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1 ASSENTAMENTO TARUMÃ-MIRIM (AM): USO DO TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS George Jackson Fernandes Coelho Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA),Laboratório de Estudos Sociais (LAES) [email protected] Marciclei Bernardo da Silva Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais (LAES) [email protected] Patrícia da Silva Gonçalves Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais (LAES); [email protected] Máximo Alfonso Rodrigues Billacrês Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais (LAES) [email protected] Resumo: O conteúdo do território e sua utilização são os elementos básicos neste trabalho, por meio deles, pode-se melhor analisar o território e suas dimensões. Neste estudo os territórios são criados por meio da simbiose do espaço urbano com o espaço rural, o projeto de assentamento (PA) Tarumã-Mirim se enquadra nesta lógica de produção territorial. O PA Tarumã-Mirim é como uma fração do território utilizado no espaço urbano de Manaus, sendo criado pelo INCRA para promover a ocupação da área e possibilitar condições para a sua integração ao processo produtivo da região. O presente trabalho teve os resultados obtidos com o trabalho de campo no assentamento, tendo por objetivo diagnosticar o uso deste território pelos camponeses; assim como o papel do Estado na constituição deste assentamento, tendo como objetivo secundário identificar a espacialidade das políticas públicas estabelecidas. Palavras-chave: Assentamento. Tarumã-Mirim (Am). Uso Do Território. Políticas Públicas. Introdução A partir do pressuposto de território usado como sinônimo de espaço humano, espaço geográfico (SANTOS, 2008). Sendo o uso do território que interessa, pois, por meio deste, pode-se analisar o território em si (as formas). Desta forma, a produção do

ASSENTAMENTO TARUMÃ-MIRIM (AM): USO DO TERRITÓRIO E ... · uma associação, a qual funciona como uma sede da comunidade local, lugar onde são ... que provem do trabalho desenvolvido

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ASSENTAMENTO TARUMÃ-MIRIM (AM): USO DO TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS

George Jackson Fernandes Coelho Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA),Laboratório de Estudos Sociais

(LAES) [email protected]

Marciclei Bernardo da Silva Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais

(LAES) [email protected]

Patrícia da Silva Gonçalves

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais (LAES); [email protected]

Máximo Alfonso Rodrigues Billacrês

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Laboratório de Estudos Sociais (LAES) [email protected]

Resumo: O conteúdo do território e sua utilização são os elementos básicos neste trabalho, por meio deles, pode-se melhor analisar o território e suas dimensões. Neste estudo os territórios são criados por meio da simbiose do espaço urbano com o espaço rural, o projeto de assentamento (PA) Tarumã-Mirim se enquadra nesta lógica de produção territorial. O PA Tarumã-Mirim é como uma fração do território utilizado no espaço urbano de Manaus, sendo criado pelo INCRA para promover a ocupação da área e possibilitar condições para a sua integração ao processo produtivo da região. O presente trabalho teve os resultados obtidos com o trabalho de campo no assentamento, tendo por objetivo diagnosticar o uso deste território pelos camponeses; assim como o papel do Estado na constituição deste assentamento, tendo como objetivo secundário identificar a espacialidade das políticas públicas estabelecidas.

Palavras-chave: Assentamento. Tarumã-Mirim (Am). Uso Do Território. Políticas Públicas.

Introdução

A partir do pressuposto de território usado como sinônimo de espaço humano, espaço

geográfico (SANTOS, 2008). Sendo o uso do território que interessa, pois, por meio

deste, pode-se analisar o território em si (as formas). Desta forma, a produção do

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território, a produção territorial (RAFFESTIN, 2009) é necessária ser identificada, isto

é, precisa-se levar em conta o processo de formação. Com isso apóia-se em Raffestin,

quando este aponta que “é evidente que os territórios são criados através da simbiose

entre o mundo agrícola e o mundo urbano”.

Conforme Steinberger (2006) considera-se o assentamento Tarumã-Mirim como fração

do campo do território usado no espaço urbano de Manaus. Sendo uma fração a

influência de Manaus no modo de vida e na relação social dos camponeses do

assentamento é identificável, mas, esta relação próxima com o urbano de Manaus não

dificulta a distinção de camponeses dos não camponeses, usando a metáfora de

Hobsbawm (1999) “Para um zoólogo, pode ser questão muito complexa definir um

cavalo, mas normalmente isso não significa que haja qualquer dificuldade em

reconhecer um desses animais” (p.215). Sendo assim, por meio do diagnóstico da

paisagem - sendo está uma construção na maior parte realizada pelos seus sujeitos

(assentados) - o atual trabalho tem por objetivo central diagnosticar o uso deste

território pelos camponeses; assim como o papel do Estado na constituição deste

assentamento (unidade espacial de análise), tendo como objetivo secundário identificar

a espacialidade das políticas públicas estabelecidas.

Os resultados analisados foram concebidos por trabalhos de campo no assentamento,

pois, considera-se esta forma de pesquisa “...um elemento indispensável da percepção

objetiva dos dados de base do raciocínio científico; quando ela está ausente, elaboram-

se teorias que só tem relações longínquas com a realidade perceptível...” (TRICART,

2006)

Assentamento Tarumã-Mirim: Produção e uso do Território

O assentamento Tarumã-Mirim é um projeto criado pelo INCRA (Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária), que visou ocupar as áreas da União na Zona Rural do

Município de Manaus, que por meio, da Resolução 184/92 de 20/03/1992 o Projeto de

Assentamento Tarumã Mirim possui uma área de 42.910,76ha com capacidade para

assentar 1.042 famílias (INCRA/AM 1999:1), com o ideário de produção de alimentos

para a crescente cidade de Manaus após a criação de seu pólo industrial e seu

crescimento demográfico. Esta ação do INCRA enfatiza que o Estado deve ser visto,

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como uma relação ou como um processo, nesse caso sendo um exercício de poder por

meio de determinados arranjos institucionais (HARVEY, 2005).

O Estado possui um papel essencial na organização e produção do espaço, pois ele

direciona políticas públicas - que em sua gênese são espaciais (Steinberger, 2006) – que

estimulam os setores competitivos da economia em diferentes escalas e circuitos de

mercado com seus mais diversos sujeitos (sociais, econômicos, políticos entre outros).

O espaço destinado a ser ocupado pelo projeto deve ser considerado como um espaço

político e econômico, pois “o espaço foi formado, modelado a partir de elementos

históricos ou naturais, mas politicamente” (LEFEBVRE, 2008 p.62). Desta forma:

De acordo com o Diagnóstico Sócio-Econômico-Ambiental do INCRA/AM (1999:1), o assentamento foi implementado com o objetivo de promover a adequada ocupação da área por agricultores sem terra de Manaus, e possibilitar condições para a sua integração ao processo produtivo da região. (MATOS, PEIXOTO, COSTA, 2009 p.4)

Isto reflete a opinião de Carlos (2004) quando esta aponta que:

No campo o desenvolvimento avança reproduzindo relações especificamente capitalistas implantando o trabalho assalariado sem que as relações camponesas desaparecessem e sem que a totalidade do trabalho no campo e da vida social fosse submetida integralmente a sujeição real do capital apesar do desenvolvimento da industrialização da agricultura e da exportação das culturas para a exportação no seio da economia global (p.9)

Partindo do pensamento de Lefebvre (2008) que ao considerar o espaço como político,

ele fica dependendo de uma dupla critica: crítica de direita e crítica de esquerda. A

crítica de direita é uma crítica da burocracia, das intervenções estatistas, na medida em

que tais intervenções perturbam a iniciativa “privada”, ou seja, os capitais. Do mesmo

modo, acrítica de esquerda é uma critica as intervenções estatistas, na medida em que

essa intervenção não considera, ou considera mal, os usadores, a prática social, que quer

dizer a prática urbana. Diante dessa abordagem cabe ressaltar que o órgão que tem

funcionalidade burocrática territorial nessa discussão, o INCRA, exerce um poder

político que provem do estado, que por sua vez tem como objetivo o desenvolvimento

dos elementos da produção agrícola, por meio de projetos de assentamento, ao menos

enquanto discurso legitimador de sua existência ou da existência do grupo que o dirige.

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Entretanto, a opinião dos assentados (crítica de esquerda) não corresponde ao objetivo

do órgão, visto que, existe insatisfação por parte dos camponeses no que diz respeito à

atuação do INCRA no PA Tarumã Mirim, conforme um entrevistado: “Eles so vem

fiscalizar o lote, mas pra saber como estamo que é bom, nada”. (sic), segundo

depoimento de um dos assentados.

O assentamento está localizado na área rural do município de Manaus entre as bacias do

Tarumã Mirim e Tarumã-Açu (FIGURA 1). Possuindo especificidades por está próximo

ao núcleo urbano do município.

Figura 1: Recorte espacial do Assentamento Tarumã Mirim (unidade espacial em bordas vermelhas) institucionalizado pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em 1997 por meio de políticas publicas destinadas ao desenvolvimento rural, com funcionalidade de abastecimento das feiras e comércios da capital. Localizado a Noroeste da cidade de Manaus, os meios de transporte utilizados para se chegar ao assentamento pode ser via terrestre (BR-174, km 21), ou fluvial (Igarapé Tarumã Açu e Igarapé Tarumã Mirim

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Diagnóstico da Paisagem do assentamento Tarumã Mirim

É importante ressaltar que se trata de um território com organização sócio-espacial e

modos de vida semelhantes entre as comunidades do assentamento. Essa organização,

com a produção das estruturas territoriais resulta posteriormente na produção de uma

paisagem, que conforme Raffestin (2009) “Esta não é uma construção material, mas a

representação ideal da construção” (p.17)

As comunidades do assentamento enfrentam dificuldades comuns entre si, porém,

possuem aspectos relativamente diferentes, tanto na sua infra-estrutura quanto em sua

paisagem como sistema econômico-social, pois:

Paisagem como sistema econômico-social: concebida como a área onde vive a sociedade humana, caracterizando o ambiente de relações espaciais que tem uma importância existencial para a sociedade, composto por uma determinada capacidade funcional para o desenvolvimento das atividades econômicas. (OTOK, 1988: GONÇÁLEZ, 1996 apud RODRIGUEZet all2004, p16)

Este território possui estrutura política, social e econômica e como “A vida em

sociedade supõe uma multiplicidade de funções e quanto maior o número destas, maior

a diversidade de formas e de atores” (SANTOS, 1997 p.65) cada comunidade possui

uma associação, a qual funciona como uma sede da comunidade local, lugar onde são

discutidos diversos assuntos relacionados à comunidade e outros, exceto as

comunidades Bom Destino e Nova Luz que compartilham o mesmo presidente, e por

conseqüência a mesma sede.

As reuniões e eventos ocorrem pelo menos uma vez ao mês, onde a comunidade e

representantes são convocados. As associações são regidas por presidentes e vice-

presidentes de comunidade e seus sub-representantes; secretários, tesoureiros dentre

outros que possuem funcionalidade expressiva na comunidade, os quais atuam como

representantes da comunidade local, dentro e fora do assentamento. Essas lideranças são

instituídas por meio de voto, ou seja, democraticamente, onde cada membro da

comunidade tem o direito de exercer o voto, e cada morador pode se candidatar ao

cargo. Os mandatos variam de um a dois anos, e com possibilidades de reeleição,

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dependendo da gestão desenvolvida no decorrer do mandato e a satisfação da

comunidade geral.

Os lideres contam com recursos da associação, os quais são provenientes da cota

arrecadada, derivadas da taxa que os moradores da comunidade (associados) pagam

mensalmente. As taxas são em média de R$ 5,00 a R$ 10,00 Reais, dependendo da

associação, por exemplo: na comunidade Nova Luz e Nova Esperança a taxa é de R$

5,00 Reais, Nova Esperança. Já na comunidade Bom Destino a taxa custa R$ 10,00

Reais.

Em relação aos aspectos relativamente diferentes entre essas comunidades, no que se

refere à paisagem como sistema econômico-social é possível identificar três estágios,

pois segundo (RODRIGUEZ, SILVA, CAVALCANTI, 2004, p16): “A paisagem

percebida define-se como a imagem surgida da elaboração mental de um conjunto de

percepções que caracterizam uma cena observada e sentida em um momento concreto’’.

Figura 2: Comunidade Nova Esperança localizada ao sul do assentamento, utilizada como referencia de estagio de alto desenvolvimento em relação às demais comunidades citadas neste trabalho, principalmente no que se refere aos aspectos como estruturas físicas e paisagem e sistema econômico-social relativamente diferentes entre elas. Como por exemplo: ruas, escolas, comércios, posto médico, infra-estrutura elétrica, sede comunitária, igreja, e um poço comunitário com água potável.

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O primeiro é caracterizado como baixo desenvolvimento1, como é o caso da

comunidade Nova luz, que não possui benfeitorias2 e nenhuma infra-estrutura adequada

que ofereçam melhores condições de vida, desenvolvimento e deslocamento dos

moradores, e o difícil acesso o que contribui de forma negativa na produção dos

assentados, pois “a localização afeta usos potênciais da terra” (THUNEN apud

MORAN, OSTROM E MERETSKY, 2009), sobretudo dos camponeses. O segundo é

considerado médio desenvolvimento, como é o caso da comunidade Bom Destino, que

possui uma construção (sede/associação), onde funciona também como escola, com

infra-estruturas que levam energia elétrica até as casas, porém, sem saneamentos

básicos e com difícil acesso devido à ruim condição do ramal, o que não favorece o

escoamento das mercadorias produzidas ali.

E, por fim, o terceiro considerado alto desenvolvimento, levando em consideração as

anteriores e a temporalidade, como é o caso da comunidade Nova Esperança, que possui

não só uma área rural, como também uma área urbana, com benfeitorias: ruas, escolas,

comércios, posto médico, infra-estrutura elétrica, sede comunitária, igreja, e um poço

comunitário com água potável, e melhores condições de acesso terrestre e também

fluvial, devido sua localização, com mais viabilidade para o escoamento da produção

que provem do trabalho desenvolvido pelo camponês.

No que diz respeito à relação estabelecida entre urbano e rural para além de políticas

públicas nesse território, sobre tudo, dos órgãos atuantes no assentamento, estão: o

INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que atua como órgão de

fiscalização, de cadastro e auxilio na divisão e entrega dos lotes e regularização dos

assentados para entrega do titulo definitivo da terra, a SEPROR (Secretaria de Estado de

Produção Rural), que atua como órgão responsável pelo escoamento da produção

proveniente do assentamento.

O escoamento da produção é feito pelo caminhão da SEPROR, que adentra as

comunidades do assentamento, auxiliando no transporte e entrega da mercadoria até as

férias da cidade, e comércios que possuem relação direta ou indireta com os produtores

do assentamento. Entretanto, somente os produtores associados à ASSAGRIR

(Associação Agrícola Rural do Pau- Rosa) dispõem desse benefício, devido acordo

político estabelecido entre SEPROR e ASSAGRIR.

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Outro órgão é o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais)

que juntamente com o IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Estado do

Amazonas) atuam na fiscalização e no combate ao desmatamento e manejo ilegal da

biodiversidade. O IDAAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal

Sustentável do Amazonas) e a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária) atuam no auxilio e análise técnica de projetos elaborados por parte de

alguns assentados e na promoção de cursos que objetivam qualificar os produtores para

melhor desenvolvimento do uso da terra. E por fim a SEMED (Secretaria Municipal de

Educação) que atua na implantação de projetos de educação nas comunidades do

assentamento.

No que se refere ao modo de vida dos assentados do PA- Tarumã Mirim foram

identificados neste estudo quatro tipos que caracterizam o modo de vida diagnosticado

nas comunidades do assentamento. Nos quais qualificamos como: lotes/sítios,

lotes/migração, lotes/assalariados e os lotes/campesinato, para melhor descrição desses

tipos. É necessário identificar a relação do modo de vida dos assentados com a terra que

utilizam, pois, desta forma, encontra-se diferentes uso no território, ou seja, diversas

ações e objetos, no mesmo território, sendo a diversidade na unidade.

O tipo caracterizado como lotes/sítios são aqueles em que há somente a prática de lazer

no uso de seus lotes, onde os proprietários geralmente não residem, pois a grande

maioria reside na cidade, nesse caso contratam trabalho acessório (caseiro), o qual fica

responsável pela manutenção e guarnição do terreno, ganhando em média de um salário

mínimo ou até menos, dependendo do acordo entre contratante e contratado. Esses lotes

também possuem vegetação diversificada, com árvores e plantas de várias espécies

nativas, medicinais, frutíferas, e em alguns casos com pequena horta e pastagem, e

criação (galinha, pato, porco, cabra), entretanto, sem fins de produção e comercialização

por parte dos proprietários da terra, ou seja, sem apropriação de renda derivada da

extração dos recursos oferecidos pelos meios naturais presentes no lugar.

No entanto, esse tipo também estabelece relações sócio-espaciais e econômicas entre

vizinhança, comunidade e até mesmo familiares, visto que, essa classe dos donos de

sítios que aqui me refiro como lotes/sítios é resultante do repasse ou até mesmo da

venda desses lotes pelos primeiros assentados, os quais por algum motivo tiveram de

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abrir mão de sua própria terra. Esse tipo de lote pode ser encontrado em outras

comunidades do assentamento Tarumã Mirim, geralmente aquelas com mais

acessibilidade, próximas ao ramal do Pau-Rosa (principal via de acesso terrestre do PA

Tarumã Mirim).

Em relação ao tipo caracterizado como lotes/migração são aqueles em que se encontram

moradores que residem no assentamento mais que vieram de outros lugares, de diversos

municípios e estados do Brasil e que acabaram ou acabam fixando residência no

assentamento, com perspectivas de melhora de vida e com intuito de trabalhar na terra

(roça). Essas pessoas geralmente chegam até o assentamento, por meio, de amigos e

familiares. Dentre esses alguns trabalham de forma direta com a terra e extraem dela

uma produção, como é o caso do cupuaçu (polpa), mandioca e farinha, os quais são os

produtos de maior destaque nessa produção, mas que também sobrevivem de outros

trabalhos externos, como é o caso do trabalho acessório e aposentadoria.

Enquanto uns fazem uso da terra, outros investem na terra, como é caso daqueles que

constroem e sobrevivem de pequenos comércios (tabernas), e fazem disso sua principal

atividade de fonte de renda. Já outros migram por estar de alguma forma vinculada ao

assentamento devido seus trabalhos, como por exemplo: profissionais da educação e até

mesmo da saúde, ou de qualquer outro setor que tem como área de atuação o

assentamento Tarumã Mirim, onde sentem a necessidade de migrar para o lugar, para

que possam desenvolver melhor suas funções, tornando-se assim um novo membro da

comunidade, mesmo que tenha uma temporalidade, e com isso constituem relações

sociais, culturais e econômicas, essa classe é mais comum nas áreas urbanas do

assentamento.

No que diz respeito à classe caracterizada como lotes/assalariados, são assentados, os

quais plantam e cultivam roça, criação (galinha, pato, porco), hortaliças, com vegetação

diversificada em seus lotes, e fazem uso de plantas medicinais, e utilizam para

solucionar casos de doenças mais comuns. Esses assentados são camponeses, no

entanto, sua principal atividade e renda provem do trabalho acessório que segundo

(SANTOS, 1978, p 37): “Quando isso ocorre, dá-se a transformação periódica do

camponês em trabalhador assalariado, recebendo por jornada de trabalho”.

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Essa prática constitui sua principal fonte de renda, visto que, esse trabalhador recebe

por jornada de trabalho, o que para ele torna-se mais lucrativo. Esses trabalhadores

desenvolvem diversos serviços, e são contratados tanto para trabalhar na agricultura,

que neste caso é a roça, como também para outros setores, como por exemplo, na

construção civil, carpintaria, pintura, mecânica, eletrônica e outros. Esses serviços

variam de R$ 35,00 a R$ 50,00 reais a diária, ou mais, no caso das empreitas.

E por fim o tipo de lotes/campesinato são os lotes em que a prática do campesinato,

onde os moradores são camponeses, pois tem a terra como principal meio de produção e

comercialização (geração e fonte de renda), onde a força de trabalho é familiar e os

processos e meios de vida são criados pelos próprios proprietários da terra, pois

geralmente não fazem uso do trabalho acessório. Nesses lotes pode-se encontrar uma

diversidade de produtos derivados do manejo e extração da biodiversidade. Esses

camponeses são os responsáveis pela maior parte da produção escoada do assentamento

PA Tarumã Mirim, pois tem como principal atividade o cultivo da roça, visto que a terra

é seu principal objeto de produção no desenvolvimento de recursos naturais. A partir

dela produzem: cupuaçu, mandioca, macaxeira, açaí, banana, coco, bacaba, patoá e

outros. Dentre essas mercadorias as que mais se destacam são o cupuaçu e mandioca; o

cupuaçu é comercializado tanto a fruta quanto a polpa, e da mandioca fazem a farinha

que também é comercializada. Esses produtos são comercializados e vendidos para

feirantes e comerciantes da capital e até mesmo para a comunidade local.

Esta relação dos assentados com o meio, no qual, vivem e o uso dos lotes demonstra a

simbiose entre o homem produtor e uma natureza cada vez mais modificada, desta

forma, “O ato de produzir é igualmente o ato de produzir espaço” (SANTOS, 2008

p.202). Este espaço, que no assentamento é cada vez mais especulado havendo uma

“promoção do imobiliário e a mobilização do espaço” (LEFEBVRE, 2008), ou seja, a

especulação de terras no assentamento tornou-se uma fonte valorizada, pois “o

investimento no imobiliário e nas construções privadas (na produção do espaço) se

revela proveitoso, porque (...) comportará por muito tempo, uma proporção superior de

capital variável em relação ao capital constante” (LEFEBVRE, 2008 p.119). O processo

de especulação de terras no assentamento tem sua gênese ligada com a aproximação

com o espaço urbano de Manaus. Esta especulação refuta o objetivo de usos da terra

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estipulado pelo INCRA que tem como propósito o desenvolvimento dos elementos da

produção agrícola.

Os impactos das políticas públicas sobre a dinâmica do projeto de assentamento

tarumã-mirim.

No PA Tarumã-Mirim o poder do Estado, representado pelo INCRA, se torna um dos

principais agentes no processo de ordenamento territorial da área e, se materializa

através de políticas públicas que são destinadas para este local, visando a melhoria de

condições de reprodução social das famílias que ali vivem. Desde sua criação, as

dinâmicas sociais, culturais, econômicas e políticas vêm sofrendo impactos relacionados

com as políticas públicas do Estado, que no caso desta área estão associadas como

meios de garantir a função social da terra.

Dentre estas destacaremos as mais evidentes no meio social como a construção de

estradas, ramais e vicinais, o processo de migração de algumas famílias para o

assentamento e a forma de organização dos assentados, como infra-estrutura territorial

existente na espacialidade dos processos.

No que se refere à construção de estradas, ramais e vicinais, esta prática pode ser

considerada talvez, como a principal política no processo de ordenamento da área.

Entretanto como veremos adiante, construir por construir determinado ramal ou estrada

não garante o sucesso da política implementada. As estradas e ramais funcionam como

meios de integração entre o Assentamento com outros espaços, entre estes se

destacando a cidade de Manaus. Antes da construção destes meios de integração já

existiam famílias vivendo no local e habitavam principalmente as margens de canais

fluviais conhecidos como igarapés, pois era o único meio de ligação entre essas famílias

com a cidade.

No contexto da construção das estradas e ramais, a idéia que se tinha era de que

funcionaria como meio para a escoação da produção local, isto associado às políticas de

reforma agrária, no qual seria concedido um lote para o assentado e uma das maneiras

de garantir a função social da terra seria através de cultivos agrícolas que abasteceria o

mercado consumidor de Manaus, logo seria através dessas estradas que os produtos

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chegariam ao consumidor. A idéia continua sendo válida, no entanto, o objetivo de

abastecer a cidade de Manaus com produtos agrícolas fracassou. E entre os motivos que

podem explicar esta situação, estar a manutenção das estradas e ramais construídos que

não é realizada constantemente. No caso de algumas comunidades em período chuvoso

ficam “isoladas” e impossibilitadas de transportarem a produção. Claro, que o acesso

não é o único motivo formidável para o funcionamento de uma cadeia produtiva, outros

como financiamento e credito rural também se tornam substanciáveis.

Estruturalmente o Assentamento possui duas estradas principais: Estrada do Pau-Rosa e

Ramal da Cooperativa, ambas possuindo diversos ramais durante sua extensão. A

estrutura da estrada do Pau-Rosa é bem melhor que da Cooperativa, isto se reflete, por

exemplo, pelo fato desta ser asfaltada, enquanto que as famílias que dependem do

Ramal Cooperativa encontram uma estrada sem asfalto, sendo visível em todo seu

trajeto feições erosivas dificultando a passagem de veículos. Curiosamente, no que se

refere à espacialidade das cadeias produtivas existentes no Assentamento, observou-se

que estas possuem uma dinâmica mais acentuada no sentido de comercialização

comparada com as comunidades do Ramal da Cooperativa. Reflexo também da

organização comunitária desses moradores, cuja forma se baseia no associativismo.

Os impactos das estradas não se restringem somente a práticas sociais e econômicas,

outro ponto que vale ser discutido estar relacionado com os impactos ambientais. Nas

proximidades das estradas observou-se que as áreas desmatadas são mais freqüentes.

Algumas regras do Assentamento tentam combater esta prática, entre estas o uso

somente de 2 ha de terra no lote e a proibição de comercio madeireiro, regras que são

ameaçadas, o não cumprimento pela ineficiência no processo de fiscalização.

De um modo geral, as estradas possibilitaram que o processo de ocupação dentro do

Assentamento ocorresse de forma mais rápida, atrelado a esta ação que associa-se o

processo de migração. A criação desse território desencadeou a vinda de famílias de

vários lugares, tendo em comum o objetivo de ter acesso a terra. Nesta vinda, vale

ressaltar, diferentes modos de vida e saberes se entrelaçaram com aqueles já existentes,

tornando o espaço com características plurais. De acordo com Veiga (2002): apesar de

relativamente há pouco tempo na região, estes povos “não tradicionais”, em função de

sua própria sócio-diversidade e de sua produção ao meio da região de instalação.

A maioria dos assentados nasceu no estado do Amazonas, mas no procedimento de

pesquisa se encontrou pessoas vindas de outros estados, principalmente de Pará e

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Roraima. O etnoconhecimento é uma das formas de manifestação desses modos de vida

diferentes, consistindo também como prática territorial. O modo de vida influenciará

decisivamente nas constituição de cadeias produtivas dos assentados.

Considerações finais

O assentamento Tarumã-Mirim criado pelo INCRA apresenta diversidades em sua

forma de uso, contrariando o propósito do instituto de colonização que é de promover a

produção agrícola no local. No entanto, o diverso uso dos lotes pelos assentados, de

certa forma, refuta as metas do instituto.

Foi possível identificar e classificar os níveis de estruturas das comunidades (Nova

Esperança, Bom Destino e Nova luz) no assentamento. O desenvolvimento e a

disponibilidade de benfeitorias nas comunidades não ocorrem exclusivamente pela

aproximação do espaço urbano, mas, também, pela atuação de políticas públicas, onde,

por exemplo, são mais atuantes na comunidade Nova Esperança a mais distante do

espaço urbano de Manaus.

Sendo assim, no assentamento Tarumã-Mirim, uma unidade territorial apresenta

diferentes paisagens, pois, encontram-se diferentes relações sociais, evidenciando

diversas formas no território, pois, cabe lembrar, que a paisagem representa uma

herança (social ou natural) de uma relação social no espaço, no sentido de ser uma

dinâmica da relação sociedade-natureza que é resultante da formação sócio espacial

brasileira.

Notas

–––––––––––––

1Este termo é aqui para caracterizar qual comunidade possui a melhor estrutura física, e melhores condições de relação social com serviços públicos, como escola, saúde entre outros. E as analises foram comparadas entre as comunidades. 1É considerado aqui como estrutura física, por exemplo, edificações como: Escola, posto médico, igreja, sede da associação, comércios.

Referências

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