valor de contraprestação pecuniária ou de tarifa consignados na proposta econômica por ele apresentada, sempre observados os limites fixados pelo edital.

Por sua vez, a garantia quanto à segurança e solidez da obra pode ser alcan-çada primordialmente pelo fato de que, ao contrário do que ocorre na contrata ção regida pela Lei nº 8.666/93, na PPP o particular assume a operação e manutenção da obra até o encerramento do prazo contratual. Em virtude disso, será o maior inte ressado em executar corretamente a obra, pois, do contrário, caberá a si próprio arcar com os custos de eventuais reparos ou de uma manutenção mais custosa, e, por outro lado, terá comprometido o atendimento dos indicadores de desempenho, que provavelmente serão afetados por uma infraestrutura defi-ciente, prejudicando a remuneração integral e deixando o particular suscetível à aplicação de sanções de modo mais eficaz e célere do que aquelas a que se sujeita o empreiteiro num contrato usual de execução de obra pública.

Finalmente, é inata à PPP a flexibilidade no acompanhamento da execução das obras, sem que isso represente qualquer risco à Administração. Ao abdicar de um controle rígido e por demais invasivo na execução da obra, permite-se que o particular adote soluções alternativas, muitas das quais perceptíveis apenas no decorrer da execução e que podem representar um incremento na qualidade geral da obra. Também se mitiga o perigo de um atraso demasiado longo, porquanto a disponibilização do serviço é pressuposto para o início do pagamento da contraprestação, fator essencial ao fluxo de caixa da concessionária que, sem essa remuneração, compromete sua saúde financeira, em especial para a amortização dos investimentos realizados na execução da obra. De modo que, salvo situações extremas, que fujam ao controle das partes, a concessionária jamais optará por

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deliberadamente atrasar a conclusão da obra, pois dessa sua atitude não lhe advém nenhum ganho.

A soma desses fatores nos permite concluir que aquilo que é função do projeto executivo nas obras executadas sob o regime de empreitada tradicional dos contratos administrativos deixa de sê-lo nos contratos de PPP. Não que as preocupações que o orientam naquela esfera deixem de existir, mas elas são devidamente neutralizadas por instrumentos específicos deste novo regime contratual, que oferecem uma solução mais adequada e eficiente.

Compartilhamos esse entendimento com o Tribunal de Contas da União, ma-nifestado em análise do Tribunal sobre o contrato de PPP da “Arena Pernambuco”,18 na qual se firmou a distinção inerente entre a obra pública executada no regime tradicional e aquela executada no regime da PPP, a partir de relatório da 9ª SECEX, ratificado no voto de relatório e no correspondente acórdão. O Tribunal acaba sua análise com o arrolamento de elementos distintivos entre os dois regimes que influenciam diretamente a elaboração do projeto executivo:

27.2 Adicionalmente, há que se considerar o seguinte, para o caso concre-to da Arena Pernambuco, em questão:

- a concepção e a dinâmica de planejamento, operação e atuação do em-preendimento, segundo o modelo de PPP, são diferentes da obra pública, que segue o contido na Lei nº 8.666/93;

- a contratação de obras via PPP visa a resultados. Logo, o controle e a fiscalização das obras tendem a focalizar resultados, primariamente;

- a PPP não tem incentivos econômicos para entregar todo o projeto exe-cutivo da Arena, no início do empreendimento, já que muitas variáveis podem mudar, ao longo do tempo;

- a PPP tem maior margem de manobra para alterar o projeto, visando a aumentar a sua receita, ao longo do tempo, com a operação da Arena. Isso vale, particularmente, para a modelagem do tipo PPP com Conces-são Administrativa aplicada ao projeto Arena Pernambuco;

- no caso específico da Arena Pernambuco, o parceiro privado tem um universo intertemporal de 33 (trinta e três) anos a considerar, na sua decisão de investimento e na escolha dos projetos a serem implementados, dadas as condições que lhe são impostas e as suas restrições;

Portanto, a abordagem, e mesmo o conteúdo mínimo do projeto executivo, deve ser distinta no contrato de PPP em relação àquilo que é exigido nos contratos

18 TC nº 028.115/2010-4.

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de empreitada. Sobretudo quanto às funções que ele desempenha e sobre os elementos que o compõem para que seja caracterizado como tal.

Aqui, parece-nos que a resistência que há ao novo papel do projeto executivo evidencia a típica incompreensão com o regime especial de PPP, sobretudo em relação a elementos tradicionais do projeto executivo, que perdem muito da sua função em contratos de PPP, conforme passamos a analisar, a partir do orçamento detalhado de custos.

3.2.1 O orçamento detalhado de custos

A incompreensão conceitual dos regimes de contratação está na raiz de po-sições dos órgãos de controle que, ao analisar os projetos executivos apresentados em contratos de PPP, acabaram por interpretá-los sob o viés da Lei nº 8.666/93, como se fossem necessários todos os elementos normalmente emprega dos quando o projeto executivo visa à empreitada sob o regime tradicional de con-tratação administrativa. De modo mais específico, o foco do conflito está, muitas vezes, na suposta necessidade de apresentação do orçamento detalhado de cus-tos da obra, entendido como único meio de aferir se o valor pago ao particular foi o efetivamente necessário.

Esta afirmação peca justamente por desconsiderar o cabedal de instru-mentos que o regime de PPP possui para o controle dos custos das obras e que simplesmente esvaziam qualquer utilidade do orçamento detalhado para este desiderato. Tanto pior: a aplicação desse entendimento é que poderá provocar o risco que se pretende evitar.

Ora, num trabalho de desconstrução lógica do entendimento antes mani-festado, quer-se a apresentação de orçamento detalhado como mecanismo de controle dos custos, não obstante o contrato de PPP usualmente possuir instru-mentos mais eficientes, surgidos, em grande parte, pela certeza de que a apre-sentação de orçamento detalhado poderia justamente implicar numa justificativa para recomposições reiteradas do contrato.

Ou seja: numa analogia bastante simples, é algo como utilizar o vírus para anular o remédio criado para combatê-lo. O mais interessante é que a motivação para tanto está longe de ser a desconsideração dos efeitos benéficos do novo regime, reiteradamente mencionados. Se assim o fosse, poder-se-ia até sustentar alguma lógica no entendimento, porquanto seu fundamento seria a rejeição mais genérica do regime de PPP, não reconhecendo as causas e os efeitos buscados por alguns dos instrumentos desse regime. Mas não, o que ocorre é o convívio entre

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a crítica a uma situação bastante evidente, aliada à certeza de que essa situação pode ser proscrita por um novo regime contratual, mas, ainda assim, opta-se por manter aquilo que, em grande parte, deu causa à situação inicialmente criticada.

A exigência de apresentação de orçamentos detalhados em planilhas de custos unitários, num contrato de PPP, só serve para duas coisas, ambas contrárias ao interesse público. Ou serve para um voyer fiscalizatório, traduzido na vontade recôndita de conhecer o íntimo da administração econômica interna ao parceiro privado. Ou, pior, servirá para amanhã ou depois franquear a este privado a pos-tulação do compartilhamento de riscos de variação de custos ou de quantidades de insumos, forcejando na alegação de que se foi aferida a adequação de custo global sindicando preços unitários, a variação destes será também apta a justificar revisão daquele.

No primeiro caso, estarão órgãos de controle e privado a despender energia preciosa para resultado algum, já que o valor da contraprestação é feita a preço fixo e inalterável (lump sum) e nada há que obrigue o particular a aceitar reduções unilaterais desse preço sob o pálio da alegação de que um ou outro preço específico está descolado dos preços de mercado.

Na segunda alternativa, tanto pior. A todo risco assumido numa obrigação contratual corresponde um preço que aquele que o assume se propõe a receber para corrê-lo. É claro que os riscos arrolados numa PPP ao parceiro privado serão por este precificado. Daí ser um despropósito imaginar possível sindicar preços unitários orçados pelo parceiro privado, cotejando-os com os preços de mercado ou de banco de dados (próprios à execução de empreendimentos em empreita-da) com o fito de aferir se o preço contratado é o “efetivamente necessário”. Tal pretensão, ainda que fosse correta, acarretaria um efeito colateral deletério. Se eu suponho possível escoimar do preço as contingências inerentes aos riscos (pa-gando só o estritamente necessário a remunerar custos diretos com uma margem de lucro módica), de outro lado terei que aceitar (sob pena de desequilibrar a rela-ção contratual, ferindo o preceito contido no art. 37, XXI, in fine, CF) que, advindo o sinistro correspondente ao risco cuja contingência eliminei, a Administração es-tará obrigada a neutralizar seu impacto. Com boa intenção, estaremos causando um mal, pervertendo a lógica da PPP.

Devemos confessar que a lógica que vem sendo adotada por parte dos ór-gãos de controle foge completamente a nossa compreensão. Preferimos seguir na linha de que o reconhecimento dos benefícios trazidos com o regime contra-tual das PPPs, em contraposição a muitas das tradicionais críticas feitas ao regime anterior e distinto, é suficiente para evitar que esses elementos prejudiciais, mas

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que, de alguma forma fazem sentido no regime da Lei nº 8.666/93, sejam trazidos de volta, comprometendo não apenas a solução da questão, mas a própria uni-dade do contrato de PPP.

O que deve orientar a preocupação — válida, bom que se diga — com os custos do contrato é a certeza de que ele está sendo executado em linha com as expectativas da Administração, tanto mais porque a ela cabe estipular o teto da-quilo que pretende gastar, dispondo de mecanismos mais eficazes para assegurar que esse valor não será suplantado na execução do contrato. Uma vez confirmada essa segurança da Administração, qualquer tentativa de impor obrigações adicio-nais de controle, para além de não trazer nenhuma vantagem, pode colocar em risco a eficiência buscada pela PPP.

É bom lembrar que a tentativa de retomar temas específicos da legislação ordinária de contratação administrativa em relação aos projetos de engenharia foi frontalmente combatida pelo Governo Federal, quando do processo de apro-vação legislativa e sanção da Lei nº 11.079/04, em tema relativo ao inciso II do arti-go 11 da Lei, que acabou sendo vetado. Em suma, o referido dispositivo pretendia delegar ao particular apenas a elaboração do projeto executivo, mantendo sob a égide da Administração a elaboração do projeto básico, tal qual ocorre no modelo usual de contratos. Oriundo de iniciativa do Congresso, o dispositivo acabou sen-do vetado pela Presidência da República por meio da Mensagem nº 1.006/2004, acatando as razões levantadas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, assim expostas:

O inciso II do art. 11 permite que apenas a elaboração do projeto executi-vo das obras seja delegada ao parceiro privado. Dessume-se do seu texto que a Administração teria a obrigação de realizar o projeto básico das obras. Isto seria reproduzir para as Parcerias Público-Privadas o regime vi-gente para as obras públicas, ignorando a semelhança entre as parcerias e as concessões — semelhança esta que levou o legislador a caracterizar as Parcerias Público-Privadas brasileiras como espécies de concessões, a patrocinada e a administrativa.

As Parcerias Público-Privadas só se justificam se o parceiro privado puder prestar os serviços contratados de forma mais eficiente que a Administra-ção Pública. Este ganho de eficiência pode advir de diversas fontes, uma das quais vem merecendo especial destaque na experiência internacional: a elaboração dos projetos básico e executivo da obra pelo parceiro privado.

Contratos de Parcerias Público-Privadas realizados em diversos países já comprovaram que o custo dos serviços contratados diminui sensivel-mente se o próprio prestador do serviço ficar responsável pela elaboração dos projetos. Isso porque o parceiro privado, na maioria dos casos, dispõe

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da técnica necessária e da capacidade de inovar na definição de soluções eficientes em relação ao custo do investimento, sem perda de qualidade, refletindo no menor custo do serviço a ser remunerado pela Administra-ção ou pelo usuário.

Das razões do veto reiteramos as considerações que temos feito até então neste estudo, no sentido de que a incorporação de qualquer elemento de um re-gime de contratação em outro que é, na essência, totalmente distinto pode trazer consequências indesejadas, mormente o esvaziamento daquilo que caracteriza e justifica este novo regime. E é justamente isso que ocorre quando se pretende aplicar nas PPPs a lógica própria do orçamento detalhado vis-à-vis a medição do que foi executado na obra, para fins de apurar eventual sobrepreço. A uma, pois já foi visto que essa lógica, por si só, já é problemática o bastante e está longe de atender ao seu objetivo. A duas, porque ao fazê-lo, corre-se o sério risco de retirar muito da eficiência do contrato de PPP, tornando a execução da obra mais amar-rada e sem espaço para ganhos de eficiência na flexibilidade que é conferida ao particular. A três, pois se a preocupação for evitar sobrepreço, o contrato de PPP encerra instrumentos muito mais eficazes e que não trazem consigo os proble-mas específicos do regime tradicional de contratação.

Com isso, concluímos este Tópico, sem receio de soarmos insistentes, rei-terando que há de se ter cautela na compreensão dos regimes contratuais da Administração, sem a pretensão de se aplicar indistintamente elementos carac-terísticos de cada um, ignorando os efeitos prejudiciais que isso pode implicar. O exercício do controle dos gastos públicos e da função administrativa não pode, ademais, ser utilizado como justificativa para a prevalência de apegos desarrazo-ados a determinados instrumentos que, quando mal aplicados, comprometem a solidez e unidade dos contratos administrativos.

4 Conclusão

Grande parte dos problemas envolvendo a contratação e a fiscalização de PPPs decorre de um misto entre incompreensão e rejeição aos elementos ino-vadores que distinguem essa espécie de contratação daquelas tradicionalmente regidas pela Lei nº 8.666/93, pelo que se pretende incorporar nos contratos de PPP características inerentes aos contratos tradicionais, resultando no compro-metimento dos objetivos almejados pela contratação.

Ao contrário do regime tradicional de contratação administrativa, os con-tratos de PPP lastreiam-se numa maior liberdade do particular contratado para a definição de soluções alternativas à execução das obras e serviços que integram o

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escopo da concessão, o que fica claro, entre outras razões: pela dispensa legal de haver projeto básico para a abertura da licitação; por ser permitido que os parti-culares apresentem, quando previsto no edital, soluções e projetos alternativos; e pela consideração do preço global (valor da contraprestação) em contraponto ao regime de preços unitários majoritariamente adotado nos contratos tradicionais.

O regime mais flexível das PPPs não abandona a preocupação quanto ao resultado da obra e do serviço, mas apenas adota instrumentos alternativos de controle, voltados precipuamente ao estímulo para a execução célere e correta da obra e para a prestação de serviços de qualidade, tais como: obrigação de apre-sentação de Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE); prévia vedação à remuneração da concessionária antes da disponibilização do serviço; vinculação da remuneração ao atendimento, pela concessionária, de parâmetros de quali-dade na prestação dos serviços; mecanismos de aferição da solidez do plano de negócios apresentado pelo particular na licitação; alocação de riscos por meio da qual a concessionária assume a responsabilidade pelos efeitos de alguns dos eventos danosos à correta execução do contrato; e regime de sanções pelo des-cumprimento das obrigações contratuais.

Na perspectiva desse sistema diferenciado de controle e fiscalização, a apre-sentação de projetos executivos e, principalmente, o detalhamento de quantitati-vos e custos de execução da obra perdem em relevância, pois, além de contrariar o regime de preço global próprio das PPPs, são substituídos por mecanismos (apontados no item anterior) mais eficazes de garantia quanto à correta execução das obras e serviços de engenharia contratados a preço justo pela Administração.

Por conta disso, é preciso haver a exata compreensão da estrutura contra-tual de uma PPP, evitando que o apego a elementos dos contratos tradicionais da Administração passe a representar um empecilho àquilo que foi concebido especificamente para a PPP. Enquanto persistir essa confusão conceitual, haverá sempre o risco de comprometimento da execução da PPP, ou, quando menos, a criação de empecilhos e obstáculos desnecessários a sua plena eficácia.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; LOUREIRO, Caio de Souza. O regime de controle e fiscalização das Parcerias Público-Privadas: o papel do projeto executivo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 42, p. 81-107, abr./jun. 2013.

Recebido em: 19.03.2013Aprovado em: 30.04.2013

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